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abril 1, 2011
As mais escuras noites por Paula Alzugaray, Istoé
As mais escuras noites
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 1 de abril de 2011.
A portuguesa Paula Rego, que pinta o sofrimento humano, ganha sua primeira retrospectiva na América Latina
Paula Rego/ Pinacoteca do Estado, SP/ até 5/6
ATIVISMO
Tríptico de Paula Rego contribuiu para debate em torno da descriminalização do aborto em Portugal
A descriminalização do aborto foi aprovada em Portugal em fevereiro de 2007, depois de dez anos de intenso debate público, do qual a artista Paula Rego participou ativamente. Sua série “Tríptico”, de 1998, foi criada como forma de protesto político. Sustenta-se que a exibição, nesses três trabalhos em pastel sobre papel, das duras condições a que as mulheres são submetidas em sessões clandestinas de aborto teve seu peso na campanha pela revisão da lei. O firme posicionamento de Paula em relação à defesa dos direitos da mulher é apenas um capítulo do histórico ativista e questionador dessa artista nascida em Lisboa em 1936 e residente em Londres a partir dos 16 anos de idade. Paula nunca se calou diante das atrocidades da vida contemporânea. Na tela recente, “War”, 2003, ela responde à invasão do Iraque pelos EUA e Grã-Bretanha. Seus trabalhos são como berros, muitas vezes guturais e violentos, em resposta ao mundo. Eles podem ser ouvidos até 5 de junho na Pinacoteca, em São Paulo, na primeira retrospectiva de Paula Rego na América Latina.
Dos primeiros trabalhos, realizados no final da década de 50, até hoje, a vida doméstica, a infância e as fases da vida da mulher são representadas em seus traços mais rudes e em suas cores mais soturnas. Não raro, suas personagens deformadas, entristecidas e penalizadas são comparáveis às aberrações pintadas e gravadas por Goya na Espanha oitocentista. A animalidade da raça humana é um traço presente de sua iconografia desde seus primeiros bestiários, pintados em linguagem primitivista. Nos anos 80, quando assume um figurativismo dramático, suas cenas são sempre assistidas por animais.
Cães, gatos, porcos, javalis, garças e raposas presenciam todo tipo de atividade doméstica, como se espreitassem a ingenuidade da vida, ameaçando sua normalidade.
A aberração domina definitivamente a temática de Paula a partir da série “Avestruzes Bailarinas do Filme Fantasia, de Walt Disney”, de 1995, em que corpos que deviam ser lindos, leves e soltos ganham o peso e a consistência de rochas. Nessa escalada em direção aos lugares mais escuros da vida cotidiana, a obra de Paula libera todo tipo de monstruosidade. Situações singelas se transformam em dramas viscerais. Atos banais como pentear os cabelos, vestir-se, despir-se, amarrar os sapatos ou engraxar as botas ganha contornos dramáticos. Como a mulher que atira com um revólver contra o próprio macaco de pelúcia, na litografia “A Sala
de Shakespeare”.
Seu comprometimento com o sofrimento humano dá matizes especiais a Paula Rego.
E a aproximam do olhar agudo de grandes artistas, como Goya.
Corpo contorcionista por Paula Alzugaray, Istoé
Corpo contorcionista
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 1 de abril de 2011.
O corpo barroco - Carlos Mélo/ Moura Marsiaj, SP/ até 30/4
SER OU NÃO SER
Em performance, Carlos Mélo encara temas como morte, animalidade e nudez
Para demarcar terreno e afirmar forte identidade, Carlos Mélo foi o artista escolhido pelas galeristas Laura Marsiaj, do Rio de Janeiro, e Mariana Moura, do Recife, para inaugurar o novo espaço que abrem juntas em São Paulo. Essa é a primeira mostra individual do artista pernambucano na capital paulista, depois de ele ter participado de diversas e importantes exposições coletivas em todo o Brasil e ter ganho o Prêmio CNI Sesi Marcantonio Vilaça, em 2006.
Com curadoria de Cristiana Tejo, a exposição articula três núcleos de obras: o desenho, a performance e o trabalho com palavras. Em cinco fotografias e um vídeo, Mélo afirma o corpo como protagonista de sua obra estética. Mesmo em seu desenho, feito de gestualidade demarcada a grafite, subentende-se a atuação de um corpo enérgico, vibrátil e intenso.
O desenho é, afinal, o vestígio de um corpo em performance. O mesmo ocorre com o texto, diagramado em um anagrama de neon, instalado na vitrine da galeria. A obra que dá título à exposição reescreve a frase “o corpo barroco”, invertendo palavras e dando origem a outras, como oco e barro. “Gosto desse contorcionismo semântico”, assume o artista.
Mélo afirma que o barro é matéria seminal na sua trajetória, mesmo sem nunca ter trabalhado com ele. Isso porque nasceu em Riacho das Almas, perto de Caruaru, que, além de ser conhecida como a capital do forró, é uma das capitais internacionais do artesanato com barro. “Por ter também uma das mais famosas feiras do mundo, Caruaru se estragou muito. Por isso mesmo, acho que é uma cidade com potencial para ter uma bienal”, diz Mélo, que tem “a Bienal do Barro” entre os próximos projetos a realizar.
Com a mostra de Mélo, a nova galeria paulistana sinaliza um vigoroso repertório de artistas nascidos em várias cidades brasileiras, especialmente no Nordeste, como Alice Vinagre, Amanda Melo e Bruno Vilela, entre tantos outros.
março 31, 2011
Sob o olhar turbulento da história por Luiz Zanin Oricchio, Estadao.com.br
Sob o olhar turbulento da história
Matéria de Luiz Zanin Oricchio originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 31 de março de 2011.
