|
janeiro 24, 2007
Intimismo e paradoxos, por Rubens Pileggi Sá
Intimismo e paradoxos
RUBENS PILEGGI SÁ
Coletiva de artistas contemporâneos no MAC/PR aproxima linguagens distintas
Fugindo às definições
Se o questionamento do que venha a ser a ciência e a filosofia e quais as funções que elas cumprem no destino da humanidade parece ser menos controverso do que a arte, é porque esta sempre consegue resistir e escapar a rótulos e definições, por mais acabados que pareçam.
Não só porque a pergunta sobre o que é a arte e para que ela serve se transforma através dos tempos e dos lugares onde é enunciada, mas, também, porque não há nenhuma unidade estilística e formal que garanta a supremacia de um certo trabalho realizado sobre outro qualquer.
Em se tratando de arte contemporânea, então, nem se fale. Principalmente da arte produzida depois da metade do século passado para cá, herdeira da tradição de rupturas que se acentuaram. É o caso da art Minimal e da Pop-art, incluindo-se Performances, Instalações, Arte Conceitual, Intervenções Urbanas, etc.
Arte em si
Se dissermos que a Beleza define a arte, então deveremos identificar um objeto e um sentimento que imite algo que tenha correspondência no mundo visível. Mas, assim, descartaríamos o próprio postulado modernista de invenção e criação que a arte reclama, afirmando que algo é por si, não precisando se tornar a cópia de outro, parecendo ser o que não é. Por exemplo, quando uma senhora indignada vendo as pinturas do pintor Matisse lhe disse que não existia uma mulher verde, o pintor lhe respondeu que aquilo não era uma mulher, mas uma pintura.
De todo modo, a noção que temos de Beleza ainda passa pela questão da subjetividade, já que não podemos medir racionalmente o que seja A Beleza. E entramos em um terreno que inclui a questão do gostar ou não gostar de algo. É certo que o grau de conhecimento sobre determinado assunto apura o gosto, mas até aí não temos condições de dizer que tal coisa é ou não é arte, ainda. Apreciar vinhos, ser arrebatado por uma paisagem, achar alguém bonito. Isso pode ter Beleza. Chamamos a isso de Bom Gosto. Até de arte, também. Mas arte isso não é, pelo menos enquanto não estiver inserido dentro do conceito de Arte.
Além de pensar. Viver
Sócrates já se debruçava sobre essa questão há mais de dois mil anos, tentando definir o que era O Belo, O Bom e O Justo. E outro filósofo, Kant, buscou traçar a genealogia do gosto segundo o juízo da razão. As mesmas perguntas que fazemos hoje e que continuam abertas ao debate.
Só que, diferente da filosofia, a arte se questiona e questiona o mundo através dos materiais que usa e que transforma, modificando, a cada vez, nossa própria forma de ver as coisas do mundo. E é diferente também da ciência, pois depende da subjetividade de quem entrará em contacto com a obra de arte, ainda que intermediada pela linguagem e por sua força comunicativa.
De certa forma, a arte não é para ser pensada. Talvez, nem para ser sentida. A arte é para ser vivida. "Navegar é preciso, viver não é preciso", no entanto.
Mostra Coletiva
Todas essas considerações acima fazem parte de uma tentativa de pensar (depois de ter vivido, ou depois de algo ter sido vivido por mim?) a exposição coletiva de quatro artistas convidados, em cartaz no MAC/PR, em Curitiba, até 31 de janeiro.
Embora sem nenhum compromisso de relação entre os trabalhos apresentados, é possível enxergar em comum - além da proximidade de gerações e de produzirem em Curitiba - uma visão intimista que nos desorienta entre aquilo que se revela e que se esconde, ao mesmo tempo. Entre o que aparenta ser, mas não é. Embora esteja ali presente, diante de nossos olhos, ouvidos, narinas. Propõem um jogo de aproximações e distanciamentos. De convite ao toque e recusa em serem manipuladas - vide as faixas amarelas de sinalização coladas ao chão. Sim, a arte contemporânea abriga paradoxos e contradições verbais, visuais, sonoras, etc. e é com esse olhar que as obras de Fábio Noronha, Carina Weidle, Gabriele Gomes e Lívia Piantavini podem ser vistas (apreciadas, degustadas).
Agrupadas por linguagens, os objetos e instalações de Weidle e de Noronha ocupam salas do andar superior do antigo prédio público (1928), transformado em Museu de Arte. E as pinturas de Gomes e Piantavini, o salão principal e outra sala, contígua, do andar térreo.
"Deu Errado"
A produção que Fábio Noronha apresenta - além do impacto visual - envolve o espectador em certa aura de mistério, propondo um estranhamento, à primeira vista. Ela pede desvelamento, mas se recusa a se entregar, jamais se oferecendo totalmente à compreensão. Parece nos dizer que o que está diante de nós é arte e que não se exija dela nenhuma explicação, mas, ao mesmo tempo, ela não exige de nós nenhum sentimento comovido. Apenas uma indagação após outra indagação, nos remetendo a outras, sucessivamente.
Se nomear as coisas é tirar-lhes o mistério de não as sabermos, então Noronha busca o inverso disso, já que um título remete a um subtítulo, que remete a uma armadilha verbal, que nos coloca em frente a algo qualquer, que pode ser um ruído, uma falsa parede com um buraco se abrindo para o exterior, ou outra parede, simplesmente fatiada, onde o pó caído ao chão faz parte de um jogo de dar e retirar a lógica do espectador. Ao assumir a frase "Deu Errado" sobre pedestais de apoio a esculturas, Noronha assume o certo pelo seu avesso, abandonando o molde de uma cabeça humana em um balde de alumínio, no canto de uma sala.
Objetos Inconformados
Carina Weidle, por sua vez, propõe operações plásticas (artísticas, leia-se!) conceituais, onde o tirar, o colocar e o sobrepor conferem a seus objetos um desconforto diante de sua posição no espaço, que parece incomodá-los. Tais objetos aparentam viver em um estado intermediário da matéria, inconformados ao seu destino, congelados antes de se diluírem, antes de se racharem completamente, antes de se perderem nas abstrações de algo que pode ser e que não é. Mesmo as peças polidas e bem acabadas nos indagam com um certo modo de ser de Esfinge, a nos desafiar: "decifra-me ou te devoro!".
Cor e perversão
Com um mesmo procedimento - que é a colocação excessiva de tinta colorida sobre uma superfície - entrelaçado entre um "expressionismo irônico" e um "pop desencantado", cada pintura de Gabriele Gomes parece querer provocar o espectador na sua "falsa inocência". Elas excitam nossa vontade de tocar, de apertar, de espremer, de lamber as cores, mas há algo de perverso nisso: são podem ser olhadas. Entre o desejo e a realidade, nossos olhos passeiam por diferentes texturas formadas pelo acúmulo de tinta. Às vezes fios, às vezes manchas, às vezes deixando boa parte da tela sem pintar, dando espaço ao branco. Branco que é a soma de todas as cores...
Adivinhando o mundo
E, por fim, as delicadas, sensuais e sutis pinturas (ou seriam desenhos coloridos?) de Lívia Piantavini, cuja leveza na junção de elementos díspares, como linha e cor, forma e conteúdo, nos levam a lugares onde a visão ainda está por se formar. Onde a nomeação das coisas ainda não se deu. Onde a poesia está presente e podemos brincar de adivinhar o mundo.
Rubens Pileggi Sá pileggisa@hotmail.com