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junho 2, 2011
Agora e em Processo por Cecília Bedê
Agora e em Processo
Cecília Bedê
Especial para o Canal Contemporâneo
Agora/Instantâneo/Simultâneo é a exposição que integra o projeto Agora Ágora – criação e transgressão em rede, com curadoria de Angélica de Moraes que acontece no Santander Cultural em Porto Alegre até o dia 7 de agosto. O projeto, alocado também no sítio www.agora.art.br (coordenação web de Giselle Beiguelman), quer provocar uma coletividade criativa abrindo espaço para a interação na web, levando em conta o potencial crítico e híbrido das redes.
O conceito estabelecido por todo o projeto e que se reflete na exposição, pode, em um primeiro contato, parecer perigosamente amplo e naturalmente compreensível aos olhos de quem vive o agora e se questiona sobre ele. A atual condição do nosso cotidiano, onde o tempo é fragmentado e os espaços se sobrepõem nos fazem criar estratégias de organização para que as coisas façam sentido e é sobre e para isso que os trabalhos reunidos na exposição e o projeto como um todo caminham. É nas ações que se utilizam das tecnologias da rede e nas obras no espaço expositivo que essa idéia se reflete trazendo em si todo o potencial de mobilidade posto em questão.
Ao entrar no vão principal do prédio do Santander Cultural, pode-se perceber de imediato a confluência de temporalidades e espaços, ao começar pelo diálogo entre as obras ali expostas e o prédio que data dos anos 30. Um “Túnel”, obra de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, media o percurso simétrico da porta ao espaço. A cada passo ultrapassam-se diversos frames ou molduras de alumínio, fixados em um eixo central, que se movimentam lateralmente à medida que atravessamos, provocando instabilidade e ao mesmo tempo consciência do corpo. Mas não se trata apenas de uma obra imersiva-interativa, age como um provocador de outros espaços e corpos. Alguém que, estando externo à obra, vê o percurso de outro, presencia a dilatação do espaço da obra através do som causado pelo movimento que alcança todo o prédio e das sombras refletidas no chão. No instante em que afeta o micro, através da experiência de um indivíduo, afeta um espaço macro para uma possível coletividade.
É através dessa mútua afetação entre tempos e espaços, individuais e coletivos, no real e no virtual que percorre o mote curatorial. Em “SuperCinema” o artista Rommulo Vieira Conceição soma ao espaço do Santander, ao mesmo tempo, um supermercado e uma sala de cinema. O produto-filme, ao lado do produto da prateleira, e intermediando essa relação uma instituição cultural, porém também financeira. Na tela filmes que traduzem a expansão do cinema comercial, nas prateleiras os produtos do nosso consumo e excesso diário, no centro o bolso do espectador-consumidor, tudo ao mesmo tempo, instantaneamente, agora.
Raquel Kogan e Lea van Steen, com apenas uma projeção provocam a interação da imagem real e imagem virtual. De dentro de uma sala escura, pode-se ver a projeção em uma de suas paredes e também através de um vidro interagindo com o lado de fora da sala. A imagem virtual, normalmente pessoas em ações banais, se mistura aos visitantes que se encontram fora. Naturalmente a obra acontece ao ser penetrada, mas também necessita que o lado de fora esteja sendo ocupado.
A fotografia é trazida para a exposição por Caio Reisewitz através de uma contraposição às idéias de duração, instante e acaso, tão caras à técnica. Assim como um pintor impressionista, o fotógrafo vai em busca da imagem natural, sem retoques digitais no final. Uma instalação fotográfica que remete ao seu próprio processo de construção. O processo é evidenciado também no trabalho do artista gaúcho Frantz. Vestígios de tinta caídos sob o chão de ateliês de outros artistas proporcionam ao artista a confecção de suas pinturas. Por suas mãos ocorrem apenas o trabalho de edição das partes que interessa e montagem nos suportes de pintura. Trata-se de uma obra onde o processo é o principal construtor, onde o resultado final pode ou não dar clareza a esse gesto. Ao recortar, colocar no chassi e expor na forma mais tradicional da pintura, na obra de Frantz, o gesto se esconde, o que pede ao trabalho que ele aconteça, em fim, como pintura. A escolha de afastamento da produção manual acaba por causar sua mais forte aproximação.
O artista Saint Clair, em sua instalação, apresenta pinturas e esculturas, utilizando não só o modo de fazer mais tradicional de cada uma, como também fazendo referência a temas da História da Arte. O inacabamento e a transparência do processo de feitura o aproximam da contemporaneidade. Wagner Morales apresenta em seu vídeo “Mamãe, papai... Eu sou...” o conflito de gerações entre uma típica família coreana, onde o filho, durante o jantar, faz revelações sobre sua identidade.
Na exposição como no texto, palavras chave: frame, instante, edição, processo, sobreposição, montagem, história, geração. É na confluência de todas que o projeto, a exposição e arte contemporânea acontecem. O artista inglês Toby Christian, no mínimo gesto de pinçar a parede com sua obra “Pinch”, em um momento que pode passar despercebido ao visitante, nos belisca para nos convocar para o agora.