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abril 13, 2011
Lygia Pape total para os europeus por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Lygia Pape total para os europeus
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 13 de abril de 2011.
Grande mostra da artista será aberta em maio no Museu Reina Sofia, de Madri
Contemporânea e próxima dos artistas Lygia Clark e Hélio Oiticica e ainda tão experimental quanto esses dois criadores que se tornaram nomes brasileiros de projeção internacional nas últimas décadas, Lygia Pape (1927- 2004) vai conquistando agora o seu alcance para além do Brasil. O Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia de Madri, Espanha, uma das instituições mais vibrantes da Europa, vai inaugurar no próximo dia 24 de maio uma grande exposição individual de Lygia Pape, reunindo cerca de 250 obras. Com curadoria de Manuel Borja-Villel, diretor do museu desde 2007, e de Teresa Velázquez, a mostra é realizada em parceria com o Projeto Lygia Pape, associação cultural que mantém e divulga a obra da artista desde sua morte e é dirigida pela filha da criadora, a fotógrafa Paula Pape.
Na edição anterior da Bienal de Arte de Veneza, a 53.ª, em 2009, a instalação da Tteia (2004), de Lygia, foi um dos grandes destaques - e naquela edição, a brasileira foi homenageada com menção honrosa. Em Veneza, no Arsenale, o visitante dava de encontro com a beleza da Tteia abrigada em amplo espaço escuro, feita de fios de ouro que saíam de formas quadradas, transformando em poesia o local com feixes de luz de quase imaterialidade. A Bienal ainda apresentava o Livro da Criação (1959) da artista, trabalho de formas geométricas feitas em cartão e acompanhadas de breves escritos, é considerada uma das preciosidades do neoconcretismo brasileiro.
Agora, na mostra de Lygia no Reina Sofia, que ficará em cartaz até 12 de setembro e é considerada a primeira exposição monográfica de peso da brasileira na Europa, será possível ver Lygia Pape total, perpassando sua trajetória desde a década de 1950, quando participou do concretista Grupo Frente no Rio.
Ordem sensível. Estarão reunidos na mostra pinturas, relevos, xilogravuras, registros de suas performances, poemas, colagens, documentos e até sua produção cinematográfica, tanto de criações próprias como Eat Me (1975) e suas colaborações com o Cinema Novo brasileiro, já que desenhou, por exemplo, o cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, e criou a programação visual de A Falecida (1965), de Leon Hirszman.
Entre os destaques da mostra, podem ser citadas as instalações Tteias (criadas a partir de 1977); as Caixa de Baratas e Caixa de Formigas, referindo-se à Nova Objetividade Brasileira (1967); os trabalhos políticos de 1968 como Divisor, O Ovo, Rodas dos Prazeres e Espaços Imantados; e ainda Livro da Criação e Livro da Arquitetura - passagem dos 1959/1960 - e o Livro do Tempo (1961/1965).
Certa vez, o crítico Mário Pedrosa afirmou que a artista e professora Lygia Pape era, dentre os criadores em circulação, a mais fértil. "As ideias não são nela conceitos ou preconceitos, mas antes fragmentações de sensações que conduzem Pape de um espaço a outro evento e deste a um estado em que bruxuleiam cores e espaços que se devoram, entre o interior e o exterior." O Reina Sofia a apresenta como criadora de uma obra em "constante mutação, buscando integrar as eferas ética, estética e política". "Seu abandono da geometria concreta e fundação do neoconcretismo em 1959 é considerado o início da arte contemporânea brasileira. Guiada pela ideia da escritura de um livro impossível, a mostra perpassa as tentativas da artista pela busca de uma linguagem de encontro a uma nova ordem sensível."
abril 12, 2011
Laurie Anderson usa a tecnologia com delicadeza para transmitir sensações no CCBB por Marisa Flórido, o Globo
Laurie Anderson usa a tecnologia com delicadeza para transmitir sensações no CCBB
Matéria de Marisa Flórido originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 11 de abril de 2011.
