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setembro 29, 2003
O texto como ação e a ação como texto 1
"Uivôo", de 1969, do poeta Edgar Braga: palavra salta da página para virar som, música, dança, coisa, ação.
O texto como ação e a ação como texto 1
RUBENS PILEGGI SÁ
Enquanto o discurso modernista procurava tornar clara a distinção entre várias categorias de conhecimento, buscando as fronteiras e os limites de cada área, para assegurar, assim, territórios especializados, o que se pode dizer da contemporaneidade, é que esta busca o "alargamento" dessas tais fronteiras. Ou seja, a interconexão mesmo entre áreas cujos territórios possam se expandir - particularmente nas chamadas "ciências humanas".
Nesses termos, o "discurso" que se usa para distinguir cada uma das áreas, já vem carregado de uma conotação onde a palavra seria a intermediadora entre a ação e o sentido daquilo que passa a ser dito como vocabulário e expressão de um determinado campo de conhecimento. Como se o texto fosse a linguagem mediadora de todas as expressões, aparentemente mudas e dependentes do discurso lingüístico para garantir sua existência. Em termos modernistas: sua autonomia. Por exemplo: uma pintura abstrata só faria sentido acompanhada de uma explicação sobre seu significado.
É bem verdade, porém, que, com essa necessidade, ainda vigente, cada área - arte e ciência, por exemplo - passou a falar de si e para si, tornando os discursos cada vez mais fechados para quem não está familiarizado com determinados repertórios. Como se esses estivessem fora do alcance das pessoas comuns, muito embora seus efeitos sejam notados no dia-a-dia.
A arte não ficou imune a essa crescente especialização. Ao necessitar de bulas para conhecer o que se aplicava ao discurso artístico, ela foi perdendo seu contato com o público que, sob a frase "eu não entendo", foi abandonando seu interesse pela produção dos objetos artísticos, deixando - literalmente - arte e artistas falando sozinhos.
Obviamente essa simplificação toda deixa de levar em consideração o repertório de conhecimento e o grau de interesse de cada pessoa pelos mais diferentes assuntos. E, além disso, enquanto a economia passou a imperar sobre os modos de produção, a arte continua travando uma difícil batalha para reinserir-se em contextos sociais mais abrangentes, que lhe restituam (se é que se pode dizer assim) sua importância perdida.
Mas, bem, falar exatamente com esses termos, separando as condições que movem a economia das condições que movem a arte, como se uma contivesse, estanque, todas as condições que a outra não portasse, é dar a um discurso que se quer contemporâneo, uma visão modernista sobre "alargamento" de fronteiras.
Voltemos, então, à questão inicial, para, ao menos em parte, superar o paradoxo que contrapõe uma visão de outra. E recolocar que o discurso não é uma supremacia da palavra sobre outras linguagens, mas uma dimensão onde a própria palavra, além de ser ação, torna-se imagem. Algo palpável, palatável, táctil, matéria, produto, mercadoria em estado multiforme.
Assim, ao mesmo tempo em que a palavra chega ao seu ápice enquanto lugar soberano que faz do pensar/refletir sua própria essência, abrem-se outros caminhos que, aos poucos, vão se cruzando e criando mapas por onde é possível uma visão ao mesmo tempo panorâmica e detalhada desse imenso território chamado linguagem, em que estamos imersos. Não só alargando, mas também implodindo, cada vez mais - e pelas suas próprias premissas - esse lugar que parecia fechado em si.
Rubens Pileggi Sá é artista e recentemente publicou um livro com os textos da coluna Alfabeto Visual da Folha de Londrina.
Belas, belas e atuais observações do Rubens Pileggi.Daí minha vontade de fazer umas observações telegráficas:
Pois os dualismos - a metafísica ocidental em pessoa - são sofrimentos que fazem sofrer!
Por exemplo: texto/imagem. Não há nada de inocente nesta distinção: essa mesma metafísica muito concreta determina que um dos pólos do dualismo sempre domina o outro. Nesse caso, o texto se coloca como mais nobre, superior, mais próximo do ' pensamento ' que a imagem.
Claro: é como se o texto, o pensamento, fosse menos materiais que a imagem, mais nobres, puros, indeléveis, portanto.
Resumindo muito:
Nesse movimento, essa coisa chamada arte, quando ' pensa 'torna-se um apêndice de maneiras de pensar as mais carrancudas, as mais reacinárias. Arte ' conceitual' como salvação da filosofia cujo postulado é: artista não sabe o que faz, não pensa. Se pensasse, seria filósofo.
Somos pela heterosofia. Outras imagens do pensamento.
MK
Postado originalmente no Blog do Canal
Posted by: Marcelo Kraiser at julho 23, 2004 4:22 PM