|
junho 27, 2007
A vocação de um bairro, por Rubens Pileggi Sá
A vocação de um bairro
RUBENS PILEGGI SÁ
Ritmo poético
Santa Teresa deve ser o único bairro do mundo onde o dono de um bar te convida para beber e ainda para conversar sobre arte, em alto nível, discorrendo sobre situações que foram vivenciadas em momentos decisivos da carreira de muitos artistas. Como testemunhas, obras de arte expostas nas paredes do estabelecimento comercial. Há outros bares com donos assim, pelo mundo. Mas não em um bairro onde ainda corre pelas suas ruas estreitas de paralelepípedo um bonde elétrico - mais do que nostálgico, turístico e funcional - que espera uma senhora que esqueceu os documentos em casa. Um bonde que fica parado no ponto, para que o motorneiro visite uma criança que ficou doente naquele dia e não pôde ir à escola.
De fato, Santa Teresa parece, em muitos aspectos, diferente de outros lugares. O tempo, por exemplo, é dado pela medida da ladeira que se tem de subir, não pela pressa de se fechar negócios em alguma movimentada avenida do resto da cidade. As pessoas preservam um outro ritmo, mais lúdico, mais poético. Resistem junto aos antigos casarões, que abrem fendas para o correr dos olhos através deles, trazendo as distâncias de outras paisagens para o limite de um passo, entre uma edificação e outra.
Sua idiossincrasia pode ser sentida pelo fato de ser um bairro onde - normalmente - o artista é tratado com respeito e carinho. A contrapartida é que esses artistas - em sua maioria - além de viverem e trabalharem em Santa Teresa, participam ativamente, junto à comunidade, de uma situação em que sustentabilidade econômica, desenvolvimento cultural e ambientalismo são questões levadas a sério e realizadas na prática. Os projetos sucedem-se e multiplicam-se nesta direção. Ongs se formam, associações são criadas. Pessoas se juntam. Em tal contexto são realizadas as iniciativas do Coletivo Chave Mestra.
A Chave de contato
Com pouco mais de 3 anos de vida, a Chave Mestra - herdeira dos 11 anos de realização do ARTE DE PORTAS ABERTAS - possui um significativo número de eventos, situações e público que lhe garante uma condição impar no cenário nacional, particularmente, por tratar-se de gestão independente. Ou melhor, dependente de seus membros. Artistas.
Não custa lembrar a quantidade de participantes e projetos que fazem parte das ações desse coletivo de artistas, em uma abrangência que vai do intercâmbio com outros coletivos e coletivos de outros países às ações educativas nos ateliês dos artistas. Dos circuitos integrados com outros espaços ao uso constante de seu próprio espaço na Galeria Mauá, sempre com novas programações. A Vitrine Efêmera, que se tornou uma referência no circuito artístico. Além, lógico, das concorridas premiações do Interferências Urbanas, um dos programas mais conhecidos realizado pelo ARTE DE PORTAS ABERTAS. Lembro-me do impacto que causou certos trabalhos desse certame, como o Cristo Redentor que ficou vermelho, do Ducha; as moedas espalhadas pelo bairro, de Fernanda Gomes; a casa cortada no Largo das Neves, de Felipe Barbosa e Rosana Ricalde e tantos outros, tão interessantes quanto estes.
Considerações Contemporâneas
A questão que a Chave Mestra levanta, dentro de Santa Teresa, é - em seu conjunto de ações - da contemporaneidade que o discurso artístico é capaz de assumir. Ou seja, na fusão da questão vivencial, prática e a questão poética, estética. De contexto que envolve arte, público e entorno convergindo para a mesma direção.
Tal questão, no entanto, só pode ser pensada se levarmos em consideração o patrimônio material e imaterial, cultural, histórico e natural disponível no bairro. Fazendo com que a própria comunidade participe como elemento a ser preservado e elemento preservador, ao mesmo tempo. Que ela possa ser incentivada a restaurar, enquanto ela própria investe na promoção de seus restauros - psicológicos, sociais, estéticos. Enfim, o bairro inteiro se comportando como um Museu Vivo e Orgânico. Onde o praticante de yoga, de capoeira, o artista naïf, o artista conceitual, o vendedor de pães, o guardião da esquina, enfim, todos estejam conscientes de seu papel dentro desse organismo.
Para que isso se dê, é preciso forjar um espírito que leve em consideração uma prática de política participativa, envolvendo comunidade e ação artística. O artista falando a partir do seu bairro, mas com conexão global, antenado no mundo. O bairro como uma proposta contemporânea de identidade. Muito diferente de uma cidade-dormitório, bairro de operários, ou de burgueses. Um bairro de artistas. Onde as pessoas são identificadas como tal. Um bairro/museu em que a arte aconteça o tempo todo.
Utopia real
Isso tudo, de forma mais ou menos explícita, acontece já em Santa Teresa, que inspira pensamentos dessa natureza. Santa Teresa que tem donos de botequim versados em arte, que tem o bonde, as ruas estreitas, ladeiras, escadarias, os casarões antigos, espaços culturais, paisagens fantásticas, pessoas interessantes, turistas e problemas sociais, também, afinal é Brasil e não uma ilha separada de seu entorno. E tem, é claro, a Chave Mestra, produto e produtora de ações e práticas artísticas nas suas mais distintas formas.
Como novíssimo morador de Santa Teresa - artista, também - sinto-me honrado de fazer as vezes da casa e agradecido pelo convite ao presente texto, tratado aqui como um sobrevôo. Contem comigo!
Viva, rubens!
bem vindo ao bairro.
na chave mestra estamos sempre pensando em em formatos e maneiras para viver este paradoxo de santa teresa. para quem é de fora deve se estranho ver lado a lado conceituais e naifs, artistas iniciantes e experientes. isso é santa teresa, isso é rio de janeiro, isso é brasil...
felicidades,
nadam
e uma porcaria
Posted by: pedro at julho 26, 2007 12:30 PM