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março 5, 2009
Na encruzilhada da vida contemporânea, por Ananda Carvalho
Sobre Sete intelectuais na floresta de bambu de Yang Fudong
ANANDA CARVALHO
especial para o Canal Contemporâneo
As obras de Yang Fudong discutem as confluências das oposições. Apresentam elementos que formam camadas que misturam o real e o imaginário, o documentário e a ficção, o campo e a cidade, a cultura tradicional e a China contemporânea, a subjetividade e a identidade social. É um trabalho que ocorre na encruzilhada, ou no encontro dos contrastes.
Sete intelectuais na floresta de bambu é uma videoinstalação que se inspira numa lenda/história popular chinesa na qual a palavra intelectual pode ser traduzida por sábio: The Seven Sages of the Bamboo Grove. Yang Fudong conta que os intelectuais eram filósofos e poetas que realmente viveram no Século III e para fugir de perseguições políticas refugiaram-se na floresta. Sensibilizados pela beleza da natureza, isolaram-se dos problemas mundanos seguindo seus impulsos e agindo espontaneamente. Esse fato recontado pela história popular pode ser encontrado em diversas manifestações artísticas chinesas ao longo dos séculos. A videoinstalação é composta por cinco filmes em preto-branco exibidos em espaços separados.
Na Parte I, um grupo de jovens aparentemente bem sucedidos visita a Montanha Amarela, um ponto turístico chinês. Em meio a uma natureza exuberante, cada um questiona a sua identidade. As brincadeiras com o foco no estilo de Chott el-Djerid (A portrait in light and heat, Bill Viola, 1979) materializam esse questionamento, como se cada personagem perguntasse: quem eu sou? Na Parte II, o grupo volta à cidade e todos vão viver juntos numa casa. Além das cenas de sexo, os personagens pouco interagem. Na Parte III, os intelectuais mudam-se para o campo considerando que a experiência de viver junto à natureza os aproximaria de seu eu interior. Na Parte IV, isolam-se numa ilha deserta. Mas, a fuga é difícil e os obstáculos são evidenciados. Na Parte V, os intelectuais após apreenderem sobre si mesmos, tentam começar de novo na cidade. Entretanto, voltam com muitas perguntas.
As imagens são construídas a partir de preciosos enquadramentos com uma movimentação de câmera elaborada e uma evidente direção de atores. Por outro lado, apontam para sentimentos de realidade e de utopia que insistem em se contrapor. Os vídeos são uma sequência de retratos audiovisuais surrealistas em que a câmara assume o papel de mais uma camada na produção das múltiplas identidades. Muitas vezes o quadro é composto pelos atores parados como estátuas e o movimento é realizado pela câmara ou por apenas um deles. Outra questão interessante de se observar é que os olhares dos personagens raramente se cruzam. Os olhares fixos dirigem-se a câmera, a algo externo do quadro, ou ainda a uma reflexão subjetiva e interior. A dificuldade da convivência em grupo é recriada de uma forma indireta e complexa através dessas duas estratégias. E ainda, as cenas de conversas são construídas através de uma montagem em que não há contra-campo (enquadramento utilizado em diálogos que relaciona o ponto de vista de um personagem com o do outro). Pode-se dizer que as falas, que aparecem apenas nas partes I e II, não são diálogos e sim reflexões.
A montagem da exposição no formato de uma casa mistura a subjetividade do espectador com o que está sendo exibido; os sons dos vídeos com o barulho externo; o sentimento da realidade exterior com a interior. Os vídeos estão em looping (mecanismo da programação do DVD que permite que, ao acabar, o vídeo volte para o seu início e assim repetidamente) e, apesar das imagens estarem isoladas em projeções separadas, os áudios misturam-se. Enquanto assiste-se a um trecho da parte IV, pode-se sobressair uma canção cantada por uma das atrizes na parte II, por exemplo. A idéia do looping aparece também na articulação dos temas que se repetem e na montagem criada especialmente para o Paço das Artes em que os espaços de exibição formam um semicírculo. Desse modo, a montagem que vemos na tela, assim como a articulação entre as cinco partes, explora o imaginário do público e faz do espectador um outro editor.
Yang Fudong foge de uma linguagem cinematográfica clássica que buscou ao longo de todo o século XX contar histórias. Ao romper a linha narrativa e a cronológica, a obra justifica a sua exibição em formato de instalação e não no isolamento da sala escura do cinema. Neste sentido, gosto de pensar numa montagem ampliada, considerando as diversas concepções de espaço. E o espectador participa desta montagem na medida em que elabora perguntas e/ou busca respostas a partir de conceitos, temas, reflexões, e acima de tudo, sentimentos. A obra de Fudong trás uma série de oposições, entretanto me faz lembrar que a vida contemporânea não é dicotômica e sim um emaranhado de sobreposições.
Ananda, o 1° sempre abre espaços nesta floresta de conceitos. Continue o caminho do presente!
Nada sei ainda sobre Yang Fudong. Vamos aprender.