|
novembro 1, 2010
A paixão da câmera, por Holland Cotter, The New York Times
Texto de Holland Cotter originalmente publicado no New York Times em 29 de julho de 2010
Em "Original Copy", no MoMA, fotos se encontram com a escultura
A história da arte naufraga a não ser que continue se movendo em direções imprevisíveis. Assim, vez por outra, o Museum of Modern Art interrompe sua marcha marmórea para trilhar um atalho não pavimentado com uma mostra de tema fértil.
Tais mostras tendem a ser cerebrais e livrescas. Exigem nosso tempo e concentração. Como uma recompensa, elas nos oferecem novas maneiras de olhar a arte. Foi assim com "Manet e a Execução de Maximiliano" quatro anos atrás. Assim é com "The Original Copy: Photography of Sculpture, 1839 to Today" [A Cópia Original: Fotografia de Escultura, de 1839 até Hoje].
A nova mostra não será nenhum recorde de bilheteria. Eu diria mesmo que é o oposto. Se você acredita que o papel da arte é gerar bens visuais que deslumbrem à primeira vista, você ficará mais feliz gastando seu tempo de MoMA na atual exposição de Matisse. Se, entretanto, você está com disposição para ver um conjunto de imagens –ímpares, fabulosas e freqüentemente estranhas– ordenadas de modo a contar uma história de como duas formas de arte, fotografia e escultura, se encontraram, casaram-se, reproduziram-se e se tornaram virtualmente uma, então "Original Copy" é para você.
A mostra, organizada por Roxana Marcoci, uma curadora no departamento de fotografia do museu, começa onde a fotografia começou oficialmente, com a estréia pública do daguerreótipo na França em 1839 e, logo após, da fotografia em papel na Inglaterra. A esta altura, naturalmente, a escultura tinha uma história bastante antiga. Contudo quase imediatamente os dois meios se aliaram.
A ocasião e a tecnologia desempenharam um papel em sua fusão. A era do museu de arte já estava bem adiantada. Por meio dos museus a classe média em desenvolvimento tivera acesso a uma arte que tinha sido prerrogativa dos ricos e que, no caso da escultura clássica grega, representava a herança cultural da Europa. Os membros da nova audiência da arte queriam uma parte dessa herança para si e, por meio da fotografia, eles poderiam tê-la.
A imagem mais antiga da exposição, um daguerreótipo de 1839 de Alphonse Eugène Hubert, é basicamente uma natureza-morta, mas composta inteiramente de pedaços e partes de esculturas clássicas, incluindo um busto de gesso da Vênus de Milo. Relativamente acessíveis para comprar, tais imagens podiam transformar o lar de um comerciante em um mini-Louvre.
A associação entre escultura e fotografia tinha vantagens formais assim como sociais. A fotografia no início, com seu longo tempo de exposição, exigia temas imóveis. Caso uma pessoa posando para um retrato estremecesse minimamente, a imagem ficava borrada. A escultura era muito mais fácil de fotografar. Ela não estremecia.
Ela também não viajava se fosse monumental ou fixada em um lugar. Você precisava ir onde ela estava, e fotógrafos audaciosos iam. Nos anos 1850 Charles Nègre escalou, em estilo Quasimodo, por sobre os telhados da Notre-Dame em Paris e tirou uma foto do anjo da Ressurreição entalhado e empoleirado no cume.
Quase ao mesmo tempo outro fotógrafo amador parisiense, Maxime Du Camp, estava no Egito, onde ele pagou uma equipe de trabalhadores locais para escavar uma imagem colossal do faraó Ramses II especificamente para que ele pudesse fotografá-la. Sob Napoleão, os franceses haviam ocupado o Egito e embarcado toneladas de escultura antiga para Paris. Mais tarde, por meio da fotografia, du Camp enviou para casa esculturas ainda mais espetaculares.
A fotografia em seus primórdios levava uma vida dupla, como um instrumento de registro e como uma forma artística. Para Eugène Atget, ela era ambos. As fotos que ele tirou de esculturas públicas em Versailles nos anos 1920 são documentais, mas também fantásticas. Ao fotografá-las repetidamente, em diferentes estações e mudanças de luminosidade, ele confere a elas humores e personalidades, torna-as atores em um teatro visual.
