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novembro 22, 2004
Poética sem fronteiras - sobre o trabalho de Mauricio Dias e Walter Riedweg
Matéria de Tereza Novaes, publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 22 de novembro de 2004.
Poética sem fronteiras
Os artistas Mauricio Dias e Walter Riedweg ganham retrospectiva na Finlândia e preparam intervenção em Londres
TEREZA NOVAES
As fronteiras há muito deixaram de existir para a economia. E a arte percorre o mesmo caminho, transformando-se em matéria transnacional. Refletindo não somente sobre os novos limites geográficos, mas também sobre questões universais, como o amor e a memória, o trabalho da dupla Mauricio Dias e Walter Riedweg conquista territórios.
Neste ano, o carioca Dias, 40, e o suíço Riedweg, 49, participaram de mostras no Japão e no Brasil e estão em exposição numa retrospectiva (a maior mostra já feita sobre a dupla) em Helsinque, na Finlândia, e nas bienais de Liverpool e de Xangai. Em 2005, já estão programadas mostras em Paris, São Paulo e Rio.
Dias e Riedweg foram escolhidos ainda para realizar uma intervenção em Londres durante a próxima reunião do G8, o grupo que congrega os oito países mais ricos do mundo, que acontece em julho do ano que vem em Perthshire, Escócia.
Uma comissão interdisciplinar, constituída por curadores independentes, museus, ONGs e o British Council for the Arts, selecionou 20 artistas de projeção internacional para participar de um concurso.
Os projetos deveriam lembrar aos participantes do encontro da urgência de uma solução para a epidemia de Aids que se alastra pelo continente africano.
A proposta da dupla é colocar um grande comprimido flutuante dentro do rio Tâmisa, em frente ao museu Tate Modern. Do interior dele, surgem projeções de olhos e frases de médicos e pacientes sobre a doença.
Projeção de imagens é um dos principais veículos do trabalho. Eles geralmente propõem um tema a um grupo -meninos de rua, cegos, guardas de fronteira, presos e habitantes comuns das cidades já participaram-, que ajuda a dar forma ao resultado final; o processo é todo documentado em vídeo.
"Fazemos projetos com e sobre as pessoas. Como nós vemos o outro, no eixo político e social, mas também no que elas vivem de mais subjetivo", explica Dias.
O lugar onde acontece as exposições também é um dos elementos que constituem as obras. Um exemplo é a instalação que apresentaram na Bienal de São Paulo de 1998, cuja temática eram os porteiros de prédios da cidade chamados Severino, Francisco ou Raimundo.
Em Veneza, em 1999, eles filmaram moradores da cidade trocando de roupa. As imagens foram projetadas numa grande videoinstalação, junto com cenas dessas pessoas dentro do espaço expositivo. Para uma mostra no Macba (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona), no ano passado, a dupla preparou o vídeo "Voracidade Máxima". Os museus geralmente comissionam os trabalhos da dupla, em valores entre 20 e 30 mil euros.
Eles entrevistaram prostitutos usando máscaras, os entrevistados com a cara dos entrevistadores e vice-versa, e vestindo roupões de banho. "A prostituição masculina é um fenômeno que se repete em todas as capitais européias, uma cartografia urbana não totalmente analisada, que reproduz os movimentos de imigração, já que a maioria deles vem de lugares periféricos, como o norte da África", afirma Dias. "Há uma relação entre economia e sexualidade, a urgência emocional dos clientes e a financeira dos prostitutos", completa.
Personalidade
O vídeo poderá ser visto no Brasil na primeira exposição individual do duo numa galeria, que deve acontecer na Vermelho, em São Paulo, em 2005. "O trabalho não é documentário nem jornalístico. Colocamos nossa relação no primeiro plano. Walter Benjamin dizia que uma história contada tem a personalidade de quem está contando, como o toque de quem está modelando um escultura", diz o artista.
Lidar com pessoas em situação de exclusão social não significa no entanto, que a dupla faça da arte um meio de transformar diretamente a vida de seus colaboradores. "O que acontece quando você fica cinco minutos olhando para um Rembrandt? Quando fazemos um trabalho, alguma reação acontece, mas o que fica é o mesmo: uma expansão, também no sentido político."
A "escultura social" proposta por eles tem referências em Lygia Clark, Hélio Oiticica e Joseph Beuys. "Experimentalismo, mas com desdobramento na sociedade", conclui Dias.