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janeiro 19, 2012
Metrópolis - Entrevista com Fábio Cypriano, TV Uol
Metrópolis - Entrevista com Fábio Cypriano
O crítico de arte Fábio Cypriano, conta quais são as expectativas para as artes plásticas no Brasil em 2012.
janeiro 18, 2012
Mostra em Paris recupera meio século de produção fotográfica brasileira por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Mostra em Paris recupera meio século de produção fotográfica brasileira
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 18 de janeiro de 2012.
Mostra 'O Elogio da Vertigem - Coleção Itaú de Fotografia Brasileira' coloca em diálogo o modernismo da fotografia nacional
PARIS - Uma história recente da fotografia brasileira traçada em espirais: é possível, por exemplo, relacionar a repetição das formas e sombras das flores em Anturius Cruzadus fotografados em 1960 por German Lorca com a imagem colorida da série Desejo Eremita, do artista Rodrigo Braga, de 2009, na qual aparece, em primeiro plano, um amontoado de orelhas de bois? A mostra O Elogio da Vertigem - Coleção Itaú de Fotografia Brasileira, que se abre hoje para o público na prestigiada Maison Européenne de la Photographie (MEP) de Paris, coloca em diálogo o modernismo fotográfico brasileiro das décadas de 50 e 60 com obras contemporâneas justamente para "criar faíscas", como diz o curador Eder Chiodetto, e ressaltar o "experimentalismo" tupiniquim.
É uma visão "de risco", afirma Chiodetto, misturar dois períodos da produção fotográfica no Brasil separados pelo "hiato" da Ditadura Militar, podadora de uma efervescência experimental das criações formais, especialmente pelos integrantes do então Foto Cine Clube Bandeirante (Lorca, Thomaz Farkas, Geraldo de Barros), ou pelo carioca José Oiticica Filho. "Trata-se de uma orquestração mais poética do que voltar a restituir a história de uma maneira linear", diz Chiodetto.
Como se vê em O Elogio da Vertigem, que ficará em cartaz até 25 de março, a ressonância de uma vontade de "testar os limites da fotografia", elementar nas imagens modernistas, se faz nas obras do fim dos anos 1980 em diante de uma maneira diferente. Não como uma "filiação direta" do modernismo, explica o diretor da MPE, Jean-Luc Monterosso, mas como uma "questão de pele" relacionada a uma criatividade brasileira.
"O Brasil e a América Latina têm uma tradição documental apresentada na Europa de uma maneira que me incomoda, a partir de um olhar hegemônico, perverso e repleto de clichês", afirma Chiodetto, chamando atenção para o apelo que se faz de imagens de cunho social. O Elogio da Vertigem traça, assim, um panorama da fotografia brasileira por meio de cerca de 90 imagens que incorporam o onírico e a subjetividade com semente conceitual. "Temas como a pobreza, a escravidão e o regionalismo são subvertidos da visão historicista para chegar à questão da transcendência", diz o curador, destacando o território do mito nos retratos de Mario Cravo Neto ou a fusão da temática indígena com a representação de uma ideia de cosmos nas obras de Claudia Andujar.
Acervo. Resultado de processo de um ano, O Elogio da Vertigem marca não apenas a realização de uma mostra brasileira de peso numa instituição europeia (as parcerias entre o Itaú Cultural e a MEP datam de desde 2009), como uma etapa do programa de sistematização e exposição do acervo de fotografia do banco. Esse segmento da coleção da instituição financeira tinha sua força no "modernismo na imagem" datado dos anos 40 e 50, com destaque para as obras da sofisticada visão geometrizada de José Yalenti e para as criações dos anos 60 assinadas por Georges Radó e Gertrudes Altschul. Trata-se de uma fotografia "preocupada mais com a forma do que com o conteúdo", afirma o fotógrafo e curador Iatã Cannabrava, consultor das aquisições do período para a Coleção Itaú.
O acervo, hoje com 308 fotografias, já contava com imagens contemporâneas, mas a atual exposição levou a um curioso processo de compras de obras recentes, indicadas por Chiodetto. Praticamente, duplicou-se o segmento contemporâneo.
Depois de apresentada na MEP, a exposição da Coleção Itaú vai itinerar, em versão ampliada, por cidades brasileiras até ser mostrada em São Paulo, em 2013. O curador fala da possibilidade de serem feitas novas aquisições para o acervo, citando lacunas como as obras do período ditatorial criadas por Anna Maria Maiolino e Boris Kossoy ou as do "documentário imaginário" de Maureen Bisilliat e Nair Benedicto.
Museu une imagens a vídeos. Criada em 1996, a Maison Européenne de la Photografie (MEP) reúne um acervo de 20 mil fotografias, vídeos e livros. "Há 15 anos, quando propus esse projeto, a ideia era reunir no mesmo lugar essas três vertentes", diz o diretor da MEP, Jean-Luc Monterosso. A relação da MEP e de Monterosso com o Brasil é antiga. Além de a instituição francesa ter realizado, em 2009, mostra com seu acervo no Itaú Cultural, há parcerias com o Instituto Moreira Salles e com o Foto Rio. "Não quisemos concorrer com os acervos de museus como o Orsay ou o Centro Pompidou", afirma o diretor. Destaque para representações, no acervo, de França, EUA, Japão, Itália e Brasil. Sobre O Elogio da Vertigem, Monterosso afirma que o público francês pouco conhece o modernismo brasileiro dos anos 50 e elogia artistas como Vicente de Mello, Rodrigo Braga e Rafael Assef.
A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO ITAÚ CULTURAL
Dinheiro com rosto de Milú Villela está no centro de briga no Itaú Cultural por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Dinheiro com rosto de Milú Villela está no centro de briga no Itaú Cultural
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 31 de dezembro de 2011.
Artista protestou contra falta de cachê criando cédulas com a cara da acionista do banco; outros autores cobram pagamento
Artistas que participaram da exposição "Caos e Efeito", encerrada há duas semanas no Itaú Cultural, estão pressionando a instituição para que pague cachês. Eles enviaram uma carta à direção do museu na semana passada cobrando explicações.
Embora esse pagamento não estivesse previsto quando a mostra foi planejada -só os curadores receberiam-, um grupo de artistas foi remunerado, desencadeando uma "revolta", nas palavras de Edson Barrus, dos que ficaram sem o pagamento.
No centro da briga está uma obra envolvendo o objeto da discussão -dinheiro.
Quando soube que não receberia por sua participação na mostra, o artista Lourival Cuquinha decidiu fazer uma bandeira da marca do Itaú usando notas de R$ 2 e R$ 20.
Mas, no lugar da efígie da República, imprimiu o rosto de Milú Villela, presidente do Itaú Cultural e uma das maiores acionistas do banco.
"Fiz as notas e as vendia multiplicando o valor de face pela proporção do lucro do Itaú no último semestre", diz Cuquinha à Folha. "Tem a ver com a ideia de dinheiro especulado em cima de arte dentro da instituição financeira."
Ele diz que pretendia expor a bandeira e as cédulas na mostra, mas foi pressionado a desistir da ideia para não prejudicar a negociação dos demais artistas que brigavam para receber seus cachês.
"Não permitiram que esse trabalho fosse exposto e pagaram para calar a boca do artista", diz Barrus, atribuindo a decisão de remunerar uma primeira leva de autores à condição de não expor o trabalho de Cuquinha. "Resolveram comprar o silêncio."
Ainda segundo Barrus, cópias de uma revista distribuída no dia da abertura da mostra, com um texto da curadora Clarissa Diniz em que detalhava o lucro do Itaú, foram confiscadas pela direção do centro cultural.
Frases escritas na parede do espaço expositivo que faziam menção à falta de cachês também teriam sido apagadas por funcionários.
"Apagaram porque acharam que fosse ofensivo. É o problema da instituição que banca a mostra e decide o que quer ter lá dentro", diz o artista Franz Manata. "O curador ganha, o iluminador ganha, todo mundo ganha, mas quem faz o show é o artista e ele paga para trabalhar."
