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julho 29, 2005
A exposição Cinético_Digital, por Monica Tavares e Suzete Venturelli
A exposição Cinético_Digital
MONICA TAVARES E SUZETE VENTURELLI
Com curadoria de Monica Tavares e Suzete Venturelli, a exposição Cinético_Digital, realizada no Instituto Itaú Cultural de São Paulo, foi configurada para ser um ambiente de exploração histórica, estética e educativa. Foi pensada a partir de três grandes eixos conceituais: a arte computacional, as instalações e a arte nas redes, que, respectivamente, estão na base das produções de Waldemar Cordeiro, Abraham Palatnik e Julio Plaza.
A mostra pretendeu apresentar como os procedimentos criativos desses três artistas pioneiros fundamentam o surgimento da arte digital no Brasil. Melhor dizendo, a proposta foi identificar como os procedimentos por eles utilizados já indicavam, de modo precursor, os caminhos e percursos que sustentam a produção contemporânea brasileira de arte digital. Nesta perspectiva, enfocando o "como" cada obra foi executada, a exposição fundamentou-se na linha de reflexão acerca de como os meios, códigos e linguagens utilizados condicionam o modo de formar do artista. Tomando como base as influências antes referidas, foi feito um recorte da atual produção da arte digital brasileira. A curadoria selecionou trabalhos de artistas que têm se destacado por utilizar as novas tecnologias eletrônicas como potencializadores poéticos e na contramão do finalismo instrumental.
Cada um dos três módulos foi tratado de maneira específica no espaço disponível da exposição, sendo de per si identificado por uma respectiva cor, com vistas a conduzir o visitante a uma compreensão das similaridades e diferenças das trajetórias criativas inerentes às obras selecionadas, se comparadas com os procedimentos utilizados pelos artistas veteranos. Em cada um dos três andares da exposição, foram dispostos os trabalhos de cada artista pioneiro. Tais trabalhos abrem o espaço dialogando com a produção dos artistas convidados. Em razão da importância e da contribuição das obras dos três precursores para o desenvolvimento da arte digital brasileira, cada eixo conceitual foi representado por um daqueles três artistas que, conseqüentemente, encabeçou uma determinada diretriz operacional de criação (mesmo que esta não necessariamente delimite o conjunto da sua obra). Desse modo, cada eixo processual foi representado e identificado por uma determinada cor (vermelho, verde ou azul).
No propósito de salientar como cada obra foi produzida, relacionando-a às dominâncias processuais inerentes a cada módulo, os trabalhos dos artistas convidados, a depender da poética proposta, poderão estar vinculados a cada uma das três cores (vermelho, verde e/ou azul), estabelecendo o seu relacionamento lógico ou de dependência com um ou mais grupos conceituais. Em razão do caráter híbrido dos novos meios digitais, cada obra poderá então manter uma ligação estreita com cada módulo, o que possibilita destacar as diretrizes processuais de criação a elas inerentes. Desta maneira, propôs-se como conduta para a disposição dos trabalhos da produção contemporânea uma leitura dos mesmos por meio da relação com as cores representativas dos eixos conceituais, no intuito de conduzir o público a uma maior compreensão dos procedimentos criativos característicos das realizações recentes. Procedimentos estes, já trabalhados e indicados de modo pioneiro nas obras de Waldemar Cordeiro, Abraham Palatnik e Julio Plaza.
Além do mais, na pressuposição de que no fazer artístico mediado pela tecnologia, os processos desenvolvidos e os produtos daí gerados exigem de quem cria uma familiarização com modelos tecno-científicos, a curadoria procurou também mostrar como a arte ao se relacionar com os domínios da ciência e da tecnologia torna-se um campo interdependente de exploração. Seguindo esta trilha, admitiu como premissa que ao conceito tradicional de artista incorporam-se outros papéis, como por exemplo, o de programador.
