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abril 9, 2020

Programa de vídeo II e III na Jaqueline Martins

Programa de Vídeo, concebido em parceria entre a curadora Mirtes Marins de Oliveira e nossa equipe, tem como objetivo apresentar diferentes obras (ou seus fragmentos) em relação dialógica, sublinhando semelhanças que estimulem reflexões sobre a vida contemporânea.

PROGRAMA DE VÍDEO II

Para a segunda edição apresentamos Rafael França (1957-1991), com a obra Prelúdio de uma Morte Anunciada (1991) articulada à trechos de Pequenas Epifanias (2006) de Caio Fernando Abreu (1948-1996).

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O início dos anos 1980, no Brasil, foi um período promissor já que ao final dos 1970 se vislumbrava a obsolescência da ditadura iniciada em 1964. As pressões da sociedade civil contra a censura e a violência projetaram esse encerramento. A circulação de pessoas e informações também permitiram que, ao menos em relação aos modos de vida, a juventude dos grandes centros urbanos pudesse atuar naquele presente com sentimento de esperança em relação ao futuro. Certamente essa nova configuração passava pelo corpo, pela liberação sexual, pelas experiências com drogas e, em arte, pela experimentação e acesso às novas tecnologias de comunicação e produção de imagens.

Rafael França e Caio Fernando Abreu foram, cada um em sua linguagem, pioneiros tanto em transformar a arte em adequação ao seu tempo (pela temática, técnica, transgressão, entre outras dimensões) quanto em retratar a vida do jovem adulto em contexto da utopia democrática brasileira. Ambos vivenciaram a tragédia daquela geração no enfrentamento do HIV e suas consequências em termos comportamentais. Em Prelúdio de uma Morte Anunciada, França mostra o amor em interação dos corpos e rememoração dos amigos mortos pela doença ao som de La Traviata, de Verdi, emblema do amor marginalizado e trágico. Abreu, nos excertos de Primeira carta para além do muro e Última carta para além do muro busca compreender seu estranhamento da condição de doente, e apostar todas as suas fichas, assim como Rafael França, no poder da arte.



Rafael França — Prelúdio de uma Morte Anunciada (1991) from Galeria Jaqueline Martins on Vimeo.

Caio Fernando Abreu, Pequenas Epifanias 2006

“Alguma coisa aconteceu comigo. Alguma coisa tão estranha que ainda não aprendi o jeito de falar claramente sobre ela. Quando souber finalmente o que foi, essa coisa estranha, saberei também esse jeito. Então serei claro, prometo. Para você, para mim mesmo. Como sempre tentei ser. Mas por enquanto, e por favor, tente entender o que tento dizer.
(…)
Por enquanto, ainda estou um pouco dentro daquela coisa estranha que me aconteceu. É tão impreciso chamá-la assim, a Coisa Estranha. Mas o que teria sido? Uma turvação, uma vertigem. Uma voragem, gosto dessa palavra que gira como um labirinto vivo, arrastando pensamentos e ações nos seus círculos cada vez mais velozes, concêntricos, elípticos. Foi algo assim que aconteceu na minha mente, sem que eu tivesse controle algum sobre o final magnético dos círculos içando o início de outros para que tudo recomeçasse.
(…)
A única coisa que posso fazer é escrever — essa é a certeza que te envio, se conseguir passar esta carta para além dos muros. Escuta bem, vou repetir no teu ouvido, muitas vezes: a única coisa que posso fazer é escrever, a única coisa que posso fazer é escrever."

Primeira carta para além do muro, 1994

"Sei também que, para os outros esse vírus de science fiction só dá me gente maldita. Para esse, lembra Cazuza: "Vamos pedir piedade, Senhor, piedade para essa gente careta e covarde". Mas para você, revelo humilde: o que importa é a Senhora Dona Vida, coberta de ouro e prata e sangue e musgo do tempo e creme Chantilly às vezes e confetes de algum carnaval, descobrindo pouco apouco seu rosto horrendo e deslumbrante. Precisamos suportar. E beijá-la na boca. De alguma forma absurda, nunca estive tão bem. Armado com as armas de Jorge."

Última carta para além do muro, 1994

PROGRAMA DE VÍDEO III

Para a terceira edição apresentamos Regina Vater (1943), com a obra Saudades do Brasil (1984) articulada à Cartão Postal (1928) de Tarsila do Amaral (1886-1973).

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Saudades do Brasil de Regina Vater pode ser interpretado em múltiplas camadas já que Vater, desde o início, trabalha em pauta transmidiática, característica que a torna uma das mais instigantes autoras de sua geração e da arte contemporânea brasileira.

À primeira vista, em sua dimensão sonora, Saudades do Brasil é um diálogo unilateral no qual Regina conversa por telefone com a artista Suzan Frecon, discorrendo sobre a cultura carioca e brasileira, a música, os cinemas de Dziga Vertov e de Glauber Rocha e suas características, sobre o ambiente brasileiro e norte-americano, sobre algumas de suas obras. Mas se, ironicamente, a voz de Frecon não comparece nessa conversa – apenas a de Regina - o diálogo se estabelece de maneira múltipla com uma evocativa trilha sonora, pautando o ritmo intenso das imagens em movimento das paisagens do Brasil e dos Estados Unidos.

