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setembro 5, 2015
Programa Curador Visitante: Quarta-feira de cinzas na EAV Parque Lage, Rio de Janeiro
Exposição reúne cerca de quarenta trabalhos de 27 artistas, brasileiros e estrangeiros, para refletir sobre a época pós-utópica, como um pós-carnaval.
A Escola de Artes Visuais do Parque Lage inaugura no próximo dia 8 de setembro de 2015, às 20h, a exposição Quarta-feira de cinzas, com curadoria de Luisa Duarte (ler texto de parede), a terceira do programa Curador Visitante, criado este ano.
A convite de Lisette Lagnado, diretora da EAV Parque Lage, Luisa Duarte levou para a instituição a pesquisa a que se dedica nos últimos anos, em que discute “as consequências de uma época pós-utópica; a aceleração do tempo e a perda da experiência, e a ruína como símbolo de uma época inconclusa e uma imagem potente para novas construções”, entre outras questões.
Para refletir sobre “o pós-carnaval, momento de parada, onde a festa acabou e, no lugar da euforia, entra uma tonalidade afetiva de caráter melancólico, em que a esperança se dispersa”, a curadora reuniu cerca de quarenta obras de vinte e dois artistas – a maioria dos quais acompanha há mais de dez anos –, e ainda trabalhos de cinco estudantes da EAV Parque Lage, condição do programa Curador Visitante. O título “Quarta-feira de cinzas” é retirado do filme homônimo feito em 2006 por Cao Guimarães (1965, Belo Horizonte) e Rivane Neuenschwander (1967, Belo Horizonte), que embora não esteja na exposição, “por ser uma obra já muito vista”, “surge como uma origem importante do pensamento aqui desenvolvido”, conta a curadora. A curadora selecionou para a exposição na EAV Parque Lage outros trabalhos, individuais, dos dois artistas. Outra inspiração para o processo conceitual da mostra foi o artista Leonilson (1957-1993), que em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, inscreveu em dois trabalhos: “Leo não consegue mudar o mundo” e “Leo can’t change the world”. Luisa Duarte salienta que entre “conseguir” e “poder”, outra versão possível para “can’t”, a frase “denuncia sua impotência política”.
O critério de escolha das obras foi resultado de visitas aos ateliês e conversas com os artistas. Entretanto, alguns trabalhos foram especificamente buscados, como “Construção de Brasília”, fotografia de 1965 de Claudia Andujar (1931, Neuchâtel, Suíça, radicada em São Paulo). Matheus Rocha Pitta (1980, Tiradentes, Minas) criou especialmente para a exposição a instalação “Mão no fogo”, em que dispõe recortes de jornal colecionados por ele há cinco anos, na Gruta, localizada na área verde do Parque Lage. Integrarão a exposição uma videoinstalação feita em conjunto pelos cineastas Karim Aïnouz (1966, Fortaleza) e Armando Praça (1978, Aracati, Ceará).
Os demais artistas que terão obras em “Quarta-feira de cinzas” são Adriano Costa (1975, São Paulo), André Komatsu (1978, São Paulo), Carlos Garaicoa (1967, Havana), Cinthia Marcelle (1974, Belo Horizonte), Clara Ianni (1987, São Paulo), Deyson Gilbert (1985, São José do Egito, Pernambuco), Jorge Macchi (1963, Buenos Aires), Laercio Redondo (1967, Paranavaí, Paraná), Lais Myrrha (1974, Belo Horizonte), Marcelo Cidade (1979, São Paulo), Marilá Dardot (1973, Belo Horizonte), Mauro Restiffe (1970, São José do Rio Pardo, São Paulo), Miguel Rio Branco (1946, Las Palmas de Gran Canaria, Espanha, vive no Rio de Janeiro), Nicolás Robbio (1975, Mar del Plata, Argentina, radicado em São Paulo), Rosangela Rennó (1962, Belo Horizonte) e Sara Ramo (1975, Madri, radicada em Belo Horizonte).
Os estudantes com trabalhos na exposição são Felipe Braga (1982, Rio de Janeiro), Julia Pombo, Juliette Yu-Ming, Manoela Medeiros – que já havia participado da curadoria anterior de Bernardo José de Souza, a segunda exposição do Programa Curador Visitante –e Romain Dumesnil. O assistente de curadoria é Victor Gorgulho.