Qual a relação de um filme com a realidade? A pergunta está sempre presente a cada vez que imagens em movimento são projetadas sobre uma tela. E a questão se torna mais urgente, em particular, se essa obra se intitula um "documentário". Queremos sempre saber se, em que medida, essas imagens dizem a "verdade" sobre o "real". Por isso o tema estará em discussão ao longo desse que é o mais importante festival de documentários do País, o É Tudo Verdade, criado e dirigido pelo jornalista Amir Labaki, que começa hoje.
O festival, em sua 16.ª edição, tem seu título inspirado no filme incompleto realizado por Orson Welles no Brasil. Na abertura, a exibição de The Black Power Mixtape, de Göran Hugo Olsson, sobre o movimento ativista negro nos Estados Unidos, no fim da década de 1960, começo dos 70. Início estupendo, sem dúvida, mas apenas um aperitivo para o cardápio completo, que terá um total de 92 documentários vindos de 29 países diferentes. Entre eles, 18 brasileiros inéditos, prova de que o gênero se encontra em grande fase no País.
Como não se perder em meio à maratona? Amir acha que é melhor não opinar nem eleger favoritos: "Todos esses títulos selecionados representam apenas 5% dos que se inscreveram; é um universo muito amplo, de modo que dar dicas seria um pouco como fazer a escolha de Sofia".
Para quem não se lembra do filme A Escolha de Sofia, de Alan Pakula, nele a personagem de Meryl Streep se vê obrigada a escolher entre dois filhos queridos, para salvar um e sacrificar o outro. Um dilema terrível, como o que acomete o diretor de um festival quando convidado a optar entre filmes selecionados.
Se Amir, compreensivelmente, prefere não citar títulos favoritos, não se nega a discutir uma espécie de linha geral que passa entre os filmes que serão apresentados este ano: "A novíssima safra me parece marcada por essa ênfase em captar sob a ótica privada as principais questões públicas, como o movimento pela democratização no Irã (A Onda Verde) e o fortalecimento do engajamento religioso (Posição Entre as Estrelas), para ficar em apenas dois exemplos. É como se houvesse agora uma síntese dialética entre a tendência intimista que era marcante na década de 1990 e a retomada social e política que se seguiu ao 11 de setembro".
Quer dizer: os cineastas voltaram a ter consciência de que não adianta as pessoas não se interessarem pela política, porque a política sempre se interessa por elas. Não é pouca coisa.
Angela Davis, Stokely Carmichael, Malcolm X e Martin Luther King - os expoentes da luta dos negros norte-americanos pelos direitos civis estão presentes no filme de Göran Hugo Olsson, que abre o imenso painel documental proposto pelo É Tudo Verdade de 2011. Com imagens em preto e branco e um ritmo trepidante de apresentação, The Black Power Mixtape traz à memória o calor político dos anos 60 e 70, quando todas as soluções pareciam ao alcance de mãos que, muitas vezes, escolhiam a via da violência para alcançá-las. É interessante notar justamente a oposição entre o pacifismo de Martin Luther King e as propostas de luta armada de outras facções, como a dos Panteras Negras.
Essa sensação de captar os momentos em que a História parece fazer-se diante dos olhos do espectador se repete em diversos filmes dessa mostra. Com a sucessão de revoltas no mundo árabe, ganham grande atualidade filmes como Uma Odisseia Iraniana, A Queda de Um Xá e Onda Verde. Se o Irã de Ahmadinejad não deixa de causar preocupações no Ocidente, talvez esse conjunto de filmes traga um pouco de racionalidade à nossa percepção sobre o país. Neles temos, na sequência, o governo nacionalista de Mossadegh, a ascensão e a queda do xá Rheza Pahlevi e as eleições presidenciais de 2009 - esta captada em depoimentos, mas também em postagens em blogs, no Twitter e no Facebook. Um grande arco histórico que coloca o país ora em sintonia ora em dissonância com os países dominantes, em especial com os Estados Unidos. Na contraluz, o fato inescapável de ser o Irã uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Igualmente tenso e participante é o trabalho da russa Marina Goldovskaya, que ganha retrospectiva e é uma das convidadas do evento. Em seus filmes, Marina acompanha de perto o esfacelamento do império soviético e o nascimento de uma nova ordem, com Boris Yeltsin, o que não se dá sem grandes turbulências. Em seu O Gosto Amargo da Liberdade, Marina traça um retrato tanto intimista quanto político de sua amiga, a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em 2006. Na época, Putin declarou que o crime seria solucionado e os culpados punidos, apesar de Anna ser notória inimiga do regime. Até hoje o assassinato não foi esclarecido. Anna pagou caro ao denunciar as violações de direitos humanos cometidos por seu país na guerra da Chechênia.
"Na obra de Marina, o público vai encontrar um documentarismo quente, que registra o impacto sobre as pessoas comuns dos grandes movimentos da História (o fim da URSS, os primeiros passos da nova Rússia, de Yeltsin, Putin e Medvedev). Trata-se da primeira retrospectiva internacional mais ampla da obra de Marina, celebrando seu 70.º aniversário", diz Amir Labaki.
Como de certa forma o País passou ao largo das grandes turbulências mundiais, o documentário brasileiro oferece um panorama diverso. "É um momento de renovação no Brasil, estilística, geracional e temática. A hegemonia da tradição dos grandes temas histórico-culturais e das grandes personalidades não é mais tão marcante. A permeabilidade maior às outras artes, não como tema, mas como estratégias de linguagem, se apresenta com nova força também na produção nacional", explica Labaki.
Daí a presença de um filme como Assim É se Lhe Parece, em que Carla Gallo esmiúça o universo estético do artista plástico Nelson Leirner. Ou Aterro do Flamengo, em que Alessandra Bergamaschi monta sua câmera fixa na observação de um terrível fato do cotidiano e na reação das pessoas diante dele.