Ao final dessas densas camadas que tratam das relações entre Brasil – e também da artista – e o mundo, encontramos uma homenagem pessoal, de cunho familiar. Mesmo assim, Saudades do Brasil é um anti-cartão postal.



Regina Vater — Saudades do Brasil (1984) from Galeria Jaqueline Martins on Vimeo.


Video Program, conceived by our team in collaboration with curator Mirtes Marins de Oliveira, aims to present different works (or their fragments) in a dialogical relationship, highlighting similarities that might serve to reflect on contemporary life.

VIDEO PROGRAM II

For the second edition we present Rafael França (1957-1991), with the work 'Prelude to an Announced Death' (1991) articulated to excerpts from 'Little Epiphanies' (2006) by Caio Fernando Abreu (1948-1996).

The early 1980s were a promising time in Brazil, for since the late 1970s one could envision the obsolescence of the dictatorship era that had begun in 1964. Social pressure against censorship and violence made sure that that was the case. The flow of people and information also made it possible, at least when it came to lifestyles, for youth at major urban centers to act upon the present with a sense of hope for the future. Certainly, this new configuration involved the body, sexual liberation, the dabbling in drugs and, in art, experimentation and access to new communication and image production technologies.

Rafael França (1957-1991) and Caio Fernando Abreu (1948-1996) were pioneers, each in their own language, both in transforming art into adaptation to their times (with their subject matters, techniques, transgression and other aspects) and in portraying the lives of young adults within the context of Brazil’s democratic utopia. They both experienced their generation’s tragedy in dealing with HIV, and its consequences in behavioral terms. In "Prelude to an Announced Death", França portrays love in the interaction between bodies and the remembering of friends whose lives were claimed by the disease, to the sound of Verdi’s La Traviata, an emblem of tragic, outlier love. Abreu, in excerpts from "First letter over the wall" and "Last letter over the wall" strives to comprehend his discomfort with the condition of being ill, and he bets it all, as does Rafael França, on the power of art.

“Something happened to me. Something so strange I’m yet to learn how to speak clearly about it. When I finally know what it was, this strange thing, I’ll also know how. I’ll be clear then, I promise. To you, to myself. As I’ve always tried to be. But for the time being, and please, try to understand what I’m trying to say.
(…)
For now, I’m still somewhat in the grip of that strange thing that happened to me. It’s so imprecise to call it that, the Strange Thing. But what could it have been? A murkiness, a vertigo. A maelstrom, I like this word that spins around like a living labyrinth, dragging thoughts and actions into its circles, ever faster, more concentric, elliptical. That was how something happened within my mind, without my having any control over the magnetic endpoint of the circles, hoisting up the beginning of other circles so it all could start anew.
(…)
All I can do is write – that is the certainty I send you, in case you manage to get this letter over the walls. Listen closely, I’ll repeat this in your ear again and again: all I can do is write, all I can do is write.

First letter over the wall, 1994

“I’m also aware that everyone else thinks this science fiction virus will only get those goddamned people. As for them, Cazuza said it: "Let’s ask for mercy, Lord, mercy on those square-minded, cowardly people.” But to you, I humbly disclose this: all that matters is Mrs. Life, covered in gold and silver and blood and the moss of time and the occasional whipped cream, and confetti from some carnival, discovering, little by little, its horrendous, fascinating face. We must withstand it. And to kiss your lips. In some absurd way, I’ve never been so well. Wielding the weapons of Saint Jorge."

Last letter over the wall, 1994

Caio Fernando Abreu, 'Little Epiphanies' (2006)

VIDEO PROGRAM III

For the third edition we present Regina Vater (1943), with the work 'Saudades do Brasil' (1984) articulated to 'Cartão Postal' (1928) by Tarsila do Amaral (1886-1973).

Regina Vater’s 'Saudades do Brasil' (1984) allows for multiple layers of interpretation, since Vater has always had a transmedia agenda, which makes her one of the most exciting authors of her generation and of all Brazilian contemporary art.

From an aural standpoint, 'Saudades do Brasil' at first seems like a one-sided dialogue. On the phone with artist Suzan Frecon, Vater goes on about the culture of Rio and Brazil; music; the cinema of Dziga Vertov and Glauber Rocha and their characteristics; the atmosphere of Brazil and the United States; and some of her own work. And yet, while Frecon’s voice is ironically missing from this conversation – only Regina’s is featured –, the dialogue established is a multifaceted one, as an evocative soundtrack sets the tone for fast-paced images of Brazilian and United States landscapes. These dense layers addressing Brazil’s – and the artist’s – relationship with the world culminate in a personal tribute of the family kind. And yet Saudades do Brasil is an anti-postcard.


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Posted by Patricia Canetti at 1:19 PM