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setembro 5, 2009
Na exposição “Jardim de Infância” dos irmãos Campana, por Cecília Bedê
Especial para o Canal Contemporâneo
Entre as muitas possibilidades de ação diante da criação artística e seus valores formais, sensíveis, conceituais e oscilantes, encontra-se o curador.
Ver, selecionar, arranjar, escrever, iluminar, montar, inaugurar. O que está nas entrelinhas dessas ações? Sim, entrelinhas. É nelas que se encontram as estratégias de articulação, conjugação, a reflexão que gera sentido e o estabelecimento de critérios para a realização de uma exposição.
No Museu de Arte Moderna de São Paulo, está em cartaz a exposição “Jardim de Infância, os Irmãos Campana visitam o MAM”. Os designers foram convidados a pensar uma exposição com obras do acervo do museu e dentre as mais de cinco mil obras, selecionaram as que estão até o dia 13 de setembro na sala Paulo Figueiredo.
Em tempos de hibridismos, entrecruzamentos de linguagens, campos expandidos entre outras denominações que hoje justificam as inter-relações conceituais, subjetivas, materiais e humanas, o que esperar de uma exposição de arte curada por designers?
No dia que visitei a exposição, na minha cabeça fermentava o pensamento sobre como se dão os processos curatoriais e a idéia de que esses processos são diferentes, obviamente, para cada profissional, instituição/espaço, diante dos aspectos inerentes à obra, das referências e propriedades de cada um.
Em meio a obras de artistas já consagrados e artistas reconhecidos, ainda jovens de produção, os Campana delinearam um olhar e conceberam a exposição. Segundo os próprios curadores, o critério básico utilizado foi a conexão entre arte e design. Sendo assim, a exposição apresenta essa conexão através de desdobramentos entre as duas linguagens.
O ambiente foi colorido por um azul celeste e já na entrada se pode ver boa parte das obras e ouvir uma música de fundo. Até mesmo o olfato é tocado, com o cheiro de cachaça, que paira no ar vindo da instalação de Marcelo Cidade, Transestatal (2006) posta no fundo da sala.
Edgard de Souza faz parte da seleção com duas obras, Rabo (1994), uma escultura branca, que presa à parede cria um movimento ondulado a partir dela e Sem título (1997), a estranha cadeira de duas costas e de assento diferenciado. Esses dois adjetivos, estranho e diferente, cabem na obra de Edgard quando pensamos nela em relação aos objetos aos quais faz referência e ao pensar na escultura e sua aproximação do ofício do artesanato. Existe então uma inversão, o objeto torna-se andrógino e sem pensar em sua utilização, Edgard cria um jogo ambíguo onde na verdade, encontra-se a busca silenciosa de si mesmo através do ato de esculpir.
Sandra Cinto é apresentada com Sem título (2000), uma estrutura de onde pendem lâmpadas brancas, opacas, de onde delas não sai luz. Mais ao fundo está uma instalação de Marco Paulo Rolla, onde um piquenique foi armado. Toalha xadrez, frutas, pães, cestas, garrafas, etc. Nada comestível nem usável, pois é tudo feito de porcelana. Em ambigüidades semelhantes, os Campana parecem ter percorrido o acervo e idealizado a exposição.
O espaço é ocupado em todos os sentidos, espaços vazios e brechas em muitos momentos são preenchidos pelas sombras dos trabalhos. As obras estão dispostas nas paredes, no chão, pendem do teto ou estão apoiadas em suportes expográficos. Esses, de maneira aparentemente proposital, ganharam destaque por dimensões e funções e não ao acaso recebem as obras como mobiliários que receberiam objetos utilitários e decorativos.
O olhar é passível de leituras dúbias e depois de um longo percurso pela exposição, pude por fim ter a resposta à questão feita logo no começo desse texto: o que esperar de uma exposição de arte curada por designers?
Pego emprestado a fala de Paulo Herkenhoff na palestra proferida na Faculdade Santa Marcelina, no projeto Seminários Semestrais de Curadoria, no início de 2008 e com ela começo a definir uma possível resposta.
“Evidentemente que toda a intencionalidade declarada deve ter na obra de arte o seu momento de verdade, como a perspectiva crítica e histórica. Insisto que a obra de arte no espaço é o critério de verdade do olhar”.
Através das obras escolhidas pelos designers, das relações estabelecidas e sua colocação no espaço, pude ver e compreender que verdade lhes pertence. A experiência do design é constante e fresca e aparece até mesmo em obras que não a pretendia. Os Irmãos Campana deixaram transparecer com muita honestidade o quão aventureiro foi esse olhar por sobre o acervo do MAM e por entre alusões, construíram sua leitura.