Não esquecendo que, como dizia Plaza (1998:8), "a arte (produto) não é pesquisa (stricto sensu), mesmo que esta faça parte (lato-senso) de seu processo", cabe referir que os trabalhos criativos da nova geração de artistas são resultados de investigações e indagações por eles elaboradas nos principais laboratórios de arte e tecnologia das universidades do Brasil. As pesquisas por eles desenvolvidas acerca das matérias-primas e dos procedimentos heurísticos, referendando o que admitia Plaza (1998:8), devem assim aparecer como suporte, caminhando na perspectiva de se caracterizar "como meio e não como fim".
Neste sentido, considerando a condição precípua que é a de "ter a consciência de que não se está fazendo ciência" (Plaza, 1998:7), a meta buscada por esses artistas tecnológicos, na intenção por alcançar o "equilíbrio entre norma e forma" (Plaza, 1998:12), é justamente a de manter o "compromisso com as qualidades do objeto que cria" e não a de priorizar o pressuposto de retratar "a verdade do conhecimento do objeto" (Plaza, 1998:8). E é aqui que se deve refletir sobre a diferença conceitual que existe entre a idéia de "tecnologia como arte" e a de "arte como tecnologia" (Plaza, 1998:29), premissa esta minimamente requerida e intencionada na seleção dos trabalhos da exposição Cinético_Digital.
O objetivo pretendido foi expor obras na proposta de subverter crítico e criativamente o aparelho produtor que fossem, ademais, representativas dos seguintes eixos processuais: arte computacional, instalações e arte nas redes.
No módulo arte computacional, os trabalhos de Waldemar Cordeiro (1925-1973) abrem o espaço dialogando com a produção dos artistas convidados. Ele foi um dos pioneiros da arte computacional no Brasil. Foi também um expoente da arte visual concreta brasileira, influenciando vários artistas com base na idéia de que o conteúdo da obra deve ser representado de modo concreto pela linguagem artística. Seu processo de criação procurava, entre outros aspectos, relacionar as idéias artísticas ao conhecimento da ciência e ao desenvolvimento tecnológico de sua época. O método por ele utilizado está na base dos processos de criação e pesquisa de artistas computacionais da atualidade. De forma geral, seu percurso criativo abrangia a transformação das retículas de imagens fotográficas em valores numéricos, o processamento algorítmico e a geração da imagem, propriamente dita. A primeira fase era realizada de modo manual com base na sobreposição de uma retícula sobre a imagem original ampliada. Em seguida, definiam-se os dados para a criação da matriz alfanumérica a ser armazenada na memória do computador. Com isto, criava-se enfim o algoritmo para tratamento dos seus dígitos, do qual resultavam diferentes possibilidades imagéticas. Como representantes do princípio estruturador do módulo arte computacional, que preconiza uma tensão entre a poética e a utilização de modelos de programação, foram vinculadas as produções dos artistas Carlos Vicente Fadon, Tânia Fraga, Diana Domingues, Mario Maciel, entre outras.
No módulo instalações, são os trabalhos de Abraham Palatnik (1928) que iniciam o percurso do visitante. O princípio orientador do módulo diz respeito às propostas de mediação entre obra e receptor, pensadas desde a arte cinética.
Quando começou sua pesquisa cinética no contexto da arte, Palatnik estava experimentando novos caminhos sobre as relações sensoriais e perceptivas entre obra e espectador. Devido a esse fato, suas idéias passaram a ser referências fundamentais na criação da arte interativa. Nos cinéticos de Palatnik, o movimento real da própria obra, construído por meio de artefatos industriais-mecânicos, é utilizado como princípio poético. Este é perseguido na intenção de provocar diferentes modos de organização da sensibilidade, os quais visam capturar o receptor por meio da renovação de práticas receptivas.
Há muito, o teórico Frank Popper (1980:11-14) já dizia que a intervenção do espectador dentro do processo estético varia do nível primário de participação lúdica ao nível mais elaborado de uma participação total. Tal engajamento mobiliza as suas capacidades e faculdades contemplativas, perceptivas e locomotoras. Segundo o autor, a passagem da atitude contemplativa ao comportamento ativo, que afinal solicita e incorpora o receptor tanto mental quanto fisicamente, tem correlação direta com a noção de environment, considerada como o lugar de encontro privilegiado de fatos físicos e psicológicos que animam o universo do receptor. É nesta perspectiva que os cinéticos de Palatnik, considerados como máquinas artísticas que propõem o movimento como forma de ludicamente capturar o receptor, já indiciam no Brasil e avant la lettre a problemática da mediação entre obra e receptor.
