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abril 8, 2011
Lei Rouanet ainda mostra força por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo
Lei Rouanet ainda mostra força
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 8 de abril de 2011.
Balanço de 2010 ilustra atrativos da legislação, prestes a ser extinta no Congresso, em especial para o setor privado
Dando seus últimos suspiros, a Lei Rouanet ainda segura a onda do financiamento cultural no País. O balanço de 2010, recém-concluído, mostra que as principais instituições culturais brasileiras dependem fundamentalmente do estímulo da lei para consolidar suas agendas - no ano passado, a captação foi recorde, mais de R$ 1,2 bilhão (em 2009, por conta da crise econômica, houve queda).
O governo trabalha com a possibilidade de aprovação, no segundo semestre, da nova legislação de incentivo cultural, um híbrido de estímulo direto e renúncia fiscal, o que sepultaria o atual sistema. Anteontem, a ministra Ana de Hollanda pediu, no Congresso, empenho na votação da nova lei e do Vale Cultura.
Mas a demanda da lei só faz crescer. Segundo Henilton Menezes, secretário de Fomento e Incentivo do Ministério da Cultura, cresceu mais de 50% por mês o número de projetos inscritos para obter renúncia fiscal - mais de 1 mil por mês, e 80% deles são aprovados. Menezes atribui o fato ao que chama de "governança", a desburocratização do sistema e facilidades eletrônicas de apresentação dos projetos. Em 2010, um projeto levava em média 88 dias para ser analisado. Hoje, leva em média 28 dias.
Como já virou tradição na Lei, o Instituto Itaú Cultural lidera entre os maiores captadores de recursos de 2010, com R$ 26 milhões. A Fundação Bienal de São Paulo captou R$ 17 milhões; a H Melillo Comunicação, R$ 13 milhões; e o Masp, R$ 12 milhões.
Em 2011, a captação registrada até agora mantém o Itaú Cultural no topo, com R$ 10 milhões, e inclui novos grandes captadores no clube, como a Fundação Ricardo Franco (R$ 5 milhões), a Fundação CSN (R$ 5 milhões ) e a Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio (R$ 2 milhões).
A captação ilustra as virtudes, mas também os vícios da legislação. Empresas que visam lucro e cujos ingressos das atrações têm preços elevados, como a Time for Fun (que realiza megashows) estão entre os 10 maiores captadores de 2010. Segundo Menezes, os empresários do entretenimento que buscam a lei têm de mostrar qual será o impacto no preço dos ingressos.
Um exemplo que deve causar debate é o do Rock in Rio, que será realizado em setembro. O Rock in Rio, com um custo estimado em R$ 50 milhões, usará cerca de R$ 6 milhões da Lei Rouanet. Nesse momento, o governo debate com os organizadores a forma como esse incentivo impactará o preço das entradas.
O maior captador de 2010, o Itaú Cultural, se utiliza do incentivo fiscal, mas tem como norma a gratuidade para seus projetos subsidiados pela renúncia fiscal. Também usa só o artigo 26 da lei de incentivo, que exige contrapartida - em 2010, foram R$ 20 milhões em recursos próprios, cerca de 50% do total. Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural, defende a Lei Rouanet, mas acha que ela pode ser aperfeiçoada e sofrer alguns ajustes. Dá como exemplo o estímulo à criação de fundos de longo prazo, e o instrumento que possibilita a empresas de menor faturamento terem percentual de incentivo fiscal maior em relação às de faturamento mais elevado.
"Em virtude do perfil macroeconômico do País, é natural que esse tipo de empresa passe a estar mais presente e a entrada desses novos patrocinadores resultará em aumento expressivo dos recursos, melhor distribuição territorial desses recursos, e, em consequência, os menores captarão mais".
OS DEZ MAIS (VALORES CAPTADOS EM 2010)
Itaú Cultural
R$ 26,6 milhões
Bienal de São Paulo
R$ 17 milhões
H Melillo Comunicação
R$ 13,3 milhões
Masp
R$ 12,7 milhões
Teatro Municipal do Rio
R$ 12,3 milhões
Sinfônica Brasileira
R$ 12,1 milhões
Sinfônica do Estado de SP
R$ 10,5 milhões
T4F Entretenimento
R$ 10,1 milhões
Associação Pró-Música
R$ 9,7 milhões
Fundação Vale do Rio Doce
R$ 9,3 milhões
abril 7, 2011
Em audiência no Senado, ministra Ana de Hollanda nega relação com o Ecad e confunde natureza do Creative Commons, O Globo
Em audiência no Senado, ministra Ana de Hollanda nega relação com o Ecad e confunde natureza do Creative Commons
Matéria originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 7 de abril de 2011.
