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novembro 23, 2006
Bienal ETC. - Sobre o boicote em massa à 27ª Bienal de São Paulo, convocado pelo artista e ativista indígena norte-americano Jimmie Durham
Caçada ao Unabomber (detalhe), instalação do artista sueco
Ola Pehrson na Bienal
Bienal ETC.
Sobre o boicote em massa à 27ª Bienal de São Paulo, convocado
pelo artista e ativista indígena norte-americano Jimmie Durham
RICKY SEABRA
Em janeiro deste ano recebi um spam de Jimmie Durham, artista e ativista indígena norte-americano (**), sobre a idéia de se boicotar a Bienal de São Paulo por causa do tratamento que os brasileiros dão aos índios (eu estava na Bélgica escrevendo uma peça sobre o império norte-americano. A peça que estreou na Europa em junho 2006 se chama Empire, Love to Love You, Baby, e deve estrear no Brasil em 2007).
Quando li a carta de Jimmie Durham eu tive confirmação da minha tese no espetáculo de que a força do império americano não é apenas econômica ou bélico-industrial. O império existe dentro de cada um dos 300 milhões de americanos; MESMO OS ESQUERDISTAS como o Jimmie Durham. O americano, mesmo esquerdista, acha que sabe o que é melhor para o mundo. E foi pensando nesta atitude (da qual também compartilho por ser metade americano) que eu quis criticar a proposta de Jimmie Durham de boicotar a Bienal de São Paulo.
Isto foi em janeiro. A minha resposta ao Durham foi publicada na revista inglesa Art Monthly em abril. Estamos em novembro e a Bienal taí. Um congresso americano democrata também taí. Mas apesar de ter votado na Hillary Clinton eu continuo achando que o partido democrata não representa os valores esquerdistas que ouvimos nos bares e faculdades norte-americanos. Uma Heloísa Helena (versão gringa) você até acha num bar ou num Berkley da vida. No congresso? Mas neeeeeeeemmm...
***
Uma resposta à brilhante idéia de Jimmie Durham de boicotar a Bienal de São Paulo
Prezado Sr. Durham,
Além da expressão "nossos índios", temos outra expressão aqui no Brazil: "A esquerda só se une na cadeia". Depois de 184 anos de governos de direita, o povo brasileiro finalmente elegeu um presidente de esquerda (infinitamente mais esquerdista do que qualquer candidato que o seu país seria capaz de produzir nos próximos 100 anos). E AGORA você acha apropriado igualar o Brasil com a África do Sul sob o apartheid para ajudar a sua causa. (E você diz que é no "espírito de solidariedade").
Ora. Obrigado por esse prego no caixão de um governo que luta pra sobreviver.
Se eu fosse um esquerdista paranóico eu diria que você é financiado pela CIA para tentar dividir um sentimento crescente de esquerda na América do Sul. Mas não sou um esquerdista paranóico. Só vejo você como mais um ativista egoísta que não consegue escolher taticamente a hora certa de agir sob seus próprios impulsos. E é por isso (de acordo com a expressão esquerdista que mencionei) que NÓS ESQUERDISTAS, historicamente, acabamos na cadeia mais que o pessoal da direita.
O seu plano de boicote não nos oferece nada. Nenhum nome, nenhuma agência. Nem ao menos identifica o rosto de alguém contra o qual uma torta seria bem-vinda. Só nos oferece uma oportunidade de fazer performance nas escadarias de uma bienal.
Já posso ver nas notícias esta primavera: ativistas e artistas, a maioria norte-americanos, viajando com fundos de seus mecenas ou bolsas NYFA. Transmissões na CNN e na Fox News (de um minuto no máximo) darão a impressão de que brasileiros odeiam índios (ponto) enquanto NENHUMA DAS DUAS emissoras mencionaria Guantanamo ou o Patriot Act. A sua cara estampada na capa da Art News, claro!
Como a esquerda americana tem sido tão inadequada a ponto de ter NENHUMA REPRESENTATIVIDADE no Congresso, você se vê no direito de forçar as suas idéias além de suas fronteiras, assim como o Bush faz com "liberdade". Curioso, não, Sr. Durham, como o oprimido imita o oppressor? Talvez o senhor deva reler o seu Paulo Freire.
