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agosto 27, 2005
Um passeio pela exposição de Bruce Nauman, por Juliana Monachesi
Um passeio pela exposição de Bruce Nauman
JULIANA MONACHESI
"Circuito fechado" não me parece o mais apropriado dos títulos para uma exposição de vídeos e filmes de Bruce Nauman. Apesar de o artista ter trabalhado com circuitos fechados de vídeo, obras das quais há um exemplar na mostra em cartaz até 18 de setembro no CCBB do Rio, a maior parte de sua produção em vídeo não opera com esta lógica, nem no sentido estrito nem em sentido figurado. São obras abertas, que podem ser vistas de diversas maneiras, nenhuma delas conclusiva.
Tomemos os primeiros vídeos, apresentados nas duas primeiras salas: "Manipulating a Fluorescent Tube" [Manipulando um Tubo Fluorescente], de 1969, "Thighing (Blue)" [Coxeando (Azul)], de 1967, "Pulling Mouth" [Puxando a Boca], de 1969, e "Bouncing Balls" [Batendo Bola], de 1969. São trabalhos em que o artista utiliza o próprio corpo como matéria escultórica. Dado o caráter orgânico e mutável desta matéria, as "esculturas" resultantes são bastante efêmeras, o que justifica o uso do vídeo para perenizá-las.
Uma artista brasileira que vem à mente é Laura Lima e suas experiências com homens-carne e mulheres-carne.
Nas duas salas seguintes há duas instalações, das quais tratarei mais adiante, seguidas de outros cinco trabalhos em que o corpo do artista é também protagonista, mas agora divide as atenções com um segundo ator: o espaço. Esteja ele investindo contra uma quina de parede ("Bouncing In the Corner" [Batendo no Canto], de 1968-9), caminhando com extrema dificuldade ("Slow Angle Walk (Beckett Walk)" [Caminhada Lenta em Ângulo (Caminhada Beckett)], de 1968), mimetizando poses da estatuária clássica ("Walk With Contrapposto" [Caminhada com Contrapposto], de 1968) ou fazendo experiências em seu ateliê ("Playing a Note on the Violin While I Walk Around the Studio" [Tocando uma Nota no Violino Enquanto Ando pelo Estúdio], de 1967-8, e "Dance or Exercise on the Perimeter of a Square (Square Dance)" [Dança ou Exercício sobre o Perímetro de um Quadrado (Quadrilha)], de 1967-8), a experimentação do corpo no espaço prevalece.
Nestes trabalhos, o vídeo já não se presta a perenizar uma "obra" efêmera, mas, antes, a testemunhar uma prática artística que, não fosse a possibilidade do registro em vídeo, permaneceria oculta e restrita à intimidade do ateliê. Poderia-se evocar, aqui, do contexto brasileiro atual, Amílcar Packer e suas fotografais e vídeos que flagram uma performance privada.
Daí em diante, na exposição, tudo é narrativa ou metanarrativa. Nauman emplastra o rosto e o corpo com maquiagem colorida em videoinstalação com quatro canais. Intitulado "Art Make-Up" (1967-68), o trabalho é um comentário acerca da arte, da sobreposição de camadas da pintura ou de sentidos da arte em geral, uns se anulando aos outros (tanto no caso da pintura quanto no da leitura crítica). "Enquanto ele se mascara, literalmente, o título implica que, ao fazer isso, ele também se cria e se transforma", anotam as curadoras Nessia Leonzini e Lilian Tone. Nauman coloca dois atores diante da câmera conjugando certos verbos com complementos de fundo moral, que se tornam agressivos ou irritados conforme têm de seguir recitando as frases ("Good Boy Bad Boy" [Bom Menino Mau Menino], de 1985).
Nestes exemplos de filme narrativo e/ou metanarrativo, o recurso videográfico se presta à mediação: trata-se de performances concebidas para serem encenadas diante do vídeo; são trabalhos propriamente de vídeo (ou película), pensados para a especificidade deste meio. Sobre artistas pensando a especificidade dos meios, os exemplos são infindáveis, portanto não faz sentido apontar paralelos com a produção brasileira. A lista seria infindável.
Dentre as experiências narrativas, destaca-se "Clown Torture" [Tortura do Palhaço], de 1987. A imagem patética do palhaço, submetido a torturas supostamente risíveis, como ter de segurar com o cabo de uma vassoura um aquário encostado no teto -a sobrevivência do peixe dependendo da frágil resistência do palhaço-, ou ficar preso eternamente em um jogo de palavras, guarda semelhança com a empreitada do próprio Nauman em sua "Caminhada Beckett": fadados ao fracasso, os personagens de ambos os vídeos persistem.
O fracasso e o patético beckettianos, nós os encontramos na produção de Adriano e Fernando Guimarães -que foi abordada pelo Canal Contemporâneo no "Quebra de Padrão"-, nas "performances" de Laura Lima e, novamente, nas obras de Packer.
Talvez o mais interessante da exposição, entretanto, sejam os dois projetos de instalação que dependem do corpo do espectador para se realizarem plenamente: trata-se de "Live-Taped Video Corridor" [Corredor de Vídeo Gravado ao Vivo], de 1970, e de "Video Surveillance Piece (Public Room, Private Room)" [Obra de Vídeo para Vigilância (Sala Pública, Sala Privada)], de 1969-1970. No primeiro, o visitante percorre um estreito corredor até chegar à sua própria imagem capturada por uma câmera e transmitida para um dos monitores que se encontram no final do "túnel". A obra fala da impossibilidade de apreensão da auto-imagem, já que quanto mais o interator se aproxima do monitor, mais se afasta da câmera. Na outra obra, que consiste num circuito fechado propriamente dito, tem-se acesso físico a uma sala, que é supostamente pública, e acesso via monitor à sala que é, por oposição, privada. Mas fica a dúvida acerca de qual espaço fica de fato mais devassado.
Achei este texto bem ineficiente : As únicas entradas no trabalho são para relacioná-lo superficialmente a trabalhos de brasileiros ou descrevê-los mal.
Sugiro à críica que olhe mais para as proposições de Nauman - a estratégia de citar outras coisas parece por um lado incapacidade de entrar nas questões propostas por Nauman; por outro lado, necessidade de desvalorizá-la relacionando-a o tempo todo a outros autores.
Acho que o texto de Juliana Monachesi tem valor como uma abertura ao diálogo sobre os trabalhos de Bruce Nauman expostos no CCBB.
Há algo que me incomodou na montagem da exposição, gostaria de saber se também incomodou a outras pessoas - o fato de várias videoinstalações estarem ocupando um espaço exíguo no qual o som de cada trabalho interferia na apreensão do outro. Senti que seria mais rica a experiência se cada um dos trabalhos tivesse um espaço reservado sem a interferência do som dos outros vídeos...