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outubro 9, 2012
Antonio Dias | Polaroids por Vanda Klabin
Antonio Dias | Polaroids
VANDA KLABIN
Antonio Dias na Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro - 20.09.2012 - 20.10.2012
Nascido em Campina Grande, na Paraíba, em 1944, chegou ao Rio de Janeiro com quatorze anos de idade. Autodidata, não seguiu nenhum ensino tradicional de arte, mas frequentou o Ateliê Livre de Gravura da ENBA, onde foi orientado por Oswald Goeldi e Adir Botelho. Seu envolvimento não deriva de nenhum compromisso acadêmico, o que lhe trouxe uma enorme autonomia e disponibilidade para o seu fazer artístico. Essa interação do artista com o desprendimento envolveu sua produção e experimentações para realizações mais radicais, não aderindo de forma decisiva aos diferenciados movimentos artísticos, mantendo o núcleo poético do seu trabalho livre e disponível para buscar os seus próprios desdobramentos.
A singularidade de sua trajetória movimentada e inquieta é surpreendente e tem sido um processo permanente de pesquisa. Sua obra, vasta e complexa, se desenvolve em um território de significações ambíguas, muitas vezes irônicas, repletas de inúmeras questões que permeiam os conceitos fundamentais do território plástico. O processo da arte é estar sempre questionando; é um ato permanente de conhecimento, que busca um território autônomo de pensamento. Não se ouve suficientemente o que os pintores dizem, já alertava o filósofo francês Gilles Deleuze. Uma produção artística propõe uma solução e, ao mesmo tempo, enuncia um problema. Ao longo de décadas, Antonio Dias trabalha com diversas linguagens artísticas, diferentes materiais e universos heterogêneos, em um ritmo flexível e intenso de expansão e experimentações: pintura, gravura, obras sobre papel, discos, desenhos, objetos, fotografia, vídeos, cinema e instalações sonoras.
Residiu em diversas cidades e estabeleceu diferentes ateliês. Alguns permanentes, como os do Rio de Janeiro, Milão, Paris, Colônia e outros transitórios, como os do Nepal, Recife, Nova York e Berlim. Nesses deslocamentos constantes, estabeleceu pontos de contato com a produção local e a internacional, e trouxe sempre à tona uma constelação de informações e referências, dentro do qual sua obra se movimenta, sempre impulsionada pela necessidade irrequieta de explorar novos caminhos na sua produção.
A fotografia passou a integrar a sua obra como um elemento substantivo dela; adquiriu uma potencialidade, um vocabulário e um universo próprio dentro do seu trabalho. Nessas obras, percebemos a reunião de dois recursos estéticos independentes: a captura do real através de uma câmera polaroid e a transferência para a tela, onde são estabelecidas equivalências poéticas, através desse quase olhar da câmera na passagem para a tela.
Nessa fronteira entre a pintura e a fotografia, a série Polaroids permite uma anotação rápida, um registro transitório e requer uma outra frequência, que se prolonga ao romper as estruturas, que a separam da pintura gestual, criando uma mistura de linguagens, que alimenta a pulsão do olhar. Charles Baudelaire declarou que na fotografia, encontramos a apreensão do eterno no efêmero.
Na obra de Antonio Dias, se a cor aparece inicialmente como um fenômeno puramente ótico, ela torna-se densa e corpórea nas superfícies do papel fotográfico para, posteriormente, materializar- se nas sólidas superfícies das telas. São momentos diferenciados, que ganham respiração, como se o instante se debatesse, adquirisse uma espécie de rumor da natureza, que ganha estabilidade e adquire forma ao se concretizar nas ampliações fotográficas e posteriormente nas telas. Francis Bacon mencionava que para ele, as fotografias não são somente ponto de referências, muitas vezes elas são detonadoras de ideias.
A captura é o primeiro foco de atração: parece guardar uma imediaticidade da experiência, reter o singular. Explora a ideia do efêmero como passageiro, transitório. Os elementos de interferência e dissolução parecem ser uma constituinte do seu trabalho, mas permanece um aspecto ambíguo, presidido por dois movimentos: saber se desmanchar/saber se impregnar. Na iminência de uma dissolução, ganha uma presença permanente. A obra sai da câmera para uma imersão cromática e se consolida em um outro meio de expressão, originando trabalhos independentes e rematerializados, um novo território geográfico.
O trabalho de Antonio Dias sempre se constitui como um vir a ser, como uma experiência de natureza fluida, móvel, indefinida nas suas experimentações. A cor funciona como um olho exploratório, registrando a intensidade e construindo a matéria. Neste processo operacional de captura do real, o trabalho adquire interioridade, encerra, enfim, uma forma plástica de pensamento, uma consciência ampliada de sua dimensão artística. Antonio revela uma relação sensual com a matéria, dando aos seus trabalhos uma espessura significativa e um contorno impreciso e ambíguo. São verdades, que estão sempre presentes e que são os elementos constitutivos da sua poética: o lugar da arte e do artista, as associações entre texto e imagem, o uso da ironia como linguagem, as formas geométricas, as discussões sobre política, poder, sexo e sedução. Tenciona o jogo do desejo, torna-o um fato estético dentro de um terreno metafórico, em sua misteriosa aparência, como na sua instalação Todas as Cores do Homem, realizada em 1996, composta de frascos de vidro soprados em forma de pênis, que contém água mineral, vinho tinto, malaquita, grafite, gesso, que remetiam ao corpo, simbolizados por elementos como a pele e os órgãos sexuais.
”Todo trabalho deve ser inteligente, mas é importante, ao mesmo tempo, colapsar o entendimento. Todo trabalho bom, realmente inventivo, vai contra a lógica e a razão”. Antonio Dias - O Globo, 10 setembro de 1985.