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junho 24, 2012
Silêncio, quietude e apaziguamento por Ana Luisa Lima
Silêncio, quietude e apaziguamento
ANA LUISA LIMA
Gil Vicente - Geometrias, Galeria Mariana Moura, Recife, PE - 28/06/2012 a 29/07/2012
Foi morto. Sempre que se anuncia uma morte imaginamos uma tragédia. Morte e violência parecem andar comumente de mãos dadas. Morrer de velho não é excitante.
Nesses dias me perguntei de onde veio a violência que quis matar o autor, a pintura e a história da arte. A violência acalentada pelo medo, talvez. Medo de que um dia tudo seja silêncio, quietude e apaziguamento. Penso que anunciaram precocemente tantas mortes, não porque já não conseguiam enxergar-lhes vida, mas porque ansiavam outra vez por seus grandes gestos.
E por certo que há muito já não se podia ver grandes gestos, porque o mundo, e tragicamente também a arte, estava empenhado em dar respostas – quase sempre pragmáticas. O que se criou então foi uma tagarelice sem fim. Um movimento circular de excesso de significados para tão pouco significantes. Instaurou-se a arte adjetivada. A arte tecnológica, a arte política, a arte relacional, etc.
Tal necessidade obsessiva de adjetivação da arte deu lugar a um formalismo vulgar. Isso quer dizer que a arte contemporânea parida para ser a possibilidade de todas as coisas deixou-se ser domesticada pelos adjetivos de modo que hoje é possível identificar facilmente a genealogia de uma obra de arte contemporânea por seus parentescos próximos, de formas comuns.
Nesse sentido, fica bem engraçado quando daqui e dali se ouve dizer pejorativamente de um pintor contemporâneo que resolve tomar mão da abstração ser um formalista. É nesse contexto que gostaria de falar sobre Gil Vicente.
Penso que à contrapelo daquilo que vem sendo engendrado pela atual história da arte, com muito poucos grandes protagonistas, Gil com sua “Geometria adiada” anuncia uma série de perguntas no lugar das fáceis respostas.
Nesse momento histórico, talvez esse seu gesto prefigure um ato instaurador (ou restaurador) de uma arte que volte a ser tomada inteiramente por uma vontade de fruição, como diz Barthes. Um lugar em que sejam ultrapassadas a tagarelice, e a procura obsessiva pelos adjetivos.
Tenho pra mim que alguns desavisados estarão apegados à ideia de que a abstração é algo “datado”. O que vale dizer que um pensamento desses ser contemporâneo de estudos cada vez mais avançados sobre as dobras do tempo e do espaço é que não me parece ter muito lugar. Ademais, a genealogia artística além de se dar sem certeza de sua pureza, também não está estabelecida como uma espécie de evolução da criatividade obedecendo restrições lineares de temporalidade ou lugar. Desse modo, é possível esboçar incontáveis diagramas de parentesco em que se pode conferir a Gil a contemporaneidade tanto das investigações de Cézanne quanto as concretas e neoconcretas.
O certo é que a geometria pintada por Gil adia mortes e respostas. E as grandes perguntas só se multiplicam naquilo que em sua pintura se faz em planos, cor, ausência, contenção.
É na ausência que Gil se faz gesto e autoria – parafraseando de maneira livre Agamben**. E em sua pintura de aparente silêncio, quietude e apaziguamento permanece o artista de arma em punho ameaçando olhos nos olhos novos e velhos Inimigos***.
Ana Luisa Lima é crítica de arte, editora da revista Tatuí.
** No livro “Profanações” Giorgio Agamben traz o assunto no ensaio “O autor como gesto”.
*** Nome da série de desenhos de Gil Vicente presente na 29a. Bienal Internacional de São Paulo.