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novembro 23, 2006

Bienal ETC.: As coisas vistas todos os dias, por Marcelo Rezende

Bienal ETC.

As coisas vistas todos os dias

MARCELO REZENDE


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Cena de Parc Central (Brasília), de Dominique Gonzalez-Foerster


O que é afinal arte política? O que poder querer dizer neste momento o engajamento? A busca de uma resposta significa aceitar que toda forma de ação engajada necessita lidar hoje com o fenômeno da destruição e da perda, e não mais e apenas com a construção e a esperança utópica de um gesto, ao menos em sua inocente pretensão, transformador. Luto talvez seja a sensação mais presente nos trabalhos da francesa Dominique Gonzalez-Foerster, que nesta 27a Bienal de São Paulo apresenta uma obra para o pavilhão e o parque, uma verdadeira alteração da paisagem, alguns de seus espantosos filmes e, ainda, uma profunda reflexão sobre o homem, a história e a sociedade.

Luto é o sentimento provocado pela ausência do que se sabe irrecuperável, um estado no qual a memória se fortalece, ganha o domínio, se expande, toma o plano mental e emocional. A lembrança é única plataforma pela qual a mente em completo estado de perda, deriva, pode continuar em plena operação, em funcionamento, caminhando, prosseguindo, não abdicando do desejo de entender o que se passa.

Entender, aqui, não significa recuperar ou mesmo aceitar a perda. Significa lidar com sua existência fazendo a memória se confrontar com o mundo a partir de pequenos traços, lembranças que formam uma identidade fragmentada sempre flutuando entre a memória de uma história, agora, já perdida, e seu oposto perfeito, o mais completo esquecimento. Sem essa ação da memória o que resta é o vazio. O fim. Um fim.

Dominique Gonzalez-Foerster é uma artista com a extraordinária capacidade de registrar esse processo. Em seus filmes e em todas suas ações artísticas há uma oscilação entre o - aparentemente - nada, o banal, as coisas vistas todos os dias, e esses traços que explodem pela memória afetiva dos narradores de seus filmes, que se comunicam como as vozes dos romances de Marguerite Duras, assombrados por algo que precisam de alguma forma entender. Com ela, a narrativa pessoal encontra sempre um cenário, uma situação urbana, e a partir desse encontro uma cadeia de reações acontece durante essa exploração do mundo. A memória pessoal se mistura à memória da cultura e às pulsões da história; a lembrança de um indivíduo é o reflexo de uma experiência social, e o mesmo ocorre em direção contrária.


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Cena de Parc Central (Paris), de Dominique Gonzalez-Foerster


Toda a ação social, partidária, imperativa e, em seu momento mais extremo, revolucionária, se confronta com esse mesmo jogo de possibilidades entre aquilo que foi sonhado e aquilo que é; entre aquilo que é em nome de um grupo ou apenas de um; entre o real e o apenas imaginado. Nessa situação de desvio e luto, o que "poderia ter sido" se transforma no território por onde a mente passeia. O luto político existe apenas como luto individual. A memória afetiva é uma questão política, e toda questão política tem início em um desejo único e pessoal. Dominique registra esses acontecimentos pela via do cinema - um feito com películas ou vídeo, e um outro, em tudo fantástico, "mental", realizado apenas com um cenário e o olhar do observador.

Mas seu cinema é rigorosamente político. Em suas imagens, a poética e a ética formam um único corpo. Para ela, a paisagem e a experiência do homem com essa mesma paisagem é o que realiza a arte. E, como se sabe, toda paisagem serve a um e a todos, no espaço e essencialmente no tempo. Assim, para Dominique não há mais fronteira entre experiência pessoal e coletiva, entre discurso político e experimentação formal; o luto de um é o de todos. Esse é seu gesto de engajamento: "Há duas maneiras de mostrar uma imagem. A imagem exposta enquanto tal não é mais imagem de nada, ela é ela mesma sem imagem. A única coisa da qual não podemos fazer uma imagem, é, por assim dizer, a imagem de uma imagem. O signo pode significar tudo, menos o fato de que ele está significando (...) Há duas maneiras de mostrar essa relação com o 'sem imagem', duas maneiras de fazer ver que não há mais nada a ver. Uma, é o pornô e a publicidade, que fazem como se houvesse sempre algo a ver; ainda as imagens atrás das imagens; a outra, deixa aparecer esse 'sem imagem', que é, como dizia Benjamin, o refúgio de toda imagem. É nessa diferença que reside toda ética e política do cinema" (1).


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Cena de Parc Central (White Sands), de Dominique Gonzalez-Foerster


Nada
A presença (talvez essa a mais exata palavra para definir sua "participação") de Dominique Gonzalez-Foerster em São Paulo oferece a chance para uma pequena reflexão em torno das mais repetidas críticas em torno do projeto para a 27a Bienal. Dominique e sua obra podem ser estrategicamente colocadas em meio ao mais repetido discurso de oposição ao evento; na verdade, não se trata exatamente de discurso, e muito menos de uma crítica elaborada, mas de "impressões negativas" que, de diferentes formas, se dirigem para um mesmo lugar: haveria nos pavilhões da Bienal "muita política e pouca arte", em razão de uma espécie de discurso "bem intencionado" que deixaria de lado (ou afogaria em uma avalanche de posições engajadas) a liberdade e as ações poéticas dos artistas, todos - em teoria - subjugados pela ação de força de um projeto curatorial, este, submetido ao discurso "político" de um modelo próximo dos de organizações não governamentais. Não se trataria mais de uma Bienal de arte, e sim uma plataforma para ONGs dirigidas por artistas. A liberdade do artista como um "indivíduo" estaria morta, e assim sua "poética", sua "rebeldia natural" que não poderia condenar a arte à política. Ao menos no que o senso comum admite ser "a política".