Circunstâncias políticas e históricas entram um tanto de viés num filme como Dois Tempos, em que Dorrit Harazim e Arthur Fontes revisitam a família do bairro da Brasilândia cujo cotidiano haviam registrado dez anos antes. É testemunho da ascensão do que se convencionou chamar de "nova classe média", um fenômeno econômico dos anos Lula. Contingências histórico-sociais entram de maneira mais clara ainda no tocante Vocacional, Uma Experiência Humana, em que Toni Venturi relembra seu tempo de aluno em um dos Colégios Vocacionais, experiência pedagógica libertária liquidada pela ditadura.
Se no âmbito dos brasileiros a temperatura parece um tanto morna, ela deve ferver no debate de lançamento dos DVDs de dois filmes de Newton Cannito, Jesus no Mundo Maravilha e Violência S.A. (este em parceria com Eduardo Benaim e Jorge Saad). A começar pelo título da mesa, A Verdade É uma Farsa (dia 5/4, às 19h30, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos), da qual participam o diretor, o pesquisador Jean-Claude Bernardet e o apresentador Marcelo Tas.
A ideia dos documentários é apresentar assuntos dolorosos (no caso a violência urbana) sob o formato humorístico. Os filmes fascinaram estudiosos como Bernardet, mas também causaram repulsa em outras pessoas. Ao propor o tratamento paródico de uma situação que envolve ex-policiais adeptos da pena de morte, um palhaço e uma mãe que teve seu filho morto pela polícia, o documentarista expõe-se opiniões controvertidas. Como a do cineasta Eduardo Escorel, que classifica a posição do cineasta, neste caso, como de "abuso de poder". E a de Bernardet, que considera Jesus no Mundo Maravilha inovador ao introduzir a ironia no domínio do documental e aceitar que vivemos de modo inevitável na sociedade do espetáculo.
Discussões polêmicas, que envolvem a ética do diretor em relação aos personagens e prometem muito calor ao debate - e, com sorte, alguma luz também.
As principais apostas
Academia de Boxe
Um dos mestres do documentário mundial, Frederick Wiseman observa o cotidiano de um ginásio de boxe no Texas. Filme cheio de ritmo, envolvente, apresenta a academia como uma democracia racial e de classes.
Uma Odisseia Iraniana
Maziar Bahari mostra a luta do primeiro ministro Mohammad Mossadegh pela nacionalização do petróleo iraniano. Terminou derrubado por um golpe de estado executado pela CIA.
Um Gosto de Liberdade
Em filme de 1991, Marina Goldovskaya apresenta os anos de esperança da perestroika, vistos pelos olhos de uma família russa: o jornalista de TV Sasha Politikovsky, sua mulher Anna e os filhos do casal. Anos depois, Anna seria assassinada, aparentemente por suas denúncias de abusos na guerra da Chechênia.
Brasileiros elegem temas diversificados
Se os temas políticos e ligados a grandes vultos já não dão as cartas nos documentários brasileiros, o fato é que eles não estão totalmente ausentes. Prova é um dos filmes mais aguardados, Tancredo, a Travessia, de Silvio Tendler, um dos mais conhecidos documentaristas brasileiros. Desta vez, Tendler traça o perfil de Tancredo Neves, da sua ligação com Getúlio Vargas ao episódio da doença que o impediu de se tornar o primeiro presidente civil após o período militar. Mas a hora está mais para filmes como Dois Tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes. Os cineastas conseguem tal empatia com a família Braz, que levam os espectadores a participar de suas experiências, alegrias e frustrações. Ou Assim É se Lhe Parece, trabalho sensível e bem humorado de Carla Gallo sobre o artista plástico Nelson Leirner.
A Colômbia logo ali por Júlia Lopes, O Povo
A Colômbia logo ali
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 31 de março de 2011.
Novo espaço na Cidade, Dança no Andar de Cima abre hoje com lançamento da exposição Mirador. Nela, vídeos de artistas contemporâneos da Colômbia, trazendo temas como violência e guerrilha, família e memória
Não deixe que a violência se torne banal: não se acostume. Nem Aquela que acontece no nosso espaço, nem a qualquer outra. “Todos os trabalhos têm a urgência de se apresentar, de mostrar um pedaço do realizador, aproximar a realidade colombiana. Ser sempre uma possibilidade de você tomar um susto”, descreve a artista visual cearense Simone Barreto sobre a exposição Mirador, que tem lançamento marcado para hoje, às 19 horas, e está sob sua curadoria. Nela, vídeos de artistas colombianos ocupam uma das salas do (também novo) espaço cultural que chama Dança no Andar de Cima.
Simone fez uma residência de três meses na Colômbia no ano passado, quando conheceu esses artistas em três cidades diferentes: Cali, Bogotá e Medellín. Foram eles as primeiras escolhas, as obras vieram depois: “Muitos dos vídeos ainda estavam em processo quando conheci e decidi pelos artistas”. Agora, com todos os trabalhos finalizados, Simone identificou alguns temas recorrentes, como a dita violência, muito presente na realidade colombiana – drogas e guerrilhas, aliás, também configuram nos trabalhos. “Com esses trabalhos, eles tiram uma poeirinha da frente, deixam claro o que está no cotidiano deles”, detalha Simone.
Dentre eles, Edwin Sanchez. Funcionário da Polícia de Bogotá durante um ano, Edwin fez espalhar pela selva, do alto de um helicóptero, cédulas de peso, produzidas por ele, com fotos de procurados. Por sobre os supostos acampamentos, essas notas voavam e esperavam encontrar seu destino. Edwin também fez imagens e se apropriou de algumas delas que a Polícia produziu. “Foi um processo delicado, que levou um ano de negociação para a realização”, conta a curadora. No vídeo Desapariciones, desenhos de homens que foram presos e estão em processo de readaptação (a partir de um programa de Governo) revelam assassinatos, execuções, terrorismo e mutilação de corpos.
