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agosto 13, 2007

O espaço múltiplo da telepresença, por Bianca Tinoco

Corpos Replexo.jpg
Performance "Replexo", do grupo Corpos Informáticos (UnB), SESC-Pinheiros, SP
fotografia: Lilian Amaral e Marta Mencarini
performer: Diego Azambuja

O espaço múltiplo da telepresença

BIANCA TINOCO

Pesquisadores de arte tecnológica se dedicam a obras que conectam o espectador a locais remotos

Desejo humano desde tempos imemoriais, a capacidade de estar simultaneamente em dois lugares tornou-se uma realidade banal no século XXI. Os avanços na transmissão via satélite e nas redes de telecomunicações permitem que teleconferências juntem no mesmo ambiente executivos de Nova York, Tóquio, Barcelona e São Paulo, os quais interagem por meio de suas imagens projetadas. Atravessando fusos horários e distâncias espaciais, softwares de comunicação em tempo real aproximam amigos distantes ao apresentá-los um ao outro em imagem e voz. A transmissão digital de gestos e movimentos para um local distante do emissor constitui a matéria-prima da telepresença, uma das principais vertentes da arte tecnológica em prática no Brasil.

A arte em telepresença é definida de diferentes maneiras por teóricos mundiais. Todos pressupõem um indivíduo, o interator, capaz de influir em um espaço físico distante através de um meio tecnológico, que pode ser a internet, o sistema de mensagens do celular ou a transmissão de dados via satélite. A partir daí, os estudiosos divergem. Para Lucia Santaella, professora no Departamento de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, são necessárias apenas as condições acima para que se configure a telepresença. O 29º livro da autora, Linguagens líquidas na era da mobilidade, está em fase de finalização e versará sobre o tema.

A ação mais sofisticada nesse sentido, segundo ela, é a que estabelece uma conexão entre interatores, de um lado, e robôs capazes de realizar movimentos, de outro. "O interator pode, por exemplo, cuidar de um jardim por meio de um sistema robótico, sem que esse ato seja performático", esclarece.

Lucia Santaella refere-se a The telegarden, trabalho pioneiro do americano Ken Goldberg iniciado em 1995 e ativo até 2004 no Museu de Arte Eletrônica na Áustria. A obra consistia em um robô que regava, podava e cuidava de plantas obedecendo aos comandos de internautas. Entre os adeptos brasileiros da telepresença, Lucia destaca Eduardo Kac, radicado nos Estados Unidos, Diana Domingues e a dupla Gilbertto Prado e Luisa Donatti.

telegarden-600dpi.jpg
The telegarden (1995-2004), de Ken Goldberg, pioneira no uso da telepresença. Nela, um robô comandado por internautas rega, poda e cuida de plantas.
Crédito: divulgação

Diana Domingues é citada graças a um único trabalho do gênero, INSN(H)AK(R)ES (1998). Nele, uma microcâmera na cabeça de uma cobra, na verdade um robô com controle remoto, dá aos internautas a visão e os movimentos do animal em meio ao serpentário do Museu de Ciências Naturais da Universidade de Caxias do Sul (UCS). "Ao lidar com essa realidade espantosa, o interator passa por um ritual de incorporação, em uma reafirmação do espaço físico distante e também do corpo conectado", ressalta Diana, professora do Departamento de Artes da UCS, diretora do grupo de pesquisa Artecno e autora de Arte e vida no século XXI (Edusp, 2003).

Também se encaixa nesse contexto o trabalho Poétrica (2003), de Giselle Beiguelman, no qual painéis espalhados por grandes cidades do mundo projetavam imagens enviadas pelos interatores via celular. Em De vez em quando (2006), a artista pôs imagens captadas por telefones móveis à disposição de internautas, a fim de que fossem reeditadas e projetadas em tempo real em uma sala do ZKM Media Museum, em Karlsruhe, Alemanha. "As novas tecnologias são precárias no bom sentido, ainda há muito o que descobrir nelas. A grande questão da arte digital é o desenvolvimento dos sentidos cognitivos para além do que a natureza proporciona, que novas sensibilidades são ativadas", diz Giselle. A artista, também professora da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, demonstra igual interesse pela realidade virtual - em abril, inaugurou com a individual Lugares nenhum a galeria Noema, primeira brasileira no ambiente de imersão online Second Life.

O corpo para além da rede

O contraponto à visão de Lucia Santaella é dado por Maria Beatriz de Medeiros, professora do Mestrado em Arte e Tecnologia da Universidade de Brasília e fundadora em 1998 do Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos. "A telepresença se dá no fluxo entre subjetividades e portanto só pode ocorrer quando o movimento de um interator, artista ou não, encontra do outro lado da conexão um segundo interator, com reações imprevisíveis", define Bia Medeiros, como é conhecida no meio artístico. Junto ao Corpos Informáticos, Bia investe na performance aberta à interferência. Os interlocutores modificam em tempo real o gestual dos artistas, em um exercício de improviso.

