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setembro 16, 2011
Dinâmicas para a mobilidade - mesa relatada por Aline Albuquerque
Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Dinâmicas para a mobilidade
Relato realizado por Aline Albuquerque em 10 de agosto de 2011
1ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar
Qual a eficácia política e social do pensamento gerado à partir das residências artísticas e dos projetos em rede?
Enrico Rocha faz uma breve introdução ao assunto proposto para a primeira mesa do encontro, para logo em seguida apresentar os convidados, que por sua vez vão apresentando "seus lugares."Todos os convidados são artistas-etc, segundo a definição de Ricardo Basbaum:
“Artistas-etc não se moldam facilmente em categorias e tampouco são facilmente embalados para seguir viagens pelo mundo, devido, na maioria das vezes, a comprometimentos diversos que revelam não apenas uma agenda cheia mas sobretudo fortes ligações com os circuitos locais em que estão inseridos.”
“O ‘artista-etc’ traz ainda para o primeiro plano, conexões entre arte&vida (o ‘an-artista’ de Kaprow) e arte&comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento.”
Paulina Varas
Paulina Varas é a primeira a apresentar "seu lugar" mostrando uma série de fotografias da cidade de Valparaíso - Chile, de diversos pontos de vista. Em uma das fotos aéreas ela localiza o CRAC, Centro de Residências para Artistas Contemporâneos, circulado por caneta vermelha (me fez lembrar o trabalho de Dora Longo Bahia em que ela interfere em fotos de paisagens.) Localizado em um prédio bonito, antigo e mal conservado, patrimônio da UNESCO, no centro histórico de Valparaíso, o CRAC é : "um centro independente de arte e pensamento contemporâneo, sem fins lucrativos, cujo principal interesse é vincular as práticas artísticas contemporâneas com a história da cidade e a conjuntura cultural e política atual, através de projetos de arte que incidam em diversos estratos da cultura e que proponham um possível diálogo com as formas de relacionar-se na cidade, estabelecendo novas vias de acesso para o intérprete, mediador ou receptor das manifestações culturais." www.cracvalparaiso.org
Paulina apresenta um projeto transdiciplinar consistente que une arte contemporânea e políticas públicas no intuito de exercer a cidadania com criatividade, pensar a cidade através de plataformas colaborativas que unam as formas tradicionais do conhecimento e os saberes autonômos para propor soluções, fazer com que a cidade esteja em condição de existência "poética e recreativa", transformar lugares já existentes dando-lhes novos usos, resignificando-os a fim de satisfazer a real necessidade e vontade dos habitantes. Pode parecer um tanto utópico, e no entanto, a prática demonstra a eficácia desta nova maneira de fazer política. As ideias abaixo foram pescadas da fala ligeira de Paulina, se as apresento assim dispersas, é porque acho que cada uma delas tem muita força e são altamente desdobráveis:
- auto tradução versus tradução linguística
-tradução coletiva
- hospitalidade linguística - "o prazer de habitar o idioma do outro" ou “hospedar o idioma do outro em si”
- utopia transfronteiriça
- cartografia do coletivo
- plataforma colaborativa transdisciplinar propositiva
- experiências sócio-urbanas
- fronteiras da arte com outras disciplinas
- dissidência de locais totalitários
- condição poética e recreativa da cidade
- trama de tecidos coletivos
Francisa Caporalli
Francisa Caporalli ocupa seu lugar à mesa e apresenta o JA.CA - Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia - que, já de início anuncia ter várias coincidências conceituais com o CRAC, principalmente na questão da transdiciplinaridade. Jardim Canadá é um bairro delimitado pela BR 116, zona de intensa atividade de mineração, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. Originalmente proposta de condomínio modernista, com o passar dos anos, o bairro enfrentou problemas com o abastecimento de água e tornou-se um lugar "estranho", sem identidade, portanto curioso e portanto interessante. A estranheza e a aridez tanto geográfica como social do bairro são motes para a proposição de ações que sempre procuram contemplar a relação com o entorno, inclusive utilizando resíduos industriais por ali encontrados.