Edwin estará em Fortaleza, dia primeiro, falando sobre seu processo de criação (às 19 horas). Além dele, Daniel Santiago Salguero, Lina Rodriguez, David Escobar, Jim Fannkugen Salas, Guillermo Marin Rico e Wilson Diaz participam da mostra. Entre os vídeos, o de Salguero, em que gestos mínimos, suaves, como os dedos entre os cabelos, uma canção de amor, um sorriso de bebê. Ou o de Lina Rodriguez e Davi Escobar, um processo inacabado, talvez frustrado, de um vídeo com Victor, garçom que queria ser ator. Lina e Davi propuseram a Victor um projeto em que ele seria o diretor. Não deu certo, e o vídeo apresentado é uma mostra da “impossibilidade de juntar os intempestivos desejos de Victor com todo o método e técnica de Davi e Lina”.
No andar de cima
A casa de um pavimento só, numa faixa delicada – perto da Via Expressa, no começo da Aldeota – se propõe a ir além da exposição Mirador. Nela, outros amigos ocupam um dos seis quartos do Dança no Andar de Cima. “Cada cômodo vai ser ocupado por um artista ou uma dupla, no nosso cotidiano. Tem um estúdio de música, de design e um ateliê propriamente dito”, explica Simone.
SERVIÇO
EXPOSIÇÃO MIRADOR
Onde: Dança no Andar de Cima (rua Desembargador Leite Albuquerque, 1523A - Aldeota)
Quando: Hoje, às 19h. Visitação gratuita de 1º a 14 de abril, no período de 14h às 20h. A programação inclui ainda palestras e debates.
SAIBA MAIS
Um ônibus vai sair do Centro Cultural Banco do Nordeste (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro) para levar o público até o endereço da mostra. Para mais informações: 3464 3108.
Dia 2, sábado, acontece a exibição do 7º Festival de Performance de Cali . Na segunda-feira, dia 4, acontece o debate sobre Imagem em Questão, na terça, 5, é a vez de Apresentação e Representação e na quarta, 6, conversa sobre Participação e Poética. De 2 a 6 de abril, a partir das 19 horas, a programação tem início com a exibição da série documental Lo URGENTE!.
IMPRESSÕES
Cali é como qualquer cidade média de um país do terceiro mundo. Seus achaques são quase os mesmos de Fortaleza que está no Brasil, mas Cali está na Colômbia e é a terceira maior cidade. A primeira é Bogotá: um bloco cinza, alto, no centro do país, incrustada na cordilheira oriental. A segunda é Medellín que até os anos novena viveu com Cali um violento embate: a sangrenta disputa entre o Cartel de Cali e o Cartel de Medellín. Toda a violência em nome de cultivos, mercado consumidor de drogas, terra, ideologias e dinheiro. A cidade como qualquer outra tem rotas proibidas. Partes do desenho do mapa são inacessíveis, não se pode percorrer, pois são ocupados por alguns grupos específicos.
Fonte: Texto de Simone Barreto
março 30, 2011
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo, diariodepernambuco.com.br
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo
Matéria originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diario de Pernambuco em 28 de março de 2011.
A Galeria Mariana Moura (Recife) e a Galeria Laura Marsiaj (Rio de Janeiro) inauguram, nesta segunda-feira, um novo espaço para a arte contemporânea em São Paulo: a Galeria Moura Marsiaj. A exposição de abertura reúne trabalhos do artista pernambucano Carlos Melo, com curadoria de Cristiana Tejo (também de Pernambuco).
A Moura Marsiaj trabalhará com artistas que já são representados pelas duas galerias em suas cidades, mas que ainda não possuíam um espaço para mostrar suas obras permanentemente em São Paulo. Alguns artistas que trabalham com a Mariana Moura no Recife, como Marcelo Silveira e Gil Vicente, ficarão de fora do novo empreendimento, pois já estavam ligados a alguma outra galeria paulista. A proposta, portanto, é lançar novo nomes no mercado de arte paulistano.
Veja a lista de artistas representados em São Paulo pela nova Galeria Moura Marsiaj:
1. Alice Vinagre (PB Brasil)
2. Amanda Melo (PE Brasil)
3. Ana Elisa (SP Brasil)
4. Ana Miguel (RJ Brasil)
5. Arnaldo Antunes (SP Brasil)
6. Barbara Wagner (PE Brasil)
7. Bruno Vilela (PE Brasil)
8. Carlos Melo (PE Brasil)
9. Celina Yamauchi (SP Brasil)
10. Cristian Silva Avaria (Chile)
11. Daniel Murgel (RJ Brasil)
12. Edgar Martins (Macau)
13. Eduardo Kac (RJ Brasil)
14. Eudes Mota (PE Brasil)
15. Fabio Baroli (MG Brasil)
16. Gabriela Machado (RJ Brasil)
17. Jeanine Toledo (AL Brasil)
18. Kilian Glasner (PE Brasil)
19. Lucia Laguna (RJ Brasil)
20. Marta Chilindron (Argentina)
21. Paulo Vivacqua (ES Brasil)
22. Renata de Bonis (SP Brasil)
23. Waleria Américo (CE Brasil)
24. Walmor Correa (SC Brasil)
Leia texto da curadora Cristiana Tejo sobre a exposição de Carlos Melo:
O Corpo Barroco
"Sempre se pretende que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de nos liberar das imagens primeiras, de mudar as imagens." Bachelard
O Corpo Barroco não nomeia esta exposição, titula apenas um dos trabalhos presentes, mas por sua capacidade singular de sintetizar as questões encarnadas em cada obra, ele é a via de entrada deste texto e da mostra individual de Carlos Mélo. Por sua vez, o todo da mostra é uma espécie de cume de um trajeto, um sumário amadurecido das discussões que movem esse artista. A pista mais óbvia é a própria forma eleita, o anagrama, que já evidencia um enxugamento das palavras que constantemente ocorriam em suas obras do início da década de 2000, por meio dos diagramas.