OUTRO LADO
"É uma praxe o curador receber cachê e, nesse caso, o artista não receber", diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. "Acordamos que não íamos pagar cachê a todos, mas depois decidimos pagar aos que fizeram performances e aos que participaram da montagem."
Saron afirmou também que não condicionou pagamentos à exposição ou não da obra de Lourival Cuquinha e admitiu ter pedido a correção de dados no texto de Clarissa Diniz, negando que tenham confiscado cópias da revista.
"Em nenhum momento a gente pediu para que uma obra fosse exposta ou deixasse de ser exposta", diz Saron. "Isso não é verdade, essa é uma decisão do curador."
Sobre frases que foram apagadas da mostra, ele diz "não ter nenhuma notícia" do que relatam os artistas.
Ele acrescentou também ter firmado um compromisso com os 82 artistas da mostra, dizendo que todos receberão seus cachês -cerca de R$ 1.000- já no próximo mês.
Fernanda Gomes constrói paisagem entre terra e mar por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Fernanda Gomes constrói paisagem entre terra e mar
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de dezembro de 2011.
Obras da artista ocupam sala do MAM do Rio com vista para orla e cidade
Ela ficou conhecida nos anos 80 com obras que mesclavam repertório minimalista e objetos íntimos e domésticos
Fernanda Gomes espalhou suas obras no chão de uma enorme sala no Museu de Arte Moderna do Rio. Mandou remover as divisórias de gesso e a película escura que bloqueia a luz do sol, abrindo janelas para a vista do mar de um lado e da cidade do outro.
"Queria libertar esse espaço de qualquer interferência", diz Gomes, caminhando entre as peças no museu do aterro do Flamengo, onde faz agora uma retrospectiva. "É uma paisagem poderosa, de mar paradisíaco e vida urbana arrebatadora, caos e riqueza difíceis de absorver."
No caso, são as obras que absorvem esse impacto. Suas esculturas e instalações parecem restos de um naufrágio calculado, esquecidos ali como marcadores de um tempo suspenso entre a fúria da cidade e a calma da orla.
"Arte não precisa ter medo do mundo. Gosto da paisagem aqui dentro", diz Gomes. "É a percepção do espaço que vai se entranhando, um acúmulo de perspectivas."
Desde os anos 90, quando despontou na arte do país, Gomes vem arquitetando essas paisagens minimalistas, de fragmentos de objetos domésticos a planos neutros de madeira, plástico e tecido.
Ela alterna nessas obras a forma pura de telas em branco e restos de madeira e resquícios da vida pessoal, de pontas de cigarro e copos d'água a um paraquedas estendido no chão do museu.
Mas nada disso chega a existir como objeto isolado. Tudo parece sempre depender de sua posição no espaço e se articula em conjunto como um arranjo de formas que se alastram -cenário que desperta mais dúvidas do que consegue oferecer respostas.
"Prefiro a surpresa a algo esquemático", diz a artista. "É um processo lento, de fazer a exposição no lugar, um dia depois do outro. Acaba sendo um amálgama do espaço com a obra, é difícil dissociar uma coisa da outra."
Tanto que, neste ano, Gomes fez outras duas mostras em que o ambiente se fundia com as peças. No Centro Cultural São Paulo, ocupou uma galeria envidraçada, em que a luz do sol mudava ao longo do dia a percepção das obras.
Em Guadalajara, também levou suas peças minimalistas, que arriscam desaparecer no espaço, ao 23º andar de um prédio modernista, com vista panorâmica para toda a cidade mexicana.
Mas em todos os casos, uma coisa prevalece. É a paleta reduzida de cores, brancos e marrons quase apagados, que serve para fazer reverberar o entorno das peças, como se digerisse o espaço.
"Tem o branco que rebate tudo, absorve o tempo, a sujeira", diz Gomes. "É aí que vejo as coisas que não via antes, sinto o espaço no corpo."
FERNANDA GOMES
QUANDO de ter. a sex., das 12h às 18h; sáb. e dom., 12h às 19h
ONDE Museu de Arte Moderna do Rio (av. Infante Dom Henrique, tel. 0/xx/21/2240-4944)
QUANTO R$ 8
Novo IMS empilha espaços expositivos por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Novo IMS empilha espaços expositivos
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de dezembro de 2011.
Arquitetos Marcelo Morettin e Vinicius Andrade projetam museu vertical para ser futura sede do centro cultural
Prédio terá três salas expositivas, biblioteca, cinema e auditório e deverá receber grandes exposições temporárias
Um prédio de vidro na avenida Paulista será a nova sede do Instituto Moreira Salles em São Paulo. No lugar da casa acanhada que divide com uma agência bancária em Higienópolis, o centro cultural pretende construir até 2014 um novo museu vertical.
Serão três salas expositivas empilhadas uma sobre a outra, todas com pé-direito duplo para abrigar obras de arte de grandes dimensões.
Foi essa a solução que os arquitetos Marcelo Morettin e Vinicius Andrade, nomes fortes da nova arquitetura paulista, encontraram para abrigar 1.200 metros quadrados de área expositiva num terreno estreito entre a Bela Cintra e a rua da Consolação.
O projeto segue alguns preceitos clássicos do modernismo forjado no Brasil, como um andar térreo que se funde com a calçada e a predominância de ângulos retos.
Mas também incorpora elementos contemporâneos, como a distribuição vertical e a fachada translúcida, que deve expor os espaços internos ao movimento da Paulista.
"É um material afastado da fachada original, como uma segunda pele, que revela um pouco do interior sem expor tudo", explica Morettin. "Esse museu não poderia dar as costas para a Paulista. A gente se preocupou em criar uma relação franca com a cidade."
De certa forma, o novo IMS lembra dois outros projetos recentes de centro cultural vertical: o Museu da Imagem e do Som, que está sendo construído no Rio pelo escritório americano Diller Scofidio + Renfro, e o New Museum, projeto da dupla japonesa Sanaa, em Nova York.
Mas enquanto Manhattan tem um prédio que lembra caixas empilhadas, forradas com uma treliça metálica também translúcida, São Paulo terá uma enorme caixa retangular abrigando uma série de volumes irregulares, que desafiam as linhas ortogonais de fora.
"Tivemos vontade de fazer um prédio forte, que se impusesse na Paulista", diz Morettin. "Mas os espaços lá dentro quebram essa imagem, criam um contraponto entre suas formas mais livres e a concisão da fachada."
ESTREIAS EM SP
Além das três salas de exposição, o museu terá uma biblioteca de fotografia, um auditório e um cinema. Tudo isso faz parte da estratégia do IMS de ampliar a presença em São Paulo, onde até hoje só realizou grandes mostras em parceria com outros museus.
Mantendo todo seu acervo na sede carioca, o instituto pretende usar os espaços livres no novo museu para abrigar mostras temporárias maiores e mais frequentes.
Segundo Flávio Pinheiro, superintendente do IMS, a ideia é que as exposições passem a estrear em São Paulo e depois seguir para o Rio, ao contrário do que ocorre hoje.
Livros financiados pela Rouanet viram brindes de Natal por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Livros financiados pela Rouanet viram brindes de Natal
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de dezembro de 2011.
Patrocinadores podem usar 10% dos exemplares para esse fim; restante vai para bibliotecas e para a venda
Segundo editores, incentivo fiscal permite que publicações de luxo cheguem a livrarias por valores abaixo do custo
Já virou tradição de Natal: no fim de ano, grandes bancos presenteiam seus clientes com sofisticados livros de arte, viabilizados por meio da Lei Rouanet -que permite abatimentos no imposto de renda dos patrocinadores que invistam em cultura.
Isso significaria, então, que os brindes de Natal desses bancos estariam sendo pagos pelo contribuinte?
Sim, mas somente em parte. Mais exatamente, de acordo com a lei, o patrocinador recebe 10% da tiragem do livro, para seu uso -e, no caso, essa é a parcela destinada aos clientes.
"Sem lei de incentivo é inviável fazer um livro de arte", defende Isabel Diegues, editora da Cobogó, que neste fim de ano lança o livro "Pintura Brasileira Século XXI", com apoio do Credit Suisse.