O seu chamado "espírito de solidariedade" é destrutivo e as suas idéias sobre pessoas de uma cor pedindo desculpas para pessoas de outra cor são um tédio. Eu sou americano e brasileiro, parte português, parte índio marajó, parte negro, talvez um pouco de espanhol, holandês e irlandês, se cavar muito. Eu não espero que a minha bunda cabeluda de português peça desculpas para o meu rosto imberbe de índio. Nem permitiria de forma alguma que as minhas pernas cabeludas portuguesas peçam licença por estarem andando sobre terras mouras a próxima vez que forem a Lisboa.
Será que a nossa (agora falo como americano) criação judaica-cristã não nos contaminou com culpa o suficiente? Oy Vay!
Não, Sr. Durham. O senhor não estava na terra dos Guaranis quando você anunciou o seu brilhante boicote. O senhor estava na terra que já FOI dos Guaranis. O senhor estava no Brasil, queridinho. Um país com mais anos de independência que a Bélgica, Itália, Alemanha e outros países do Velho Mundo.
Você diz enfaticamente que NÓS é que "TEMOS que mudar agora!".
Ora, me poupe e (sem traducão em português): give the world a fuckin' break!
As pessoas que têm de mudar são a esquerda americana, com a sua retórica pedante e politicamente correta de como os outros devem se comportar e conduzir as suas vidas, o que só torna a esquerda cada vez mais imbecil, enquanto fortalece a direita.
Claro que índios brasileiros devem ter direitos, território, oportunidades e educação, mas a gente não precisa de reportagens de merda na mídia trivializando performances e distorcendo as suas mensagens em frases de efeito que vão igualar brasileiros a nazistas. Muitos brasileiros já trabalham com nações indígenas, enquanto milhares, se não milhões, lidam efetivamente com problemas sociais IGUALMENTE GIGANTES.
E, finalmente, transformando bienais de arte nos nossos campos de batalha (sou artista também) para a mídia transmitir faz tanto sentido quanto negros em South Central Los Angeles ou árabes em Paris queimarem a sua própria propriedade. É ativismo sem rumo, sem meta.
No lugar de boicotar a Bienal de São Paulo, talvez o POVO DO MUNDO deva boicotar a próxima Whitney Biennial em Nova York!
Por quê?
Por uma esquerda americana totalmente débil e ineficaz. Ah, e pela guerra ilegal no Iraque, com a qual a esquerda americana também não pode acabar.
Até nos vermos na cadeia, Sr. Durham.
Um abraço,
Ricky Seabra.
Ricky Seabra é dramaturgo e designer brasileiro-americano. Nasceu em Washington e cresceu em Brasília. É graduado em Comunicação Visual pela Parsons School of Design, em New York, com mestrado em pesquisa de Design pela Design Academy Eindhoven, na Holanda. Desde 2002 trabalha como artista residente do Kunsencentrum Nona, na Bélgica, produzindo espetáculos junto à coreógrafa carioca Andrea Jabor e o diretor belga Dirk Verstockt. Suas peças mais recentes são: Aviões e Arranha-Céus - Um Monólogo Manipulado, sobre o 11 de Setembro, apresentada em 20 cidades da Europa; Isadora.Orb - A Metáfora Final, que propõe levar artistas para a Estação Espacial Internacional; e Empire, Love to Love You Baby, um monólogo sobre uma imperatriz da América, que estreou na Bélgica em junho de 2006. Também faz parte do coletivo Zero Gravity Arts Conscortium que em 2007 pretende executar performances no avião de treino de astronautas da NASA, em zero gravidade simulada. www.rickyseabra.com
(**) As posições de Jimmie Durham, retomadas em fevereiro deste ano no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, podem ser lidas no site do Aboriginal Curatorial Collective (www.aboriginalcuratorialcollective.org/whats_on/news.html), sob o tópico Speech by Jimmie Durham in Brazil.
clap, clap, clap [aplausos para Ricky Seabra]
Posted by: Fábio Tremonte at dezembro 1, 2006 12:34 AM
nonada