Deitamos a cabeça em um travesseiro e logo uma voz feminina e inebriante nos sussurra: “Você sabe quando, às vezes, você escuta alguém gritando e entra por um ouvido e sai pelo outro? E às vezes, quando você escuta alguém gritando, o grito penetra no meio da cabeça e fica lá para sempre?” Um dúbio sentimento então nos assalta: por um lado, o amparo de almofadas e palavras, a cadência da voz que nos acalenta em ondas e flutuações, a afirmação prosaica e poética. Por outro, a vertigem e a queda, a afirmação que de tão prosaica ressoa estranha, o estremecimento do sentido: é a dissipação das palavras, o grito que perfura a linguagem, que vaza o feliz desenrolar das histórias e dos sonhos. O grito de alguém que nos atravessa, o grito que teima em permanecer como se fôssemos uma câmara de ecos, repetindo o eterno e lancinante golpe do outro em mim. E não seria esse o corpo — transparente e opaco — da palavra? Ser atravessada para que o outro fale, repetir seu vazio: “Não sou eu quem fala, em meu silêncio, é o outro que fala em mim”. Dar existência ao outro é sua condição de existência?
‘Uma contadora de histórias’
“I in U — Eu em tu” mostra de Laurie Anderson no CCBB com curadoria de Marcello Dantas, reúne trabalhos de 40 anos de produção. “Ainda nos anos 1970 em Nova York, suas obras, espetáculos, performances, livros, filmes, vídeos, instalações e poemas definiram a linguagem que foi seguida durante as últimas quatro décadas por artistas de todo o mundo. Ela é uma artista seminal, que abriu a fronteira de possibilidades para que todo um espectro de expressão fosse aceito”, escreve o curador.
Para esquivar-se das rotulações fáceis, Laurie Anderson se enuncia como “uma contadora de histórias”: “quero contar uma história sobre uma história”. E, para fazê-lo, para que as palavras saiam de sua invisibilidade e ganhem voz, corpo, imagem, som, a artista transitaria pela performance, pela música, pela literatura, pelas artes visuais, pelo filme, pelos eletrônicos, pelos instrumentos. São histórias autobiográficas, narrativas míticas ou teorias insólitas, relatos de sonhos ou de acontecimentos cotidianos. Frases que se repetem aqui e ali, para recombinar-se com outras imagens e sons, outros lugares e corpos. Condensações e dispersões poéticas que extraem desses relatos e frases — que a princípio nos parecem tão corriqueiros e familiares — o inesperado, o desfecho intempestivo, o desvio imprevisto e sobressaltado. É a delicadeza desse susto que faz essa exposição única e imperdível.
É o susto de um duplo movimento: um que retira a palavra de seu “achatamento”, como diz a artista, para multiplicá-la, dar-lhe timbres e tonalidades, direções e fugas, memórias e sentidos; outro que corrompe a língua e a linguagem, que produz amnésias e balbucios, mas cujo golpe abre frestas para retê-la como energia e potência. Pois a palavra é tão capaz de criar mundos como de apagá-los, “de fazê-los desaparecer”.
Vemos a artista distorcer a voz por dispositivos eletrônicos, alterá-la de várias formas, proliferá-la em incontáveis vozes, colocá-las para conversar. Vemos seus duplos, suas marionetes eletrônicas, seus disfarces em vídeos. Como se fosse preciso diluir a fonte e a semelhança original — o suposto “Eu” que se enunciaria e se refletiria idêntico a si mesmo — no estranhamento com o outro. Empréstimo de seu corpo, imagem, voz para fazer o outro ecoar ali, para fazer o outro transitar e existir através de si. Como as palavras, talvez.
Assistimos ao vídeo da artista transformando o próprio corpo em instrumento de percussão, extraindo sons, por movimentos elegantes e secos, de uma bateria eletrônica sob o macacão. Ouvimos sua música em vídeos e instalações, por vezes entre a fala e o canto extraído do violino, o instrumento que a acompanha desde muito jovem, e cujo som, para ela, assemelha-se à voz humana e feminina. Vemos esse instrumento, essa espécie de seu alter-ego, como o definiu, passar pelas mutações que submete a si própria: como o Viophonograph, misto de toca-discos e Violino, o Self Playing Violin, o violino que toca sozinho, o Arco Neon.