No caso dessa publicação, segundo Diegues, foram impressos 3.000 livros com o apoio de lei, pela qual foram captados R$ 316 mil. Desse total, cerca de 900 exemplares devem ir para bibliotecas e instituições públicas.
A publicação chega às livrarias pelo valor de R$ 160. "Sem o patrocínio, teríamos que cobrar pelo menos R$ 300", avalia Diegues.
Segundo a assessoria de imprensa do Credit Suisse, quando há interesse em presentear um número de clientes que exceda a cota de 10%, o grupo arca com a impressão extra de exemplares
No ano passado, a mesma Cobogó lançou "Adriana Varejão - Entre Carnes e Mares", que foi ofertado como brinde natalino pelo banco Pactual.
Em 2011, o Pactual distribui a seus clientes o livro "Cachaça", realizado pelo fotógrafo Araquém Alcântara em sua editora, a Terra Brasil, com texto de Manoel Beato.
"Seria extremamente difícil fazer um livro de qualidade, hoje, sem o apoio de lei de incentivo", conta Alcântara, que já publicou 44 livros sobre o Brasil. "Cachaça" obteve, pela lei, R$ 581 mil.
"Graças a ela posso distribuir quase um terço da tiragem a bibliotecas do país [uma contrapartida obrigatória da lei] e cobrar R$ 120 na livraria, quando o livro não sairia por menos de R$ 220."
Entre as categorias de livros de arte que figuram com mais frequência entre lançamentos de fim de ano, estão os livros de instituições museológicas organizados há 30 anos pelo banco Safra.
"Fazemos isso com o envolvimento dessas instituições, e não entregamos o livro apenas a clientes, mas o distribuímos pelo país", conta o banqueiro Carlos Alberto Vieira, presidente do conselho de administração do Safra.
A publicação do banco neste ano aborda o Museu da República, no Rio, para o qual captou via lei R$ 195 mil.
Segundo Alcântara, "é possível haver desvios no cumprimento da lei" -que está para ser alterada no Congresso- mas, para Diegues, "o controle por parte do MinC está muito mais rígido".
Steegman Mangrané dissocia contundência de exagero por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Steegman Mangrané dissocia contundência de exagero
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de dezembro de 2011.
Banalizando suas formas em suportes simples, o artista vai na contramão do fetichismo das obras de Oiticica
Numa folha de árvore ressecada, o artista espanhol Daniel Steegmann Mangrané entalhou nove círculos. Sobre ela, projeta um facho de luz, que ressalta as formas arredondadas esculpidas.
Trata-se de "Elegancia y Renuncia", primeira obra de Mangrané em sua exposição "Four Walls", em cartaz na galeria Mendes Wood.
Simples, artesanal, sem truques, "Elegancia y Renuncia" dá o tom das 12 obras na mostra, a primeira individual do artista espanhol radicado no Brasil.
A mostra é composta por trabalhos que lidam com a tradição construtiva no país, mas que dela retiram o caráter formal e um tanto perfeccionista em suas relações geometrizantes, para introduzir métodos precários.
Steegman Mangrané revisita, por exemplo, os "Metaesquemas", de Hélio Oiticica, compostos de figuras geométricas que vibram no espaço.
Em sua versão, numa obra sem título, o espanhol isola as figuras geométricas para que sozinhas ou em duplas ocupem dez folhas de caderno e, às vezes, a parede.
Dissolvendo os metaesquemas, banalizando suas formas em suportes simples, o artista vai na contramão do fetichismo que as obras de Oiticica alcançam.
Essa operação segue em projeções sobre imagens de floresta sobrepostas com formatos de losango, como na obra "Kiti Ka'aeté", ou no díptico "Madre", duas pinturas que lembram os "Espaços Modulados", de Lygia Clark, mas se constroem por acúmulo de tinta branca, cujo óleo mancha o próprio suporte.
A fragilidade ganha tônica ainda nos aparatos que dão certa magia à sua obra, como um projetor que cria uma misteriosa imagem branca numa parede, mas que pode ser desvendada. Com delicadeza, Daniel Steegmann Mangrané mostra que contundência não se faz com exagero.
FOUR WALLS - DANIEL STEEGMANN MANGRANÉ
QUANDO de seg. a sáb., das 10h às 19h; até 23/12
ONDE galeria Mendes Wood (r. da Consolação, 3358, São Paulo; tel. 0/xx/11/3081-1735)
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo
30ª Bienal quer relembrar esquecidos por Silas Martí, Folha de S. Paulo
30ª Bienal quer relembrar esquecidos
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de dezembro de 2011.
Mostra terá 120 artistas que ficaram à sombra de nomes mais badalados, metade deles com trabalhos inéditos
Exposição, que começa em setembro do ano que vem, escalou os autores que influenciaram de John Cage a Nan Goldin
Luis Pérez-Oramas sabe que a história é escrita pelos vencedores, mesmo que esses vencedores também não tenham tido muito controle sobre como ela foi escrita.
Foi pensando nisso que o curador da próxima Bienal de São Paulo escalou os artistas da sua 30ª edição, que começa em setembro de 2012.
Não que ele tenha buscado redescobrir nomes esquecidos, mas esse venezuelano radicado em Nova York, onde trabalha no MoMA, partiu das polaridades da própria carreira, que oscila entre centro e periferia, para destrinchar o que chama de "densidade histórica do presente".
Nisso, Pérez-Oramas deixa ver que esta não será uma Bienal de nomes badalados, de obras monumentais nem números hiperbólicos como foi a última edição da mostra.
Terá menos artistas, em torno de 120, com cerca de metade do espaço reservado para obras novas, feitas para a exposição, em vez dos clássicos vistos na edição passada. Também deve ter cerca de 25% de artistas brasileiros.
"Estou fazendo o movimento oposto; a Bienal não pode ser um museu nem uma feira, deve encontrar um caminho do meio", diz o curador, sobre tensões entre mercado e relevância artística. "É minha responsabilidade chamar atenção para um conjunto de obras eloquentes, importantes, que são fundamentais nos dias de hoje."
Tentando reescrever parte da história, Pérez-Oramas então resgata artistas menos conhecidos que influenciaram ou foram influenciados por alguns nomes de peso maior, propondo o que chama de "constelações" de artistas.
Nesse ponto, estabelece um paralelo entre a produção do venezuelano Roberto Obregón com a do americano Félix González-Torres, que não estará na mostra, do chileno Juan Luis Martínez com o belga Marcel Broodthaers e a obra de Maryanne Amacher com a do músico experimental americano John Cage -arte sonora, aliás, terá forte presença na mostra.
MUNDO BORDADO
Bispo do Rosário, conhecido por seus mantos bordados, é a maior estrela de uma dessas constelações.
Nela estão o também brasileiro Fernando Marques Penteado, o marfinense Frédéric Bruly-Bouabré, o colombiano Nicolás París, o alemão Hans-Peter Feldmann, o francês Bernard Frize e a americana Elaine Reichek.
Estendendo a ideia de costura, elemento central da obra desses artistas, para uma reflexão sobre poesia e arquitetura, ou "bordado entre a palavra e o mundo", estarão na Bienal os experimentos arquitetônicos do coletivo Ciudad Abierta, surgido nos anos 60 no Chile.
O resgate histórico de Pérez-Oramas propõe ainda minirretrospectivas, com grande volume de obras de artistas que, na opinião dele, são importantes para entender o momento contemporâneo.
Estão nessa "reserva anacrônica", como diz o curador, artistas como Mark Morrisroe -morto aos 30 em decorrência da Aids-, que foi uma grande influência na obra de Nan Goldin. Outro fotógrafo na mostra é August Sander, um dos maiores retratistas alemães do século 20.
"Não é só olhar os esquecidos", diz Pérez-Oramas. "A ideia é ver como o presente projeta sua sombra sobre o passado e transforma um legado histórico em elemento da contemporaneidade."
Site cria escassez artificial para dar mais valor às obras por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Site cria escassez artificial para dar mais valor às obras
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de dezembro de 2011.
