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novembro 7, 2006
Um recorte do Reverberações 2006, por Carlota Cafiero
Um recorte do Reverberações 2006
CARLOTA CAFIERO
O convite partiu de duas amigas, as artistas plásticas Samantha Moreira e Sylvia Furegatti, que participariam do debate Ações Continuadas e Espaços Autônomos para falar sobre a experiência do Ateliê Aberto, em Campinas. De folga do jornal, a princípio eu iria somente acompanhá-las. Mas aí surgiu novo convite: escrever para o Canal Contemporâneo. Cá estou. Era o terceiro dia do Reverberações, encontro nacional de coletivos de arte, que integra o Seminário Ritmos da Urgência, sob curadoria e coordenação geral de Flávia Vivacqua. A primeira etapa do projeto foi realizada em São Paulo, entre 2 e 5 de novembro, curiosamente, no feriado prolongado - quando milhares de paulistanos promovem êxodo temporário em direção ao Litoral ou ao Interior.
O lugar foi, no mínimo, inusitado. Acostumada a freqüentar os diversos espaços culturais concentrados na Zona Sul, desta vez rumei para a Zona Norte e adentrei a outra realidade de São Paulo: a da periferia. Estava instaurado o caráter provocativo do projeto: desafiar os participantes a saírem de trajetórias conhecidas, dominadas e supostamente seguras. Mas não foi o que se viu no campo das idéias - a propósito: onde estavam os coletivos na ensolarada tarde de sol do último sábado?
No terceiro dia de Reverberações, o discurso se mostrou melhor articulado no papel. Pelo menos os textos publicados na revista Reverberações (distribuída gratuitamente no seminário) estavam muito mais interessantes. Pouca gente ocupou as dezenas de cadeiras distribuídas em um salão do Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha (próxima à Freguesia do Ó), que funciona ao lado de um terminal de ônibus que "insistia" em participar do encontro.
No início da tarde do sábado, cerca de 30 pessoas assistiram à roda de discussão sobre Arte, Estética e Participação Política, com o escritor e crítico Ricardo Rosas, editor do Rizoma (www.rizoma.net); e o arquiteto e sociólogo Carlos Roberto M. de Andrade, professor da Universidade de São Paulo (USP), no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos.
Voltando à roda de discussão, o objetivo era debater sobre temas como: A Subjetividade Criadora, Poéticas Nômades - Arte, Arquitetura e Urbanismo da Internacional Situacionista e Táticas de Aglomeração. Durante quase quatro horas, as colocações de Rosas e Andrade alternaram-se, respectivamente, entre um arrazoado acerca da espontaneidade artística dos coletivos e uma aula de arquitetura e urbanismo no século 20.
O site de Rosas é bem cuidado, com referência a todo tipo de ativismo político e provocação artística, da anarquia aos mobs, mas a palestra se arrastou na maneira pouco interessante em que ele colocou as idéias. No início, Rosas leu um longo texto de sua autoria. A falta de contato visual com a platéia e o tom monocórdico da leitura ajudaram a dispersar a atenção. Ao abrir para o debate, ambos os convidados responderam de maneira vaga às perguntas ou colocações dos participantes. Carlos Andrade, por sua vez, não se empolgou com a discussão, falando estritamente o necessário, e quando a pergunta era dirigida a ele. Faltou tesão, faltou tensão. O café oferecido após o término do debate foi a única coisa quente naquele final de tarde que começava a esfriar.
Antes de seguirmos para o Fórum Coro, às 19h, com o tema Ações Continuadas e Espaços Autônomos, assistimos à performance de Nadam Guerra, de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Ele apresentou no anfiteatro o que chama de Cinema Manual, uma adaptação do teatro de sombras, produzindo imagens e sensações estranhas e outras bastante poéticas.