Por outro lado, ao considerarmos os cinéticos de Palatnik como representantes deste princípio conceitual, a proposta foi também enfatizar as possíveis relações que o seu trabalho estabelece com as questões de desmaterialização e desaparecimento do objeto artístico tradicional que, conforme Popper, estão na base do conceito antes referido de environment. Ou seja, de um ambiente estrategicamente proposto que prevê uma participação mais acrescida do espectador, considerando a possibilidade do uso de novos materiais como forma de um engajamento mais total. Este princípio criativo está na base dos trabalhos dos artistas Gilbertto Prado, Milton Sogabe, Raquel Kogan, Mario Ramiro, entre outros relacionados ao eixo das instalações.
Na entrada do módulo arte nas redes, são apresentados os trabalhos selecionados de Julio Plaza (1938-2003). Um dos interesses deste artista se situava na possibilidade de organizar, produzir e veicular imagem pelos sistemas de redes. Ele encontrou nos meios de comunicação, como o slow-scan, o videotexto, o computador, aliados poderosos para suas experimentações artísticas. Sua obra, bastante rica, representada na exposição pela utilização da holografia, da arte computacional e de sistemas de rede, demonstra claramente o vigoroso processo de colaboração com os poetas concretistas e o forte interesse pelas questões da tradução intersemiótica. De maneira geral, o artista buscava experimentar as potencialidades que os novos meios oferecem como sistema de criação artística. É inegável e precursora sua contribuição no que concerne às poéticas da distância. Ao propor uma ruptura com as formas e os métodos tradicionais de exposição da arte, tais poéticas colocam em trânsito as diferentes culturas na direção de que a redução da distância física conduz à tendência de nivelamento planetário de repertórios. A web arte, representante mais atual destes processos criativos, firma-se hoje como um espaço de realização artística, aberto para o mundo. Algumas obras que mantêm vínculo com o módulo arte nas redes são as realizadas pelos artistas Giselle Beiguelman, Sílvia Laurentiz, Douglas de Paula, Lúcia Leão, Cleomar Rocha, entre outros.
No conjunto da exposição, os trabalhos da produção contemporânea (no total de 28) foram distribuídos, de modo sincrônico, pelos três andares da mostra, não sendo proposto um percurso diacrônico e seqüencial para a visita. A vinculação das obras dos artistas convidados aos eixos conceituais da exposição se deu por meio da sua identificação à cor específica de cada módulo. Independente do piso em que estejam localizados, os trabalhos que foram identificados pela mesma cor (enfim, aqueles que estabelecem uma analogia em relação a uma dada diretriz operacional de criação) dialogam entre si. Neste pressuposto, a idéia foi enfatizar o relacionamento lógico das produções recentes com um ou mais dos eixos processuais antes citados, destacando os procedimentos de criação dessas obras e, conseqüentemente, ligando tais condutas criativas àquelas das produções dos artistas pioneiros.
Assim, convidamos todos a conhecerem a exposição Cinético_Digital. Nela, os visitantes poderão interagir com os trabalhos de arte digital realizados por artistas brasileiros, de renome nacional e internacional, como também poderão apreender como as obras de Abraham Palatnik, Waldemar Cordeiro e Julio Plaza configuram-se, no âmbito nacional, como precursoras e inovadoras das relações entre arte, ciência e tecnologia.
Referências bibliográficas
PLAZA, Julio. Arte/Ciência. In: PLAZA, Julio; TAVARES, Monica. Os processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo: Hucitec, 1998. p.3-12.
PLAZA, Julio. As imagens digitais. In: PLAZA, Julio; TAVARES, Monica. Os processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo: Hucitec, 1998. p.27-60.
POPPER, Frank. Art, action et participation: l'artiste et la creativité aujourd'hui. Paris: Éditions Klincksieck, 1980.