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maio 11, 2010
A cultura dos números por Sergio Escamilla
A cultura dos números
Sergio Escamilla
“Em 1991, um joalheiro britânico que produzia para o mercado de massa criou um escândalo ao dizer numa conferência de homens de negócios que seus lucros vinham da venda de merda a pessoas que não tinham gosto para nada melhor. Ele, ao contrário dos teóricos pós-modernos, sabia que os julgamentos de qualidade fazem parte da vida.” A provocação é do historiador Eric Hobsbawm ao comentar a vanguarda e as artes no período pós 1950, no impressionante A era dos extremos, mas a questão me ocorre agora em virtude de outro tema, igualmente relevante em termos de produção artística: a avaliação de projetos culturais no Brasil atual.
Aos gestores dos centros culturais públicos ou privados e das empresas que, via leis de incentivo, apoiam a cultura, cabe uma difícil tarefa: escolher, entre milhares, aqueles projetos que contarão com o apoio financeiro e poderão, de fato, transformar-se em realidade. Nos últimos anos, com a estabilidade econômica, o setor cultural brasileiro cresceu em diversas frentes e profissionalizou-se. Esta entrada no mercado trouxe para o universo da cultura conceitos de economia e de finanças antes inexistentes no vocabulário dos artistas.
Conceitos como o de custo/benefício, valoração de mídia ( a projeção financeira de tudo que foi veiculado _em jornais, rádios e TV_ sobre um determinado espetáculo ou exposição), planilha de custos, público alvo, cronograma financeiro, entre tantos outras, foram algumas das expressões-chaves inseridas no vocabulário dos profissionais da cultura. Esta incorporação de perspectivas econômicas e financeiras veio para ficar, fundamental que é para a organização e o crescimento da gestão e da avaliação dos projetos. O problema é que o monstro escapou do laboratório e a grande maioria dos financiadores da cultura hoje, com algumas exceções, estão tomadas por gestores “cabeças de planilha”, na feliz expressão de Luis Nassif, para designar os arautos de duvidosas leis de mercado.
Devido a importância exacerbada dessas categorias econômicas e financeiras o perfil de quem ocupa as posições de avaliação de projetos passou a ser institucional, financeiro e economicista, exatamente nessa ordem. Se é verdade que houve um tempo em que as propostas culturais precisavam profissionalizar-se, hoje a realidade é outra. Nas diversas linguagens e modalidades artísticas, há vários projetos qualificados aguardando uma oportunidade para concretização. Mas os editais públicos e privados que financiam cultura forçam artistas e produtores a calçar um sapato que não é o seu número ao dar espaço excessivo, no seus formulários de inscrição, a categorias reducionistas de mercado. Por consequência, os conceitos econômicos que ajudaram muitos produtores a organizar seus projetos agora transformaram-se em critério exclusivo e preponderante de avaliação, deixando os conteúdos e a análise de mérito para segundo plano.
Hoje o mérito é uma questão debatida em áreas ligadas ao setor público que buscam modernização e índices mais eficazes de avaliação, mas continua fora das discussões no âmbito da cultura. Talvez porque a equação seja um pouco mais complicada na cultura. Mas não haveria medida de mérito nas artes? Seria realmente possível aplicar nas artes a distinção entre o sério e o trivial, entre bom e ruim ou entre profissional e amador? Ou realmente seria impossível fazer alguma distinção objetiva, como queria o pós-modernismo? De novo, as provocações são de Hobsbawm. Os “cabeças de planilha” da cultura responderiam, longe da realidade dos palcos e das artes, que existe uma medida de mérito indiscutível, as cifras de venda.
Mas voltando aos gestores e a dura realidade dos números, é fundamental entender que existem caminhos para substituir os conceitos disseminados pelos “cabeças de planilha” da cultura. O próprio Ministério da Cultura poderia dar o exemplo e modernizar sua gestão com profissionais de formação plural, estabelecendo critérios mais inteligentes de avaliação de projetos. Todos, afinal, sabemos que os recursos são poucos e finitos e que é fundamental tornar públicas as regras do jogo, dando transparência ao resultado e aos processos de avaliação. Mas com criatividade podemos, sim, construir novos conceitos, que sejam especialmente mais adequados à complexidade e a pluralidade da cultura, deixando para trás a fantasmagórica institucionalização da arte.
Sergio Escamilla, 42, bacharel em Ciências Sociais (USP), produtor cultural, com especialização em gestão cultural na Libera Università degli Studi Sociali (Roma).
Caro Sérgio,
Muito interessante seu artigo, com o qual eu tendo a concordar. Creio que a inserção da racionalidade econômica na esfera artística remonta ao início da modernidade e é um fenômeno que não se resume ao artístico. Todos os demais espaços da vida social são cada vez mais dominados pela lógica de mercado e por uma racionalidade instrumental. Por outro lado, tendo a pensar também que a autonomização do campo artístico é também muito intensa. Basta observar a profissionalização dos artistas, na criação de um sem número de mediadores que interferem na produção e na circulação da obra de arte e nas diversas instâncias de consagração e prestígio. Creio que a lógica da planilha é tanto mais onipotente quanto menos estabelecidos e consensuais são os critérios de qualificação da obra de arte, que são cada dia mais fluídos e heterogêneos. O que acontece no final das contas é que acaba pesando muito mais a reputação, o prestígio e o capital simbólico que determinado artista possui do que uma avaliação criterioso da qualidade artística do projeto. Em suma, a lógica do patrocínio acaba sendo a de consagrar os já consagrados, pois é onde o risco é menor.
Grande abraço,
Eduardo Fragoaz
Caro Sérgio,
Muito interessante seu artigo, com o qual eu tendo a concordar. Creio que a inserção da racionalidade econômica na esfera artística remonta ao início da modernidade e é um fenômeno que não se resume ao artístico. Todos os demais espaços da vida social são cada vez mais dominados pela lógica de mercado e por uma racionalidade instrumental. Por outro lado, tendo a pensar também que a autonomização do campo artístico é também muito intensa. Basta observar a profissionalização dos artistas, na criação de um sem número de mediadores que interferem na produção e na circulação da obra de arte e nas diversas instâncias de consagração e prestígio. Creio que a lógica da planilha é tanto mais onipotente quanto menos estabelecidos e consensuais são os critérios de qualificação da obra de arte, que são cada dia mais fluídos e heterogêneos. O que acontece no final das contas é que acaba pesando muito mais a reputação, o prestígio e o capital simbólico que determinado artista possui do que uma avaliação criterioso da qualidade artística do projeto. Em suma, a lógica do patrocínio acaba sendo a de consagrar os já consagrados, pois é onde o risco é menor.
Grande abraço,
Eduardo Fragoaz
Sergio,
Como sempre , claro, preciso, e com o dedo direto na ferida.....sim, arte em todas suas gamas se profissionalizaram e tem nome sobrenome e conteudo.
Esperamos que os tecncratas acompanhem, com a esperada efieciencia e sim, sensibilidade e bagaem cultural.