Fórum
De volta ao debate, participaram do Fórum Coro a jornalista e pesquisadora Fernanda Albuquerque (RS) e a artista plástica e pesquisadora Cláudia Paim (RS); as artistas plásticas Samantha Moreira (também curadora) e Sylvia Furegatti, do Ateliê Aberto (Campinas, SP); e a associação Chave Mestra (RJ), na figura de Nadam. Antes de iniciarem o bate-papo, meninas descalças do coletivo Cia Cachorra, de São Paulo, "vestiram" um objeto feito de bambolês e panos coloridos - ao qual dedicaram a tarde toda confeccionando e chamaram de Centopéia - e convidaram o público presente para percorrer as ruas de Vila Nova Cachoeirinha no dia seguinte (domingo), batucando um maracatu. OK.
No fórum, cada convidado expôs um pouco sobre a atuação nas cidades onde trabalham e sobre seus objetos de pesquisa. Integrante do coletivo P.O.I.S (Poesia.Objetos.Imagens.Instalados), Cláudia falou sobre seu doutoramento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para o qual levantou artistas e coletivos latino-americanos que intervêm no espaço urbano. Fernanda citou suas pesquisas para o mestrado em História, Teoria e Crítica de Arte, sobre obras de arte concebidas como atos fugazes e alheios aos ditames do mercado, e destacou o GIA (Grupo de Interferência Ambiental), também para a UFRGS.
Sylvia e Samantha, do Ateliê Aberto, apresentaram o trabalho desenvolvido em Campinas, como único espaço de reflexão e produção de arte contemporânea na cidade - que completará dez anos em 2007 -, auto-gestado, e que recebe artistas do Brasil todo com trabalhos experimentais e feitos especialmente para o espaço do Ateliê. Também revelaram um ousado projeto para o ano que vem: o Artistas Resistentes (uma variação de Artistas Residentes, uma prática bastante comum em grandes instituições de arte em capitais do Brasil e do mundo. Samantha observou que é muito bom fazer residência em capitais como São Paulo, Nova York, Paris, mas não se pode dizer o mesmo de Campinas, cidade reconhecida pela falta de políticas culturais sólidas.
Nadam falou da Chave Mestra - Associação dos Artistas Visuais de Santa Teresa, formalizada em 2003 e surgida das primeiras edições do projeto Arte de Portas Abertas - realizado desde 1996, quando promove a abertura dos ateliês de arte de Santa Teresa ao público em geral. Ele defendeu a necessidade da associação para viabilizar novos projetos e dar suporte ao artista visual e entrou em uma pequena celeuma com as coordenadoras do Ateliê Aberto, que revelaram uma postura de desconfiança diante de iniciativas que visam a institucionalização do trabalho do artista, o que, para elas, seria o mesmo que se acomodar.
No final do encontro de sábado, ficaram perguntas como: o que aconteceu com o poder de articulação do CORO (Coletivos em Rede e Ocupações)? O que explicaria uma audiência tão pequena para um encontro destinado aos coletivos de arte de todo o Brasil, assunto tão em voga nas rodas de artistas independentes?
Carlota Cafiero, jornalista, Campinas - SP
Paciência, não se pode agradar todo mundo...
Posted by: Ricardo Rosas at novembro 9, 2006 11:47 AMRicardo, eu não estava lá (no Reverberações) para ser agradada, mas sim, desafiada e estimulada a conhecer e a pensar sobre os coletivos de arte e outros assuntos que rondam o tema. Não foi o que aconteceu, talvez não somente por sua responsabilidade, mas da forma com que o encontro foi organizado (acho q faltou divulgação, por exemplo). Quero enfatizar que não tenho nada de pessoal contra vc (nem o conheço), mas critiquei a forma com que vc expôs suas idéias. É muito chato me deslocar de Campinas para assistir a um palestrante que lê o próprio texto em vez de encarar a platéia e arriscar a dizer as coisas que sabe e pelas quais, penso eu, deva ser apaixonado. Ser criticado, em público, faz parte do seu trabalho e posição. Eu também recebo críticas de meus leitores. Às vezes, com razão, e tenho de reconhecê-los, afinal, eles ficam impressos no papel.
Posted by: Carlota at novembro 10, 2006 5:04 PM