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junho 25, 2019
arte_passagem: Flora Leite na Galeria das Artes, São Paulo
Mortinha é um trabalho elaborado especificamente para o projeto arte_passagem, que consiste na ocupação artística de uma vitrine na Galeria das Artes no centro de São Paulo. Na obra de Flora Leite, a vitrine é coberta quase completamente, restando-lhe apenas uma pequena abertura redonda que possibilita observar seu interior. No escuro, uma sereia é vista nadando em um copo de água.
Ali o objeto eleito nada num loop permanente, na água artificialmente colorida de azul, dentro de um copo de vidro. Não há nada específico em suas ações: com movimentos rápidos ou lentos, embora sempre silenciosos, em mares ou piscinas, a sereia atravessa corais e navios afundados, dos anos 1948 a 2019.
A pesquisa da artista frequentemente se utiliza da cultura de gosto médio, tentando entender a constituição de seus parâmetros. A sereia, um mito convertido ao longo dos milênios de monstro à fantasia - ora infantil, ora sexual - e até em profissão, habita um lugar genérico nas narrativas ficcionais da cultura popular. A operação do trabalho sugere, em tom tanto cômico quanto melancólico, que a sereia possa existir em escala doméstica – dentro de um copo de água.
Mortinha, com franqueza acerca de sua técnica (projeção e filme de montagem), parece provocar uma observação contemplativa, não sem deixar de pleitear algum maravilhamento, semelhante aos aquários, e até – porque não – cortinas d'água e luminosos de vitrines comerciais. O olhar detido é central para o trabalho. Por isso, na vitrine da Galeria das Artes, a artista lança mão de um peephole, colocando o espectador na posição de voyeur nessa passagem comercial. Nada mais adequado para observar uma criatura como a sereia, tão sedutora quanto inexistente, em pleno centro de São Paulo.
Flora Leite (1988) vive e trabalha em São Paulo. E ́ formada em Artes Visuais pela ECA-USP. Sua pesquisa tenta compreender os parâmetros pelos quais nossa relação cotidiana com os objetos foi construída: acatar a sujeira das coisas para testar ate ́ que ponto se pode conviver com elas, dizer alguma coisa delas, apesar delas. A artista já participou de exposições coletivas, individuais e outros projetos especiais em instituições como: Centro Cultural São Paulo, Instituto de Arte Contemporânea, Instituto Tomie Ohtake, Oficina Cultural Oswald de Andrade, Museu de História Natural de Lisboa, e Paço das Artes. Tem trabalhos nas coleções públicas do Centro Cultural São Paulo e do MARP. Já participou de programas de formação como PIESP, e foi residente no Ateliê Fonte, na RedBull Station, na Residência São João, e na Casa Tomada. Atualmente, faz mestrado em Poéticas Visuais (ECA-USP), onde pesquisa a relação entre site-specific, mimese e gosto na sua produção.
arte_passagem é a ocupação artística de uma vitrine na Galeria das Artes do centro de São Paulo, onde, periodicamente, um artista é convidado a intervir através de propostas que dialoguem com o entorno do centro da cidade, suas lojas e seus transeuntes. O projeto que teve inicio em junho de 2018, busca criar uma programação que expanda as maneiras tradicionais de se pensar arte na contemporaneidade, e propõe um desafio específico para os artistas ou grupo de artistas. Portanto, pensar sobre as condições da vitrine enquanto dispositivo de exibição, de qualquer tipo de produto, é uma das reflexões que os artistas inevitavelmente atravessam.