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abril 26, 2004
Uma visão de artista
Detalhe da exposição "Mémisis", de Artur Barrio, ocorrida em Londrina, em 2001, onde se lê: "o espectador não faz a obra". Foto de Fernanda Magalhães.
Uma visão de artista
RUBENS PILEGGI SÁ
Parece até karma de artista. O sujeito morre incompreendido, mas as idéias ficam. E de que o artista foge da realidade, trocando-a pelos seus delírios. O artista, no imaginário popular, como o louco, o demiurgo, o xamã, o iluminado pelos deuses, nascido para morrer pobre e sem reconhecimento pela sua obra, em vida. O defunto era uma pessoa boa, dizem, quase que sinceramente, os necrófilos. A noção de que o artista está em outra dimensão é, muitas vezes, reforçada pelos próprios artistas, mas é apenas a visão estereotipada de um certo tipo de romantismo.
Um caso contado foi que o poeta Carlos Drummond estava sentado em uma mesa de bar, tomando seu café, quando foi abordado por alguém que se auto-intitulava poeta e que gostaria de saber da opinião do autor de poemas como "e agora, José?" se este achava que os poemas que trazia nas mãos poderia fazer dele alguém reconhecido como poeta. No alto de sua experiência, o velhinho lhe disse que já era muito escrever poemas. Quem tinha de dizer ou não se alguém era poeta eram os leitores. E não quem tivesse a tal pretensão de se julgar um.
Artista, quem é? E como é que a arte pode acontecer entre nós? Porque se não há leitores, público, espectadores, também não haverá leitura, espetáculo. Nada poderá ser chamado OBRA. Se o outro é quem diz quem sou eu (como na historinha acima), então a relação deve ser complementar, para que aquilo que denominamos ARTE possa acontecer.
Aliás, essa é uma longa história: parangolé, Borges, Leminski, objetos sensoriais, etc. Ou seja, tudo o que já foi dito, lido, visto e ouvido, desde, pelo menos, o final dos anos 50. E que vai, por exemplo, da noção do público como participador, até a abolição de um lugar específico para a arte.
Quer dizer, arte não é só o que está determinado a ser arte (às vezes nem é), mas aquilo que cada um pode ver como tal: um pôr-do-sol ou uma hecatombe. Um lixo jogado no chão ou uma partida de futebol, por exemplo. E mais: quando, a partir de um olhar, consegue-se estabelecer múltiplas outras relações de significados que se desdobram além do acontecimento ou da imagem vista. Relações que estão além da obviedade que os sentidos estão captando no momento, como as palavras que se abrem para outras dimensões de leitura; das imagens que contêm força além de sua aparência; ou de movimentos que se desenvolvem dentro de outros movimentos, abertos a inúmeras situações.
A arte não é de todo mundo que vê, lê e sente algo como sendo arte - estando dentro de um espaço institucional ou não - e nem do artista como um gênio incompreendido, como se este fosse alguém vivendo em uma dimensão fora da realidade, mas ela é e está nessa capacidade de transformar uma coisa em outra, de trazer à luz algo que, muitas vezes, já estava naquele lugar, naquele momento o tempo todo, sem que ninguém ainda tivesse percebido. Ela é fruto da inteligência, de um tipo de inteligência especial, sensível, mas não deixa de ser do mesmo tipo de inteligência necessária para as descobertas científicas. Afinal, a gravidade existia antes de Newton!
É isso que faz a arte tão presente em nosso mundo. Mas que nos obriga, também, ao esforço contínuo de pensá-la não só como algo real, mas como parte do real, ao mesmo tempo. E o fato de alguém ser chamado de poeta, de artista, não muda nada a essência de um poema inspirado na vida. O que muda sempre é a nossa maneira de encarar os fatos, buscando evitar estereótipos de como alguém é ou tem de ser.
Rubens Pileggi Sá é artista, escreve na Folha de Londrina e publicou o livro Alfabeto Visual. (O livro está a venda na Livraria do CANAL)
BRAVO, BRAVISSIMO MATERIAL ESCRITO
Posted by: MARCOS at junho 10, 2004 4:52 PMPrezada Patricia:
Gostaria que você me esclarecesse o seguinte:
aparece um convite para uma palestra de Affonso Romano de Santanna, S.P., convite e currículo, e, em seguida, um texto de sua autoria dizendo que o escritor não merece lugar para seus escritos em jornais,pelos motivos citados por você, ou seja, não sabe de nada, é leviano, etc.
Não entendi nada.Como sou leitora do Canal Contemporâneo, peço-lhe o favor de uma resposta.
Obrigada, Cleusa.
Postado originalmente no Blog do Canal
Posted by: Cleusa Azambuja at julho 23, 2004 4:03 PMPrezada Cleuza,
Talvez você não esteja muito familiarizada com o funcionamento do Canal Contemporâneo e por isso, a sua dificuldade em entender a chamada e o texto publicados.
O Canal Contemporâneo funciona como um mosaico coletivo de informação. Recebemos material sobre arte contemporânea brasileira de todo o Brasil e do exterior, fazemos uma seleção e publicamos as matérias escolhidas com suas referidas procedências. Os critérios de avaliação do Canal Contemporâneo se baseiam no interesse dos trabalhos apresentados no contexto do Circuito de Arte Contemporânea Brasileira. Em alguns casos, o interesse está em mostrar uma programação de má qualidade ocupando um espaço tradicional desse circuito. Como o CCSP nos enviou a palestra, a curadoria e o currículo, achamos que era importante dar visibilidade ao conjunto dessa notícia.
O meu texto marca um contraponto crítico à chamada; e fala do problema educacional que temos, especificamente na área de arte, que permite que pessoas, como Romano de Sant'Anna, possam falar, ou melhor, apenas tergiversar, quando deveriam ter algum entendimento sobre a matéria que estão abordando. Como relatei no meu texto, sua argumentação é inexistente e suas artimanhas de convencimento só ecoam devido ao nosso baixo nível educacional.
Cordialmente,
Patricia Canetti
Postado originalmente no Blog do Canal
Posted by: Patricia Canetti at julho 23, 2004 4:04 PM