O programa de residências "procura unir um grupo de artistas comprometidos com o aprimoramento de sua obra através de práticas criativas e pesquisas rigorosas. O JA.CA é um lugar destinado para o crescimento e intercâmbio de saberes, os artistas serão considerados pela originalidade da proposta apresentada, não se exige que os artistas sejam experientes na área das Novas Mídias." www.jacaarte.gov
"Estamos todos os dias inventando a roda", ou seja, artistas sempre se deslocaram por razões diversas. Como pensar o grande aumento de projetos de residência? Ao que parece os governos enxergam o poder do mercado da arte, o valor de um projeto cultural que pode fluidificar relações internacionais e, no entanto, esbarram em questões diplomáticas que dificultam esta mobilidade. São postas em cheque então, várias questões de política internacional. Qual é a eficácia político-social das residências internacionais?Será que a arte está abrindo caminho para novas maneiras de pensar fronteiras ou os artistas estão servindo, também, para consolidar um projeto neoliberal que tem enxergado o potencial diplomático da arte contemporânea?
Wallace Masuko
Wallace Masuko, o último participante é convidado a compor a mesa. Wallace foi coordenador das residências em rede (iberoamerica) "red de espacios de residencias artísticas autogestionadas" desde o início até março deste ano. Dividiu sua apresentação em duas partes:
Primeira - uma narrativa de como se formou a rede, sua experiência pessoal na etapa de consolidação e depois, as dificuldades de criar uma rede homogênea e os espaços que a constituiram inicialmente:
Lugar a Dudas (Calle-Colômbia)
Kiosko (Santa Cruz de la Sierra-Bolívia)
Capacete (Rio de Janeiro-Brasil)
El Basilisco (Buenos Aires-Argentina)
Segunda - problematização de aspectos relativos ao conceito de residência artística hoje. Pode-se dizer que a "História da Arte no Brasil", começou com a missão francesa, e que guardadas as devidas diferenças, o fato pode ser entendido como um projeto de residência artística, assim como Hanz Staden e os pintores viajantes, isso apenas para alinhavar a conversa com a dos participantes que falaram anteriormente. Sim, artistas sempre viajaram, sempre se deslocaram, uns por escolha, outros por mérito (prêmios de viagens), e ainda por necessidade (exílio). Porém, o que acontece hoje, segundo Masuko, é que as residências tornaram-se, também, sinônimo de status e os próprios artistas passam a burocratizar suas viagens, colocando-as no currículo com peso de diplomas. De uma maneira ou de outras, a experiência de estar fora do local de origem sempre foi vista como oportunidade de aprender com o diferente, muitas das obras mais emblemáticas de artistas brasileiros como Hélio Oiticica e Lygia Clark, foram produzidas quando estes se encontravam fora do Brasil. A velha questão de se distanciar para poder ver melhor, realmente funciona. E aí, cita o caso de um escritor japonês do sec XII, Kamono Chomei, que ao ver a cidade de Kyoto devastada por terremotos, auto exila-se numa cabana de 7m² e ali passa a vida a escrever um impressionante relato que mescla denúncia social e subjetividade poética, segue um trecho:
HOJOKI
visões de um mundo em convulsão
Em nossa gloriosa capital
os telhados das casas
de nobres e comuns
desfilam todos alinhados, e parecem
estarem em duelo por proeminência.
Parecem ter durado
por geracões, mas olhe mais de perto —
aqueles que estão de pé há muito tempo
são realmente raros.
Um ano são derrubados
e no outro levantados novamente.
Alguém cita o caso do artista gravador Lívio Abramo que, nos anos 60, vai para o Paraguai como diretor da Missão Cultural Brasil- Paraguai, e ali vive até sua morte em 1992. As gravuras desta fase são marcadas pela influência das paisagens, artesanato e arquitetura das pequenas cidades interioranas do Paraguai. Nesta época, países periféricos começam a trabalhar entre si.
Algumas questões são colocadas para finalizar a apresentação:
- Como este lugar da residência pode ser um local de embate e não de facilitação?
- Como esses lugares podem gerar crítica em relação aos trabalhos?
Microfone aberto - algumas questões e outras idéias
- Ao falarmos de deslocamento e estratégias para mobilidade, estamos falando do deslocamento de pessoas e, portanto do acúmulo de experiências individuais. De que maneira estas experiências tão pessoais podem se propagar para além dos próprios indivíduos?
- Será que o acúmulo de experiências individuais e, portanto subjetivas não é uma estratégia para tentar fugir da ideia de produto?
- Que relação se estabelece entre política pública e produção artística nos projetos de residência artística?
- É preciso atentar para a institucionalização das residências e dos coletivos!Mesmo instituições respeitadas não vão bem, nunca foram bem. Os projetos institucionais não são consistentes, são como cascas que se formam e precisam ser preenchidas para não ficarem ocas, e deste modo artistas trabalham para responder a uma demanda.