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março 4, 2006
Carlo Sansolo e Érika Fraenkel voltam mais crípticos, por Juliana Monachesi
Carlo Sansolo e Érika Fraenkel voltam mais crípticos
JULIANA MONACHESI
Começa com What a wonderful world, de Predrag Pajdic: a proximidade convulsiva das notícias e, principalmente, das imagens da guerra no Iraque e da tortura de presos por soldados norte-americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib é o tema do vídeo do artista sérvio baseado em Londres. O tom exasperadamente político contrabalançado pela abordagem irônica que o título sugere são bons parâmetros para analisar a exposição Laisle entertainment!, com curadoria de Carlo Sansolo e Érika Fraenkel, em cartaz no Paço das Artes, em São Paulo, até amanhã.
Pajdic foi responsável por uma das curadorias de vídeo-arte -intitulada Conspiracy- apresentadas na mostra prog:ME [Centro Cultural Telemar, Rio de Janeiro, julho/agosto de 2005], também organizada pela dupla de artistas Carlo Sansolo e Érika Fraenkel. E aqui temos outro parâmetro para entender a filosofia que perpassa a mostra no Paço: ação coletiva, compartilhamento de informações e idéias, intenso intercâmbio de obras facilitado pela revolução digital são alguns dos elementos que caracterizam o trabalho de Sansolo e Érika.
A profusão de trabalhos, que é marca registrada dos eventos organizados pela dupla, indica generosidade para com artistas e público, mas, por outro lado, constitui um desafio. Leva tempo e paciência ver tudo. Tempo porque, para assistir a todos os 20 vídeos da sala 1, às quatro videoinstalações, e aos 24 vídeos da sala 2, são necessárias aproximadamente quatro horas. Paciência devido à desigualdade entre os vídeos, o que "obriga" a ver trabalhos menos expressivos para que se possam ver na íntegra os momentos altos da curadoria, uma vez que a maioria das obras é apresentada, em seqüência, em uma mesma projeção.
O segundo vídeo apresentado na sala 1, Downtown Amman (18'30"), de Nesrine Kohdr, trata de como as pessoas dão forma às cidades onde vivem. O vídeo começa com o foco da câmera fechado em um mapa, no qual vozes em off tentam identificar marcos da cidade de Amman, capital da Jordânia. O espectador só se dá conta de que está diante de um mapa e não da própria cidade filmada de cima quando, alguns segundos depois, alguém aponta um local com o dedo. Este jogo de reconhecimento e de escala permeia todo o documentário, que mostra sensíveis retratos de personagens urbanos: um senhor que é dono de uma antiga loja de tecidos no centro de Amman, jovens da periferia que nunca foram ao centro e o descrevem a partir de sua imaginação.
Segue-se o perturbador Omedetou (Happy new year rabbits), de Akiko Nakamura (Japão), em que lágrimas de sangue escorrem dos olhinhos vermelhos de coelhos de pelúcia. O áudio é a repetição da palavra "omedetou", que significa "feliz ano novo", por vozes infantis. Uma mulher se aproxima dos coelhos e começa a lamber as lágrimas, beijar e cuspir os olhinhos vermelhos, que se revelam metáfora do símbolo da bandeira japonesa. Para os curadores, o vídeo critica "a submissão da sociedade japonesa ao poder do Estado e a euforia causada pelo desenvolvimento do país".
Este recurso valioso do vídeo como linguagem, que é a possibilidade de focar e desfocar, abrir e fechar o campo de visão sobre o objeto retratado, descontextualizando-o completamente ou tornando claro de quê se trata, é utilizado por Kohdr e Nakamura de formas distintas. Mas no vídeo de Ido Fluk (Israel), que se segue aos dois, é a própria essência do trabalho. Uma imagem muito aproximada de uma superfície branca, totalmente abstrata, ficou oscilando na minha percepção entre um monitor de TV e pêlos simulados de um urso polar (devido ao título da obra, que é Polar bears). Então comecei a distinguir o áudio, uma voz distorcida: "I want to be famous. All my friends want to be famous. (...) When will the moment arrive when you'll realize that you're not gonna make anything good enough for anyone to notice?" Continua afirmando que "você" não vai ser reconhecido por estudantes de arte nem "seu" rosto vai estampar capas de revista. O alvo fica mais e mais claro: é ele próprio, o artista, e todos os seus pares. No final, surge de fato a imagem de um urso polar, numa paisagem azulada, andando solitário, como uma emblemática antítese da superpopulação mundial de artistas.
Se a exposição é uma maratona, comentá-la obra por obra seria uma tarefa insana. Ainda nesta primeira sala há ótimos trabalhos de Carlo Sansolo, Genco Gulan, Sagi Groner, Babel, Alexandre Milagres, Rob Tyler, Agricola de Cologne, Giuseppe Tilli, Kazumi Kanemaki, Érika Fraenkel, Pascal Lièvre & Benny Nemerofsky Ramsay, Ed Young, Joacélio Batista, Marco Paulo Rolla, Marcello Mercado e Galina Myznikova & Sergey Provorov. Dentre todos estes, gostaria de destacar a crítica certeira e sintética da dupla Lièvre (França) & Ramsay (Canadá) e o lirismo do brasileiro Joacélio Batista.
Pascal Lièvre & Benny Nemerofsky participam da mostra com o vídeo Patriotic, ode homoerótica aos Estados Unidos que parodia a propaganda de guerra. O musical é protagonizado pela dupla de artistas que, vestidos com roupas de exército e assumindo posições corporais de saudação militar, entoam uma adaptação da música My heart will go on, de Celine Dion (aquela canção melosa do filme Titanic). A letra é mais ou menos assim: "To deter and punish terrorist acts in the United States and around the world, to enhance law enforcement investigatory tools, and for other purposes. Be it enacted by the Senate and House of Representatives of the United States of America in Congress assembled (...) punishing acts that would constitute a crime in the United States, including, but not limited to, terrorism or trafficking". São trechos do Patriot Act, projeto de lei de segurança ratificado depois do 11 de Setembro.
O trabalho de Joacélio Batista vai na direção contrária: enquanto o vídeo de Lièvre & Nemerofsky é realizado com o mínimo possível de elementos e sem efeito nenhum (a não ser o de estampar, conforme é cantada, a letra da música no fundo cor-de-rosa atrás dos "soldados"), Se estou certo, por que meu coração bate do lado errado?, do artista mineiro, faz uso de takes de inúmeros locais (um mercado, um terreno baldio, um pasto etc.) que um homem, visto de costas, sentado num pequeno banco, atravessa. Barreira nenhuma o detém. O vídeo foi feito com técnicas de pixilation e animação.
Crítica política, ironia, pesquisa formal e pesquisa poética, como se pode notar, foram os principais focos de interesse da dupla de curadores ao organizar a exposição. De fato, "política", "paródia", "discussão formal" e "subjetividades" são os quatro blocos genéricos entre os quais os curadores subdividem os trabalhos selecionados. O título da mostra, Laisle entertainment!, é irônico e crítico a um só tempo, porque ataca a sociedade do espetáculo fazendo uso de suas próprias ferramentas.
(continua...)
Parabens + 1 x p/ Érika e Sansolo !!!
um abs
Sandra