As performances do Corpos Informáticos se dão simultaneamente em vários locais, nos quais a imagem de um movimento do performer, registrada em tempo real por uma webcam e projetada em uma tela nos demais ambientes, altera o gestual dos artistas distantes. Entre os parceiros de Bia, estão Johannes Birringuer, na Inglaterra, Marie-Christiane Mathieu, no Canadá, e os integrantes da Association for Dance and Performance Telematics (ADaPT), com sede nos Estados Unidos. A participação de internautas ocorre pelo mesmo portal de encontros usado pelo coletivo, o iVisit.net. Foi este o meio utilizado no trabalho do Corpos Informáticos para a 5ª Bienal do Mercosul, em 2005. Em um ambiente que reproduzia a sala de estar da casa de Bia, os visitantes tinham acesso a computadores conectados à internet, nos quais podiam encontrar online os integrantes do grupo e outros interatores. Projetada na parede da sala, a imagem das telas das máquinas permitia aos demais visitantes acompanhar a experiência.

Colaboradora esporádica nos trabalhos do Corpos Informáticos, a artista Yara Guasque, prefessora da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), hoje mapeia registros do projeto de telepresença Perforum, do qual foi uma das líderes com Artur Matuck, professor da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolvido de 1999 a 2001, o Perforum lidou com a transmissão de performances interativas através da estrutura de videoconferência ponto a ponto ligando a UDESC e a USP. Ao longo de dois anos, o projeto formou um banco de roteiros de performances participativas. A parceria entre os núcleos na duas cidades terminou após um desentendimento entre Yara e Matuck, fruto da desafagem no tempo de transmissão de dados entre um lugar e outro. "Estávamos em performance e, a certa altura, formou-se um clima tenso porque achei que Matuck não se deixava contagiar pelas intervenções enviadas. A rede caiu em São Paulo e pensamos que o contato havia sido bloqueado de propósito", Yara lembra.

O delay na passagem de imagens se interpõe como desafio e pode ser ainda mais perigoso no caso de uma coreografia em telepresença. Líder do Grupo de Pesquisa Poética Tecnológica na Dança, da Universidade Federal da Bahia, Ivani Santana procura prever o atraso da rede ao estruturar seus números, partilhados por bailarinos de diferentes locais. "Apesar de parecer pouco, esse segundo modifica toda a configuração sensório-motora", alerta Ivani, premiada no fim do ano passado no Monaco Dance Forum, o maior evento de dança-tecnologia do mundo. Em 2005, uma apresentação coordenada pela coreógrafa uniu bailarinos de Brasília, Salvador e músicos do grupo Log 3, que transmitiam a trilha em tempo (quase) real a partir da Universidade Federal da Paraíba. O espetáculo Versus, assistido em um auditório de Brasília e via internet, marcou a inauguração da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), com fluxo de 10 gigabits por segundo. Durante a Bienal Internacional de Sevilha, em dezembro passado, o grupo de Salvador apresentou-se com o grupo espanhol En Lugar de Criación e com a Arizona State University, sob coordenação de John Mitchell.

Não é difícil perceber o quanto a prática da telepresença está associada ao meio acadêmico, muito em função das verbas de pesquisa e da alta qualidade das conexões de internet desfrutadas pelo meio acadêmico. No Brasil, entretanto, dois dos únicos centros de pesquisa a oferecerem Arte e Tecnologia como linha de mestrado são a UnB e a paulistana Faculdade Santa Marcelina (FASM), que começa a aprovar as primeiras dissertações sobre o assunto. "O estudo mais aprofundado é crítico, ultrapassa a ingenuidade inicial de descobrir apenas a linguagem do meio", diz Christine Mello, uma das coordenadoras da linha de pesquisa na FASM. "A telepresença está caminhando para uma abertura cada vez maior ao interator", ela prevê.

Box: A telepresença em links
- ADaPT (Association for Dance and Performance Telematics) : http://dance.asu.edu/adapt- Artecno/Diana Domingues: http://artecno.ucs.br
- Corpos Informáticos: www.corpos.org. Para participar online: fazer o download no programa IVisit (www.IVisit.net), entrar no diretório "Arts", depois em "Creative" e por fim na sala "corpos".
- Eduardo Kac: www.ekac.org
- Giselle Beiguelman: www.desvirtual.com
- Ivani Santana: www.poeticatecnologica.ufba.br
- Perforum: www.udesc.br/perforum

Posted by João Domingues at 2:26 PM