Seu contemporâneo Auguste Rodin também tinha consciência do poder da fotografia, mas como um meio de propaganda. Ele podia mostrar apenas quantidades limitadas de suas volumosas esculturas em qualquer lugar específico, mas ele tinha fotografias do restante para elevar as vendas. Quando ele concordou em posar com "O Pensador" para o jovem Edward Steichen em 1902, Rodin provavelmente imaginou que receberia imagens promocionais na transação. O que ele conseguiu na foto, que Steichen fez juntando dois negativos, foi um exemplo clássico da fotografia manipulando e absorvendo a escultura.
Constantin Brancusi era a contraparte idealista do Rodin realista. Ele fotografava obsessivamente seu próprio trabalho. Apenas em fotografias, ele sentia, sua escultura era completa, e compatível com a visão que a originara. Em parte porque a fotografia lhe permitia controle total sobre a disposição de seu trabalho como ele se mostrava em seu estúdio, que era por sua vez uma forma de assemblage escultórica e um ambiente quase místico. Para criar este ambiente ele quebrou regras fotográficas básicas. Com seu flash ele produziu explosões ofuscantes de luz em superfícies polidas de bronze. Ele fotografava fora de foco de modo que certas esculturas pareciam vibrar como se vivas. Os resultados são sensacionais: escultura desencarnada, em alguma dimensão extraterrestre.
Marcel Duchamp levou a interdependência dos dois meios um radical passo adiante ao criar esculturas estritamente para a câmera. No processo, ele movimentou decisivamente os valores convencionais então vinculados à escultura e à fotografia. Ao tornar uma tradicional e sólida forma de arte elevada dependente, para sua existência, de um meio moderno que ainda possuía apenas um status cultural incerto, ele trouxe à baila uma nova política da arte.
Quanto à relação de escultura e fotografia com política social, esta era uma história antiga, e a Sra. Marcoci devota um espaço considerável a ela na galeria mais ampla da exposição. Aqui nós retornamos ao século 19 em um par de fotografias de Bruno Braquehais tiradas em 1871 enquanto rebeldes contrários ao governo em Paris derrubavam o monumento napoleônico conhecido como a Coluna Vendôme, durante a Comuna de Paris.
Em imagens que trazem à mente a destruição da estátua de Saddam Hussein em Bagdá em 2003, nós primeiro vemos a coluna de pé, mas coberta com cabos, depois sua arrematada estátua de Napoleão repousada no chão. Braquehais pretendia que suas imagens fossem souvenires de um evento glorioso. Ao contrário, elas foram usadas pela polícia para processar os rebeldes, um dos quais era Gustave Courbet.
Estas fotografias são as mais antigas entre as dezenas que retratam monumentos carregados ideologicamente que compõem essa parte da exposição: esculturas da era soviética de heróicos operários tiradas por Igor Moukhin na Rússia; monumentos à supremacia branca fotografados por David Goldblatt na África do Sul; uma escultura processional hindu capturada por Rosalind Solomon em Calcutá; e os retratos presidenciais do Monte Rushmore vistos através das lentes de Lee Friedlander.
Nestas fotografias, esculturas concebidas para incorporar idéias bastante específicas são simultaneamente documentadas e alteradas.
O operário do Sr. Moukhin, fotografado em um terreno cheio de ervas daninhas cercado por lares arruinados, já não parece tão heróico. O monumental Monte Rushmore na imagem do Sr. Friedlander é apenas um reflexo opaco em uma janela. Outras fotografias são mais abertamente críticas de seus temas escultóricos rigidamente programados; a maioria, no entanto, assume uma postura mais neutra, deixando atitudes e idéias circular livremente.
Livre-circulação é consideravelmente o nome do jogo no restante da exposição, já que se torna cada vez mais claro que depois de uma parceria longa e continuada com a fotografia, a escultura pode ser qualquer coisa, e qualquer coisa pode ser escultura: um bloco de goma de mascar, uma batedeira de ovos pendurada em uma parede, uma cratera lunar transportada, via fotocolagem, a um deserto americano.
Possivelmente a única característica indisputável da arte em nosso tempo é sua abrangência de aspecto inconstante. Todos os meios –escultura, fotografia, pintura, performance, vídeo etc.– estão em pé de igualdade e podem coexistir na obra de um único artista.
Distinções entre alta e baixa cultura, original e cópia, real e virtual, clássico e qualquer que tenha sido seu oposto, basicamente evaporaram. O que restou é uma espécie de estética cornucopiana, representada de forma brilhante por uma das peças mais recentes na exposição, “Voyage of the Beagle” (2007), de Rachel Harrison.
Tradução de Juliana Monachesi