RIO - A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, esteve no Senado nesta quarta-feira para falar sobre os projetos de seu ministério, envolvido em questões importantes - e algumas polêmicas - como o Procultura e as reformas da Lei de Direitos Autorais (LDA) e da Lei Rouanet , entre outros. Ela participou de uma audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes e foi arguida por vários senadores sobre esses pontos. Lembrando que recursos públicos foram investidos nos estudos de revisão da LDA, o senador Paulo Bauer (PSDB-SC) questionou se a simpatia da ministra por "argumentos do Ecad" pode influenciar na reforma.
Ana de Hollanda admite que a reforma esteve em consulta pública "por anos", mas argumenta que "uma área não se sentiu contemplada", a dos autores. A ministra agora pretende buscar um "consenso maior". Para isso, o texto está disponível para consulta na internet e sendo estudado pela equipe de direitos intelectuais do ministério. Ela acredita que provavelmente será preciso fazer uma nova consulta pública para se chegar a um texto final.
"Eu não poderia endossar um documento, um projeto de lei, como sendo meu - porque foi devolvido para o Ministério da Cultura para eu aprovar ou não - que não tivesse um mínimo de consenso. Claro que isso vai ser sempre polêmico, nunca vamos agradar a todos, são interesses antagônicos nessa questão, como em várias outras", disse ela.
Ministra confunde natureza do Creative Commons
Ela nega a ligação com o Ecad e argumenta que a presidente Dilma "não aceitaria que uma entidade ligada a um grupo indicasse uma ministra". Ana de Hollanda concorda que o Ecad tem problemas, mas reclama do que vê como uma "demonização" do órgão.
"Há grupos muito insistentes querendo me taxar de ser ligada ao Ecad. Por acaso a presidenta Dilma Rousseff iria aceitar uma indicação do Ecad? Não ia. Esta é uma relação que eu acho absurda", afirmou, antes de elogiar a instituição, uma sociedade civil de natureza privada, criada por lei federal de 1973, e que é responsável por recolher os valores devidos aos artistas pela execução de suas obras, "Antes do Ecad existiam várias associações. Acabava o espetáculo e vários fiscais, de várias associações, iam lá brigar pelos direitos, ninguém sabia para quem pagar."
O Ecad está no centro de uma das principais polêmicas da reforma da LDA. Vários setores , inclusive muitos músicos, pedem uma maior transparência nos critérios de arrecadação e distribuição da entidade. Uma das propostas é a criação de uma entidade pública que fiscalize o Ecad, nos moldes das agências reguladoras.
- Na maioria dos países as sociedades arrecadadoras têm algum tipo de fiscalização pública. Aqui não há nenhuma fiscalização - questiona Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e representante do Creative Commons no Brasil.
O Creative Commons , aliás, foi um ponto confuso no depoimento da ministra. Respondendo a pergunta do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), ela confunfiu a natureza da ferramenta, um modelo de licenciamento que permite a qualquer um determinar as formas de utilizações pré-autorizadas de uma obra. Ana de Hollanda voltou a dizer que o selo do Creative Commons foi retirado do site do ministério por fazer propaganda de "uma entidade privada que oferece um serviço".
"Era uma marquinha, uma propagandinha de um serviço que uma entidade promove", disse.
Para Ronaldo Lemos, a definição não faz sentido pois o selo do Creative Commons apenas indica que aquele conteúdo está licenciado de acordo com um modelo de licença jurídica.
- Não faz propaganda pois ele não vende serviço nenhum. O Creative Commons é uma entidade sem fins lucrativos que funciona hoje em 70 países através de voluntários e parcerias com instituições acadêmicas que trabalham voluntariamente no projeto. No Brasil, é a Escola de Direito da FGV.
