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outubro 17, 2011
SPA das Artes – Motivos para comemorar e refletir por Cecília Bedê
SPA das Artes – Motivos para comemorar e refletir
Cecília Bedê
Especial para o Canal Contemporâneo
“Realizado pela Prefeitura do Recife, o SPA das Artes chega em 2011 com motivos para comemorar. De 11 a 18 de setembro, o evento muda o cotidiano da cidade com performances, intervenções urbanas, exposições, debates, oficinas e outras ações em comemoração ao seu aniversário de dez anos. Desta vez, três equipamentos culturais da prefeitura vão concentrar as atividades do SPA: Parque Dona Lindu, em Boa Viagem; Museu Murillo La Greca, no Parnamirim; e Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), sobretudo o anexo do Mamam no Pátio, no Pátio de São Pedro, no Bairro de São José. Sua programação, no entanto, se estende por vários cantos da cidade, formando uma verdadeira rede de artes visuais. Pulsante e viva. Vamos nessa!!!”
Começo esse relato com o texto de apresentação que está no site do evento (www.spadasartes.org), pois é pelo conteúdo inserido nele que quero percorrer ao comentar sobre o SPA.
Comemorar dez anos de existência significa olhar para trás, para frente e acima de tudo para dentro. O SPA de 2011 vem com a proposta: pensar os próximos dez anos. A questão é: essa passagem de tempo será transformadora no sentido de trazer o amadurecimento que é necessário após tantos anos de vida? Tomando como base a edição de 2011, vejo que essa tarefa será mais difícil do que se imagina.
O SPA inicia em 2002, a partir da iniciativa de artistas da cidade, como um encontro alternativo. A partir de 2003 se tornou um evento médio porte da prefeitura do Recife e foi adquirindo a cada edição, a característica de evento que ocupa e intervém na rotina da cidade. Artistas de todo o Brasil participaram em grande proporção com trabalhos de intervenção urbana e performances nas ruas, processo que se deu naturalmente a partir do que a própria cidade instiga. Mesmo sem a programação na mão, era possível ver o SPA acontecer simplesmente ao caminhar pela cidade. Com o crescimento, o SPA fortalece sua característica de formação de artistas novos, formação do olhar do público e das relações com a cidade em instâncias públicas e privadas.
Em Fortaleza grupos se reuniam para fazer o trajeto até Recife, para o SPA, assim tive a oportunidade de participar - como público mesmo - em 2004 e 2005. Ele já era um evento consolidado no circuito das artes visuais do Brasil, como um evento que reunia artistas de todo o país para uma semana de imersão e derramamento com o fim de ter na arte um momento de discussão e produção.
Um embate inevitável acontece quando a semana de artes visuais que se volta para a cidade a fim de intervir em seu cotidiano, é absorvida pela instituição. Passa a se adequar a moldes e corre o risco de se descaracterizar. Claro que o crescimento exige mudanças e transformações e é aí que está o desafio maior, segurar a onda e deixar mudar sem perder consistência.
Em 2011 o SPA traz artistas de vários lugares do Brasil, performances, intervenções, debates, palestras e oficinas. Sua cara antiga, porém tímida e recolhida. Percebe-se uma contradição, ao invés dos trabalhos intervirem nos espaços, foram os espaços que intervieram nos trabalhos. As instituições citadas no texto de apresentação do site foram os espaços da cidade que os receberam, até mesmo os que traziam propostas ligadas de fato ao espaço da rua. Uma intervenção pensada para um viaduto foi levada ao viaduto mais próximo do museu, uma ação coletiva de stêncil, resultado de uma oficina, foi apresentada em um outdoor dentro desse mesmo museu. Performances, encontros, shows, foram realizados nas galerias e espaços da prefeitura. E assim, eram a grande maioria dos trabalhos, vizinhos dos espaços que representam a base que permite o acontecimento do evento.
A aproximação do SPA com as instituições, fez com que ele se afastasse do público, que fosse suprimida a possibilidade de participação e até visibilidade. Salvo aqui duas exceções: as ações que ocorreram no Pátio São Pedro, no centro de Recife, que tiveram maior audiência por ser um lugar de intensa movimentação, mas que ainda assim, estavam cercadas pelos espaços institucionais instalados ali mesmo; e o SPAM das artes, atividade paralela que aconteceu na Mau-mau, espaço alternativo que conseguiu reunir os próprios participantes do SPA e mais pessoas em tardes e noites de exposições, vendas e trocas de obras, performances, projeções e shows.
A descaracterização vem através da própria tentativa de se manter o característico, sem assumir a mudança natural das noções de espaço, lugar e tempo que são trazidas por todo um contexto cultural dominante, uma crise que não se dá apenas no SPA ou sequer somente na arte. A constituição de uma relação fácil e confortável, atrelada a padrões e formatos gera desconfiança, isso porque o que se quer do artista e da arte é o conflito produtivo. Esse conflito o SPA das Artes hoje tem nas mãos, uma ótima oportunidade de se reinventar. Pensar os próximos significa encarar um longo debate, com um pensamento em rede, politizado, buscando o entendimento dele próprio, inserido no contexto contemporâneo. A crise pede mudança, fervor e novas ideias e da para fazer isso sem perder identidades.