Um jornal em formato tabloide, com distribuição gratuita, acompanhará a exposição “Quarta-feira de cinzas”, com uma entrevista de Luisa Duarte para Lisette Lagnado.
DELICADEZA X BARBÁRIE
Luisa Duarte observa que todos os trabalhos expostos trazem uma certa delicadeza, como “uma resposta à brutalidade, à barbárie que acomete a vida cotidiana”. “A delicadeza não é inerente aos humanos. Os humanos são naturalmente bárbaros. A delicadeza é uma capacidade que cultivamos para exercer e viver no mundo de maneira melhor. É uma construção. E as obras de arte podem deflagrar processos de percepções mais delicadas, agudas e sensíveis, e a partir disso quem sabe mudar alguma coisa, não importa a escala, ainda que seja minimamente”, destaca. “A delicadeza é uma via para se construir vínculos de uma outra natureza, um mundo possível, não mais aquele mundo impossível, utópico”. Ela localiza em 1979 e 1980 o fim das utopias dos anos 1960 e 70, “com a entrada em cena do neoliberalismo de Margareth Thatcher e Ronald Reagan”. “Esta é a grande barbárie, a do capital, e, como diz o [filósofo italiano] Agamben, Deus não morreu, ele virou o dinheiro”.
Os trabalhos na exposição apontam para questões do interesse de Luisa Duarte, como a ideia de “tempo circular”, “que não anda nem pra frente e nem pra trás”, presente no redemoinho provocado na obra “Água suja” (2015), de André Komatsu. “Octavio Paz tem uma expressão de que gosto muito, de que vivemos em uma ‘frenética imobilidade’, pois parece que a gente corre, corre, e não sai do lugar”, comenta. “A ideia de progresso, que tanto alimentou a modernidade, cai por terra. É um girar em círculos”. “Na modernidade se construía uma linha reta, sabia-se o que ia fazer, o conselho das gerações anteriores valia, você aprendia com seus pais: vou virar médico, engenheiro. Hoje em dia as coisas se esgarçaram, demandam muito mais emocionalmente da gente”. “Se existe uma certeza na contemporaneidade é a incerteza. Pisamos em um solo escorregadio, onde os parâmetros se diluíram, a tradição terminou, o futuro nunca chega, não existe mais uma linha reta”, diz. “A contemporaneidade acolhe a dúvida, a incerteza”.
Luisa Duarte cita a expressão “niilismo ativo”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, para destacar a “crítica que não paralisa, que contém uma ação por vir, que leva em conta as ruínas, toma partido da delicadeza, no mínimo pede um olhar mais paciente, menos acelerado”. “É muito importante para mim a ideia de como construir um novo mundo por vir a partir das ruínas, do que já está dado, ao invés de fazer tábula rasa, que é um exercício tipicamente moderno, e Brasília é um exemplo cabal disso”. Duas fotografias de Carlos Garaicoa, “Hospital baleado” (1996) e “Hueco con cielo” (1996) remetem à ideia de construção a partir das ruínas. “É uma crítica à questão do progresso e, de uma maneira mais delicada, da fragilidade humana”. Ela menciona o escritor Jorge Luis Borges, para quem “é preciso edificar cada dia como se fosse pedra, mesmo sabendo que se trata de areia”. O trabalho de Adriano Costa “Progress Regress / cidade rapadura” (2014), com tijolos e areia, nos lembra com delicadeza desta possibilidade de construção.
PERFORMANCES E CONVERSAS ABERTAS AO PÚBLICO (ver programação abaixo)
Em torno da exposição haverá na EAV Parque Lage uma programação com performances, Cine Lage, e conversas abertas. No dia 21 de setembro, às 19h, o artista Matheus Rocha Pitta conversará sobre seu trabalho no espaço ao lado da Gruta. E no dia 30 de outubro, também às 19h, no Salão Nobre, a psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl irá falar sobre “Aceleração e depressão”. A programação completa estará no site www.eavparquelage.rj.gov.br.
