|
agosto 31, 2006
Domingo de arte, por Guy Amado e Juliana Monachesi
Dois críticos de arte percorrem algumas galerias de São Paulo no projeto Acervo Aberto 2, que ocorreu no final de semana dos dias 19 e 20 de agosto, e tecem seus comentários em uma conversa eletrônica, com intercâmbio alucinado de fotos (críticos-fotógrafos, uma nova modalidade na arte?)
Primeira parada: O Consultório do Psicanalista, na Brito Cimino
Jul: Foi bom ver o trabalho do Leandro Erlich em profundidade, porque aquela instalação na Bienal de São Paulo de 2004 tinha me deixado um tanto em dúvida: podia ser obra de um ótimo artista ou também uma simples sacada. Vendo a expo na Brito Cimino, ficou clara a questão da ambigüidade de sentidos, do fantasmagórico, do "retorno do real". O trabalho dele é um pouco como entrar em um sótão mal assombrado e gelar pela impressão de se ter visto um vulto passando. Ao mesmo tempo tem um lado lúdico: a intervenção que ele fez na Trienal de Niigata, no Japão, é divertida, combinada à trilha sonora que espelha um pouco a alma do lugar e a disposição dos japoneses para brincar mesmo, envolver-se na vida.
Guy: A propósito de "real", achei interessante ver como o Erlich trabalha os conceitos de falso/artificial/ilusório com humor mas sem ser apelativo e sem perder a consistência...
Jul: Esse "espelho" foi A experiência do domingo. Só perdeu para o deslumbre com as esculturas do Tony Cragg.
Guy: O "espelho cego" do Erlich, "versão Guy".
Jul: Pô, esqueci de tirar fotos lá na Galeria Leme. A gente viu a tal da Anya Galaccio tão depressa... Mas achei poderoso redescobrir a monumentalidade discreta do Paulo Mendes. O cara é gênio. E a inserção das esculturas no espaço jogou bem com essa contradição: timidez e potência convivendo harmoniosamente.
Guy: Eu já discordo. Acho essa "monumentalidade-discreta-sob-encomenda" da Leme problemática, opressiva. Sobretudo para obras como a de Anya Galaccio, que desaparece quase por completo no espaço. O que não deixa de ser interessante, mas sob outro viés... [risos] O espaço até que é bacana, mas dá a impressão que abrigaria bem apenas trabalhos mais soturnos e de forte presença, como um Kiefer, Serra, Rachel Whiteread...
Jul: Ah, sem comentários, Caetano Dias se reinventou com absoluta coerência nesta individual na galeria Marília Razuk. O cara é fera.
Guy: Curioso notar como o Caetano tem variado seu espectro de soluções plásticas de uns anos pra cá - das fotointerferências para vídeo, instalação, objeto, escultura. Essa aproximação cada vez maior por um repertório calcado num elemento "regional/popular" tem se mostrado interessante... Gostei bastante dessas esculturas-coisas com que a Juliana "interagiu".
Jul: Pois é, as esculturas foram feitas para "rolar o mundo" e eu, no intento de rolar a escultura, acabei rolando junto, foi uma experiência um tanto constrangedora, principalmente quando olhei para o lado e a Marília, que é uma lady, estava entrando na galeria no exato instante em que eu caía no chão...
Jul: O Tony Cragg tem essa coisa monumental, mas na real, quando você vai ver, as esculturas tem uma escala humana, são bem humanas, sugerindo rostos de perfil, corpos, têm uma organicidade paradoxal, feitas de bronze ou mármore ou aço que são...
Guy: Acho o Cragg essencial, um dos 5 maiores escultores vivos, sem dúvida. A maneira como ele articula a imponência de uma tradição escultórica e a "amortece" - ou por que não, amolece - por uma via algo subversiva, manifesta tanto no emprego/combinação surpreendente de procedimentos e materiais como no humor, mais e menos discreto... As duas tônicas se imiscuem e alternam num rito perversamente envolvente, que joga com a ambigüidade que as peças transmitem.
Jul: Uma coisa que eu adorei foi poder entrar -literalmente- no acervo das galerias...
muy interesante
saludos
manuela