Para se contrapor à reprodutibilidade da era digital, arquivos têm tiragem limitada e controle antipirataria
Obras ficam guardadas em 'cofre virtual', são numeradas, assinadas pelos artistas e podem ser revendidas depois
Enquanto sites que vendem obras de arte on-line proliferam já há alguns anos, o S[edition] tenta inovar com a ideia de trabalhos que não existem de forma física criados para plataformas digitais.
Com preços que vão de US$ 8 a US$ 800 (de R$ 15 a R$ 1.500), cada obra tem edição limitada -de 2.000 a 10 mil exemplares, no máximo.
É uma novidade que vai na contramão da reprodutibilidade infinita de conteúdos que virou realidade na era digital. Usando mecanismos de controle, o site cria uma escassez artificial para valorizar obras, da mesma forma que ocorre no mercado real.
"Quando você compra um trabalho, ele fica armazenado no seu cofre virtual e pode ser acessado do seu telefone, tablet ou computador", explica Robert Norton, um dos fundadores do site. "Você também recebe um certificado de autenticidade e a obra é monitorada para que não seja copiada on-line."
Numa tentativa de garantir a segurança, os arquivos também vêm com uma marca d'água digital que permite que sejam rastreados.
Isso tudo porque, como esperam os organizadores do site, os múltiplos vão valorizar ao longo dos anos e poderão ser revendidos à medida que se tornarem raridades.
Nesse ponto, o site está longe de ser um "iTunes da arte", como já descreveu Norton. Mas, assim como a loja da Apple, recém-chegada ao país, o fundador do S[edition] vem a São Paulo nesta semana atrás de artistas brasileiros para engrossar seu time.
Também atenta à indústria das artes, que movimenta US$ 60 bilhões por ano, a Samsung, fabricante de tablets, está desenvolvendo telas especiais de cristal líquido que são capazes de reproduzir cores e pinceladas com exatidão.
"É cedo ainda para saber o impacto disso", diz Norton. "Mas com telas cada vez mais poderosas, as pessoas vão enxergar que cabe arte ali."
IMAGENS COMO DOENÇA
Querendo ou não, o S[edition] arrisca abrir as portas da distribuição infinita para obras de arte, que vão ser cada vez mais virtuais num mundo que pode vir a se satisfazer com a imagem da coisa e não a coisa em si.
Kenneth Goldsmith, fundador do UbuWeb, espécie de YouTube cult que exibe vídeos clássicos de artistas, vê nesse movimento um passo para que a arte deixe de ser "um antiquário pautado só pela ideia de objetos únicos".
"Há um imediatismo na internet. As pessoas gostam de imagens, que se propagam mais rápido do que uma doença", diz Sue Webster, outra artista com obras no S[edition]. "E se no lugar de uma praga, espalhássemos só imagens?"
Na internet, site ensina a investir por meio de incentivos fiscais por Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo
Na internet, site ensina a investir por meio de incentivos fiscais
Matéria de Anna Virginia Balloussier originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de dezembro de 2011.
Cultivo.cc pretende atrair dinheiro para pequenos projetos
Conseguir aprovar seu primeiro projeto na Lei Rouanet não é o que tira o sono da produtora Camila Boer, 34.
Dureza mesmo, ela aposta, será a etapa seguinte: encontrar um patrocinador que banque os R$ 3 milhões estimados para "Que Samba É Esse?", projeto que inclui série de shows e documentário sobre o samba-rock do cantor Jorge Ben e companhia.
Muito produtor já gastou sola de sapato na mesma via-crúcis pela qual Boer passa.
Para contornar esse caminho, uma nova plataforma na internet quer fazer o meio de campo entre projetos com dificuldades para captar recursos e potenciais investidores.
O diferencial do Cultivo.cc (www.cultivo.cc) é aliar a lógica do "crowdfunding" a leis de incentivo fiscal do Brasil.
"Crowdfunding" quer dizer financiamento da multidão -uma espécie de "vaquinha" do século 21. Com a ajuda de redes sociais, como Twitter e Facebook, levanta-se pequenas quantias até que se chegue à bolada necessária para realizar um projeto.
A prática funcionou até catapultar a campanha de Barack Obama.
ENTRAVES DA ROUANET
O portal trabalhará com três leis federais de isenção fiscal: Rouanet, Audiovisual e Esporte. Será uma vitrine de projetos para possíveis mecenas, investindo em processo ativo de captação de recursos.
Há várias formas de financiar uma proposta e debitar esse valor no Imposto de Renda. Via Rouanet, apoiar shows de MPB, por exemplo, rende descontos parciais no imposto. Outros setores, como artes plásticas, dão 100% de isenção ao investidor.
Isso tudo dentro de um limite do quanto se pode aplicar do IR: 4% para pessoas jurídicas e 6% para as físicas.
O problema é que, hoje, burocracia, "juridiquês" e desconhecimento sobre a lei funcionam como espantalhos para o investidor, diz o designer Gustavo Junqueira, 27, um dos quatro sócios do Cultivo.
Em outras palavras: fora grandes empresas, há muito "peixe pequeno" por fora da lei. Vai pelo ralo a chance de que "as pessoas possam ver o que está sendo feito com o dinheiro do imposto".
Em 2010, o Ministério da Cultura deu sinal verde para que projetos captassem cerca de R$ 5 bilhões pela Rouanet, mas só se angariou 30% desse valor, segundo os dados mais recentes da pasta.
Para o colunista da Folha Ronaldo Lemos, o problema é "conjugar a boa ideia com a realidade burocrática da Rouanet". Ele lembra propostas similares que não avançaram, como perguntar no formulário de declaração do IR: "Quer contribuir para projetos culturais? Marque um X aqui".
A vantagem do Cultivo.cc "seria aproveitar a internet para isso, sem necessidade da cooperação da Receita", diz Lemos.
Doações de Natal reduzem Imposto de Renda por Toni Sciarretta, Folha de S. Paulo
Doações de Natal reduzem Imposto de Renda
Matéria de Toni Sciarretta originalmente publicada no caderno Mercado do jornal Folha de S. Paulo em 12 de dezembro de 2011.
Contribuições aos fundos da criança, de incentivo ao esporte e Lei Rouanet podem abater até 6% do IR devido
Brasileiro só aproveita 1,5% do que poderia destinar do Imposto de Renda que tem a pagar para fazer doações
As semanas que antecedem o Natal acendem a solidariedade do brasileiro, traduzida na organização de sacolinhas, cestas e doações aos necessitados. Mas as entidades filantrópicas precisam de dinheiro o ano todo.
A boa notícia é que boa parte das entidades, sobretudo as de maior impacto social, podem receber doações por meio de programas de incentivo que permitem canalizar parte do Imposto de Renda devido. Ou seja, a pessoa faz a boa ação com o dinheiro que iria para a Receita.
Mas isso só vale para quem faz a declaração do IR pelo modelo completo. Assim, as doações podem tanto aumentar a restituição como reduzir o saldo ainda a pagar.
Além de contar com poucos incentivos tributários às doações, o brasileiro aproveita mal as poucas possibilidades de abatimento do imposto. Segundo a Receita, o brasileiro só aproveita 1,5% do valor do IR devido.
Entre as possibilidades de "doar imposto" estão o Fumcad (fundo municipal da criança e do adolescente), as leis de Incentivo ao Esporte, Rouanet e do Audiovisual, todas limitadas ao máximo de 6% do IR devido.
Para reduzir o IR devido nas declarações de 2012, as doações devem ser feitas até o final do mês e só valem para projetos "carimbados"
-no caso do Fumcad, pelo conselho da cidade; no dos projetos culturais e esportivos, pelos ministérios.
Nos Estados, é possível doar parte do ICMS. Em São Paulo, 3.883 instituições recebem doação da Nota Fiscal Paulista, que já endereçou R$ 83 milhões para entidades assistenciais. São notas para as quais o contribuinte não deixou número do CPF (o governo destina os recursos às instituições credenciadas) ou preferiu colocar o CNPJ da instituição de seu agrado.
