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abril 14, 2005
Música para ver e sentir por Rubens Pileggi Sá
Trabalho de Paul Klee: pintura e música como partes da mesma unidade
Música para ver e sentir
RUBENS PILEGGI SÁ
"Minha música não quer ser de categoria nenhuma/ minha música quer só ser música/ minha música não quer pouco"
Adriana Calcanhoto
Ritmo, volume, harmonia e melodia são elementos com os quais acostumamos associar os elementos que compõem a música, mas que podem, também, pertencer a outras categorias de arte, como as artes plásticas, por exemplo. Há outras nomenclaturas tais como massa, composição e timbre, que podem ser de ordem sonora ou pictórica, cada uma com suas regras, dentro de cada linguagem específica, mas semelhantes, quando pensamos no resultado de cada uma dessas partes que compõem uma obra.
Música e pintura sempre usaram elementos uma da outra como linguagem. Desde o início da arte abstrata, com Kandinski - que já na primeira década do século passado realizava as primeiras aquarelas onde a linha, o ponto e a massa de cor não precisavam mais representar nada do que fosse aparente - essa aproximação foi se tornando cada vez mais estreita. E não só da arte visual buscando elementos da música para se tornar etérea, mas da própria música tornando-se concreta, onde o som de um tambor batendo não é outra coisa senão o som de um tambor batendo contra o nosso corpo, fazendo-o vibrar. Ou quando vários elementos sonoros, em fontes dispostas distintamente, fazem com que a música - uma arte do tempo - se torne uma arte do espaço. Ou seja, não só evocando um clima, uma sensação, mas trazendo o ouvinte para o aqui e agora real e palpável do momento.
Vários artistas são, ou foram, músicos e pintores ao mesmo tempo, como Paul Klee, que chegou a hesitar entre a carreira que deveria seguir. Sua pintura é rica em ritmos, onde elementos como contraponto e andamentos, fazem parte da composição pictórica, como se fosse... música.
O que dizer, então, daquele que é considerado "o Picasso da música", o trompetista Miles Davis, que entre uma música e outra, principalmente nos últimos anos de sua vida, utilizava-se do pincel e da tela, voltando-se à arte pictórica. Ou do maestro Guilherme Vaz, um dos protagonistas da arte conceitual dos anos 70, no Brasil, criador de uma música que mistura elementos da arte erudita com música indígena, para falar apenas de uma faceta desse "bruxo" que se enfiou sertão goiano adentro, buscando sons primitivos, em uma rica pesquisa sonora/musical que de quebra é transformada em vídeos e instalações de arte, buscando efeitos visuais épicos, como sua música.
Já dizia Hélio Oiticica, o "inventor" da "Tropicália" - um ambiente que reproduzia os caminhos e quebradas do morro da mangueira e cujo termo foi adotado pelos "tropicalistas" dos anos 60 e 70: "o q faço é música". É dele, também, a criação dos "parangolés": uma espécie de capa para se vestir e dançar com elas.
É inútil dizer mais: tudo é música. Ou, pelo menos, tudo é musical. Ou, então, é passível de sê-lo. De um réquiem a um samba rasgado. De uma elegia, um ditirambo a uma marcha, de uma "paisagem sonora" a outra, de um ruído ao... silêncio.
E não só a imagem que evocando e invocando a música, mas também o texto, a literatura, a poesia podem ser ou soar como música, dependendo das respirações, pausas, cadências e fluência do texto. Dependendo até da cor ou das cores das letras, seu tamanho na página, o desenho de cada letra, o tamanho de cada frase, etc. além de seu sentido, é claro. E mais, não só a música de quem escreve, de quem pinta, ou de quem pratica a arte musical, mas a música de quem ouve, de quem vê e quem lê. Não como receptor passivo de um autor, mas também co-autor na criação artística. Sempre de forma única e, ao mesmo tempo, universal e cósmica, como quem sabe "ouvir estrelas" e a "dança do cosmos" como parte de si, sentindo essa vibração atravessando seu corpo, em ondas... sonoras.
Rubens Pileggi Sá é artista, escreve na Folha de Londrina e publicou o livro Alfabeto Visual, a venda na Livraria do CANAL.