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setembro 16, 2011
Produção Crítica e Deslocamento - mesa relatada por Aline Albuquerque
Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Produção Crítica e Deslocamento
Relato realizado por Aline Albuquerque em 12 de agosto de 2011
3ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar
"Pensar em rede pode nos levar a estratégias curatoriais diferentes e independentes de estereótipos." "Nós dialogamos pouco apesar do muito assunto." "Nossa fatídica condição pós colonial indica grande capacidade de elaboração de afetos, daí nossa característica hospitalidade." Mais ou menos assim Pablo Assumpção mediou o início da conversa para então nessa ordem, apresentar os convidados, todos artistas-etc, segundo Ricardo Basbaum.
Rodrigo Quijano - Lima/Peru - "La Culpable"
Rodrigo é poeta e curador, foi um dos fundadores do espaço "La Culpable".
O Espacio La Culpable surge da necessidade de reconstruir o tecido social puído pelo tempo em que o Peru esteve sob a ditadura de Fujimori. Vários fatores como a desregularização e perseguição políticas, a censura, o fechamento de espaços públicos e o grande saldo de mortos e desaparecidos não só marcaram, mas transformaram o modo de viver dos peruanos. O consequente vazio, o incômodo com uma cena pobre e conformista criou condições para que um grupo de amigos, bastante heterogêneo, visionassem um espaço independente capaz de promover a recuperação da sensibilidade crítica e despertar para uma nova consciência política e pública. Ações "de base" como a construção de uma biblioteca para o bairro e o resgate das festas de carnaval, eram estratégias de recuperação do terreno social e de aproximação com o público. Nos primeiro anos "La Culpable" produziu muito, especialmente vídeos, que eram exibidos em lugares inusitados, sempre com a vontade de chegar perto da maior quantidade de pessoas. Mais tarde, preocupados com a necessidade de criar memória e, portanto de produzir crítica relativa às experiências ali vivenciadas, entre muitas outras ações, praticou-se a leitura aberta de portfólios - espaço de comunicação direta entre o artista e o público. Segundo Quijano, uma das experiências mais interessantes do "La Culpable", absolutamente sem protocolos e sem mediação, as leituras eram "uma maneira terapêutica de criar momentos críticos efetivos". Porém, a condição de espaço independente é também precária. Ao fazer parte de um circuito cultural que não se completa, o êxito traz como consequência a violência de ter que lidar com as necessidades sociais e as do mercado, o que aos poucos vai sabotando o próprio trabalho. "La Culpable" funcionou entre 2001 e 2008, no distrito de Barranco em Lima, Peru.
Na revista Corneta-Semanário Cultural de Caracas - www.corneta.org - há uma entrevista ótima com os membros de "La Culpable" , 27 de nov. al 3 de diciembre, 2008, no.21
Clarissa Diniz - Recife/Brasil - Revista Tatuí
Clarissa é crítica de arte e editora da revista Tatuí.
Abaporu visita o Brasil - Como parte da programação da visita do presidente Obama ao Brasil, é organizada uma exposição chamada "Artistas Mulheres e Brasileiras", dentre os trabalhos expostos, está a emblemática tela de Tarsila do Amaral, de 1928 - Abaporu. Diante da obra, a presidente Dilma Roussef expõe brevemente o conceito de Antropofagia à família Obama, (que fica muito bem impressionada). O Abaporu pertence ao MALBA - Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires - e a muito custo de lá pode sair. Inicialmente ofertada a Oswald de Andrade como presente de aniversário, o Abaporu ou "o homem que come gente", tornou-se símbolo do movimento antropofágico, cujo conceito serviu para legitimar trechos do discurso da presidente Dilma Roussef. Para Oswald a ideia de antropofagia não era da harmonia, aceitação e consenso em nome da democracia, como Dilma fez parecer em seu discurso, mas justamente o oposto, a ideia do embate e da "deglutição crítica" da cultura europeia imposta pelos colonizadores. Clarissa também lembrou que o empenho da presidente na campanha para que o Brasil se torne membro da ONU, justificou ainda mais sua vertente interpretativa do antropofagismo como filosofia da aceitação.