Palavras e imagem emparelhavam-se formando dípticos para mapear sentimentos e irradiar sentidos, e não para canalizar interpretações. A inversão das palavras, engendrada pelo recurso do anagrama, gera composições que vão enriquecendo a potência de sua proposição, estratégia indubitavelmente mais sofisticada. E esses enunciados estão por si, não se sustentam em nenhuma imagem nem dão sustentação a qualquer imagem.
Agradam-me sobremaneira a expectativa que essas palavras de ordem suscitam nos visitantes e seu consequente desmanche com o confronto com o que se apresenta. Não há referências explícitas ao Barroco histórico. Nem exuberância, nem rebuscamento, nem dramaticidade pungente e muito menos cromofilia. Todavia, subjazem alusões transversais a essa forma de sentir o mundo. Podemos entender, a partir do trabalho de Carlos Mélo, o Barroco como retomada de consciência do corpo em várias dimensões e tudo o que isso acarreta no embate com uma moralidade opressiva. A fricção de contrários que expressa desassossego e o enfrentamento da finitude e da imperfeição.
Sim, as tensões dos antagonismos sublinham os trabalhos e por vezes sentimos uma sensação de familiaridade (até mesmo de déjà-vu) e, ao mesmo tempo, de estranhamento com as imagens construídas, mas o resultado é ambiguidade, e não oposição. A limpeza e a mudez sugeridas nas fotos são uma aparente contradição com o que o Barroco representava. Não se trata de entulhamento de detalhes ou ornamentos, mas justamente abarrotamento de significados e densidade dos simbolismos.
Porém, lembremos que estamos diante de um anagrama, e Barroco pode se transformar em barro oco. O Corpo Barroco pode também ser corpo oco barro. Tanto o barro quanto o oco carregam matizes de voltagens semânticas. Podemos seguir por uma via universalista e rememorar que o barro tem uma conotação religiosa muito forte (como é notório o dito bíblico que afirma que o homem veio do barro) e que sua utilização para se construir artefatos é milenar e comum a muitas civilizações. Outro caminho nos leva a identificar o lugar de pertença de Carlos Mélo: a cidade de Riacho das Almas, nas cercanias de Caruaru, cidade bastião de marca identitária nordestina muito significativa, em que o barro é matéria de expressão concretizada em bonecos e esculturas. O mesmo procedimento de universalização e de localização pode ser adotado com a palavra oco. No dicionário significa vazio por dentro (poderia ser uma citação indireta ao conceito de corpo sem órgãos de Gilles Deleuze e Félix Guattari?) e também fim do mundo (novamente uma menção ao sentimento de deslocamento e de desterritorialização após o ato migratório do artista para a capital de Pernambuco). O famoso painel de Cícero Dias Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife não nos deixa esquecer que enxergamos a existência e o mundo a partir de nosso local de origem e formação. Entretanto, o mundo não se encerra no local de origem, já que nossa perspectiva vai se adensando e se desdobrando com a incorporação de novos repertórios, novas paisagens e experiências no avançar da vida.
Esta mostra parece ainda apontar para um reencontro de questões que estavam sutilmente encobertas na produção de Carlos Mélo nos últimos anos: a espessura catártica de seu corpo. Tendo escolhido a performance como eixo de investigação principal sobre o corpo, o artista dedicou-se ultimamente a explorar as múltiplas formas dessa linguagem, em especial a transferência do fazer performance para atores ou pessoas dirigidas por ele. Essa vertente de experimentação está presente neste apanhado, mas impera sua presença física. Dessa maneira, fica ainda mais patente o desejo de performance, encontrado até mesmo nos desenhos. Importante salientar que a performance parece ser compreendida por Mélo como mecanismo ritual, uma forma de expurgar o que o desassossega, de materializar imagens internas e sentimentos, por vezes selvagens, por outras enformados na cultura do contemporâneo. Performance como vestígio. O tom ritualístico é enaltecido na sugestão de oferenda de um cão e da comida no dia da abertura e numa sequência de imagens que insinua um diálogo com a morte. Não é demais lembrar que oferenda também significa oferecer, inspirar um sentimento e agenciar. Por sua vez, oferecer pode ser desmembrado como apresentar sem proteção. Eu apenas acrescentaria apresentar-se sem proteção. Não é exatamente isso o que Carlos Mélo faz com este conjunto de trabalhos? Desnudar-se em todos os sentidos? Expor cruamente quais são suas intencionalidades artísticas? Nesse caso, o vídeo Nova Arte Moderna, feito em 2004, é exemplar tanto em oferecer um contraponto no tempo a esse rol de discussões como em evidenciar sua ética perante o corpo e a imagem. A tentativa de gerar formas com seu corpo no enquadramento precário do vídeo transparece uma singeleza de meios e uma complexidade de resultados que contrasta fortemente com a normalização e o consequente esvaziamento do uso do corpo e das tecnologias em boa parcela da produção artística atual. Observando o entorno, nota-se que a jornada informacional e tecnológica dos últimos anos tem desembocado numa horizontalização de questões que superficializa a produção. Voltando a observar Carlos Mélo, fica evidente que seu percurso tem firmado um lugar dissonante na Arte Contemporânea recente do Brasil.
Cristiana Tejo
Recife, março de 2011
Masp recebe nesta semana coleção com 2.000 peças de arte asiática por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Masp recebe nesta semana coleção com 2.000 peças de arte asiática
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 30 de março de 2011.
DE SÃO PAULO - Uma coleção de arte asiática, com cerca de 2.000 peças, será doada nesta semana ao Masp. São obras acumuladas nas últimas três décadas pelo diplomata brasileiro Fausto Godoy.
Garimpadas na Índia, na China, no Paquistão e no Japão, algumas dessas peças datam de 3.000 a.C..