O argumento da ministra se complica quando ela define Twitter, Facebook e Flickr como "redes livres para se comunicar" e diz que não são serviços. Essas redes sociais têm seus logos estampados no site do ministério e são empresas privadas comerciais, com fins lucrativos. O Facebook deve abrir capital no início de 2012 e está avaliado em US$ 50 bilhões. O Twitter ainda não tem previsão de lançar ações no mercado, mas já foi avaliado informalmente em US$ 10 bilhões, apesar dos números oficiais ficarem em "apenas" US$ 3,7 bilhões.
Usando o selo do Creative Commons, similar ao conhecido símbolo de "copyright", o autor informa se permite (ou não) o uso comercial de sua obra e se ela pode (ou não) ser modificada. Dessa forma ele padroniza a forma como o licenciamento é feito, assim não é preciso procurar um advogado toda vez que se queira utilizar, copiar ou reproduzir um texto ou foto na internet, por exemplo.
Em coluna no GLOBO publicada em fevereiro, na qual explica o conceito, o sociólogo Hermano Vianna deu o exemplo da rede Al Jazeera, que licenciou as imagens das manifestações do Cairo em Creative Commons, autorizando sua exibição em todas as TVs do mundo, contato que a fonte fosse informada..
A ministra, no entanto, diz que a Constituição já prevê formas de se autorizar a distribuição livre de obras artísticas e que o Creative Commons seria "uma das formas" de se fazer isso. A LDA prevê em seu artigo 30 que "O titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito". Lemos diz que o Creative Commons é baseado na LDA e só existe por causa desse artigo e de outros similares, servindo apenas como uma complementação da lei.
- O Creative Commons não é contrário ao direito autoral, ele é uma ferramenta pela qual o autor pode exercer seu direito na forma do artigo 30 - explica.
Ministra vê desequilíbrios na Lei Rouanet
Ana de Hollanda se define como uma "defensora da cultural digital" e afirma que a internet é fundamental como novo meio de acesso à cultura. Ela ressalta que é preciso pensar em formas de prever o pagamento dos artistas para que a população tenha o acesso gratuito à bens culturais.
"Se isso for possível, será muito bom, temos de estudar isso. Ninguém quer guardar seu trabalho na gaveta, não. A grande frustração do artista ou do criador é quando ele não consegue difundir seu trabalho. Então, tenho essa preocupação. A Internet é importante, esses novos meios de acesso à cultura são fundamentais".
Fechando o cabedal de polêmicas, a ministra falou sobre a Lei Rouanet. Ela vê desequilíbrios e afirma que a lei está sendo reformulada para dar mais espaço a estados com pouco acesso, garantindo uma melhor distribuição dos recursos.
Comentando o caso do blog de poesias de Maria Bethânia, que recebeu autorização para captar R$ 1,3 milhão pela Lei Rouanet, a ministra admitiu que a cantora "tem capacidade de obter recursos", mas ponderou que "a iniciativa privada está muito viciada nas leis de incentivo"
"Ela quer fazer um projeto para 365 gravações para colocar no blog. Serão gravações de poesia - e há um vasto leque de poesias que a Bethânia foi recolhendo, estudando. Isso vai ser oferecido gratuitamente. O preço é caro? É, mas temos que pensar também na avaliação feita porque não compete ao ministério avaliar qualidade, se é bom ou se não é bom. Não está dentro da Lei Rouanet esse mérito. Acho que o projeto - se todo mundo tiver acesso a 365 gravações da Bethânia, lendo poesia, ainda mais hoje em dia que a poesia está tão esquecida -, eu considero o projeto interessante. O valor, isso não vou discutir, foi analisado por comissões específicas para isso.
Além da Lei Rouanet, ela lembra que está sendo preparado o ProCultura que vai gerar recursos para o Fundo Nacional de Cultura, também de isenção fiscal. Um conselho formado por representantes da área artística e cultural vai definir a distribuição desses recursos, que seriam focados em "projetos culturais menos interessantes para o mercado".
Ana de Hollanda pediu mais orçamento para a cultura, com a aprovação da PEC 150, que fixa o orçamento da área em 2% na esfera federal, 1,5% nos estados e 1% nos municípios.
abril 6, 2011
Funarte garante presença brasileira na Bienal de Veneza por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Funarte garante presença brasileira na Bienal de Veneza
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 6 de abril de 2011.
