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abril 11, 2006
Miss Pimaco, por Rubens Pileggi Sá
Fotos: Ana Carolina Lucca
Miss Pimaco
RUBENS PILEGGI SÁ
"Por mais que eu ande
Nada em mim imagina
O que é que tal menina
Tão pequena está fazendo
Em uma cidade tão grande"
Paulo Leminski
Estive em São Paulo, semana retrasada e, como sempre, fui atrás das exposições de arte, em cartaz. Vi a Lygia Clark na Pinacoteca do Estado, uma coletiva na Galeria mariAntonia, mas nada realmente mexeu mais comigo do que essa colagem, que me pegou de surpresa, quando eu entrei na rua Aurora, vindo da av. São João.
Quem conhece a região sabe que ali é lugar de prostituição, das casas de striptease, dos cinemas de filmes pornôs, das bancas de revistas e vídeos de sacanagem e que não há nem um orelhão telefônico na região que não esteja totalmente impregnado com adesivos de prestação de serviços sexuais, oferecendo desde garotas virgens até sexo bizarro, ao gosto do freguês.
Esses adesivos são comprados por folhas, subdivididas e cortadas, para que a pessoa possa imprimir o que quiser e colar em diferentes superfícies. Uma das empresas que vendem essas folhas chama-se Pimaco. Qualquer um pode comprar na papelaria, a folha de papel adesivo Pimaco. E imprimir uma mensagem na impressora de um cyber qualquer. E sair colando anúncios por aí. É o que fazem os que oferecem programas de sexo na região da São João.
E foi lá que eu encontrei Miss Pimaco - a mais bela de todas elas! Ainda estava úmida a cola de farinha que usaram para pregar o cartaz. Sua viscosidade assemelhando a esperma. Não me liguei na hora, estava distraído. Um passo depois de passar o cartaz, quando ela mexeu comigo, como se piscasse, me chamando para um programa, aí sim, percebi. Feita com tinta spray, o desenho de uma mulher tipo sereia, sobre uma camada de pelo menos um milhar de adesivos Pimaco (p.s. : Pimaco não paga merchandising por esse texto), roubava-me a atenção.
Sobre seus olhos uma tira negra, como se ela fosse alguém, menor de idade, envolvida com a policia, cuja identidade fosse preciso preservar. Uma faixa dourada cobria-lhe de glamour, no entanto, onde se lia: Miss Pimaco.
Miss Pimaco são as putinhas que enfeitam o imaginário de todo homem; as fodidas sem saída no mundo cão; as imigrantes que chegam à Sampa querendo ser alguém e acabam se obrigando a fazer michês; as fodonas que aprontam sabe-se lá o quê; as loucas do sexo bizarro; as strip-girls da região da São João, que sobrevivem mexendo com a fantasia dos homens; as que ficam doentes, também, e a gente nem sabe. A que me fez chorar de emoção.
Para arrematar, um poema do genial Leminski, compunha, com o restante da colagem, uma delicada forma de arte mural, onde tudo parecia obedecer a um deus caprichoso, fazendo do precário, o durável; do bruto, o delicado; tirando força da fragilidade; da aridez, um oásis; da passagem, a continuidade.
Tudo o que se deseja de algo que possa ser denominado de Arte de Rua - que é quase sinônimo de transgressão - é que ela se volte para o entendimento da massa e para o coração das pessoas, sem o peso institucional a lhe sustentar qualquer estatuto ou proteção. Ao contrário, qual é o tempo de exposição de um grafite, de uma pixação, de um cartaz colado na parede de algum lugar? E, ainda mais quando o que se vê só poderia ser visto naquele momento, naquele lugar. E não em outro. Um site-specific (local específico) que se alonga: o lugar está na pessoa, mesmo que a pessoa não esteja mais no lugar.
E foi ali, na rua Aurora, em uma tarde qualquer, mas especial, porque aberta à emoção do instante, que Miss Pimaco - a jovem que ganhou vida nas mãos de alguém que assina Spray Poético - SP, identificando seu(s) autor(es) - levou-me às nuvens. Em meio ao concreto irremediável de vidas que batalham um lugar no mundo. Depois que já tinha desistido de procurar pela Arte.
