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agosto 5, 2011
Artista francês que fez intervenções em 20 cidades ocupa São Paulo por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Artista francês que fez intervenções em 20 cidades ocupa São Paulo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 5 de agosto em 2011.
Na noite de ontem, um avião cruzou os céus de São Paulo levando embora um artista francês que, em 20 dias de visita à capital paulista, deixou um rastro de 50 "invasores do espaço" espalhados pelas ruas da cidade.
O que ele chama de "invasão" é um processo pelo qual já passaram cidades como Londres, Nova York, Tóquio, Melbourne e até Katmandu, no Nepal. São Paulo é a 21ª a ser tomada pelo artista.
O projeto faz parte da exposição "De Dentro e de Fora", que reúne no Masp oito dos mais importantes nomes da chamada "street art" internacional.
O processo é sempre o mesmo. Sob o codinome Invader e com uma coleção de azulejos na mala, ele estuda o mapa da cidade, compra cimento na loja de construção mais próxima e espera a noite chegar para cobrir muros e viadutos com mosaicos em forma de "space invaders", personagens do videogame homônimo do final dos anos 70.
"É a minha missão poética", disse à Folha o artista, que não revela o nome real.
Sua obra nasceu na ilegalidade, como a de muitos grafiteiros e artistas de rua. Há menos de dez anos, era caso de polícia. Hoje, ocupa museus e galerias mundo afora.
"Antes, preservava minha identidade porque o que eu fazia era proibido. Perdi a conta de quantas vezes fui preso", lembra.
"Quando minha obra foi reconhecida como arte, mantive o anonimato. Isso acabou se tornando parte do projeto. Até porque sou um cara meio antissocial mesmo; se não fosse, não teria criado tantos invasores por aí", explica ele, que não se deixa fotografar ou filmar sem que esteja mascarado.
VIDEOGAME URBANO
A maior de suas intervenções ocorreu em sua Paris natal, cujas ruas hoje abrigam nada menos que mil invasores, todos diferentes entre si.
"Quero surpreender as pessoas e criar alternativas às placas de trânsito e à publicidade. É como um videogame urbano", diz. "Nas ruas, a arte pode chegar a todos, do presidente ao morador de rua. Num museu, não atinge 10% da população local."
Segundo Invader, cada mosaico é uma obra de arte única. "Mas a obra mais interessante é a rede formada pelos invasores do mundo todo em conjunto, como uma escultura sobre o planeta."
Para Baixo Ribeiro, curador da mostra no Masp, Invader criou uma linguagem muito própria, que ampliou o repertório da arte urbana, muitas vezes restrito a grafite e adesivos ("stickers"). "É algo sofisticado e divertido."
VERSÃO VINTAGE
Sobre uma mesa improvisada na montagem da mostra no Masp, Invader abre um mapa surrado em que registrou cada ponto "invadido" em São Paulo. Alguns foram eleitos por sua visibilidade. Outros, ao contrário, por serem confidenciosos.
Num caderno de bolso, ele anota endereço e número de azulejos utilizados. Depois, sob a luz do dia, fotografa cada "invasor" como uma sentinela da cidade.
As informações são armazenadas numa base de dados e transformadas em mapa, que é impresso e distribuído. "Sou totalmente obcecado pelo meu trabalho", diz.
E frisa que São Paulo é a primeira cidade da América do Sul "invadida". Aqui, ele descobriu uma nova matéria-prima: cerâmicas vintage de cemitérios de azulejos.
"Fiquei fascinado e resolvi trabalhar com azulejos estampados pela primeira vez", diz. "É algo brasileiro, que já esteve na casa de alguém e pode ser reutilizado agora para fazer arte."
Mostra reúne grandes nomes da 'street art'
"De Dentro e de Fora" é a segunda mostra de arte urbana a ocupar o Masp, fazendo dele um espelho da cidade.
A exposição reúne oito dos principais nomes da chamada "street art" no mundo: os franceses Invader, JR e Remed, os argentinos Chu, Defi e Tec, o tcheco Point e a norte-americana Swoon.
"Street art" ou arte urbana designa a produção de artistas que fazem das ruas das grandes cidades, de seus muros e equipamentos públicos, o suporte para suas obras.