Um contrato de comodato será firmado amanhã entre Godoy e o Masp, garantindo a permanência da coleção no museu pelos próximos 50 anos e a doação definitiva depois da morte de Godoy.
No museu, a ideia é que a coleção asiática tenha uma ala própria a partir de 2012. É mais provável que as obras ocupem o espaço no subsolo onde hoje funciona o restaurante.
Godoy começou a juntar as peças quando serviu na embaixada brasileira em Nova Déli, em 1984. Desde então, viveu em cidades como Tóquio, Islamabad e Pequim.
O Masp já avançou em negociações para incorporar ao acervo uma coleção de arte africana que seria doada por um colecionador paulistano.
Fronteiras do Pensamento terá oito palestrantes por Roberto Kaz, Folha de S. Paulo
Fronteiras do Pensamento terá oito palestrantes
Matéria de Roberto Kaz originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 30 de março de 2011.
Lista de conferencistas, que se apresentarão na Sala São Paulo, terá a presença do turco Orhan Pamuk
Projeto de conferências de intelectuais, criado em Porto Alegre, incluirá São Paulo em sua sexta edição
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor de "Amor Líquido", e o filósofo francês Luc Ferry, que escreveu o best-seller "Aprender a Viver", estão entre os conferencistas da sexta edição do projeto Fronteiras do Pensamento.
O ciclo de palestras, que ocorrerá de maio a dezembro em São Paulo e Porto Alegre, teve a a parte paulistana da programação anunciada ontem, na Casa do Saber (ainda resta definir as datas para a capital gaúcha).
No total, serão oito conferências de uma hora e meia, espaçadas ao longo de oito meses, sempre às 20h30, na Sala São Paulo.
A lista de palestrantes ainda conta com o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, referência mundial no estudo de neuropróteses, e o ensaísta suíço Alain de Botton, autor de "A Arquitetura da Felicidade", famoso por popularizar a filosofia em programas de televisão.
Todas as palestras serão mediadas por jornalistas (ver lista completa abaixo).
O professor Fernando Schüler, curador do seminário, comemorou o fato de trazer antigos sonhos de consumo, como o sociólogo Zygmunt Bauman: "Já fazia tempos que tentávamos contar com a presença dele, que finalmente concordou, aos 86 anos. Temos, a nosso favor, o fato de os intelectuais hoje serem mais ativos por mais tempo".
Schüler também destacou a presença de Alain de Botton ("Um filósofo quase da geração Y, que prefere falar de nosso tempo hiperconectado a citar cânones como a Escola de Frankfurt."), e de Luc Ferry que, quando Ministro da Educação da França, entre 2002 e 2004, proibiu o uso de véus e outros símbolos religiosos em escolas públicas do país.
"Além disso, contaremos com a presença de três prêmios Nobel", destacou o curador, referindo-se ao ex-presidente polonês Lech Walesa, à juíza iraniana Shirin Ebadi -ambos laureados com o Nobel da Paz- e ao escritor turco Orhan Pamuk, vencedor do prêmio em Literatura.
"Mas a participação dos palestrantes não se resume aos seminários. Queremos que eles gerem pautas culturais para o ano inteiro", acrescentou.
PASSAPORTE
Criado em 2006, em Porto Alegre, o Fronteiras contou, em edições passadas, com mais de 80 palestras de intelectuais variados, como o jornalista Tom Wolfe, o compositor Philip Glass e o cineasta David Lynch.
No ano passado, o projeto -então dividido entre Porto Alegre e Salvador- recebeu o lendário líder estudantil de Maio de 1968, Daniel Cohn-Bendit, e o prêmio Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa. Em 2011, pela primeira vez, as palestras ocorrerão também em São Paulo.
O passaporte para todas as palestras pode ser adquirido no site Ingresso Rápido, por valores que variam de R$ 1.640,00 (mezanino) a R$ 1.960,00 (plateia). (Schüler diz que, à diferença do que ocorre na Flip, a Festa Literária de Paraty, os participantes do Fronteiras são remunerados, o que encarece os bilhetes.)
Não é possível comprar para conferências individuais.
março 29, 2011
Bienal do Mercosul deve reunir obras de 100 artistas, Estadão.com.br
Bienal do Mercosul deve reunir obras de 100 artistas
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 29 de março de 2011.
Uma Bienal não é um cineclube, uma enciclopédia, um arquivo, uma feira de arte, um museu. Essas são algumas das afirmativas - e críticas - do colombiano José Roca levadas em conta para conceber o projeto geral da 8.ª Bienal do Mercosul, da qual é o curador-geral. A mostra, a ser inaugurada em 9 de setembro e que se estenderá até 15 de novembro, em Porto Alegre, terá a participação de cerca de 100 artistas, "70% deles, da América Latina", diz Roca - e nessa equação o Brasil vai prevalecer. Os criadores convidados serão anunciados apenas em maio, mas os curadores da 8.ª edição já fecharam mostras e atividades.
Orçada em cerca de R$ 18 milhões, a 8.ª Bienal do Mercosul, sob o título Ensaios de Geopoética, tem como tema a questão do território, sobre a ideia de Estado e Nação, informa Roca. "Um tema é uma estratégia, é um jeito de atuar em um território", afirma o curador colombiano.
Esta edição vai homenagear o chileno Eugenio Dittborn (com mostra no Santander Cultural e itinerâncias) e ainda contará com as seções Cadernos de Viagem (em que artistas vão criar seus trabalhos inspirados em experiências em cidades gaúchas como Pelotas e Caxias do Sul, por exemplo, e apresentar também suas obras em instituições desses locais); Cidade Não Vista (uma proposta diferente de arte pública, com criações de caráter sensorial em nove prédios de Porto Alegre); Continentes (de residências artísticas no RS); Além Fronteiras (mostra de caráter histórico, com curadoria de Aracy Amaral); Geopoéticas (exposição principal com trabalhos de cerca de 60 artistas, no Cais do Porto); e terá ainda a Casa M, espaço dedicado a palestras e intervenções artísticas, a partir de 24 de maio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Ana de Hollanda fala a jornal sobre polêmicas no MinC e diz que reações a ela são 'violentas', O Globo
Ana de Hollanda fala a jornal sobre polêmicas no MinC e diz que reações a ela são 'violentas'
Matéria originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de março de 2011.