Sons que viram vibrações
“I in u — Eu em tu ”, que dá título à mostra, foi extraído do verso de George Herbert, poeta do século XVII: “Agora eu em você sem nenhum movimento do corpo”. Em “Handphone table”, vozes, sons e melodias viajam por uma enorme távola redonda e são transmitidos por conversores de energia à superfície da mesa. Ao encostarmos os cotovelos e tapar os ouvidos em determinados pontos, sentimos a sonoridade que vibra através dos ossos de nossos braços. O corpo torna-se assim uma câmara de ecos, de ressonâncias da artista nele, condutor de sua alteridade. Agora você em mim.
Marcar presença por Paula Alzugaray, Istoé
Marcar presença
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno de Cultura da revista Istoé em 8 de abril de 2011.
Presenças / Zip Up, Zipper Galeria, SP/ até 23/4
Inaugurada em setembro de 2010 em São Paulo, com a louvável missão de focar em artistas em início de carreira, a Zipper galeria acaba de abrir a Zip Up, uma nova sala expositiva com a também apreciável e não menos ousada função de abrir-se a projetos de jovens curadores convidados, especialmente desenhados para o local. A primeira fase do projeto conta com o jornalista Mario Gioia, que desde 2009 vem realizando vários projetos curatoriais.
Cinco obras, confeccionadas em cinco técnicas, marcam a coletiva “Presenças”, que inaugura o espaço. O curador detem-se aqui nas tensões não apenas entre técnicas, mas também entre os elementos que ele aponta como “ausentes” dos trabalhos e do espaço expositivo. O desenho de Tatiana Dalla Bona, por exemplo, demarca a ausência dos corpos infantis em roupas e em cenários onde normalmente se retratariam crianças brincando. O vídeo “Considerações no Meio da Noite”, de Angela Varela, coloca-se como um registro da falta de controle e segurança a que o artista se expõe durante o ato performático. Já as fotografias que Ilana Lichtenstein tirou em viagem ao Japão antes do terremoto (foto) são menos sugestivas dentro da proposta conceitual da exposição.
O trabalho que tensiona com mais força a linha entre ausências e presenças é a pintura de Betina Vaz Guimarães, que funciona como o rastro de um acontecimento. Pintada no mesmo local em que está agora exposta, a tela de Bettina registra um histórico da incisão da luz no local. Registra também os móveis que ocupavam a sala que, antes de ser a sala Zip Up, era um dos escritórios da galeria. Essas mesas e cadeiras são hoje uma lembrança, documentada na tela de Betina. O espaço foi generosamente cedido para o exercício da curadoria, demonstrando o entendimento de que, assim como um trabalho artístico, uma curadoria é uma maneira de materializar ideias. Mais que isso, é uma forma de discernir conexões e distâncias entre artistas. Ações que só ganham presença se tiverem espaço disponível.
As pinturas cegas de Tomie por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
As pinturas cegas de Tomie
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 12 de abril de 2011.
Pela primeira vez, obras dos anos 50 e 60 são mostradas em conjunto
Houve uma época em que Tomie Ohtake resolveu vendar seus olhos para criar obras que ela mesma chama de "pinturas cegas". Era o fim dos anos 1950, começo dos 60, quando a artista se lançou a essa experimentação, num "momento capital de Tomie na vanguarda", como diz o curador Paulo Herkenhoff - é que a artista pintava "sem olhar para o real" e inominando suas imagens. Por muito tempo, os quadros dessa fase ficaram como que guardados, vez ou outra figurando em exposições, mas, isolados. Somente agora, aos 97 anos, Tomie apresenta pela primeira vez um conjunto reunido de cerca de 32 de suas obras dessa série, em exposição a ser inaugurada hoje para convidados e amanhã para o público em uma das salas do instituto que leva seu nome.
"O objetivo primordial do esforço crítico e historiográfico é tornar visível esse corpus de "pinturas cegas" para sua mais efetiva inscrição na história da arte", afirma Herkenhoff, curador da mostra. Ele, que vem conversando com Tomie há anos para realizar essa exposição, considera que exista algo até de radical na atitude da artista no contexto em que criou essas obras. "Ela rompe com a dualidade entre o abstracionismo geométrico e o informal", diz ainda Herkenhoff.
Mais ainda, a experiência das "pinturas cegas" indicam o interesse de Tomie pelo zen-budismo e pelas questões da fenomenologia de Merleau-Ponty - ou seja, a experiência da percepção do mundo através da passagem para os sentidos, como a busca da plena experiência.