No caso da NFP, o contribuinte pode também mandar creditar sua restituição na conta da entidade.
"Estamos vendo aumentar cada vez mais as doações. O contribuinte sabe que o dinheiro vai chegar até o projeto", diz Valdir Saviolli, coordenador da Nota Paulista.
O Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), um dos campeões de arrecadação, aposta nas doações para triplicar a capacidade do Instituto de Oncologia Pediátrica, na vila Mariana (zona sul de São Paulo). Com gasto de R$ 60 milhões/ano, o Graacc depende de doações de R$ 30 milhões para fechar as contas.
"Na filantropia, é importante a pessoa ver o dinheiro doado trabalhando", disse José Helio Contador Filho, diretor financeiro do Graacc.
A lei do mais caro por Mônica Bergamo e Marcus Preto, Folha de S. Paulo
A lei do mais caro
Matéria de Mônica Bergamo e Marcus Preto originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de dezembro de 2011.
Rouanet inflaciona mercado; sem incentivo, preços vão às alturas
O fracasso da turnê de 80 anos de João Gilberto reforça a tese: nem um dos maiores artistas brasileiros sobrevive hoje sem recursos públicos das leis de incentivo à cultura.
Anunciada há seis meses e cancelada na semana passada, a série de shows não fazia uso da Lei Rouanet para captar recursos (ela permite que patrocinadores abatam do imposto parte do dinheiro investido em cultura).
Os produtores afirmaram que tentaram convencer mais de cem empresas a investir na turnê. Em vão. Decidiram retirar da bilheteria todo o dinheiro para cobrir os custos. E também seus lucros.
O preço dos ingressos foi às alturas -de R$ 500 a R$ 1.400. Resultado: boa parte encalhou. Shows foram adiados -a assessoria afirmou que o cantor estava gripado.
Na última hora, os Correios toparam investir R$ 300 mil nas apresentações do Rio e de SP. Pouco. E tarde demais.
Segundo artistas e produtores, hoje não é mais possível sobreviver sem incentivo.
"Se não uso a Rouanet, não consigo patrocínio. De cada dez empresas, sete perguntam de cara: tem lei de incentivo?", fala Flora Gil, empresária e mulher de Gilberto Gil. "Posso fazer show sem patrocínio? Posso. Mas o preço dos ingressos vai subir."
Sem patrocínio é inviável, diz Flora Gil
Matéria de Mônica Bergamo e Marcus Preto originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de dezembro de 2011.
Chico Buarque é um dos poucos artistas que não usam incentivo; empresas 'editam' arte, diz a atriz Fernanda Torres
Com prestadores de serviço cobrando mais por causa da Rouanet, eventos não se pagam mais pela bilheteria
Flora Gil diz que, para o artista, seria mais confortável se o mercado funcionasse sem o dinheiro das empresas.
"O artista teria que se alinhar apenas com ele mesmo -não com uma marca. Não precisaria ir a reuniões e mais reuniões, nem citar o patrocinador em entrevistas. Mas, sem esse dinheiro, hoje, os projetos são inviáveis."
Chico Buarque é um dos poucos que resistem: ele não usa o dinheiro público da renúncia fiscal. Até há pouco, era até mais radical: não buscava nem mesmo patrocínio de empresas para os shows.
Em 2006, cedeu em parte: sua turnê foi bancada pela TIM -mas sem incentivo. Neste ano, seguradoras financiam suas apresentações.
"Até o fim dos anos 90, com o mercado fonográfico ainda vivendo a exuberância de seus anos dourados, nos contratos dos principais artistas com suas respectivas gravadoras havia uma cláusula denominada 'tour support'", verba que financiava parte da turnê de lançamento dos discos, diz Vinicius França, empresário de Chico.
"Colocava-se uma produção de pé e os shows estreavam com suas contas praticamente zeradas." Com o declínio do mercado fonográfico, a verba deixou de existir.
MAIS CARO
Os custos de produção, por outro lado, subiram, "incluindo profissionais e equipamentos cada vez mais sofisticados", diz França. "Hoje é virtualmente impossível para quem pretende fazer longa turnê de qualidade assumir sozinho esses custos."
Marisa Monte, outro caso raro, também conseguiu "dinheiro bom", do marketing das empresas, sem renúncia, para uma turnê. Em 2006, foi bancada pela Natura, uma das poucas empresas que investem ao menos parte em cultura sem renúncia fiscal.
Neste ano, representantes de Marisa procuraram a empresa. Mas, em 2012, a companhia só investirá em projetos do Natura Musical, mais baratos e incentivados. São R$ 1,5 milhão em seis projetos. A turnê anterior dela foi estimada em R$ 5 milhões.
ESTRATOSFERA
No passado, espetáculos se bancavam com a receita da bilheteria -e o público não tinha que dar as calças em troca da entrada de um show ou teatro, como ocorreu agora no caso de João Gilberto.
Mas as leis de incentivo inundaram o mercado de dinheiro e inflaram os preços da produção cultural.
"Quando sabem que você tem Rouanet, o preço das coisas vai para a estratosfera", diz o ator Juca de Oliveira.
"Os custos sobem pela pressuposição de que seu espetáculo tem apoio, e, portanto, dinheiro. Então [os prestadores de serviço] sobem o preço. Os financiamentos elevaram todos os custos, sobretudo de divulgação."
Juca estava tentando montar, "a sangue frio", ou seja, sem leis de incentivo, um espetáculo baseado num livro de Lya Luft. "Eu ia mendigar a divulgação por aí."
"E, como se não bastasse, o Brasil é imenso. Sem avião não se chega a lugar nenhum. Calcule o custo de uma peça com apenas dois atores, equipe de luz, som e produção, junte a alimentação, transporte e o hotel; a bilheteria não cobre de jeito nenhum", diz a atriz e colunista da Folha Fernanda Torres.
SHAKESPEARE
"Antigamente, os artistas faziam uma cooperativa e ganhavam um percentual da bilheteria. E aí se fazia permuta de madeira, de roupa, a produção era extremamente barata. Ou pelo menos palatável", diz Juca de Oliveira.
"Vamos ter que voltar a discutir o tema. Não faz sentido que apenas pessoas que têm patrocínio possam fazer teatro. Fica tudo desesperadamente pobre."
Ele diz que hoje os produtores captam recursos pela Lei Rouanet -e tiram o espetáculo de cartaz quando esse dinheiro acaba, mesmo que esteja fazendo sucesso.
"Antigamente, se a peça lotava, ficava anos no teatro", diz o ator, que ficou seis anos em cartaz com o espetáculo "Meno Male", quatro com "Caixa Dois" e cinco com "Hotel Paradiso."
"Gosto de viver da bilheteria, como Shakespeare, com os dois olhos na máquina registradora. E hoje as pessoas vivem do dinheiro da lei."
Fernanda lembra que empresas acabam "editando" a arte conforme a conveniência do marketing. Cita mostra da americana Nan Goldin, censurada no Oi Futuro (Rio).
"O mundo corporativo não comporta a vida mundana, apaixonada, torta e nada exemplar de Goldin", diz.
"Entregar a cultura nas mãos do marketing ou no retorno da bilheteria não funciona inteiramente, o governo e a sociedade têm de se envolver. A arte, na maior parte do tempo, é uma atividade que opera no vermelho."
FRASES
"[Sem dinheiro das empresas] o artista teria que se alinhar só com ele mesmo -não com uma marca. Não precisaria citar o patrocinador em entrevistas"
FLORA GIL
empresária
"Até o fim dos anos 90, com o mercado ainda exuberante, os shows estreavam com contas zeradas. Hoje é impossível para quem pretende fazer longa turnê de qualidade assumir sozinho os custos"
VINICIUS FRANÇA
empresário de Chico Buarque
"Quando sabem que há Rouanet, o preço vai à estratosfera. Os custos sobem pela pressuposição de que há dinheiro"
JUCA DE OLIVEIRA
ator
"Entregar nas mãos do marketing ou do retorno da bilheteria não funciona, governo e sociedade têm de se envolver. A arte opera quase sempre no vermelho"
FERNANDA TORRES
atriz
janeiro 17, 2012
Eu, robô por Nina Gazire, Istoé
Eu, robô
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 6 de janeiro de 2012.