Após impasse, instituição irá repassar verba de R$ 400 mil diretamente a Artur Barrio, que representará o país na mostra de arte
Acabou o impasse e está garantida a participação do representante do Brasil na Bienal de Veneza, o artista Artur Barrio.
Impossibilitada por uma lei recente de repassar verbas a instituições privadas, a Funarte enfrentava dificuldade para liberar os R$ 400 mil acertados com a Fundação Bienal de São Paulo, entidade encarregada da escolha do representante do país.
A saída foi entregar o dinheiro da produção da obra de Barrio na Bienal de Veneza, que será inaugurada no dia 4/6, diretamente a ele.
"Ao conceder apoio direto ao artista (...), a Funarte garante a participação do país em uma das mais tradicionais exposições de arte e cumpre sua missão institucional de promover a circulação de bens culturais brasileiros", disse o presidente da instituição, Antonio Grassi.
Segundo a assessoria da Funarte, é comum a instituição efetuar o pagamento diretamente ao artista.
Barrio, agora, deverá designar uma entidade que irá administrar os R$ 400 mil.
Ele irá criar uma obra no pavilhão orçada em R$ 150 mil. O restante será gasto com os custos do catálogo e o transporte do artista, segundo a assessoria da Fundação Bienal. Ele foi selecionado pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, também responsáveis pela 29ª Bienal de São Paulo.
A Fundação Bienal indicou o representante brasileiro por conta de um acordo com o Itamaraty, que é o proprietário do pavilhão nacional, na Bienal italiana.
Segundo declarou à Folha no mês passado o presidente da Fundação Bienal e comissário da representação nacional em Veneza, Heitor Martins, a instituição já gastou cerca de R$ 250 mil, que não faziam parte do convênio, no cachê dos curadores e na preparação do catálogo.
Além de Barrio, os brasileiros Neville d'Almeida, Cinthia Marcelle e Rivane Neuenschwander irão participar de mostras na cidade, mas em eventos paralelos.
abril 4, 2011
Exposições e documentário celebram artista por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Exposições e documentário celebram artista
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de abril de 2011.
Enquanto Frans Krajcberg parece se isolar cada vez mais no sítio Natura, em Nova Viçosa, exposições e um documentário exaltam a trajetória do artista que chega agora aos 90 anos.
Mesmo avesso a festas, Krajcberg abre nesta quinta em Salvador uma mostra no Palacete das Artes Rodin Bahia com 13 esculturas, oito relevos e 16 fotografias. Sua produção atual, aliás, é quase toda fotográfica.
Ele registra árvores, insetos e flores de toda sorte que podiam estar na "National Geographic" ou no Discovery, mas, nas artes visuais, vêm sublinhadas pelo manifesto ecológico que é o trabalho de Krajcberg.
Outras duas mostras, com esculturas e fotografias, também estão marcadas para maio em Paris.
Também em Salvador, no dia seguinte à abertura da mostra, estreia o documentário "O Grito Krajcberg". No longa, com narração da cantora Maria Bethânia, Krajcberg aparece em seu dia a dia no sítio Natura.
"Viajei para Nova Viçosa, conheci o Krajcberg e me apaixonei pelo trabalho dele", conta a cineasta estreante Renata Rocha, que dirigiu o filme. "Fiquei 15 dias lá e também viajamos para o mangue onde ele fez seus primeiros relevos."
Mas além da figura isolada de Krajcberg, Rocha registrou no filme depoimentos de personalidades que conviveram com ele, como o artista Carlos Vergara, a atriz Christiane Torloni e o diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo.
Depois de terminar o filme, Rocha agora está escrevendo uma biografia de Krajcberg, que deve jogar luz sobre pontos mais obscuros da vida e da carreira desse artista ermitão.
"Fugi do homem para morar na floresta" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
"Fugi do homem para morar na floresta"
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de abril de 2011.
Prestes a fazer 90 anos, Frans Krajcberg se isola cada vez mais na mata que plantou em sítio no sul da Bahia
Artista que perdeu família no Holocausto fez de sua produção um manifesto contra a destruição da natureza
Ele está sozinho na mata. Frans Krajcberg aparece com o rosto e a mão sangrando numa clareira, único ponto onde os raios do sol atravessam o verde denso das copas das árvores. Não se incomoda com as feridas na pele frágil nem com o ataque feroz dos insetos no cair da tarde.