Foi o crítico Mário Pedrosa, grande admirador e incentivador da artista, que na época sugeriu a ela que lesse Merleau-Ponty e também, como já afirmou Tomie ao Estado, que pintasse com os olhos fechados. A artista, nascida em Kyoto, voltou-se à pintura apenas aos 39 anos, já vivendo no Brasil. Criou, primeiramente, obras figurativas. Mas seu caminho para o que ela chama de "simplicação", ou sintetização, que a levou ao abstracionismo de formas e gestos puros - linhas, círculos, por exemplo -, unida ao desempenho da cor em sua obra, também incorporou a experiência das "pinturas cegas": a partir do não-ver, ir atrás do "sentido do olhar". "Fiz uma dessas pinturas e quando abri os olhos, uma imagem apareceu e não era uma forma certa", já contou a artista.
Oceano. Certa vez, Tomie chorou ao ver uma de suas obras da série "pinturas cegas", de predomínio do branco, em uma das salas da 24.ª Bienal de São Paulo, em 1998. Na ocasião da mostra, com curadoria do próprio Herkenhoff - e considerada uma das melhores edições da história das Bienais -, a tela de Tomie estava ao lado de obras brancas de criadores como o russo Kasimir Malevich, de Lucio Fontana, Yves Klein, Soto, Robert Rauschenberg e Robert Ryman. Esse segmento, afirma o curador, "correspondia a um mundo sem centro, constituído depois da Segunda Guerra e formado por herdeiros do branco sobre o branco da pintura suprematista".
Agora, Herkenhoff resgata uma teoria, a do ponto cego (punctum cecum), "região no campo visual do disco ótico no qual a visão entra em colapso", para analisar as obras de Tomie, que, na mostra, são as realizadas entre 1959 e 1962. "Esses trabalhos colocam a relação entre artes visuais e cegueira", diz o curador. Acompanhando as "pinturas cegas" da exposição, Herkenhoff colocou um mapa do ponto cego para os visitantes entenderem a analogia.
A montagem da mostra prima por um caráter de interioridade, colocando as telas em ambiente escuro. São obras de formas livres, como um "oceano", em predomínio de brancos, pretos e cinzas - mas há também o marrom, que remete à cor das primeiras abstrações de Tomie; o vermelho, azul, verde. Por vezes, é como se víssemos um certo grafismo nos trabalhos o que, inevitavelmente, é a referência à formação do desenho (e do ideograma) no Japão de Tomie.
Valie Export expõe seu teatro feminista em Belo Horizonte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Valie Export expõe seu teatro feminista em Belo Horizonte
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de abril de 2011.
É a primeira mostra da performer e videoartista austríaca no país
Em 1968, Valie Export saiu para a rua com uma caixa preta amarrada ao busto.
Qualquer um podia meter as mãos e tocar os seios da artista por 30 segundos, sem ver.
Essa performance, registrada em vídeo, projetou a artista austríaca como um dos maiores nomes da arte feminista do século 20, movimento que teve expressão em ações viscerais, a descoberta do corpo como suporte e o uso exaustivo das novas técnicas de registro de imagem.
Export, alcunha que copiou de uma marca de cigarros, lançou com seu teatrinho uma dicotomia que pautou sua obra, como mostra a individual agora no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, em Belo Horizonte.
No caso, dizer sem mostrar, deixar tocar sem ver, a negação da imagem como uma prática emancipada, espécie de arte do vestígio.
"Sem a imagem, pensamos no que é um signo, na codificação do corpo", diz Export à Folha. "Fiquei interessada na anatomia da voz."
Vídeos na mostra exibem as contrações musculares de uma garganta enquanto diz: "O poder da linguagem é medido pelo traço que fica mesmo bem depois do silêncio".
Nas paredes laterais, fotogramas de um vídeo esmiúçam aquela imagem, como se prolongassem sua permanência. Outra série mostra a artista em poses que mimetizam elementos arquitetônicos de prédios históricos.
"É atitude política e formal", diz. "Queria estender a arquitetura, trazendo a mulher para dentro dela."