Rubens, que belo comentário! Miss Pimaco deve ser prima da Rainha do Frango Assado, imortal criação de Alex Vallauri. A turma do Spray Poético está mandando bem. Sempre fico mais leve e reconciliada com a vida quando veja boa arte na rua. Tem tanta coisa excelente para nos consolar da imensa poluição visual que domina esta cidade feia, suja e, mesmo assim, sublime... Arte é um ótimo antídoto para as enormes montanhas de lixo que os desamorosos de Sampa empilham todo dia.
Valeu, Rubens. Abraço
Angélica de Moraes
Caro Rubens,
Fiquei emocionado com a tua percepcão sobre esse trabalho, sou o autor dessa obra e minha intenção é que por alguns instantes as pessoas tenham uma reflexão sobre a vida e as coisas que acontecem ao nosso redor.
Acho que consegui passar o recado, esse trabalho foi feito para um projeto que será exibido em junho na Casa das Rosas, o Sprays Poéticos tem curadoria do Rica P. e fotos do fotógrafo Beto Reginik.
Esse é o link do projeto para quem quiser conhecer essas parcerias graffiti e poesia.
http://acaravanadogeneralcluster.blogspot.com/
Agradecido
Ozi
Faço coro à alegria do Ozi!
A idéia do Sprays Poéticos é essa mesma, espalhar poesia pela cidade através da criatividade do pessoal da arte de rua (e viva Vallauri!).
Haverá sim uma exposição na Casa das Rosas, em JULHO, mas o projeto não se encerra aí, continua buscando a sensibilidade de quem passa.
Pequena correção: o site que o Ozi citou é meu blog (que fala bastante de graffiti e poesia). O site do projeto é:
www.acaravana.com.br/sp
Muito obrigado!
Rica P
Prazer estético, reflexivo e sexual.
Como uma imagem pode render tantas imagens...
Também escolhemos esta forma de expressão artística porque nenhuma outra privilegia tanto a auteridade, o olhar alheio.
Estamos acompanhando o projeto, que já deixa suas marcas.
Abraços
Lygia e Lucio (alto-contraste)
Excelente trabalho mesmo... já tinha visto um desse no comecinho da augusta, que não durou muito, mas aida tem uns pedaços.
São poucas coisas que vemos na rua e realmente chamam a atenção...
parabéns pelo texto.. e parabens ozeas pelo trabalho
abraço
Que lindo, a arte esta viva nas ruas da cidade e podemos brindar a isto!!!
Parabéns Ozi pela sua perspicácia e sensibilidade e ao Rubens pela sua percepção.
Olá Rubens,
Só para constar nos laudos que eu me sinto honrado em fazer parte dessa trupe e mais lisongeado ainda ao ler o seu comentário.
abraço
Beto
Posted by: Beto Riginik at maio 29, 2006 3:50 PMRubens...
realmente...
sem palavras para seu texto...
indescritível descrição...
aí se vê a importância - para o desfecho, a finalização da obra - de uma boa fruição desta...
espero um dia ser capaz de produzir um comentário tão tocante quanto a própria obra... assim como o fez... me senti sendo você diante da Miss Pimaco!
realmente emocionante, incrível, meus parabéns!
abraço,
Lígia.
Posted by: Lígia Aggio at maio 31, 2006 1:25 PMRealmente essa é uma das obras que eu mais gosto do OZI ("meu sogrão"),
Essa obra retrata exatamente o nosso dia-a-dia, e nada melho doque a Arte para espressar isso.
Ass. Betinho.
Parabens Rubens pela crítica....
Parabens Ozi pelo trabalho....
Belo texto, Rubens... na verdade tinha escrito um monte de alusões, elucubrações e outros "ões" pra dizer, no fim, que esta foi uma crônica fodona. Me fez refletir muito sobre a arte con-temporâneatentar, mais uma vez e incansavelmente, compreender um pouco aonde chegamos. Talvez Miss Pimaco esteja aí pra nos dizer - sem pessimismos baratos - que, na verdade, não chegamos a lugar algum porque ainda não saímos de nenhum lugar.
Posted by: Peterson at agosto 29, 2006 2:03 PM