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setembro 7, 2015
Projeto Respiração: Eduardo Berliner na Eva Klabin, Rio de Janeiro
20ª edição do Projeto Respiração, no aniversário de 20 anos da Fundação Eva Klabin
A Fundação Eva Klabin apresenta a partir do dia 10 de setembro a exposição Eduardo Berliner – A presença da ausência, 20ª edição do Projeto Respiração, com curadoria de Marcio Doctors. A exposição integra a programação comemorativa do 20º aniversário da Fundação Eva Klabin.
Eduardo Berliner é o primeiro pintor convidado pelo curador para participar do Projeto Respiração, que desde 2004 já trouxe outros 23 artistas para fazerem intervenções na casa-museu da Lagoa, Zona Sul do Rio de Janeiro. “Parecia-me natural não convidar pintores devido às características da Fundação Eva Klabin, que tem suas paredes totalmente preenchidas pela Coleção, não sobrando espaço físico para absorver mais pinturas. E, por isso, tornou-se mais lógico trabalhar com instalações”. A principal razão que motivou Doctors a quebrar a sequência de instalações e convidar Berliner foi a qualidade da sua pintura, que mobilizou a percepção do curador. “Acreditei que deveria dar atenção a minha intuição, e pensei que a experiência de um pintor participar do Respiração seria uma contribuição importante para o Projeto”. “Nenhum artista conseguiu se aproximar tão intensamente da história das imagens que é apresentada pela Coleção”, afirma Marcio Doctors. (ler texto curatorial)
Nascido em 1978, no Rio de Janeiro, o pintor e desenhista Eduardo Berliner destaca que trabalhar no espaço da Fundação Eva Klabin “oferece um problema interessante, pois, diferentemente de outros lugares, ali não se pode partir da estaca zero, uma vez que os trabalhos serão apresentados em contato com o acervo permanente”. Seu ponto de partida então foi se dar “ao direito de simplesmente andar pelo espaço”. Durante vários meses ele fez seguidas visitas à casa-museu, observando a Coleção, sem se preocupar com a importância desta ou daquela obra, e sim deixando o olhar passear de um objeto a outro, “coisas pequenas, detalhes”. Para se familiarizar com o ambiente, ele desenhava o que estava vendo.
A cada visita à Fundação Eva Klabin, peças diferentes lhe chamavam a atenção. “Deixei meu pensamento flutuar para um lugar mais distante, quando não tinha certeza para onde andar, e voltava à casa para novas observações. Percebi que gradualmente meus trabalhos acabavam espalhando-se pelo espaço”. “Tentei absorver parte do imaginário do lugar e acabei reconfigurando o repertório do acervo e da arquitetura em minhas próprias narrativas, cruzando minhas memórias com a da própria casa”, conta. Sua preocupação não era “a imagem das coisas em si, e sim a atmosfera”.
VELUDOS, ÁGUA SANITÁRIA E BIOMBOS
Chamou a atenção do artista o fato de haver muitas tapeçarias, “quase uma decisão museológica de Eva Klabin”. Na Sala Renascença, ele logo percebeu a presença dos veludos, nos forramentos, nas molduras, e o missal, com o veludo corroído pelo tempo, lhe pareceu uma pintura, e esta ideia – o veludo como representação da casa, associado à ação do tempo – permaneceu em sua cabeça. A partir daí fez uma série de experimentos em seu ateliê, usando água sanitária sobre veludo. “O uso da água sanitária foi uma tentativa de desenhar com manchas”, explica. “Não pensamos em produtos de limpeza quando estamos diante daquelas obras, mas estes também fazem parte de uma casa. O ato de deixar manchas seria uma forma de falar sobre memória”. Entretanto ele não quis se limitar a desenhar no veludo com a substância cáustica, e sim desejou que “o repertório formal viesse do conteúdo da casa”. Adquiriu três cadeiras revestidas com tecido, “que poderiam dialogar com as peças da casa-museu”, e esgarçou o estofamento com um estilete. O aparecimento do enchimento acabou por falar da memória do próprio material, e possibilitou “outro tipo de matéria para desenhar”. O veludo trabalhado com água sanitária estará presente nesses trabalhos com as cadeiras e também, sem chassis, “em uma relação com os tapetes, tapeçarias e cortinas”.