SERGIO ROMAGNOLO - A Feiticeira e as Máquinas / Casa Triângulo, SP / até 28/1
O artista Sergio Romagnolo está atualmente debruçado sobre a produção de uma obra de ficção literária que está alimentando sua investigação artística – ou vice-versa. “A história é sobre os dois últimos sobreviventes do planeta Terra, que são um androide e uma mulher”, diz Romagnolo, que trabalha no livro desde 2004. Mas, enquanto a obra não é publicada, algumas passagens dessa história podem ser visualizadas na exposição “A Feiticeira e as Máquinas”, em São Paulo. As pinturas que integram a mostra são como um longo storyboard, formado por imagens completamente fora de foco, que aparecem embaralhadas, como fotografias captadas em alta velocidade. São imagens difusas que dialogam com a realidade contemporânea, mediada por máquinas de visão, como a tevê ou o cinema.
Mas é a Marcel Duchamp – que não conheceu a televisão – que Romagnolo atribui a perturbação trêmula de Samantha, o famoso personagem do seriado “A Feiticeira”, dos anos 1960, que aqui é transposta da tela da tevê para as telas do artista. “As minhas máquinas têm relação com Duchamp, artista que trabalhou a pintura com esse olhar maquínico como, por exemplo, em ‘Nu Descendo a Escada’. Ele fez essa pintura de sobreposições a partir de uma máquina fotográfica. É algo próximo da representação real de uma imagem, o olho humano nunca está totalmente parado e apenas temos a impressão de ver as coisas com foco”, explica o artista.
As máquinas não aparecem na obra de Romagnolo apenas por meio dessa referência pictórica. Elas também participam, principalmente, da ficção que o artista paulatinamente constrói nas dez esculturas feitas de plástico e sucata, pedaços de tênis e sandálias Havaianas.
“Só uso materiais que dialogam com essa perspectiva, o plástico, a máquina, etc. O plástico, por exemplo, é uma coisa da minha experiência cotidiana”, afirma Romagnolo que transformou objetos banais em personagens da história.
A estética do mau comportamento por Paula Alzugaray, Istoé
A estética do mau comportamento
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 6 de janeiro de 2012.
Em Nova York, obra completa de Maurizio Cattelan é suspensa em instalação vertiginosa e monumental
Sem fotografias ou desenhos expostos nas paredes, ou esculturas apoiadas sobre o chão, a retrospectiva do artista italiano Maurizio Cattelan no Guggenheim de Nova York é composta por 128 obras que não seguem os parâmetros clássicos de exibição. Desobedecendo a ordens cronológicas e quaisquer padrões expositivos, a instalação “All” (Tudo) compreende o conjunto de obras produzidas por Cattelan desde 1989 em um grande móbile suspenso na rotunda do museu. O formato expositivo – associado por uns à banalidade de um varal de roupas secando e por outros ao trágico cenário de uma execução em massa – é afinal a tradução do que a curadora do Guggenheim, Nancy Spector, classifica como uma “estética do fracasso”.
O erro, a fuga e o fracasso são associados à obra de Cattelan desde sua estreia como artista: em 1989, na ocasião de sua primeira exposição individual em Bolonha, deixou a galeria vazia e colocou na porta o aviso “Volto logo”. O pequeno cartaz está hoje pendurado no pescoço de um cão labrador empalhado, suspenso na rotunda do Guggenheim. Décadas depois da estreia controvertida, a propensão de Cattelan para o mau comportamento viria a se consolidar com “L.O.V.E” (2010), a escultura de um dedo do meio em riste instalada diante do edifício da bolsa de Milão.
No Guggenheim, a cópia da famosa escultura de gesto obsceno divide a atenção do público com outros highlights, como as esculturas de cera “Him” (2001), representando Hitler em pose de súplica, ou “La Nona Ora” (1999), o papa João Paulo II atingido por um meteorito. Entre os objetos voadores em retrospectiva, diversos Picassos com braços abertos, um Kennedy num caixão, um esqueleto gigante de dinossauro e uma miríade de cadáveres em diversos formatos são ícones associados ao poder, à morte e à fé – os três grandes temas que orientam as pesquisas de Cattelan.
Sua organização em uma grande instalação vertiginosa e monumental evoca a sede e a adoração que o público tem pelos grandes acontecimentos históricos e pela monumentalização da cultura.
A julgar pelas filas de dobrar quarteirões, confirma-se aqui que a fama de bad boy e a estética do mau comportamento são parte de uma infalível estratégia de marketing.
E la nave va por Nina Gazire, Istoé
E la nave va
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 13 de janeiro de 2012.
Galeria Leme muda de endereço, mas permanece com o mesmo projeto arquitetônico, assinado por Paulo Mendes da Rocha
Como outras tantas regiões da zona sul paulistana, o bairro do Butatan tem hoje sua paisagem rapidamente modificada pelos efeitos do crescimento da construção civil e da especulação imobiliária – além da bem-vinda chegada de uma nova estação do metrô.
Os carpinteiros e serralheiros, que desde 2004 dividiam a rua Agostinho Cantu com a Galeria Leme, não estão mais ali. A própria galeria não está mais no mesmo local, já que teve seu terreno comprado pela empresa Odebrecht, para a construção de sua nova sede. Desde 4 de janeiro, porém, a Leme está funcionando a apenas duas quadras de distância do endereço antigo. E, o mais surpreendente, com o mesmo projeto arquitetônico de Paulo Mendes da Rocha. “Sou superfiel ao Paulo Mendes. O projeto é dele e não queria perdê-lo.
Então decidimos repetir o projeto, onde o terreno e a localização fossem semelhantes. Fizemos só algumas mudanças”, diz Leme.
A obra teve início em junho de 2011 e em dezembro já estava finalizada. Esses seis meses de reconstrução formam o cenário de “Transição”, uma “exposição em progresso”, com trabalhos de 12 artistas convidados por Leme a acompanhar o processo de transposição de um espaço a outro. Marcelo Cidade, André Komatsu e João Loureiro, artistas representados pela Galeria Vermelho, integraram o projeto como residentes visitantes e fizeram obras a partir dos escombros do antigo edifício. Em “Enchendo o Saco 2”, Cidade criou uma instalação com os restos de cimento e plástico da demolição. Komatsu criou “Inadequação Modular”, escultura comparativa entre os tamanhos dos blocos de cimento da antiga e da nova galeria, feita com um tijolo de concreto encontrado nos escombros.
Já o português João Pedro Vale fez uma leitura poética, sem apropriação de rastros da mudança. Em “The Floaters”, ele pintou o retrato do edifício da Leme sobre placa de cerâmica, em continuidade aos trabalhos realizados durante residência artística na cidade litorânea de P-Town, nos EUA. Ali existia uma comunidade de pescadores chamada Long Point, que se dedicava à extração de sal para a conservação de peixes e entrou em declínio no início do século XIX. A comunidade foi integrada à cidade de P-Town e, uma vez que os custos de madeira e construção eram muito elevados, optou-se por transportar as casas em jangadas. Hoje conhecidas como The Floaters (Flutuantes), essas casas são identificadas por placas como a que Vale fez para a Leme. “O projeto em São Paulo se assemelhava ao processo de deslocamento: a mesma galeria foi transportada para outro lugar”, explica Vale, cujo trabalho é um dos grandes destaques da mostra.
Met Gears Up to Be a Player in Contemporary Art por Carol Vogel, The New York Times
Matéria de Carol Vogel originalmente publicada no jornal The New York Times em 10 de janeiro de 2012.
Sending a signal that it intends to become a serious competitor in the field of contemporary art for the first time in half a century, the Metropolitan Museum of Art has recruited a prominent London curator to oversee a new department devoted to art of the 20th and 21st centuries. She is Sheena Wagstaff, chief curator of Tate Modern since 2001, who has been responsible for programming there and for helping to organize exhibitions devoted to artists like Roy Lichtenstein, Barnett Newman, Jeff Wall and Eva Hesse.