Luisa Duarte nasceu no Rio de Janeiro em 1979. Vive entre Rio e São Paulo. É crítica de arte e curadora independente. Mestre em filosofia pela PUC-SP. Doutoranda no Instituto de Artes da UERJ (2015). É crítica de arte do jornal “O Globo” desde 2010. É coordenadora do núcleo significativo sobre Walter Benjamin da Biblioteca do MAR – Museu de Arte do Rio de Janeiro (2015/2016). Integrou o Conselho Consultivo do MAM-SP (2009-2013). Foi professora da graduação em artes visuais da Faculdade Santa Marcelina (2009/2010). Foi curadora da exposição coletiva “Um outro lugar”, realizada no MAM-SP, 2011. Foi coordenadora geral do ciclo de conferências "A Bienal de São Paulo e o Meio Artístico Brasileiro – Memória e Projeção", plataforma de debates da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, "Em vivo Contato", 2008. Foi curadora do Rumos Artes Visuais, Instituto Itaú Cultural, 2005/ 2006. Organizou, em dupla com Adriano Pedrosa, o livro “ABC – Arte Brasileira Contemporânea” (Cosac & Naify, 2014).
CURADOR VISITANTE
O programa Curador Visitante consiste em convidar curadores residentes no Rio e atuantes no circuito da arte, para que acompanhem a produção dos estudantes da EAV e realizem uma exposição mesclando seus trabalhos com o de artistas já reconhecidos. “Ao convidar agentes do sistema da arte – críticos, escritores e curadores – a fazerem curadorias experimentais nos espaços do Parque Lage, o programa Curador Visitante garante uma fluidez entre o período de aprendizado e a inserção profissional dos alunos, e ao mesmo tempo oferece a esses curadores a possibilidade de exercer um trabalho piloto, de caráter experimental, inserido em âmbito educativo”, diz Lisette Lagnado, diretora da EAV Parque Lage. Ela ressalta que o programa reafirma a EAV “como laboratório de prática e reflexão curatorial para profissionais em início de carreira”. A exposição inaugural foi “Encruzilhada”, com curadoria de Bernardo Mosqueira. Após “A Mão Negativa”, com curadoria de Bernardo de Souza, os demais curadores visitantes de 2015 serão Daniela Labra e Marta Mestre. Os curadores de 2016 já estão sendo convidados e serão anunciados em breve.
PROGRAMAÇÃO
Entrada gratuita
21 de setembro, segunda-feira, às 19h, ao lado da Gruta, na área verde
Conversa com Matheus Rocha Pitta
24 de setembro, quinta-feira, a partir de 18h, em torno do Palacete
Performances "Deslocamento de paisagem", de Manoela Medeiros, e "Entre o que se faz e o que se pode fazer (Ação 5)”, de Julia Pombo
24 de setembro, quinta-feira, às 19h, no jardim, junto ao Chafariz
Cine Lage, com exibição dos filmes:
"Brasília: contradições de uma cidade nova" (1967, 22'), de Joaquim Pedro de Andrade. Filmado sete anos após a inauguração de Brasília, o filme questiona se uma cidade planejada, símbolo do desenvolvimento nacional da época, reproduziria a desigualdade social presente nas metrópoles brasileiras. O documentário de Joaquim Pedro de Andrade se propõe a mostrar a distância entre um projeto arquitetônico e a vida das pessoas que o materializam.
"Nada levarei quando morrer, Aqueles que me devem cobrarei no Inferno" (1981, 19'), de Miguel Rio Branco
Sinopse: Montado em 1985, a partir de imagens da série “Maciel” (1979) e de tomadas também feitas no Pelourinho, o filme foi exibido inicialmente no circuito de festivais de cinema. Nestas imagens, vemos a resistência da organização social e dos valores afetivos, mas também do erotismo, em meio ao cenário de ruína desta região de Salvador. As cenas revelam uma intensa relação entre retratista e retratados, aproximando documentário e ficção, realidade e fantasia.
"Limbo" (2011, 17'), de Cao Guimarães,
"Paradox of Praxis 1 (Sometimes making something leads to nothing)" (1997, 5'), de Francis Alÿs
27 de outubro, terça-feira, às 19h, no Salão Nobre
Conversa entre a curadora Luisa Duarte e Lisette Lagnado, diretora da EAV Parque Lage, com a participação da artista Rosangela Rennó, que integra a exposição “Quarta-feira de cinzas”.
30 de outubro, sexta-feira, às 19h, no Salão Nobre
Conferência da psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl, com o tema “Aceleração e depressão”
5 de novembro, quinta-feira, das 19h às 23h, no Pátio da Piscina
Celebração de encerramento da exposição