Eduardo Berliner construiu ainda vários biombos, com madeiras revestidas por seda – “material mais liso do que a lona normalmente utilizada em minhas pinturas” – que tratou para poder receber a tinta a óleo. Desta forma, usou um objeto normalmente associado ao ambiente doméstico (o biombo), como suporte para suas pinturas e desenhos. “Este tipo de estrutura oferece uma outra possibilidade de suporte evitando a parede já ocupada em grande parte por pinturas pertencentes ao acervo”.
“O processo, através do contato com os materiais, conta uma história que se sobrepõe a minha. Não podia prever o que aconteceria, no entanto, confiava que lentamente os trabalhos começariam a dialogar entre si e com o espaço”, afirma. Ele criou ainda pinturas em vários formatos, “umas com uma quantidade maior de óleo, outras mais diluídas”.
BICHOS, CARANGUEJOS E CARPAS
O cartão de tapeçaria “Meninos pescando”, do italiano Giovanni Francesco Romanelli (1610-1622), que fica na parede em frente à cama da colecionadora, no Quarto de Dormir, causou especial interesse em Eduardo Berliner. Um caranguejo que morde o dedo de uma criança, imagem que é um detalhe em um canto desta peça, chamou a atenção do artista, que construiu “várias narrativas a partir disso”. Berliner diz que a presença de peixes neste trabalho assim como na escultura de uma carpa com figuras humanas em tamanho reduzido, montadas em seu dorso, o levou a pensar não só em naturezas mortas com peixes realizadas ao longo da história da arte, mas também em um desenho de Brügel” (“Peixe grande come peixe pequeno”, de 1557). A partir daí ele pintou a sua natureza morta. No entanto esta pintura, apesar de autônoma, funciona como ligação entre diferentes espaços físicos da casa através da relação com assuntos análogos encontrados no acervo, assim como no lago de carpas, presente no jardim da casa, projetado por Burle Marx. Também localizado no quarto de dormir da colecionadora, o tapete persa Tabriz causou especial interesse em Eduardo Berliner. “Achei muito bonita a representação dos bichos nesta cena de caça, alternando violência e delicadeza. Me interessa também a planaridade deste tipo de representação com suas pequenas figuras preenchidas com chapadas de cor”.
SOBRE O PROJETO RESPIRAÇÃO
O Projeto Respiração constrói uma ponte entre a arte contemporânea e o acervo de arte clássica da Fundação Eva Klabin, que cobre 50 séculos de história da arte. Artistas contemporâneos são convidados a criar intervenções especialmente para o espaço da casa, estabelecendo relações com as peças do rico acervo. Já participaram do projeto, em edições anteriores, os artistas Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Brígida Baltar, Carlito Carvalhosa, Chelpa Ferro (Luiz Zerbini, Barrão e Sergio Mekler), Claudia Bakker, Daniela Thomas, Enrica Bernardelli, Ernesto Neto, João Modé, José Bechara, José Damasceno, Laura Lima, Lílian Zaremba, Marcos Chaves, Maria Nepomuceno, Marta Jourdan, Nelson Leirner, Nuno Ramos, Paulo Vivacqua, Rosângela Rennó, Sara Ramo, e os portugueses Daniel Blaufuks e Rui Chafes.
A COLEÇÃO
A Fundação Eva Klabin possui um acervo com obras que remontam do Egito Antigo ao Impressionismo. As obras de arte, divididas por núcleos pelos espaços da casa, refletem a paixão da colecionadora Eva Klabin (São Paulo,1903-Rio de Janeiro,1991), que reuniu um dos mais importantes acervos de arte clássica dos museus brasileiros, com mais de duas mil peças, oriundas de quatro continentes e abrangendo quase cinquenta séculos, do Egito Antigo ao Impressionismo. Um dos destaques da exposição são as pinturas holandesas e flamengas do século XVII, o “século de ouro da Holanda”, de artistas como Govaert Flinck, Gerard Ter Borch, Willem Dubois, Herman Nauwincx, Hercule Seghers e Philips Wouwerman. A coleção inglesa reúne o “Retrato de Lady Jane Grey”, de anônimo, do século XVI, a obras do século XVIII, de Thomas Lawrence, Lemuel Francis Abbot, George Romney, John Hoppner, e as atribuídas a Thomas Gainsborough e Joshua Reynolds. A coleção tem preciosidades da arte italiana dos períodos Renascentista e Barroco, com pinturas e esculturas de grandes mestres como Tintoretto, Bernardo Strozzi, Lucca e Andrea della Robbia, Benedetto da Maiano e Boticelli, entre outros.