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março 10, 2006
Guerrilla girl, por Juliana Monachesi
Guerrilla girl
JULIANA MONACHESI
Em palestra ontem à noite para um auditório apinhado de gente (estudantes de arte, principalmente) na Faap, a curadora-chefe do Museu de Arte Moderna de Istambul, na Turquia, e co-curadora da 27ª Bienal de São Paulo Rosa Martínez falou sobre o tema "Las Bienales como propuesta de vivir juntos".
Como se sabe, o título definitivo da 27ª Bienal é Como viver junto, e Rosa Martinez partiu do mote da exposição que está organizando coletivamente ao lado de Lisette Lagnado, Cristina Freire, Adriano Pedrosa, José Roca e Jochen Volz para defender que o conceito pode ser generalizado e aplicado a todas as bienais internacionais, no sentido em que elas promovem convivências temporárias, porém intensas, entre artistas e demais profissionais envolvidos nas mostras.
O discurso romântico não durou nem cinco minutos [a curadora fala depressa e, inclusive, pediu à platéia que lhe fizesse algum tipo de sinal caso ela disparasse a falar]: "Mas não sejamos ingênuos, as bienais internacionais não têm apenas objetivos artísticos, existem sempre fins políticos e econômicos por trás delas", sentenciou. Mais tarde ela viria a comparar as bienais, citando um professor seu, a tabletes de caldo de carne.
Não é novidade que, em um contexto de sociedade de consumo e de espetáculo, todo produto da indústria cultural "compete" no mercado com os demais produtos gerados pela economia, o que dizer, então, de mostras internacionais de grande porte, que são feitas em série e para o grande público? Não é novidade, mas é sempre bom deparar com um curador que tem a coragem de reafirmá-la. E enfaticamente: bienais e caldo Knorr competem de igual para igual em termos de marketing.
Rosa Martínez foi muito enfática também ao defender a participação de artistas mulheres em bienais. Sem medo de soar feminista em tempos de pós-feminismo, a curadora afirmou que tem preferência por trabalhar com artistas mulheres porque se sente na obrigação, como mulher, de equilibrar a balança da história de exclusão das mulheres do mundo da arte e da produção cultural como um todo.
No momento em que abordou este tema, Rosa Martínez estava mostrando um slide-show com imagens de obras que integraram exposições das quais foi curadora, como a 5ª Bienal de Istambul (1997), a 3ª Bienal Site Santa Fé (1999) e a 51ª Bienal de Veneza (2005). Ao mostrar e comentar a intervenção do coletivo Guerrilla Girls em Veneza no ano passado, ela voltou-se para o presidente da Fundação Bienal, que estava presente na platéia, e disse: "Não se preocupe, senhor Manoel, nós não vamos trazê-las para cá".
Entre as obras da 5ª Bienal de Istambul apresentados pela curadora, vale destacar InterClone Hotel [imagem no alto], do coletivo DS+R (Diller, Scofidio + Renfro). Em uma bienal que se esparramou pela cidade, o grupo preferiu utilizar o aeroporto como ambiente para seu trabalho: falsos anúncios de hotéis espalhados pelo mundo que evidenciavam, por meio de fotomontagens, que onde quer que você vá, está fadado a se hospedar sempre no mesmo lugar. "Estas peças publicitárias falsas indicavam que a globalização estaria reduzindo as diferenças entre os países a meras diferenças decorativas, a diferenças de superfície", afirmou.
A egípcia Ghada Amer foi o grande destaque da palestra -seria um indício de que a artista vai participar da Bienal de São Paulo?-; a curadora mostrou algumas de suas pinturas [imagem acima] e projetos de instalação e intervenção urbana, como Women qualities (2000), trabalho apresentado no Busan Metropolitan Museum, na Coréia, que consistia em reproduzir "qualidades" atribuídas pelos coreanos entrevistados (em geral muito conservadores) à figura da mulher em letras do alfabeto coreano "escritas" em diversos canteiros, com plantas que, ao florescer, escancaravam palavras como "submissa" ou "maternal".
Uma obra feminista e coletiva, bem ao estilo de Rosa Martínez, bem ao estilo de Como viver junto.
Também estive no auditório superlotado da FAAP e tive a impressão de ter ouvido um discurso datado em sua defesa feminista. Não que a mulher não necessite ampliar sua participação no mundo da arte. Mas isto já ocorre e muito mais por mérito das artistas do que de protecionismos de curadoras "feministas".
A crítica à globalização também me pareceu que foi feita muito de dentro, quero dizer, por pessoas que atuam segundo uma lógica de um circuito globalizado ."Para uma arte cada vez mais globalizada, itinerante e em circulação constante, observa-se crítica como do coletivo DS+R (Diller, Scofidio + Renfro). Em uma bienal que se esparramou pela cidade, o grupo preferiu utilizar o aeroporto como ambiente para seu trabalho: falsos anúncios de hotéis espalhados pelo mundo que evidenciavam, por meio de fotomontagens, que onde quer que você vá, está fadado a se hospedar sempre no mesmo lugar. "Estas peças publicitárias falsas indicavam que a globalização estaria reduzindo as diferenças entre os países a meras diferenças decorativas, a diferenças de superfície", afirmou." É curioso, mas ralo, ralo.
Pessoa com grande experiência em curadorias de Bienais internacionais, Rosa poderia ter sido melhor aproveitada quem sabe participando de debate com outros curadores e críticos ou apresentando uma conferência menos óbvia.