Luz e sombras marcam retrospectiva de Regina Silveira por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Luz e sombras marcam retrospectiva de Regina Silveira
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de abril de 2011.
Mostra "Mil e Um Dias e Outros Enigmas" reúne 29 trabalhos da artista gaúcha na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre
O edifício translúcido e claro projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza, sede da FIB (Fundação Iberê Camargo), em Porto Alegre (RS), está escurecido e cheio de sombras, obra da artista gaúcha Regina Silveira, que ganha sua maior retrospectiva na terra natal.
Em três anos de existência da nova sede, é a intervenção mais radical no projeto do arquiteto português, já começando da fachada do edifício.
Lá, Silveira instalou a palavra "luz" em letras espelhadas que alcançam os quatro andares da sede, transpondo a paisagem da capital gaúcha para o prédio.
"Essa obra tem a ver com minhas memórias, com a minha relação com o local", disse Silveira à Folha. O título da intervenção, "Atractor", foi dado justamente por sua capacidade de capturar o entorno da fundação, com vista para o rio Guaíba.
"Mil e Um Dias e Outros Enigmas" é o título geral da mostra, que ocupa três pisos da FIB. No último há ainda uma seleção de obras de Iberê Camargo (1914-1994), de quem Silveira foi aluna, em 1961, e amiga.
"Ele era muito bravo, muito rigoroso", recorda-se. Como referência à relação com o pintor e seu início de carreira com os pincéis, a artista apresenta no átrio duas obras que se baseiam em cavaletes, o suporte tradicional para se pintar.
Com curadoria do colombiano José Roca, responsável pela Bienal do Mercosul, prevista para ser aberta em setembro, também em Porto Alegre, "Mil e Um Dias e Outros Enigmas" apresenta 29 obras, realizadas por Silveira a partir de 1983.
Esses trabalhos, em sua relação com a arquitetura do edifício, buscam traçar uma genealogia de Silveira com o pintor Giorgio de Chirico (1888-1978), de quem Camargo foi aluno em 1948 e 1949.
"Meu grande desafio aqui foi como ocupar esse edifício, que tem poucas paredes. Eu precisava conseguir uma escala para dominar o prédio", conta Silveira.
Uma das estratégias da artista foi apagar as luzes do edifício, ressaltando especialmente alguns trabalhos de grandes dimensões, como "Paradoxo do Santo", exposto no Guggenheim de Nova York, em 2001.
Com isso, Silveira conseguiu transformar a mostra em uma instalação.
Mostra reúne série de "pinturas cegas" de Tomie Ohtake por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Mostra reúne série de "pinturas cegas" de Tomie Ohtake
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de abril de 2011.
Na virada dos anos 50 para os anos 60, artista japonesa radicada no Brasil fez quadros com os olhos vendados
Série ilustra dissolução do vigor construtivo na hora em que artistas passaram a buscar uma dimensão espiritual
Escotoma, da palavra grega para escuridão, é o ponto cego natural do olho. Na passagem dos anos 50 para os anos 60, Tomie Ohtake exaltou esse ponto, negando a visão, e fez uma série de quadros com os olhos vendados.
São abstrações um tanto atmosféricas, tempestades de cores primárias ou numa paleta reduzida de ocres, cinzas e negros que despontam num vendaval fuliginoso.
Juntas agora numa exposição no Instituto Tomie Ohtake, essas telas atestam a evolução de estados da cegueira, a imagem construída e arquitetada no escuro, sobre os lampejos de sua ausência.
"Há um inconsciente ótico, mas com um plano, um projeto", resume Paulo Herkenhoff, curador da mostra. "É entre o olhar e a cegueira."
E nesse intervalo, Ohtake parece plasmar o pó nervoso da escuridão. No quadro, sulcos na tinta feitos com o cabo do pincel imitam as marcas fincadas na retina que sobram como rastro da luz.
Mas qualquer violência desses raios está subjugada à placidez dessa tormenta residual, ecos de luz que se articulam como se guiados pela memória, resquícios de um projeto que afogam o impacto do gesto no peso da tinta.
Também cria pontos de gravidade com manchas negras, que atraem mais do que repelem o olhar, como se exacerbassem na cor a potência abstrata da ausência.
