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março 8, 2004
Território de paradoxos
Grupo conversando no gramado do Museu da República num domingo de sol - último dia da exposição.
Território de paradoxos
RUBENS PILEGGI SÁ
Basicamente o que difere uma exposição coletiva de uma exposição individual? Quais as implicações de uma crítica que se lança após a experiência de um trabalho já exposto? O que pensar de extensões materiais e virtuais no domínio da criação? Como o tempo e o espaço agem sobre nossas consciências, uma vez que a memória pode nos trair na medida em que tudo começa a tomar distancia e a se dispersar?
As perguntas não param porque a colocação de problemas propostos por Patrícia Canetti - que, de alguma forma, tem como epicentro a exposição apresentada em outubro de 2003, no Palácio do Catete, dentro do Museu da República, centro do Rio de Janeiro - também se tornaram demasiadamente difíceis e complexas e, ao mesmo tempo, uma espécie de "mariuscas" (sic) russas (um boneco sai de dentro de outro, com outro boneco dentro e assim por diante) impedindo a detenção de nossa atenção em algum ponto fixo. Deixo, então, que elas entrem em processo de rarefação, de dispersão. Preciso de bordas, limites e sínteses e o trabalho exposto ou tornava explícita demais essa minha exigência, ou obrigava o espectador a conhecer o que Patrícia Canetti quis dizer ao chamar uma exposição individual de COLETIVA, construindo sua lógica no entrelaçamento com outro trabalho, virtual, que ela vem desenvolvendo já há algum tempo, o CANALCONTEMPORÂNEO - um jornal informativo sobre arte.
Em dois pontos, pelo menos, podemos concordar com o fato de que um (a exposição) e o outro (CANAL) são o mesmo: ambos criam condições para que os outros façam parte de seu trabalho. E ambos podem ser pensados em termos de partes distintas que se juntam. Ambos são mosaicos.
No caso do COLETIVA, Patrícia contou com a participação de um ajudante para resolver problemas técnicos, enquanto ela, vamos dizer, de alguma forma, idealizou as peças que foram realizadas. Já no CANAL há uma prestação de serviços informativos das mostras de arte que ocorrem no país, textos críticos de vários autores, links para blogs, portfólios de artistas e comentários sobre arte e políticas culturais, de uma maneira geral. Ou seja, há uma rede de pessoas envolvidas nesse processo de concretização do trabalho.
Brecha em construção
Aqui, as questões começam a querer tomar formato: A primeira é sobre onde o olhar alheio faz ou continua fazendo parte do COLETIVA. A segunda, que tem a ver com a primeira, onde e o quê é parte da rede, da trama, ou se quiser, do mosaico criado por Patrícia. Ela me diz: "o primeiro programa de comunicação virtual chamava-se Mosaic".
Vejamos o que temos à disposição, de fato: No espaço da galeria, vários arranjos em mosaico de azulejo na parede e algumas peças de concreto no chão, algumas decoradas com azulejos e outras nuas, mostrando sua carne material, todas em forma de pão. E um texto indicando ao espectador/leitor o endereço do CANAL na web. Do lado externo, no pátio gramado em frente ao Museu, outras peças, feitas de concreto e arame e um arranjo de correntes de ferro, como uma espécie de labirinto.
Anotações
Transparência e opacidade; formas que podemos chamar de masculinas e femininas, umas entranhadas ou desentranhas das outras; a dureza tendendo ao amolecimento; texturas mostrando o feitio do trabalho, como que inacabados, em oposição à lisura e ao acabamento de outras partes; enfim, quatro ou cinco peças dispostas pelo gramado que mostravam o conjunto do material apresentado do lado externo da galeria.
Foi entre essas peças, em uma tarde com amigos, um domingo, primavera, entre canto de sabiás, aparições de alegres bem-te-vis e o forte cheiro de urina do outro lado do muro do Museu, que nos sentamos em uma roda para conversar com e sobre o trabalho de Patrícia.
Certamente podemos dizer que, também nós ali fazíamos parte da estratégia de seu trabalho. Que o olhar de cada um era "mais uma peça" que compunha o COLETIVA. Que o fato de pisar na grama - até então proibida aos pés dos visitantes do Museu - para ver e passear por entre o trabalho, tornava o conjunto uma instalação artística e que, além disso, tal autorização para transitar naquele espaço era também conseqüência de uma negociação que fazia parte de seu trabalho, quero dizer, a criação de mais uma abertura, de mais uma brecha fenda, vão, em meio a concretude burocrática do lugar.
Anotações, detalhe.
Então, tudo começa a fazer parte do trabalho, em uma espécie de apropriação que não pára nunca de acontecer, podemos dizer, "conceito expandido de ação", lembrando da teoria de causa e efeito da física. Mas é preciso ver que isso também torna tudo cada vez mais sutil e rarefeito: mal surge um problema, logo aparece outro sem que o anterior seja completamente resolvido. Na tentativa de abarcar uma série de questões, nossa atenção começa a se fazer perdida, nossa percepção, a se dissolver.
Por exemplo, como é que a pessoa que recebe o CANAL, em seu computador, pode saber que faz parte de um trabalho de arte, quer dizer, do COLETIVA? Como pensar nessa rede todos os que fazem parte do funcionamento do Museu e da web, desde o jardineiro, o segurança, o transeunte, o motorista do ônibus que traz um visitante, etc.? É quase insana a tarefa.
Compreensível. Essa é a primeira exposição individual de Patrícia Canetti, embora seu compromisso com a arte venha de longa data e é óbvio que a ansiedade da estréia deve ser levada em consideração.
Mas, ao mesmo tempo, a exposição COLETIVA é um típico trabalho que seria perda de tempo analisá-la em termos formalistas. O que a faz Contemporânea é justamente essa estratégia em rede, em trama, em mosaico que lhe dá condições de leitura. Levar as palavras de um meio, pode-se dizer, artesanal, para outro, completamente virtual e vice-versa, como apontou Ricardo Basbaum, é tarefa das mais interessantes.
Sendo isso, justamente, uma das razões que qualificam esse debate enquanto discurso de arte (e não seu arranjo formal, insisto!), nosso interesse volta-se ao trabalho apresentado para resgatar um pensamento que busca juntar meios distintos e fazê-los circular dentro de um sistema que passa pela questão conceitual da desmaterialização do objeto, ao mesmo tempo em que objetos são apresentados; cria um rompimento com a noção de autoria, mas, ainda assim, continua sendo um trabalho autoral; e, faz da criação de um veículo de comunicação e informação sobre arte - onde essas questões são colocadas no ar como trabalho - algo que é, ao mesmo tempo, INDIVIDUAL e COLETIVO e onde todas as extensões temporais e espaciais, estão, de alguma forma, conectadas.
A exposição individual "Coletiva" foi realizada no Museu da República, na Galeria Catete e no gramado da entrada do museu, de 1 a 26 de outubro de 2003.
Queria saber tudo sobre Sr. Dante Laginestra, onde nasceu, quem foi....
Obrgado
pela atenção
katia