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outubro 28, 2009
Imagem, arte e poder, mesa relatada por Cecília Bedê
III Simpósio internacional de arte contemporânea do Paço das Artes
Imagem, arte e poder
Relato realizado por Cecília Bedê
A Mesa Imagem, arte e poder foi composta por Paulo Viveiros (doutor em Cinema e professor associado da ECATI da Universidade Lusófona de Lisboa), Tadeu Chiarelli (crítico de arte e curador), Miguel Chaia (doutor em Sociologia e professor da PUC-SP) e Dora Mourão (professora do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP). A mesa trouxe a imagem como foco de análise, evidenciando as mudanças ocorridas com o passar dos séculos e as relações com a economia, a sociedade, a política e a arte.
Dora Mourão abre a mesa problematizando que desde o surgimento da fotografia nos perguntamos sobre a natureza das imagens e, com a passagem do tempo, os novos suportes parecem buscar uma nova forma de utopia. E, enfatiza a quebra do pensamento linear como conseqüência das evoluções digitais.
Após essa colocação, Paulo Viveiros começa sua apresentação questionando o poder da visão e como esse poder atua na compreensão e na definição de mundo, através das imagens midiáticas. É o poder da imagem que educa o olhar e nos induz a verdades. Como exemplo, cita o Mito da Caverna (Platão) e a projeção das imagens falsas que os prisioneiros tinham como verdades sobre o mundo. Alerta para a vontade de dominação do mundo, de representa-lo, desde o Renascimento com mapas e figuras sagradas, como Cristo, até o Impressionismo que começa a desfocar esse olhar aprisionado. A partir deste momento evidencia-se a crise da representação, o que para Viveiros é um título vulgar.
Viveiros cita ainda outros golpes à crença da imagem: a imagem espírita e a montagem fotográfica praticada pelo regime estalinista. Tudo isso retoma o debate sobre as falsas imagens, os simulacros antes comentados por Platão. Para Viveiros o problema está, na verdade, no uso econômico feito pelas mídias na transmissão dessas imagens que uniformizam o olhar. E retomando a fala de Rosalind Krauss na abertura do Simpósio, chama esses recursos de fraudes das imagens técnicas. Critica a urgência do instantâneo e a espetacularização das mídias de massa que chegam para abolir a imaginação, com photoshopismos e efeitos dramáticos sensacionalistas. Essas imagens trabalhadas como em linhas de montagem industrial, uma seguida da outra, transformam o espectador em um ser amorfo. Viveiros define essa situação como domínio da técnica sobre a estética.
Como questão final, o palestrante indaga sobre o papel da imagem artística: como quebrar com o domínio da técnica sobre a estética? Como tirar o espectador da imobilidade diante das imagens? Para Viveiros, as imagens devem responder com o silêncio, que ele vê em obras de artistas como Rothko, Bill Violla, Godard, os jovens cineastas, Jeff Nichols e Kelly Reichardt, entre outros. É preciso colocar as imagens artísticas numa nova espiritualidade, fora do drama em que eram colocadas antes. O silêncio desconfortável deve provocar e destruir a urgência do instantâneo e fomentar uma força de assimilação, só assim elas podem manifestar o invisível. As imagens devem dar potencial a vozes mesmo que seja através do silêncio.
Tadeu Chiarelli assume a fala e destaca o tema arte e poder analisando a 11ª Bienal de Istambul. Comenta o conservadorismo da mostra e a ambigüidade existente no seu tema: O que mantém o homem vivo?. A curadoria propõe engajamento artístico, entretanto, não discute o local expositivo, o maior conglomerado industrial da Turquia. A proposta surgiu de um coletivo de curadores, nomeados de What, How & for Whom (WHW).