RIO - Alvo de pesadas polêmicas no ministério da Cultura, Ana de Hollanda admitiu que as reações a ela estão sendo ainda mais violentas do que imaginava ao assumir a pasta, em janeiro. Em entrevista ao jornal " O Estado de São Paulo" deste domingo, a ministra comentou as principais polêmicas de sua curta e já turbulenta gestão, como a retirada da licença Creative Commons do site do MinC, suas supostas ligações com o Ecad, ou os protestos contra a aprovação de captação de verba de R$ 1,3 milhão para Maria Bethânia criar um blog de poesia.
"Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas", defendeu-se Ana de Hollanda, que considerou "muito estranha a gritaria" que a retirada do Creative Commons causou. "Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse", disse ela.
Caetano, sobre o caso do blog de Bethânia: 'É preciso defender os fortes contra os fracos'
O Creative Commons (CC) é uma licença jurídica criada para atualizar o direito autoral frente às mudanças no consumo cultural trazidas com a popularização da internet. Foi adotada pelo MinC na gestão de Gilberto Gil, durante o governo Lula. Ele modifica o mote do copyright de "todos os direitos reservados" para "alguns direitos reservados" - ou seja, cabe ao autor determinar, em sua obra, o que será ou não liberado para o público, desde que a fonte seja devidamente preservada. Ana de Hollanda, porém, enxerga a questão de outro modo. "A democratização é possível sempre, mas ela tem de prever também o pagamento àqueles que criam. Um autor de um livro que trabalha dez anos com pesquisa vive disso. O direito autoral é o salário dele", afirmou.
A polêmica gerada após a aprovação, via Lei Rouanet, para Maria Bethânia captar R$ 1,3 milhão para a criação de um blog de poesia, não passou de "tempestade em copo d'água". "Projetos assim são aprovados mensalmente", disse. Mas admitiu que, no modelo atual da lei, são os departamentos de marketing das grandes empresas quem conduzem a política cultural do Brasil. "Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela", disse.
março 28, 2011
'Também tenho fígado' por Caetano Veloso, O Globo
'Também tenho fígado'
Matéria de Caetano Veloso originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de março de 2011.
RIO - Não concebo por que o cara que aparece no YouTube ameaçando explodir o Ministério da Cultura com dinamite não é punido. O que há afinal? Será que consideram a corja que se "expressa" na internet uma tribo indígena? Inimputável? E cadê a Abin, a PF, o MP? O MinC não é protegido contra ameaças? Podem dizer que espero punição porque o idiota xinga minha irmã. Pode ser. Mas o que me move é da natureza do que me fez reagir à ridícula campanha contra Chico ter ganho o prêmio de Livro do Ano. Aliás, a "Veja" (não, Reinaldo, não danço com você nem morta!) aderiu ao linchamento de Bethânia com a mesma gana. E olha que o André Petry, quando tentou me convencer a dar uma entrevista às páginas amarelas da revista marrom, me assegurou que os então novos diretores da publicação tinham decidido que esta não faria mais "jornalismo com o fígado" (era essa a autoimagem de seus colegas lá dentro). Exigi responder por escrito e com direito a rever o texto final. Petry aceitou (e me disse que seus novos chefes tinham aceito). Terminei não dando entrevista nenhuma, pois a revista (achando um modo de me dizer um "não" que Petry não me dissera - e mostrando que queria continuar a "fazer jornalismo com o fígado") logo publicou ofensa contra Zé Miguel, usando palavras minhas.
A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de "Leite derramado"). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como "Folha", "Veja" e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: "É preciso defender os fortes contra os fracos." Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa.
A "Folha" disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que - embora seu dono e editor tenha dito à revista "Imprensa", faz décadas, que seu modelo era a "Veja" - se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A "Veja" logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela.
Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto "máfia do dendê", expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um "Verdade tropical"). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão.
O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
Ásia no Masp por Antonio Gonçalves Filho, Estadão.com.br
Ásia no Masp
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 28 de março de 2011.
Coleção de arte asiática do diplomata Fausto Godoy vai ser cedida em comodato ao museu, que ganha novo status com o raro acervo
O Museu de Arte de São Paulo (Masp), conhecido por seu bilionário acervo de grandes mestres europeus (Rafael, Goya, Velázquez, Cézanne, Van Gogh, Picasso), está prestes a ganhar a mais valiosa coleção asiática do Brasil. Nesta quinta-feira, o diplomata Fausto Godoy assina com a direção do museu um contrato para a cessão de sua coleção, iniciada um ano após ser convidado a assumir um posto na embaixada do Brasil em Nova Délhi, em 1983. Desde então, Godoy ocupou cargos oficiais nas embaixadas de Nova Délhi, Pequim, Tóquio e Islamabad, além de ter cumprido missões transitórias no Vietnã e em Taiwan. Todo esse percurso ajudou a construir esse acervo de valor inestimável que deverá ser instalado, a partir de 2012, no espaço hoje ocupado pelo restaurante Degas, no subsolo do museu.
