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outubro 19, 2010
Nuno Ramos – Matéria À Deriva
Vanda Klabin
O artista brasileiro Nuno Ramos é considerado um dos expoentes do cenário cultural contemporâneo. Nos anos oitenta, participou do grupo de artistas paulistas do ateliê coletivo Casa 7, vinculado ao movimento neoexpressionista que se empenhava na revitalização da pintura. A partir desse período, suas obras ganham repercussão e passam a integrar as principais exposições de arte no país. As pinturas e esculturas realizadas nesse período já traziam algumas questões que vão encontrar seus desdobramentos nas obras posteriores.
O eixo de seu trabalho está na complexa articulação das superfícies pictóricas e dos volumes espaciais, e a matéria tem um papel predominante. Ao potencializar os limites da pintura, exacerbando a tensão do plano bidimensional da tela pela acumulação, saturação ou adição de novos elementos, cria o volume do quadro, agora uma verdadeira construção espacial.
Nos relevos de grandes formatos, a constituição do plano pictórico vai sendo problematizada à medida em que, sobre a superfície rígida e retangular da tela, são agregados vários elementos heterogêneos – pedaços de pano, cobre, borracha, madeira, espelhos, vaselina, terebintina, linhaça, barro, sal, feltro, papel, corda, esmalte sintético entre outros. Tudo isso a transformar esse espaço hipersaturado, conflituoso e inquieto, em uma imensa colagem de materiais e formas.
Uma condição-limite para a pintura que toma o espaço e propõe novos problemas perceptivos ao atingir proporções quase tridimensionais. Os elementos ora se agregam , ora se dissolvem, em constante dinâmica de transformação, um desejo de intensificação da realidade, um verdadeiro transtorno da matéria. Esse campo ativo, sempre em expansão, sugere uma busca descontínua que progride com dificuldades, por meio de incompatibilidades e oposições.
Os trabalhos de Nuno Ramos não oferecem inteligibilidade imediata. Exibem uma agitação material muito intensa em que nada é confortável. As suas operações estéticas aderem decididamente a contradições e ambiguidades. Já pela aparência desordenada, nos confrontam e propõem dilemas. Nenhum dos elementos , em sua aflitiva convivência, parece domesticado ou apaziguado.
O livre trânsito pelas mais diversas esferas artísticas - literatura,cinema, ensaios, música- encontra aqui um curso natural e enfatiza o aspecto heterogêneo de suas obras. O núcleo de sua poética reside na complexa história particular de suas afinidades com essas áreas da cultura. Nesse emaranhado, a palavra, pautada por textos criados pelo próprio artista, adquiriu uma importância perturbadora, um peso vital, tornou-se enfim uma matéria distintiva de seus trabalhos, lugares plenos de discursos. O próprio artista sentencia: a palavra é feita de matéria escura, quase sólida.
Artista do fazer exaustivo, cultiva o excesso, a ambiguidade e as zonas instáveis: nada permanece inerte. As obras de Nuno Ramos abrem-se a experiências inquietas, desordenadas, interrogativas, nas quais uma busca poética e existencial faz-se sempre presente. E pressupõem uma resistência do ser ao mundo real, traçam uma arena cultural onde acabam expostos os nossos conflitos estéticos e sociais.
Em relação a essas superfícies receptivas a tantos e tantos sentidos, ficamos sem saber precisar o que os retém, o que os afasta, o que os amalgama, enfim, o que os determina. Inquietas por natureza, as obras de Nuno Ramos parecem desprezar equilíbrio e estabilidade. Nada contribui para nos tranquilizar. Superfícies conflituosas, em permanente pulsação, desarmam a inércia do nosso cotidiano. A ausência de fatores estáveis desafia a nossa histórica noção de ordem e de harmonia. Ao ajustar a gramática e a retórica da visualidade moderna às condições culturais contemporâneas, Nuno Ramos imprime suas marcas no mundo e nos dá, a oportunidade, a nós espectadores, de acompanhá-lo em aventuras estéticas que se apresentam, no momento, em plena ebulição.
Vanda Klabin / Curadora
Rio de Janeiro, 27 de julho de 2010
Vanda Mangia Klabin historiadora de arte, curadora de diversas exposições de arte contemporânea , autora de artigos e ensaios sobre arte.
Nuno Ramos no MAM, Rio de Janeiro
Muito bom o texto!
Posted by: Manoela Bowles at outubro 31, 2010 9:44 AM