Chiarelli descreve a Bienal, seus espaços de exibição e os trabalhos apresentados. Segundo ele, a exposição traz um número expressivo de vídeos e fotografias e alguns poucos desenhos e colagens. Mas, o que mais chamou sua atenção foi que, independente do suporte, percebe-se a ausência de proposições que envolvem e incitam a participação do espectador. Essas obras não foram produzidas pensando na Bienal e seus contextos. Para Chiarelli, nesta Bienal, o espectador é posicionado como nos moldes tradicionais.
No texto curatorial da bienal, Chiarelli detecta sinais de uma situação política como influência principal e determinante da mostra. Ele afirma que, a obra de arte não pode ser autônoma, ela pode falar de assuntos externos, mas não pode deixar de falar de si mesmo. O palestrante encontrou na Bienal essa lacuna e afirma que a estrutura da Bienal não é questionada, ela é apenas materialmente utilizada para propósitos definidos.
Para Tadeu Chiarelli, essa Bienal é uma retomada, negativa, à arte comprometida e a exposição não considera o histórico da arte engajada. Parece farsa, um blefe ao se aproveitar da visibilidade, e até mesmo se proteger pelo respaldo de eventos como este para tratar das causas comunistas. Para finalizar, Chiarelli deixa uma pergunta no ar: “em que medida as questões terão efeitos positivos para a causa?”. Para ele, a 11ª Bienal de Istambul não privilegia uma vivência conjunta, espectador – obra – contexto-história.
Miguel Chaia participa da mesa como debatedor. Comenta que é interessante que em uma palestra que se fala de imagem, não se viu nenhuma, como é de costume. Chaia faz um link entre a fala dos dois palestrantes da mesa em relação ao poder da imagem: enquanto Viveiros trata do poder midiático, Chiarelli trata do poder político. Em seguida, expõe sua opinião: as imagens sempre tiveram o poder, desde as cavernas até os dias de hoje. Retoma a fala de Paulo Viveiros, e afirma que as imagens não devem ser colocadas de forma homogênea como aprisionadoras do olhar, elas estão no interior de um processo em andamento que cria, inclusive, sujeitos. As imagens não são imediatamente institucionalizadas. No interior das imagens midiáticas, ainda mais hoje, temos um espaço libertário de criação que as vezes nem passa pela arte.
Chaia fala das relações imagem-poder e arte-política onde uma não existe sem a outra. Indica que o importante é observar como essas relações se constróem, se tem fatores de resistência, de revolução e claro, se existem referências a elas mesmas, principalmente tratando-se de eventos de cunho internacional como a Bienal de Istambul, a Documenta etc. Para exemplificar, ele cita Glauber Rocha que através de imagens midiáticas e em espaços de poder, trazia um potencial estético, político e principalmente transformador.
O debate foi aberto ao público. A primeira pergunta foi: Como trabalhar imagens, carregadas de símbolos e significados com uma pessoa que não os entende? Miguel Chaia responde que o abuso das imagens, a repetição dos códigos, instruem e educam para a leitura dos mesmos. Em seguida, Paulo Viveiros completa que é importante abrir as pessoas aos sentidos, estimular a percepção, mostrar, apresentar.
Continuando o debate, Chaia pergunta para Chiarelli sobre o papel dos curadores em grandes exposições como Bienais. Chiarelli responde citando Walter Zanini que dizia que em 1º lugar vem a obra, em 2º o artista e todos os outros aspectos e pessoas em seguida. É assim que Chiarelli vem trabalhando e é nisso que acredita.
A última pergunta do público foi sobre a nova geração de artistas, curadores, críticos etc. Como conseguir trabalhar fora do sistema, se é que isso é possível? Chiarelli responde que antes a política era legítima, então era possível transformá-la de dentro. Há algumas décadas atrás existia um grau de potencialidade, mas ele foi muito absorvido pelo circuito de arte. Existem atividades que se dão efetivamente fora do circuito e que nem reconhecem o circuito, para a nova geração, existem espaços não institucionalizados passíveis de sofrer interferências não politizadas.