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novembro 3, 2009
Imagens Contemporâneas e Imagens da Arte Contemporânea, mesa relatada por Ana Elisa Carramaschi
III Simpósio internacional de arte contemporânea do Paço das Artes
Imagens Contemporâneas e Imagens da Arte Contemporânea
Relato realizado por Ana Elisa Carramaschi
A mesa Imagens Contemporâneas e Imagens da Arte Contemporânea foi composta por Lucia Santaella (pesquisadora, professora da PUC-SP), André Parente (artista, professor da UFRJ), pelo mediador Gilbertto Prado (artista, professor da ECA-USP) e pelo debatedor Lucas Bambozzi (artista e curador). A mesa discutiu sobre a produção de imagens de visualizações científicas, sobre os conceitos de rede e questionou os conceitos de arte e tecnologia.
Lucia Santaella apresenta um trabalho embrionário, que pretende destacar o potencial estético que as visualizações científicas oferecem. Sua fala parte da constatação de que o volume desmedido de dados trocados na rede implica na necessidade de criar sistemas de visualização (a google processa, por dia, 20 petabytes/1 petabyte=1024 terabytes).
Afirma que, apesar de muitas vezes as imagens geradas como sistema de visualização não sejam criadas com intencionalidade artística, é possível julgá-las enquanto potencial sensório. Em outras palavras, essas imagens são criadas com a finalidade de filtrar a grande quantidade de informação para se criar “diagramas organizacionais, mapas mentais ou visuais”, afim de tornar possível o acesso à grande quantidade de informações e orientar os usuários da rede, respondendo às constantes mudanças conforme os dados se modificam na vida real. Para Santaella, “sendo a internet um gigantesco sistema de arquivamento e recuperação, arquivos e bases de dados tornaram-se uma forma essencial de organização e memória cultural na medida em que podem ser, de alguma forma, visualizados”.
Santaella cita Cristiane Paul para afirmar que as tecnologias digitais introduziram modelos dinâmicos de visualização para a experimentação e pesquisa nos mais variados campos das ciências. A pesquisadora ressalta o quanto a partir dessa perspectiva, os limiares da estética se encontram expandidos, em objetos não necessariamente artísticos e que não precisam dos locais de circulação de arte.
A palestrante afirma que desde a publicação de um ensaio sobre a obra de Wagner Garcia (“Sky and Life, Sky and Body, Sky and Mind”) já apontava para convergência que se propicia entre a abstração da matemática elevada e a sensorialidade visual e sinestésica nas telas dos monitores. Atenta, portanto para a junção inédita entre a abstração do inteligível, no nível mais abstrato da realidade e a resolução de visualização que se dá no computador. Citando Martín-Barbero, Santaella fala que ao hibridizar a densidade simbólica da abstração numérica com a sensorialidade perceptiva, partes opostas do cérebro se reencontram, e é desse encontro que surge as imagens resultantes da visualização de dados.
André Parente assume a fala da mesa introduzindo o conceito de rede, a princípio, localizando no pensamento de Michel Serres a distinção de dois tipos de ciência, que tem como modelo a geometria e a geografia, para pensar então, sobre dois tipos de visualização de realidade, uma a partir de sistemas, modelos (geometria), outra a partir de imagens, descrição (geografia).
O palestrante cita Bruno Latour, para quem a rede é o conceito que não separa modelo e imagem como duas realidades estanques. Parente contextualiza esse pensador para contestar a visão de outros teóricos, como Edmond Couchot, que vêem nas imagens de síntese uma ruptura radical com os modelos de representação da realidade pertencentes à tradição ocidental.
Segundo Parente, Edmond Couchot divide de um lado a produção de imagens realizadas a partir de modelos óticos como a perspectiva clássica, a fotografia e o cinema, e do outro, modelos numéricos e digitais. Parente critica a conclusão de que as imagens digitais produzidas a partir de programas de simulação são auto-referentes e rompem com a tradição ocidental na afirmativa de que não representam uma realidade física pré-existente como tem sido a produção de imagens há 2000 anos.