Os artistas foram convidados a criar não só nas paredes do mezanino do Masp mas também fora dali, na paisagem urbana.
"Queríamos desafiá-los a lidar com a cidade e se integrar a ela", explica o curador Baixo Ribeiro. "É algo experimental, que cria novos campos para a arte."
Em 2009, o Masp reuniu artistas de rua brasileiros na exposição "De Dentro para Fora/De Fora para Dentro", que teve 140 mil visitantes.
Mais cedo, no mesmo ano, tal sucesso não se imaginava. Em janeiro, o comitê de curadoria do museu recusou uma exposição de OsGêmeos, dupla brasileira de renome internacional. "Essa arte urbana era considerada menor", diz Teixeira Coelho, curador do Masp. "Mas isso mudou."
agosto 2, 2011
Museu Afro Brasil vive crise na direção por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Museu Afro Brasil vive crise na direção
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 2 de agosto de 2011.
Instituição ligada ao governo paulista demitiu diretor-executivo e perdeu cinco conselheiros no mês passado
Diretor-geral, Emanoel Araujo, chama episódio de 'desentendimento' e secretário da Cultura diz que é 'contornável'
Uma crise se instalou na direção do Museu Afro Brasil. Depois que foi demitido o diretor-executivo, Luiz Henrique Neves, a presidente do conselho, Lígia Ferreira, e outros quatro membros do grupo abandonaram seus cargos.
Saíram do conselho em julho, além da presidente, Maria Cristina de Oliveira Bruno, Vagner Gonçalves da Silva, Renato de Almeida Vieira e Silva e Lourivaldo Ribeiro.
Dirigido e idealizado pelo artista Emanoel Araujo, o museu, que é subordinado à Secretaria de Estado da Cultura desde 2009 --quando chegou a ficar uma semana fechado por falta de verba--, agora enfrenta um apagão na gestão.
Neves diz ter sido demitido "sem razão", mas alega que já queria sair. Foi ele quem coordenou a conversão do museu para o modelo de organização social hoje vigente no Estado, que se aproxima mais do setor privado, mas com verbas estatais.
No caso do Museu Afro Brasil, o orçamento anual, repassado pelo governo, gira em torno de R$ 8,5 milhões. Embora todos os conselheiros tenham afirmado em suas cartas de demissão que deixam o posto por motivos pessoais, a dificuldade em trabalhar com Emanoel Araujo é citada por quase todas as fontes ouvidas pela Folha.
"Ele é uma pessoa difícil de lidar, tem sua genialidade, mas é uma pessoa muito complicada", diz Neves. "Foi se desgastando, meu relacionamento com ele, então resolvi por bem terminar isso."
Araujo afirmou à Folha que a demissão de Neves visava tornar "mais eficiente" a gestão do museu, além de cortar gastos. Também disse que o ex-diretor não se ocupava de planos institucionais nem foi capaz de entregar o que o conselho cobrava dele. "Houve um certo estresse, mas é natural que haja entendimentos e desentendimentos", diz Araujo, que não pretende contratar outro profissional para substituir Neves. "Não houve nada grave."
Quanto à substituição dos conselheiros e do presidente do grupo, nenhuma decisão foi tomada, mas a Secretaria de Estado da Cultura vem acompanhando o caso.
"Foi um desentendimento, mas nada que não seja contornável e superável", disse Andrea Matarazzo, secretário paulista da Cultura. "Estamos empenhados para que eles recomponham o conselho."
Números também são monitorados pelo governo. De acordo com os dados, o Museu Afro Brasil só superou sua meta de público no ano passado, mas teve desempenho mais tímido em 2009 e neste primeiro semestre.
Voltado a exposições de cultura e artes visuais afro-brasileiras, o museu tem um acervo de mais de 4.000 obras, 2.000 delas doadas pelo próprio Emanoel Araujo para compor a coleção.
agosto 1, 2011
Carta dos Trabalhadores da Funarte SP
Carta dos Trabalhadores da Funarte SP
Os funcionários da Funarte SP vêm a público manifestar sua perplexidade com relação à Moção de Apoio divulgada em 27 de julho pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no estado de São Paulo (Sindsef-SP).