"Este país, o Brasil, tem compromisso com a paz, com a democracia, com o consenso. Esse compromisso não é algo conjuntural, mas é integrante dos nossos valores: tolerância, diálogo, flexibilidade. É princípio inscrito na nossa Constituição, na nossa história, na própria natureza do povo brasileiro. Temos orgulho de viver em paz com os nossos dez vizinhos há mais de um século, agora. " (Trecho do discurso oficial de Dilma Roussef para a visita de Obama"
"Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade." (Trecho do Manifesto Antrpofágico)
Na década de 70 a arte ocupava um espaço de resistência, com a valorização e preservação da identidade local, a partir de então, com o fortalecimento do ideal neo liberal e a disseminação das ideias de globalização e homogeneização, numa perspectiva universalista, a arte passa a assimilar o discurso do consenso e da aceitação das diferenças e é possível notar esta perspectiva ao observar os temas das Bienais de São Paulo:
"Como viver juntos" - 27ª Bienal Internacional de São Paulo
"Em vivo contato" - 28ª Bienal Internacional de São Paulo
" Há sempre um copo de mar para um homem navegar" - 29ª Bienal Internacional de São Paulo
O que preocupa, segundo Clarissa, é perceber que a arte contemporânea, assim como foi usada por Edemar Cid Ferreira para lavagem de dinheiro e para melhorar a cara do Brasil no estrangeiro, através da empresa Brasil Connects, serve à Dilma para arrochar os laços com os Estados Unidos e suas instituições, dentre elas o Museum of Fine Arts de Houston , que desenvolve amplo projeto de pesquisa "visando à recuperação das fontes críticas da arte latino-americana", ou seja, detém informações sobre nós que nós mesmos não temos. Vale lembrar que o colecionador Adolfo Leirner vendeu toda sua coleção para o tal museu, por achar que o Brasil não produz conhecimento necessário que justifique que as obras fiquem no país.
O depoimento abaixo ilustra a querela institucional que enreda o Abaporu, e dá pistas de um novo modelo curatorial para o sec.XXI, pautado na lógica coorporativa dos museus.
"Sou uma anta. Eu achava que esse quadro não podia sair do Brasil, mas perdi muito dinheiro e precisava vendê-lo", diz. "Procurei todos os colecionadores e museus, ofereci para a Bolsa de Valores, para a BM&F. Ninguém quis. Aí, quando um imbecil do patrimônio veio com a história do tombamento, todos os possíveis compradores nacionais se afastaram." (Depoimento de Raul Forbes - o homem que vendeu o Abaporu")
Esteban Alavarez - Buenos Aires/Argentina- El Basilisco
Para iniciar a conversa, Esteban fala de um álbum de Charly Garcia, de 1973, denominado "Pequenas Anedotas sobre Instituições". Charly Garcia é um roqueiro argentino muito louco, considerado o Frank Zappa portenho por suas invencionices e excentricidades."O álbum era muito diferente, a canção era sempre a mesma e não era contagiante, porém era algo novo, uma oportunidade de nos posicionarmos criticamente em relação às instituiçãoes." Esteban foi um dos diretores de "El Basilisco" espaço autogestionado dedicado a projetos de residências artísticas, que contava com o apoio de diversas instituições, entre elas as brasileiras Itáu Cultural e Fundação Iberê Camargo. Esteban vai direcionar sua apresentação para a reflexão sobre os desafios de constituir espaços alternativos capazes de trabalhar em parceria com instituições, sem trair os princípios que as norteiam, como a produção sem fins lucrativos e com envolvimento social. A fala de Esteban foi bem mais reduzida que as anteriores, ele encerra com a ideia de que, afinal, são as pessoas que fazem a diferença, independentemente de estarem ligadas a instituições ou a projetos alternativos.
Microfone aberto - questões, ideias, reflexões
Ao ser questionada sobre a fatalidade da falência dos coletivos e dos projetos independentes, Clarissa afirmou haver sim uma solução: a revolução. Porém, como esta não vai acontecer, sobram os revolucionários. A eles cabe o papel de trabalhar a partir do problema dado, aproveitar brechas no sistema da arte, que é uma prática disseminada, pode obscurecer os ideais e causar um efeito contrário ao desejado, que é a afirmação do próprio sistema.
Abaixo, algumas ideias que surgiram da conversa final:
- Podemos afirmar que a potência dos coletivos é minada pela ausência de crítica.
- O mercado da arte promove a internacionalização das obras e por outro lado fica a questão do patrimônio. Há um embate de interesses contraditórios.
- Está tudo muito girando em torno do artista como autor, o que configura um retrocesso.
- A apropriação do lucro é individual. Artistas oferecem serviço como obra. Isso pode acarretar uma cena onde o artista ocupa lugar de poder, caracterizando sua morte.
- A consolidação das políticas públicas impede que digamos o que é dependente, o que é independente, o que é demanda e o que é necessidade. O que não é normal é que, cada vez mais, por haver demanda, a geração de novos críticos raramente se posicione, como se posicionar-se fosse menos democrático. A antropofagia não é aceitação do outro, é tensão.
- Os fins dos coletivos devem ser encarados como estratégia, o esvaziamento, como projeto político, como potência. Porque não há saída, ou melhor, há, a revolução. Os subterfúgios, a ideia de pensar se aproveitar das falhas do sistema da arte, obscurece. O problema está dado e é com ele que devemos trabalhar.