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agosto 24, 2007
Carta aberta aos responsáveis pelo MAM-Rio e pela Exposição TROPICÁLIA, por Rubens Pileggi Sá
Carta aberta aos responsáveis pelo MAM-Rio e pela Exposição TROPICÁLIA
RUBENS PILEGGI SÁ
Assunto: solicitação para cuidar das duas araras atualmente presas no Museu
Citação:
O termo Tropicália nasce como nome da obra de Hélio Oiticica (1937 - 1980) exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, em abril de 1967. A obra pode ser descrita como um ambiente labiríntico composto de dois Penetráveis, PN2 (1966) - Pureza É um Mito, e PN3 (1966-1967) - Imagético, associados a plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de Parangolé e um aparelho de televisão. Como descreve o artista: "o ambiente criado era obviamente tropical, como num fundo de chácara e, o mais importante, havia a sensação de que se estaria de novo pisando na terra. Esta sensação sentira eu anteriormente ao caminhar pelos morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar pelas 'quebradas' de tropicália, lembra muito as caminhadas pelo morro".
in http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=3764
Bases para o desenvolvimento de um raciocínio:
Associados a, não é a coisa, mas algo contigüo, ligado, junto, perto.
E: como num fundo de chácara. Não: uma chácara. Menos ainda: jardim zoológico ou museu de arte.
Solicitação:
Solicito ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e/ou aos reponsáveis pela mostra Tropicália - atualmente em cartaz no Museu - a guarda das duas araras, presas no recinto, com o intuito de realizar com elas um "exercício experimental de liberdade", participativo, de cunho artístico contemporâneo, de relação entre arte e vida .
Comprometo-me a tratar das referidas aves, dando-lhes alimentação e moradia em regime aberto, treinando-as e estimulando-as a buscarem a própria sobrevivência em meio a uma mata protegida pelo IBAMA, próxima à casa onde resido atualmente, no Rio de Janeiro.
Coloco-me à disposição para mostrar o local antes de receber as aves, caso queiram ver onde as mesmas devem permanecer, certificando a diferença entre a situação de clausura e estresse a que as araras estão submetidas e das possibilidades que as mesmas terão habitando um local amplo, silencioso, em harmonia com a natureza.
A razão de tal solicitação é a de que, em meu entender, a exibição das araras como objetos de arte é o contrário absoluto das questões formuladas pelo movimento libertário do qual Hélio Oiticica era um protoganista maior.
Justificativa
As araras presas no Museu passam uma imagem decadente, de simples efeito decorativo, além de reforçar os estereótipos de país tropical que não respeita sua própria natureza e cultura. E exala um cheiro de assepsia ética e estética que parece querer congelar os questionamentos mais radicais daquele fértil período da história da arte nacional, que se desdobra até hoje.
O fato de o autor ter colocado aves em sua instalação de arte, originalmente, não justifica, diante de contextos atuais, que o trabalho necessite, para ser compreendido pelas novas gerações, do mesmo recurso usado à época, quando a questão ambiental não era tão evidente.
Afirmar que as aves expostas como objeto de arte foram criadas em cativeiro e morreriam fora dele é incongruente, até porque na ciência, hoje, vários cientistas de renome internacional se posicionam contra a submissão de animais para testes laboratoriais (e o que dizer, então, quando se trata de arte?). Devemos pensar em liberdade "ampla, geral e irrestrita" e não a aceitação de uma condição humilhante de prisão, seja animal, seja humana, ainda mais em uma situação como essa.
Gostaria que meu pedido para cuidar e proteger os animais fosse levado em consideração, reclamando uma postura libertária que vem, pelo menos, desde Leonardo da Vinci, que comprava pássaros presos apenas para soltá-los, aliás, como um humanista deveria sempre agir. E por entender que é melhor viver um dia livre do que passar a vida preso e sem chances de mudar de vida.
Conclusão
Acredito, ainda, que a exibição dos bichos no Museu faz parecer inofensiva a prisão de animais em cativeiro, sendo um estímulo à compra ilegal de animais silvestres no país. E agrava tanto o quadro de pobreza da população, quanto do desmatamento ilegal e uso indevido da natureza para fins que escamoteiam um grande ciclo vicioso.
Sem mais para o momento e esperando que a doação seja feita no prazo mais curto possível (de preferência antes de terminar a exibição da mostra no Rio de Janeiro) desde já me coloco pronto para receber as duas araras, que serão tratadas com toda a dignidade e respeito.
Agradecido
Rubens Pileggi Sá
mande-me seu e-mail para demonstrar o apoio a causa das araras e outro para
mam@mamrio.com.br com o título "araras"
Envie, também, e-mail de repúdio à Portaria 117, de 1997, do Ministério do Meio Ambiente, que normatiza o comércio de animais silvestres no país (segundo o fiscal do IBAMA que visitou o MAM, infelizmente só mesmo em condições bastante precárias é que animais são retirados de cativeiros, ou se não possuírem nota fiscal de compra, o que, no Brasil, é um incentivo ao tráfico, ao desmatamento e ao comércio ilegal e exploratório)
http://www.mma.gov.br/# - Denúncia ambiental - Linha Verde
P.S. - sábado, 25 de agosto, a partir das 14 horas, estaremos nas imediações do MAM, distribuindo esta carta aberta.
Performances, cartazes, camisetas, etc. são bem-vindos.