Ohtake ilustra, querendo ou não, esse embate do momento, a queda de braço entre a razão orquestrada e os devaneios de um corpo vivo.
Passado o vigor construtivo do começo da década, o neoconcretismo ganha vulto roçando pulsões metafísicas, a liberdade no traço, a busca de uma dimensão espiritual e ao mesmo tempo carnal.
Ecos desses gestos livres da visão, dessa caligrafia zen de Ohtake, depois ressurgem, como relembra Herkenhoff, nos trabalhos de Mira Schendel e nos experimentos com haicais dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos.
Na Bienal de São Paulo, em 1998, uma de suas pinturas cegas, toda branca, estava ao lado de monocromos de minimalistas, pautados pela ordem e não pela figura.
"É sobretudo uma passagem do tempo, ela não figura nada", diz Herkenhoff. "Tem uma dimensão do vazio."
abril 11, 2011
Cinema navegável por Paula Alzugaray e Nina Gazire, Istoé
Cinema navegável
Matéria de Paula Alzugaray e Nina Gazire originalmente publicada no caderno de Cultura da revista Istoé em 8 de abril de 2011.
Parceria entre São Paulo e Buenos Aires gera exposições simultâneas que abrangem novas formas de cinema interativo
PERCEPTUM MUTANTIS/ Museu da Imagem e do Som, SP/ até 8/5
INFINITO PAISAJE/ Fundación Telefónica, Buenos Aires/ até 11/6
Cinemas do futuro, estética da transmissão, pós-cinemas, cinema ao vivo, cinema interativo, transcinemas. São muitos os termos que procuram designar um campo que não para de mudar e expandir. Cinema é sétima arte, sim, com direito a sala escura, narrativa linear e final feliz. Mas o cinema do século XXI também lida com dispositivos robóticos, programação numérica, sensores e outros recursos tecnológicos, investigados por artistas que experimentam nos limites da linguagem. Alguns deles ocupam hoje todo o Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, na exposição “Perceptum Mutantis”, que reúne obras de quatro artistas argentinos e dois brasileiros cuja motivação gira em torno de recursos fílmicos e maquínicos.
Portas que se abrem e se fecham quando o espectador se aproxima ou se distancia, leds que articulam imagens a partir do corpo em movimento, dispositivos de interação e sensores de presença são alguns dos recursos utilizados nas 11 obras dessa exposição. “A intenção é a de trabalhar em várias direções, articulando um grupo de artistas que lidam com diferentes dispositivos de interatividade”, afirma Daniela Bousso, curadora e diretora do MIS-SP. As instalações dos brasileiros Katia Maciel e André Parente representam bem a tese dessa exposição: atentar para como os meios audiovisuais estão em mutação e servem para alterar nossos modos de percepção. “Circuladô”, de Parente, faz uma releitura em grandes dimensões do zootrópio, aparelho criado em 1834 pelo relojoeiro inglês William Horner, um tambor giratório que, ao rodar, cria a ilusão de movimento das figuras presentes no seu interior. Em “À Sombra”, o visitante que se senta no banco do jardim audiovisual de Katia Maciel é o protagonista da ação. Cercado da paisagem de uma praça pública, é a sua presença no espaço que detona a movimentação da cena. Já o argentino Mariano Sardón aborda a interatividade implícita à literatura. Sua instalação “Libros de Arena” relaciona o movimento das mãos do interator sobre um cubo de areia com textos do escritor Jorge Luis Borges.
A exposição é realizada em parceria com a Fundación Telefónica de Buenos Aires, que, concomitantemente, apresenta uma exposição panorâmica de obras de Katia Maciel e André Parente. O projeto sela o saudável encontro entre duas instituições antenadas aos mesmos propósitos de promover a investigação e o desenvolvimento de projetos inovadores.
Tatiana Grinberg oferece placebo artístido no MAM por Suzana Velasco, O Globo
Tatiana Grinberg oferece placebo artístido no MAM
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 9 de abril de 2011.