Ms. Wagstaff’s appointment was approved by the Met’s board on Tuesday afternoon. It comes as the institution prepares to take over the Whitney Museum of American Art‘s Marcel Breuer building, at Madison Avenue and 75th Street, in 2015, when the Whitney opens its new museum in the meatpacking district of Manhattan. The Met plans to use this Breuer landmark as an outpost for Modern and contemporary art while it renovates its existing Modern and contemporary art galleries.
The appointment is accompanied by a significant reorganization of the museum’s leadership by the Met’s director, Thomas P. Campbell. It reverses a decision made in 2004 by his predecessor Philippe de Montebello to put Modern and contemporary art into the same department with 19th-century European paintings: that meant French Impressionist and post-Impressionist artists were managed by the same curators who handled contemporary masters like Jasper Johns, Lichtenstein and Ellsworth Kelly. That move was seen as diminishing the museum’s emphasis on contemporary art, which has long been its weakest link.
Except for a brief period in the 1960s when Henry Geldzahler was hired as the Met’s first 20th-century curator, the museum has never been able to compete seriously with giants of contemporary art like the Museum of Modern Art in New York or, more recently, Tate Modern in London.
And not everybody thinks it should; some critics and scholars think it is impossible to identify the greatest work of the present, to have the kind of historical perspective that is crucial to the Met’s judgment of its other collections.
Holland Cotter, a chief art critic for The New York Times, wrote in July: ”What we don’t need from the Met because we get it from so many other sources, is a preponderance of Now. We don’t need, in the Breuer building, four floors of the same sort of contemporary art that we see everywhere else in town, just so the Met can say that it has it, that it’s up to market speed.”
But the Met doesn’t intend to be like everyone else. When Mr. Campbell became director three years ago he vowed to put contemporary art back more prominently on the Met’s map, but in his own way.
First, in May, he finalized plans to operate the Breuer building for at least eight years. Then, last month, the director of the combined 19th-century and contemporary art department, Gary Tinterow, resigned from the Met to become director of the Museum of Fine Arts, Houston, creating the opportunity to hire Ms. Wagstaff and to reorganize. Mr. Campbell said he planned to put 19th-century paintings back into the department of European paintings under the direction of Keith Christiansen, its chairman.
“I’ve been conscious since I became director that a timely recalibration of Modern and contemporary art — not just art of the West, but globally — was something we had to do,” Mr. Campbell said in a telephone interview. “The opportunity to take over the Breuer building is very exciting. It gives us space to show Modern and contemporary art in the context of our encyclopedic collections.”
Mr. Campbell said that well before Mr. Tinterow’s resignation he had been discussing with him the possibility of dividing the departments. While there were many good candidates to run the new department, he said Ms. Wagstaff, who is 55, “was the most outstanding.”
“Sheena has scholarly, curatorial, programming and administrative experience,” Mr. Campbell said. “We need somebody who can reach out to the community with authority and who is well known to colleagues here and abroad.”
Ms. Wagstaff also has experience working with architects, as she did with Herzog & de Meuron as they developed their vision for an expanded Tate Modern. Perhaps even more important, she comes with deep knowledge of the Whitney, having done postgraduate curatorial studies there in its Independent Study Program in the early 1980s.
In a telephone interview Ms. Wagstaff echoed Mr. Campbell’s mission to present new art in a bigger way. “The global context is increasingly important to all of us as we live in an increasingly complex world,” she said. “And contemporary art is a great enabler to make sense of that world.”
While Ms. Wagstaff declined to say what specific ideas she has for the Met in her new job, she did say that she hoped the museum would be “in the vanguard of reinventing a new understanding of what art means, having a dialogue with the past and the present, the most vital conversation we can have today.”
Mr. Campbell said Ms. Wagstaff’s appointment was just the beginning of an effort to build a heftier curatorial staff with all kinds of expertise in contemporary art. “This won’t be the only hire,” he said. “If we build up the right team, we will have the potential to grow our collections thoroughly and embrace European and non-Western art.”
Mr. Campbell also explained that he would fortify the Met’s curatorial staff working with its renowned collection of Impressionists and post-Impressionists after the departure of Mr. Tinterow, a leading scholar in the field. “We want to sustain energy in that area, too,” he said.
Ms. Wagstaff is the fourth curator that Mr. Campbell has hired away from a major London museum. Two years ago he brought in Sheila R. Canby from the British Museum to run the Met’s Islamic art department. In July 2010 he hired Xavier F. Salomon, the former chief curator of the Dulwich Picture Gallery in London, to be a curator in the department of European paintings, and this summer he announced that Luke Syson, curator of Italian paintings before 1500 and head of research at the National Gallery in London, would become the Met’s curator in charge of European sculpture and decorative art; he replaces Ian Wardropper, who became director of the Frick Collection in October.
When asked about his penchant for London-based curators, Mr. Campbell, who is British but has lived and worked in New York for 17 years, said: “Sheila Canby is American, and Xavier Salomon is Italian. Since I became director, there have been people retiring and others moving on. I’ve made 12 executive department head appointments and many of them from American museums.”
Asked why he chose Ms. Wagstaff over the scores of talented American curators to choose from, Mr. Campbell said: “Sheena is knowledgeable and well respected in the community. There was chemistry.”
janeiro 16, 2012
Pinacoteca rearranja acervo e recria narrativas artísticas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Pinacoteca rearranja acervo e recria narrativas artísticas
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 14 de janeiro de 2012.
Museu monta quatro salas para mostras temporárias com obras da coleção
A fase ascendente que a Pinacoteca do Estado de São Paulo atravessa e que a vem consolidando como o museu mais importante do Brasil chega agora a um patamar inédito com a nova disposição de seu acervo.
"Arte no Brasil - Uma História na Pinacoteca de São Paulo", título da organização atual das obras, não só rearranja os trabalhos no segundo andar do edifício como também faz com que o acervo -que tem agora 550 peças em exibição, em vez de 810- crie novas narrativas.
A primeira delas é a introdução de obras contemporâneas ao longo da mostra, que traça um percurso que se extende desde o século 17, com o barroco e obras de artistas viajantes, até o modernismo, na década de 1930.
Nesse percurso, pode-se ver, numa sala dedicada aos artistas estrangeiros, uma tela do holandês Frans Post (1612-80) perto da escultura "Nuvens" (1967), da brasileira Carmela Gross; o diálogo aponta para uma reflexão sobre o céu do Brasil.
Outro expediente que ajudou a gerar novas narrativas no acervo, também quebrando sua ordem cronológica, foi a criação de quatro salas para exposições temporárias que propõem recortes temáticos sobre a coleção.
Uma das mostras, "Viajantes Contemporâneos", com curadoria de Ivo Mesquita, mostra como há uma vertente na produção atual que faz o caminho inverso daquele seguido por artistas itinerantes no século 17.
Agora, são os brasileiros que estão interessados em outras culturas, como os fotógrafos Mauro Restiffe -que retrata motoboys japoneses em Tóquio- e Vicente de Mello -com imagens um tanto saudosistas de locais distantes como Veneza, Machu Picchu ou Lisboa.
VISCONTI
Outra dessas exposições temporárias é dedicada apenas a autorretratos de Eliseu Visconti (1866-1944), italiano que se radicou no Brasil. O artista ganha uma retrospectiva com 230 trabalhos.
A trama que o novo arranjo da coleção inventa torna o museu mais dinâmico e reforça um preceito importante: o de que não se deve apresentar arte de forma rígida.
Ainda com Eliseu Visconti, coloca-se em xeque o senso comum de que a modernidade só chegaria ao Brasil após a Semana de 22, já que o artista realizou grande parte de suas obras, nada acadêmicas, bem antes do marco paulistano organizado no Theatro Municipal.
Outro achado que vale destacar é a introdução da radical obra anticlerical do argentino León Ferrari numa sala dedicada aos gêneros da pintura.