Não é verdadeira a informação de que os servidores da Funarte concordam com o movimento de ocupação da sede da entidade, deflagrado na segunda-feira. Eles sequer foram consultados pelo Sindsef a este respeito.
Nós, trabalhadores da Funarte SP, somos sim solidários às reivindicações feitas pelos manifestantes. Mas termina aí toda a nossa simpatia e adesão ao movimento.
A ocupação da Funarte representa, para nós, a destruição de um trabalho duro: o de transformar velhos galpões, que estiveram entregues por quase duas décadas ao mais completo abandono, no que é hoje o Complexo Cultural Funarte São Paulo.
Temos orgulho de ter ajudado a erguer e a preencher com boa programação, em uma das regiões mais necessitadas de cultura da cidade, as salas de música, teatro, dança e artes visuais do Complexo. Talvez nem todos saibam, mas muitos de nós chegamos à Funarte por meio do primeiro concurso público da história do Ministério da Cultura, em 2006, exatamente com a missão de fazer existir uma Funarte em São Paulo.
É do nosso trabalho cotidiano que nascem oportunidades, cada vez maiores, de acesso à cultura e ao lazer para a população do bairro. Sentimos orgulho disso também.
Na última segunda-feira, 25 de julho, vimos pela primeira vez os portões da Funarte serem trancados, com correntes e cadeado. Nós, funcionários, e todo o público da Funarte, fomos expulsos, às vezes sob ameaça.
Esta semana, não houve espetáculo. E talvez não haja nenhum outro nas próximas semanas. Porque não nos deixam trabalhar.
Pedimos desculpas a todos. E prometemos seguir lutando.
Atenciosamente,
Funcionários em exercício da Funarte São Paulo
Artistas reinventam formato clássico dos livros em mostra por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artistas reinventam formato clássico dos livros em mostra
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 30 de julho de 2011.
Exposição no Museu Lasar Segall destaca volumes conceituais
Livro é um conceito elástico na visão de alguns artistas. Vai além de páginas encadernadas entre duas capas para abraçar cidades inteiras, mundos ou mesmo oceanos.
Na mostra que abre hoje no Museu Lasar Segall, a forma clássica do livro é interrogada, distorcida e ampliada. Em certos casos, parte da subversão de seu conteúdo. Noutros, é a reavaliação de sua estrutura física, ou seja, questiona as margens, lombadas, folhas de rosto e afins.
Jorge Macchi cria rotas por Buenos Aires usando como base um guia da cidade. Mas ele não segue um roteiro fixo, prefere quebrar um vidro sobre a página e se guiar pelas linhas que aparecem ao acaso, marcas dos estilhaços.
Esse mesmo artista também desfaz um caderno de partituras. Na sucessão de páginas, as linhas das notas musicais vão subindo e se acumulam no topo da última folha, como se embaralhassem uma canção possível.
Lúcia Mindlin Loeb arrasta o andar da narrativa criando um volume só de guardas dos livros que encontrou na coleção de seu avô, o bibliófilo José Mindlin. "É uma história que não sai desse começo", observa a curadora da mostra, Ana Luiza Fonseca.
Na mesma pegada, Edith Derdyk faz um catálogo de frestas dos livros, fotografias de páginas amontoadas e detalhes da encadernação.
Essa natureza indevassável do livro ressurge nos trabalhos de Marcius Galan, Marilá Dardot e Odires Mlászho.
Enquanto Galan e Mlászho criam invólucros solipsistas, de capas e lombadas que abraçam todas as páginas sem deixar nenhuma à vista, Dardot une dois volumes por páginas alongadas, como uma espécie de ponte entre dois livros impossíveis de ler.
É o que ela chama de "Terceira Margem", alusão ao não lugar inventado por Guimarães Rosa e ao mesmo tempo uma chave de leitura para outros livros de artista que tentam mapear territórios.
Fábio Morais fez uma série em que recorta as próprias pegadas em mapas de oceanos que encontra em atlas geográficos. Recortando guias turísticos, Daniel Escobar faz saltar no texto todos os monumentos enumerados.
Outras obras de Odires Mlászho parecem tomar partido dessa arquitetura, sendo os próprios livros material construtivo para esculturas. Uma enciclopédia vira uma espécie de templo enquanto outra dá forma a uma estante de ondas de papel.