Parente defende que a simulação é o principal instrumento do nosso tempo para tratar de temas complexos, então que jamais haveria sentido em simular, por exemplo, a modelagem de objetos de design, se estes não pudessem existir fisicamente. Conclui com isso, que por mais que certas imagens possam não representar uma realidade do ponto de vista da visão, como são as imagens de síntese, não significa que elas não representem uma realidade. Elas representam uma experiência possível e que muitas vezes, se substitui aos fenômenos e as experiências reais.
O palestrante cita novamente Latour e propõe imaginar a situação de observar, num museu de história natural, pombos de vários lugares do mundo, e fazer uma comparação da diversidade de pombos que existe. Quando olhamos uma vitrine, temos uma visão global que implica num processo de redução muito grande, pois cada um foi retirado de um habitat natural. Porém, ao observarmos os pombos, extraídos do seu habit e colocados lado a lado, conseguimos capitalizar o que acontece. Mesmo afastados do fenômeno, estamos próximos de uma rede de informações que extrai dessa realidade possível, algum saber. Essa rede de informações resolve, então, a contradição entre a presença e a ausência. Parente conclui que a simulação da realidade, quer seja computacional ou dentro de um museu de história natural, é o acesso a uma rede de informações que nos mantém ao mesmo tempo afastados e interligados aos fenômenos.
Com essa argumentação, Parente defende que sendo a rede uma forma de relacionar informações que foram transformadas das mais diversas formas pelo homem, não necessariamente a rede é um termo que se reduz ao contexto tecnológico. Ele exemplifica com “Inserção em Circuitos Ideológicos” de Cildo Meireles, um trabalho de rede que nada tem de tecnológico. E reflete como a ciência, a arte e a religião são redes de mobilização, sendo a última a de maior poder de influência no contexto brasileiro. Passa a se questionar então, porque a arte é um meio de mobilização tão fraco, sendo o artista aquele que melhor entende sobre a criação de desejo, e sendo a arte nos dias de hoje, em que não existem mais cânones, dependente do discurso que convence a todos e seduz.
Parente chega a conclusão que discursos de arte e tecnologia são quase greenberguianos, pois têm a necessidade de voltar a falar de uma especificidade da arte, com defesas puristas que têm a tecnologia em primeiro plano, sem falar de realidade alguma para além dela. Pergunta-se então, se um discurso como o de Couchot, que afirma que a imagem de síntese rompe com 2000 anos de tradição, não re-atualiza anacronicamente um discurso de autoreferência modernista, que tem por finalidade, fetichizar mais ainda a arte?
Aponta que no momento em que se discute a dissolução do objeto, num corpo do lado de cá que reconhece a arte em algum lugar da experiência, não no objeto, mas naquilo que o ultrapassa, falar sobre a tecnologia é falar de um instrumento como outro qualquer. Uma vez que pó, vento, vapor, qualquer material é material expressivo para a arte contemporânea, qual o sentido em dar ênfase à técnica? Enfatiza que não há nada de novo na relação arte/tecnologia, afirmado que ela existe desde que se faz uso, por exemplo, de lentes para construir uma câmera escura. A partir do século 17 deixa-se de falar em técnica e fala-se de tecnologia, portanto ela é extensão do corpo e é utilizada nos mais diversos meios de atuação do homem. Explica que esse corpo cheio de extensão foi sendo produzido como uma espécie de óculos que nos permite olhar o mundo de determinada maneira.
Por fim, Parente pergunta se a arte não é um objeto, que rede é essa (ou que óculos, ou que nó) que nos permite olhar para alguma coisa e dizer que é arte?
O debate é então aberto e Lucas Bambozzi reflete como, por vezes, num trabalho de arte nem existe a criação de imagens, mas sim a articulação de dados e textos que localizam a pessoa no espaço-tempo dentro da rede. A pergunta que ecooa na mesa é: Que estética estaria então envolvida nessa criação de redes? Que estética é essa se por vezes elas nem envolvem um elemento de apreciação típica da arte?