A disposição inovadora do acervo da Pinacoteca confirma que é do acervo que de fato se irradia a importância de um museu.
ARTE NO BRASIL - UMA HISTÓRIA NA PINACOTECA DE SÃO PAULO
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 17h30
ONDE Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/3324-1000)
QUANTO R$ 6 (grátis aos sábados)
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo
Sobre o tempo e a distância por Júlia Lopes, O Povo
Sobre o tempo e a distância
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 12 de janeiro de 2012.
Duas exposições de arte contemporânea abrem hoje no Centro Cultural Banco do Nordeste. Uma tendo como tema o tempo e o território; a outra, a distância
Amarras feitas de tempo e espaço. Amarras de vento, quase: em uma das exposições que abre hoje no Centro Cultural Banco do Nordeste, às 19 horas, essas palavras amplas serviram como linha guia para a curadora Cecília Bedê montar Não mais impossível, mostra que reúne trabalhos dos artistas Fábio Tremonte e Lais Myrrha, ambos residentes em São Paulo - assim como Cecília, cearense radicada em terras paulistanas.
Fotografias e vídeos compõe a exposição que procura lidar ainda com outras palavras-chave, como território e memória – variações de outros contornos. No texto de curadora, Cecília fala de trabalhos que “agem como espécies de utopias efetivamente realizadas que acabam por deixar aberto, o espaço para a entrada do outro”. Em conversa com O POVO, ela detalhou um pouco mais esses conceitos.
“É meio contraditório mesmo: a ação é realizada mas não se efetiva”, falou. “Na verdade, tem muito a ver com os vídeos, mas não só, é sobre ocupação de um espaço subjetivo, porque não tem definição, referência, é como se fosse essa a ação impossível”.
Fábio, que cursa, atualmente, mestrado em artes visuais na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), trouxe uma série de oito fotografias de faixas de pedestres que remete a uma experiência própria e um desejo de tratar com a memória. “Eu tenho a prática de caminhar, em São Paulo. Ando muito, às vezes pego metrô, ônibus, mas prefiro caminhar. E a faixa funciona como um obstáculo”, colocou ele, na tarde da última terça-feira.
Ele explica: “Ela (faixa), por vezes, está apagada, os motoristas param em cima...”. Em outro vídeo, Fábio, dessa vez, explicita a caminhada: em Red Flag, para a esquerda, sempre, ele sustenta uma grande bandeira vermelha no ombro. “Antes de ser a cor de um partido, o vermelho sempre esteve nas manifestações de rua. Ao mesmo tempo, os empreendimentos imobiliários, em São Paulo, algum tempo atrás, também colocavam moças balançando bandeiras vermelhas”, detalha.
“Enquanto todos os trabalhos remetem a um espaço com memória, eles te deixam livre disso, de uma data, por exemplo”, acrescenta Cecília. Fábio apresenta ainda Prumo e Metro Quadrado. Já Laís, que não veio a Fortaleza por motivos pessoais, apresenta três obras. Uma série de fotografias, Biblioteca para Dibutade, com imagens das paredes de uma biblioteca e suas marcas do tempo. E os vídeos Coluna Infinita e Compensação dos erros.
Em outro espaço do CCBNB, uma segunda exposição é aberta: Entre ficar e ir embora. Com curadoria de Waléria Américo, a mostra traz desenhos, gravuras, instalações, fotografias e vídeos dos artistas Cris Soares e Emanuel Oliveira. A proposta de Waléria é ligar os artistas e os trabalhos pelo sentimento de construção e distanciamento.
O tema da distância esteve imbricado desde o início dos trabalhos: enquanto a dupla mora aqui, Waléria reside em Portugal.
Nelson Leirner quer guinada aos 80 anos, O Globo
Nelson Leirner quer guinada aos 80 anos
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 16 de janeiro de 2012.
O ‘enfant terrible’ da arte brasileira faz aniversário e conta que procura uma ‘quebra’ para a linearidade
RIO - Nelson Leirner faz 80 anos hoje, mas garante que não se sente mais velho — ao menos na arte. Dono de uma obra linear, de crítica à sociedade de consumo e à própria definição da arte, ele ainda diz ser "curioso" o fato de se sentir igual no trabalho, embora "envelhecido socialmente".
— Eu me sinto mais velho, sim, na vida cotidiana, nas minhas possibilidades de praticar esportes, na mobilidade, em querer sair, ver gente. Nisso, me sinto hoje muito mais idoso e cansado. Agora, na arte, não houve mudança nenhuma com o tempo. O que também não sei se é bom — diz, incomodado.
Leirner, que ganhará exposição no Rio e livro sobre seus mais recentes trabalhos, em setembro, não se sente confortável com a linearidade e diz precisar de "uma guinada". Nada anormal para o "enfant terrible" da arte brasileira, que, em 1967, enviou um porco empalhado ao Salão de Arte Moderna de Brasília e questionou publicamente o júri sobre o que o levou a aceitar sua obra na mostra.
— Mas o que eu vou fazer? Não sei como guinar. Penso no (artista americano) Frank Stella. De repente, eu o tenho como meu modelo de pensamento: sempre construtivista, geométrico, e, um dia, ele começa a fazer baleias! Do geométrico, pulou para baleias, nos anos 1960. Conseguiu esse rompimento. Artista é muito linear. É difícil ver alguém que consegue guinar. Penso: qual seria a minha quebra?
A última ideia de quebra foi inspirada em David Hockney, que pinta seus próprios cães. Leirner, dono do cãozinho Dog, gostou do tema e quis tentar algo novo. Pouco depois, recorria à apropriação, que usa desde o início da carreira: buscou brinquedos em forma de cães em pet shops e criou a série "Hot dogs" ("Ou seja, novamente, fiz um trabalho identificado como meu").
O artista paulista que escolheu o Rio para viver nos anos 1990 já se "apropriou" de miniaturas de Mickey Mouse, de imagens do candomblé e de super-heróis para criar procissões ou reuni-los de forma a questionar o consumo e a arte. Em 1966, com Wesley Duke Lee e Geraldo de Barros, fundou o grupo Rex, que também questionava — com o humor que acompanha as obras de Leirner — o sistema da arte.
— Tenho um problema: venho de uma geração que realmente não tem a mesma cabeça dessa geração de hoje.
Na de hoje, que, para ele, é formada pelas pessoas nascidas a partir dos anos 1970, "a única preocupação da arte é a comercialização". Mas o fato, afirma, não o entristece. Leirner vê o negócio da arte como uma forma de defesa da sociedade.
— Como se aprende a se defender? Consumindo. Você desmistifica a arte, acabou. Isso é até bom, faz com que o jovem se desprenda de querer agradar. Ele pode fazer o que quer e tudo vai ser consumido. Isso não é bom? Você não precisa mais ficar preocupado em fazer algo que não vai vender. Isso é ótimo.
Leirner afirma ainda que, "com toda essa comercialização, vivemos um momento em que a arte está mais desprendida, mais solta e mais leve", mas sempre vai haver "aquele que faz arte para colocar na parede, para vender". Ele próprio diz ser desligado das negociações de seus trabalhos, mas reconhece:
— O artista é um investimento; as galerias sabem mais de mim do que eu mesmo.
Leirner não deixa de produzir e, mesmo sem foco definido, volta ao "depósito" (é assim que chama o ateliê que mantém no mesmo prédio em que vive, no Jardim Botânico) com frequência para organizar objetos coletados ao longo de anos pela Saara, no Centro do Rio, pela Rua 25 de Março, em São Paulo, e por mercados populares do mundo. O colecionismo não é hobby — daí o fato de ele repetir ultimamente que precisa de um hobby.
— Quero parar de trabalhar na arte, estou cansado. Quero fazer outra coisa, mas não vou ficar jogando dama como aposentado — diz, rindo. — Essa vida de lazer não combina comigo.
Nos últimos meses, investe em aulas de informática. Anda fascinado com seu computador ("Tem um brilho, um colorido maravilhoso"). A grande questão aos 80, porém, segue sendo a guinada:
— Fico me perguntando: como eu posso ser um louco sem ir para o hospício?