"Eu plantei todas essas árvores, agora elas cresceram e nem vejo mais o mar", diz o artista. "Só aqui eu me sinto feliz. Essa é a minha família."
E a casa é um sítio em Nova Viçosa, povoado no sul da Bahia, onde o artista polonês, radicado no país desde os anos 50, vive há quase quatro décadas. Ele mora numa construção de madeira equilibrada sobre um tronco.
Tem vista para o que sobrou da mata atlântica, onde copas frondosas cobrem o horizonte e afogam o mar num rugido surdo. Verde é a cor dominante na paleta.
"Já de criança, eu ia à floresta, abraçar árvores e beijar as folhas", lembra Krajcberg, que faz 90 anos na semana que vem. "Depois, queria fugir do horror e do homem e morar nessas florestas."
No caso, o horror são as atrocidades dos homens na Segunda Guerra. Sua mãe morreu enforcada por nazistas, e ele não teve notícias do que aconteceu com o resto da família. Sozinho, Krajcberg pegou um navio para o Brasil, nome de país que achou estranho a princípio, e nunca mais quis voltar à Europa.
Num lugar longe dos homens, no que seria um projeto cultural do arquiteto José Zanine Caldas, que desenhou sua casa na árvore, Krajcberg começou a fazer sua obra. Não chama o que faz de trabalho artístico, mas de "memória da destruição".
BELEZA SELVAGEM
Suas esculturas articulam restos de madeira queimada, o rastro ilegal da indústria madeireira, em composições que lembram desenhos orgânicos. São objetos estruturados em primeiro e segundo planos -na frente, o que seria um tronco ou galho e atrás a pegada, a sombra escura ou faiscante da planta.
Krajcberg encontra uma beleza estranha, de torções selvagens, na evidência do descaso. Figura com frequência em mostras que denunciam o aquecimento global, o estado desconjuntado do planeta e temas afins.
E, nisso, parece se importar pouco com o rótulo que dão ao trabalho ou com avaliações dos críticos. Krajcberg segue a agenda de encontros mundiais de ecologistas com mais afinco do que o roteiro de bienais e feiras de arte. Já falou até no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, sobre desmatamento.
"Nem quero saber se é arte o que estou fazendo, quero só mostrar os pedaços, mostrar que as árvores foram queimadas", esbraveja. "Não me fala em artista, super-homem, não é o caso. A única coisa que quero defender até o fim da minha vida é a vida."
PÔR DO SOL
Mas Krajcberg começa a perder a esperança. Tem se refugiado cada vez mais no silêncio da mata. Vive isolado, não tem herdeiros e dispensa visitantes. Sai sozinho pela manhã para fotografar flores e plantas e vai dormir na hora do pôr do sol.
Desde que invadiram seu sítio -foram quatro ataques, nas contas dele-, homens armados e cachorros vigiam as terras num silêncio inquieto. Há dois anos não faz mais desenhos ou novas esculturas e interrompeu a construção do museu que estava criando no sítio vizinho.
Dos cinco prédios planejados, só dois saíram do papel. Estão atulhados de esculturas antigas. Do lado de fora, assistentes cuidam dos restos de madeira que chegam ao sítio. Ossadas de baleia, que o artista comprou de pescadores locais, também esperam um destino incerto, assando sob o sol baiano.
"Sou muito humilhado aqui, não vale a pena construir um museu num lugar que me machucou tanto", lamenta ele. "Não tenho mais o espírito para ficar aqui."
Também não vê para onde ir. Ainda trava uma briga com a cidade de Curitiba, que acusa de destruir as obras que doou para o agora desativado Espaço Frans Krajcberg, e desistiu de instalar outras de suas esculturas no Ibirapuera, em São Paulo.
Ele se retira agora, dias antes de completar 90 anos, para restaurar o que pode de velhas obras e juntar as raízes que sobraram da limpeza dos terrenos perto do sítio.
Talvez possam virar novas esculturas, agora que a paisagem ao redor recebe plantações de eucalipto para esverdear a terra estorricada.