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julho 2, 2012
Sergio Camargo: Trajetória escultórica por Paulo Venancio Filho
Sergio Camargo: Trajetória escultórica
PAULO VENANCIO FILHO
Sergio Camargo é, por excelência, o escultor construtivo do volume a da massa, da homogeneidade entre cor e matéria. Escultor da massa e do volume, da presença física, a obra de Camargo é plena de ressonâncias arquitetônicas - sua lírica musicalidade, fluída e contínua, encontra também um paralelo na heterodoxa arquitetura moderna de Niemeyer. De fato sua escultura se faz aderindo e contrariando a certos pressupostos do não-objeto neoconcreto. Desconsidera a base, mas de certa forma, e dentro da forma, mantém aquele núcleo incognoscível que o não objeto pretendia aniquilar. Mas podemos dizer que esse núcleo, no caso de Camargo, é, ao mesmo tempo, suprimido e mantido através da plena identidade e unicidade entre forma, cor, matéria. Núcleo e obra são a mesma coisa, plenamente transparentes um ao outro. Por esta via muito singular, heterodoxa ao neoconcretismo, mas em sintonia com ele, Camargo resolveu modernamente a presença tão atávica na escultura da massa e volume, o que o coloca muito próximo de outro construtivo singularíssimo como Hans Arp, tanto o Arp dos relevos quanto o das esculturas. Nos dois, o mesmo gosto pela massa cheia ininterrupta, pelas superfícies curvas e esfericidade, tanto na madeira como no mármore além do branco que também é tão presente na obra do escultor suíço.
As primeiras esculturas de Camargo, figuras femininas enclausuradas em si mesmas, agachadas, torcidas e retorcidas, corpos só núcleo, massa e volume indistintos e concentrados, são pura matéria em tensão que o bronze impenetrável ainda mais acentua; a luz é como que repelida e indesejada, como se a matéria dela procurasse escapar e se esconder. A qual forma então reduzir este conflito? Grosso modo o corpo humano não passa de um grande cilindro. Tronco, braços e pernas aspiram à clareza da forma geométrica, nada mais. De um torso, podem surgir torções e o cilindro, em si, estático; mas na sua combinação múltipla, ora aleatória ora controlada, se estabelece a dinâmica tão singular do trabalho no seu inquieto e constante organizar e desorganizar.
Camargo foi mesmo um precursor ao fazer da obra o próprio sistema levando-o até o seu limite material e formal. Este caráter singular e surpreendente do trabalho, work in progress experimental, exige e propicia a realização de novas leituras e sentidos, estimulando a reflexão crítica sobre as relações entre modernidade e contemporaneidade, retomando aspectos do passado e verificando-os, renovados, no presente. Notável e enigmático, fato que sempre surpreende, é como a potência plástica da obra se desdobra além da lógica do sistema. A escultura transcende a soma - ou subtração – dos elementos geométricos; o todo subsume as partes; uma vez pronta não há mais como desarticulá-la de tal modo está unificada pela unidade da matéria e cor, transparente a si mesma. Nos relevos de madeira como nas esculturas em mármore o método é unívoco à matéria, o cálculo à sensorialidade, o rigor à liberdade. Fascinante é o resultado sempre inesperado e surpreendente, quando, a princípio poderia parecer óbvio e mecânico. Mais do que qualquer dos abstrato-geométricos Camargo desfaz o crítico dilema razão-sensação dispondo de ambas com a mais absoluta liberdade.
Uma obra que se faz dessa maneira a rigor não tem princípio nem fim; podemos entendê-la de modo livre e articulado, desobedecendo qualquer sentido evolutivo ou cronologia. O rigor formal e a liberdade da forma que estrutura o processo escultórico de Sergio Camargo, desde suas obras mais características dos anos 1960 até suas últimas obras, encontra-se no raciocínio imaginativo que desenvolveu a partir de uns poucos e discreto elementos geométricos, ora estruturando-os em conjunto ora isolando-os, observando seu comportamento sob o efeito da luz e da movimentação do espectador, ampliando e deformando os mesmos elementos, ora atingindo uma escala quase monumental ora reduzindo a obra a estudos diminutos, Camargo produziu uma reflexão das mais completas e complexas sobre as possibilidades da escultura moderna e uma das obras mais inovadoras da arte moderna brasileira.
Ao final da obra uma parábola escultórica se completa; do plano ao espaço e de volta ao plano, o mesmo percurso que vai do bidimensional ao tridimensional e retorna ao bi-dimensional. Da unidade cor matéria, à tinta branca rala, fosca, opaca e “quente” da madeira à madeira, absorvendo a luz, mortiça à extinção da luz, no duro negro belga, núcleo fechado que só reflete.