Público da mostra que o museu inaugura hoje poderá experimentar um aparelho que transmite sons pela boca
Como nas experiências médicas, o efeito do placebo de Tatiana Grinberg depende da disposição do usuário para sentir seus efeitos. O falso remédio vem envolto por um molde descartável de silicone, parecido com os usados em aplicações de flúor nos dentes. Quem quiser tomá-lo pode ir ao Museu de Arte Moderna (MAM), a partir de hoje, às 16h, e testar sua eficácia até o dia 5 de junho, nos limites do foyer do MAM. É só pôr o molde na boca. Os efeitos colaterais esperados são falas fragmentadas de um homem sobre sensações do corpo — sons ouvidos por meio de uma transmissão óssea de vibrações.
— É uma voz, mas não há uma narrativa. Você pode levar um tempo até ouvir o que se diz, pode demorar. Temos que nos calar para ouvir o outro — diz a artista. — A técnica não é novidade, é usada por pessoas sem audição que perderam o ouvido externo, mas não o nervo. Meu interesse é chamar a atenção para esses sentidos que a gente não nota.
São dois minutos, em loop, da voz captada por Tatiana numa entrevista de duas horas, e editada por ela. A artista tem mais sete entrevistas como a que deu origem ao trabalho, com pessoas que vivenciaram experiências extremas com o corpo, como operações e falta de sensibilidade, e ainda planeja fazer mais, para usar em outros projetos. Tatiana começou a pensar na obra em 2002, mas só em 2008 conseguiu os recursos para torná-la real, num edital da Secretaria estadual de Cultura. Com os R$40 mil do patrocínio, ela pôde montar uma equipe com fonoaudióloga, engenheiros, designers e técnicos de som. E finalmente apresentar sua experimentação artística como parte da mostra “Placebo”, que o MAM inaugura hoje.
O projeto só foi para a frente com o apoio do Instituto Nacional de Tecnologia, que executou cinco aparelhos. Eles serão alternados em dois mil invólucros de silicone, que, na boca dos visitantes, vão captar os sons por meio de um transmissor FM localizado no foyer. Apesar de dar nome à mostra, o “Placebo” é parte de um conjunto de peças que segue esse princípio de deslocar os sentidos e pensar em sua memória corporal. Frequentemente, a artista usa o próprio corpo para criar. Uma das obras da exposição, “Cálculos” é composta por espécies de conchas de porcelana espalhadas pelo chão, feitas a partir do molde da mão da artista sobre as partes de seu corpo. Outra delas, “Musa”, é formada por duas cuias de plástico com um gel de alta viscosidade, no qual se pode colocar as mãos. As impressões no gel, porém, somem em 25 segundos.
— De um lado, há essas formas congeladas. Do outro, uma impossibilidade de guardar a memória do corpo. Um é osso, o outro é um corpo-pele — diz Tatiana, que não gosta da palavra interação para definir seu trabalho. — Em algumas obras se toca, em outras não. A gente tem que confiar um tanto no instinto para saber no que mexer.
Desde que começou a estudar gravura, com 12 anos, Tatiana já tinha um interesse forte pela materialidade, e se preocupava em experimentar novas técnicas de impressão — que se transformaram no que hoje ela chama de “pequenos dentro fora”, de “corpo sobre corpo”. Em meados dos anos 1990, a artista começou a trabalhar com áudio, mas já interessada em suas relações com o espaço.
— Quis falar do espaço através do corpo, pensar nele como um abrigo não sufocante — diz a artista.
Som e corpo
A união de som e corpo está em outras duas obras da exposição, além de “Placebo”. Em “Apertos”, objetos feitos de látex branco emitem frases — também retiradas das entrevistas de Tatiana — quando as pessoas se aproximam, ativando um aparelho eletrônico. Em “Amasso”, sons que saem de um objeto são captados por outro, no próprio momento da exposição, sem gravação prévia. Além de desenhos e escritos que acompanharam a evolução do projeto “Placebo”, Tatiana expõe ainda “Espaço em branco entre quatro paredes”, uma grande caixa com buracos nos quais as pessoas podem pôr os dedos, as mãos, os braços ou quase o corpo todo, e que deu origem ao espetáculo de dança “Falam as partes do corpo?”, criado numa parceria com a coreógrafa Dani Lima, em 2003. No interior iluminado, podem-se ver formas pintadas de negro. Mas o espectador tem que optar por olhar ou se movimentar:
— Se você põe seu corpo, não consegue mais ver nada. Você precisa fazer uma escolha.