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maio 28, 2007
Manet e a paisagem brasileira, por Rubens Pileggi Sá
"Le balcon", de 1868. Pintura de Edouard Manet
Manet e a paisagem brasileira
RUBENS PILEGGI SÁ
Efeito Borboleta
Causa e efeito: pensar a relação entre um fato dado e as conseqüências geradas por tal ato. Ou, o que uma coisa que não tem nada a ver com outra - aparentemente - tem a ver com a coisa? Babel, o filme: um acontecimento aqui que se reflete do outro lado do mundo. Em física moderna chama-se "efeito borboleta", porque o exemplo que foi dado era aquele entre o bater de asas de uma borboleta e uma bomba que acabou estourando.
Da vida e da obra
Eis a chave, então para o que vem a seguir: se a arte criada depende da vida que o artista leva, então tudo o que ele faz e pensa na vida, reflete na arte. Assim como é para todo mundo. A diferença é que o artista transforma suas questões vivenciais em expressão subjetiva. Traumas, afetos, distúrbios, sensações, dúvidas ou paixões: tudo isso é filtrado pela poética do artista que transforma seus sentimentos em objetos, ou obras. O que não os tornam menos "loucos" ou "neuróticos" do que as pessoas "normais", mas ao menos eles se manifestam, ou melhor, se "expressam", falando por nós coisas que, muitas vezes, nem sabíamos que tínhamos ou sentíamos.
Um estudo de caso
Pouca gente sabe que o pintor Edouard Manet (1832-1883) esteve no Brasil, em 1848. Menos ainda que, aos 17 anos, veio como uma espécie de estudante para se tornar marinheiro, talvez comandante de navio, como queriam seus pais. Portanto, ele ainda não tinha começado a pintar do modo ele veio a fazer, depois, mudando a história da pintura, e inaugurando o modernismo, na arte. Tornando-se o guru do Movimento Impressionista. O achatamento que ele inaugurou na imagem, equilibrando, através da luz e da cor, a figura com o fundo do quadro e com isso, levando a pintura no caminho da sua autonomia (bidimensional) em relação à escultura (tridimensional) foi sua grande revolução. E pode tanto ser comprovado no Cubismo - via Picasso e Braque - quanto no Abstracionismo, onde a cor e a forma não significam mais nada, além de ser o que são: cor e forma.
Uma hipótese
Há um livro das cartas viagem do jovem Manet aos trópicos. Lá ele fala de ter sido impedido de descer no porto do Rio de Janeiro, por ter ficado doente. Fala de mulatas. Reclama. Fala da vida no porto, etc. o que pode explicar, em parte - se a teoria de causa e efeito que tento explanar aqui estiver certa - pelo menos, da figuração, em sua obra. Seu mais famoso quadro, o "Dejeneur sur le herbe", de 1863, escandalizou a Paris da época, por apresentar mulheres nuas, profanas, em meio a homens vestidos, em um bosque, nos arredores da cidade. Algo que poderia ter a ver com a própria informalidade da qual aprendeu a ver nos trópicos. Não é difícil ver mulheres mostrando os seios por aqui. Nem o era em 1863.
Mas isso é uma conjectura. Assim como é uma conjectura - já que o próprio Manet, não falou nada sobre isso - que a forte luz tropical e a paisagem carioca tenham grudado nas retinas do menino, que mais tarde traria de volta essas impressões brasileiras às suas telas. Pode ser. Mesmo que inconscientemente.
Só por uma questão de observação, quem vê tais montanhas iluminadas, à distância que uma toma da outra, incrustadas dentro, perto e entre o mar, tem a impressão de uma foto colorida, ou de uma pintura que pode ser arranhada com as unhas. A impressão de espaço é tamanha que parece uma ilusão.
Da obra e da vida
Voltando. Falar de causa e efeito, nesses casos, pode parecer um pouco forçoso, sem contar que há pessoas que pensam que arte se resume a técnica e linguagem, nada tendo a ver com a vida que a pessoa tenha levado ou deixe de levar. Mas não deixa de ser intrigante pensar que a paisagem brasileira possa ter sido, senão o estopim, mas, quem sabe, uma inspiração que mais tarde foi colocada na tela do artista francês. O primeiro dado do imenso tabuleiro de dominó que foi dar na arte contemporânea.
É impossível mensurar tal fato, até porque quem poderia falar sobre isso já não está mais vivo. Mas se uma coisa tem a ver com outra e nada é tão por acaso assim, então a questão se coloca. Até porque temos as obras aí, para análise e (re)interpretação. E, mais uma vez, os trópicos oferecendo ao Velho Mundo o rico tesouro aqui guardado. Dessa vez, pela subjetividade do olhar.