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Cena de Parc Central (Taipei), de Dominique Gonzalez-Foerster


Em Chronology, o crítico e curador Daniel Birnbaum, no pequeno ensaio Nothing, reflete sobre os trabalhos de Dominique Gonzalez-Foerster, invariavelmente a partir do ponto de vista de uma única palavra, ou conceito: atmosfera. DGF vive em uma série de atmosferas que carregam aqueles diante de suas instalações e filmes com diferentes sensações: "A partir desse carregado momento atmosférico surge sua arte, e trabalho após trabalho Gonzalez-Foerster procura capturar essas sensações únicas e tão evasivas que lhe faltam nomes, mas que são distintas o suficiente para serem lembradas durante a vida inteira".

Na série de filmes Parc Central, DGF viaja pelo Japão e Taiwan, passando por Buenos Aires, Paris, Rio de Janeiro e Brasília. Seu narrador é levado a esses lugares por desejos fluidos: a necessidade de entender a cena de um filme, a lembrança de uma passagem do passado que se encontra com o presente, sempre a necessidade de entender, capturar algo que escapa. São camadas de tempo e memória que se acumulam sobre uma alma - o que talvez seja uma porta de entrada para se aproximar da atração de DGF pela "tropicalidade", pela "modernidade tropical", que é a um só tempo uma história montada a partir de um sonho e um gesto politicamente transformador: a vontade de impor uma "outra modernidade" a fim de criar um espaço próprio, único, utópico, progressista e belíssimo. Seu narrador visita esses cenários, se banha na imagem de uma praia carioca ou na chuva em Taipei. E em todos esse lugares esse mesmo "nada", composto de "sensações únicas e tão evasivas que lhe faltam nomes, mas que são distintas o suficiente para serem lembradas durante a vida inteira".

Na instalação em torno das colunas da arquitetura de Oscar Niemeyer, em exibição na 27a Bienal, Playground Duplo (Pavilhão-Marquise), ela apresenta o que poderia ser visto como mais um filme da série Parc Central. Mas desta vez não há a película ou o vídeo, e o narrador é todo aquela que está diante das falsas colunas, mergulhado em uma atmosfera a um só tempo única e universal, no qual o concreto, a modernidade e o verde da vegetação são o "nada" pelo qual tudo acontece.


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Vista da instalação Playground Duplo (Pavilhão-Marquise), de Dominique,
sob a marquise do Ibirapuera. Foto: Marcelo Rezende


Essas sensações sem nome ganham, ao longo de toda narrativa, diferentes formas, entre elas o luto provocado por um projeto moderno nunca efetivamente realizado, no qual o observador é ao mesmo tempo agente e vítima de uma destruição sem começo e sem fim, porque diferentes sociedades "periféricas" acreditaram ou foram levadas a acreditar ser possível fazer nascer uma civilização em tudo revolucionária, capaz de reinventar os códigos do mundo a partir de um olhar novo, sensual e modernamente selvagem.

Toda a ação de Dominique Gonzalez-Foerster é política. Todo seu discurso em torno das imagens é político, assim como sua ação de dar forma ao "sem imagem". Mas olhar seu trabalho, assim como toda a 27a Bienal, a partir de um regime de oposição entre a "liberdade" e o "engajamento", a "poética" e a "política" é recusar a aproximação entre estética e ética e se opor à existência, como afirma o filósofo Jacques Rancière, de um "inconsciente estético" capaz de dar forma à história e guiar os passos da cultura (logo, da política), em eterno diálogo e fricção com a sociedade.

Pensar a arte a partir dessas oposições significa a recusa em ver em André Breton e no surrealismo (um exemplo) um projeto politicamente revolucionário, uma transformação radical da sociedade; e, da mesma forma, acreditar serem as instalações de Thomas Hirschhorn apenas um apelo contra a guerra do Iraque, e não uma experiência radical sobre o desconforto, o visto e o ocultado, seria não apenas uma redução, mas uma perda.

Dominique Gonzalez-Foerster cria filmes sobre esse caos discursivo, sobre esses acertos e enganos, sobre ilusões e projeções do homem e da civilização. Sua arte é um diálogo com a perda, mas seu olhar - político - não deixa de acreditar, ainda, em um ganho possível.


(1) Agamben, Giorgio. Le cinéma de Guy Debord, em Image et Mémoire (Hoëbeke. Paris, 1998) volta ao texto

Marcelo Rezende é escritor e jornalista. É autor do romance Arno Schmidt (Planeta, 2005) e do ensaio Ciência do Sonho - A Imaginação Sem Fim do Diretor Michel Gondry (Alameda, 2005). Criou e dirige a coleção de ensaios Situações, cujo mais recente volume é Arte Agora! - Em Cinco Entrevistas, de Hans Ulrich Obrist.

Posted by Fernando Oliva at 5:39 PM