Sem exagero, trata-se de uma coleção que vai colocar o Masp no patamar do Metropolitan de Nova York. O museu integra desde 2008 o "Clube dos 19", que congrega os 19 museus com os melhores acervos da arte europeia do século 19, como o Museu D"Orsay, o Instituto de Arte de Chicago e o próprio Metropolitan. De imediato, Godoy entrega em comodato por 50 anos quase 2 mil peças que resumem séculos de história das civilizações asiáticas. Seu empenho, diz o diplomata, é "criar massa crítica no Brasil para o continente que se afigura como o mais importante do século 21". Assim, não se trata apenas de doar uma coleção construída nas últimas três décadas, mas de estabelecer o marco zero de um futuro centro de estudos asiáticos. Aos 65 anos, Godoy diz ter canalizado para o continente asiático sua carreira na diplomacia por estar convencido do papel que países como a China, a Índia e o Japão iriam representar no século 21. "Mais da metade da população vive ali", lembra o diplomata, concluindo: "É fundamental nossa interação com esses países, cujo papel é decisivo na formatação do mundo globalizado".
O Masp aceitou a condição imposta por Godoy para o comodato com testamento anexado: a de ter um curador permanente para a coleção, ponto de partida para um objetivo maior, o de ensinar aos brasileiros como o antigo convive com o contemporâneo nessas culturas, que não enxergam a arte compartimentada como no Ocidente. Essas 2 mil peças da coleção de Godoy integram um catálogo abrangente das civilizações asiáticas que abarca desde um Narasimha, quarto avatar do deus Vishnu - primeiro objeto adquirido pelo diplomata num antiquário de Nova Délhi, em 1984 - até mangás japoneses, passando por gravuras Ukiyo-e do século 19, peças de mobiliário, objetos de porcelana chinesa e até um Buda do século 6.º em tamanho natural.
Curador-chefe do Masp, o professor e crítico Teixeira Coelho mostra-se entusiasmado com a perspectiva de ampliação do museu que, no próximo ano, ganha um prédio exclusivo para a administração, ao lado de sua sede na Avenida Paulista. Para lá será transferido o restaurante e toda a parte burocrática do Masp. Antes, ainda sem data marcada, será realizada uma exposição com peças selecionadas do acervo cedido em comodato ao museu. Como Godoy é o maior conhecedor de sua coleção, ele será o curador da mostra. "Só colecionei obras de temas que conhecesse e não há uma só peça comprada por impulso apenas", diz o diplomata. "Com essa coleção, o museu ganha não só um acervo que o coloca ao lado do Metropolitan", diz Teixeira Coelho. "É quase como uma refundação do Masp", resume. A arte de civilizações antigas não é o forte da coleção do museu, mais conhecido por seu acervo de arte francesa dos séculos 19 e 20. "Temos 60 peças pré-colombianas e devemos receber uma coleção de arte africana", diz o curador, ressaltando a importância da coleção de 52 peças maiólicas (faiança italiana do Renascimento) que já integram o acervo.
"Nunca esqueci um livro de Etienne Souriau que fala da correspondência entre as artes e, justamente por acreditar que esta traz uma melhor compreensão do acervo do Masp, posso dizer que quanto mais cruzamentos entre culturas, melhor será para o público", observa o curador. Elogiando o serviço educativo do museu, coordenado por Paulo Portella Filho, o diplomata, que abriu as portas da Mostra do Redescobrimento para o mundo, diz que optou pelo Masp para doar sua coleção considerando o compromisso do museu com a educação. "Pensei em doar para uma universidade, mas as peças iriam morrer em salas que só acadêmicos veriam."
Família de super-homens por Paula Alzugaray, Istoé
Família de super-homens
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
Sergio Romagnolo/ textos de Agnaldo Farias e Oswaldo Corrêa da Costa/ Editora Martins Fontes/ R$ 98
Sergio Romagnolo pertence à família dos artistas que conversam com super-heróis. Como o clássico da videoarte, "Technology/Transformation: Wonder Woman” (1978), de Dara Birnbaum, ou como nas sagas western de Quentin Tarantino, as pinturas que Romagnolo realizou nos anos 80 do Capitão América hipnotizado ou do Batman emboscado em armadilhas são homenagens sombrias à indústria do entretenimento. A trajetória dos deuses, semideuses, santos e super-heróis que marcaram os 30 anos de carreira do artista paulistano é apresentada no livro que acaba de ser editado pela Martins Fontes.
Romagnolo começa seu trabalho pictórico no início dos anos 80, aos vinte e poucos anos, influenciado pelos desenhos animados e seriados das tardes da infância para a adolescência, segundo indica o critico Agnaldo Farias no texto O Corpo Denso da Imagem, produzido para o livro. Em sua primeira série de pinturas aparecem Batman e Robin em frames fora de registro. Essa representação juvenil – mas já vigorosa – da cultura de massa evolui para a criação de uma iconografia própria de heróis: em 1985, as telas de Romagnolo passam a ser povoadas por um casal de anti-heróis de face idêntica, olhar melancólico e postura corporal invariavelmente prostrada.
No final dos anos 80, a pintura de Romagnolo salta para a escultura e começa a perder contato com a figuração. Agora modelados em fibra de vidro ou plástico, seus personagens midiáticos entram em processo de transformação. O derretimento da imagem propiciado pela nova técnica traz à tona o interesse por santos e ícones religiosos e uma nova família de ídolos do imaginário contemporâneo: do tênis Mizuno à sandália Havaiana, passando pelo Fusca e instrumentos musicais, como “Piano com Pantufa”, de 2002 (foto).
Na última série de trabalhos, num surpreendente movimento de volta à pintura, o artista retoma a técnica usada em Batman para representar a Feiticeira. A heroína migra da tela da tevê dos anos 70 para as telas de Romagnolo de 2008 e ainda para um texto de autoria do artista, “A Feiticeira e as Máquinas”, cujo primeiro capítulo está reproduzido na monografia recém-publicada.
Feito à mão por Paula Alzugaray, Istoé
Feito à mão
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
Passagem secreta - Brígida Baltar/ Organizado por Marcio Doctors/ Editora Circuito/Gratuito
Na apresentação de “Passagem Secreta”, projeto contemplado pelo programa Conexão Artes Visuais, da Funarte, em 2010, o curador Marcio Doctors anuncia que o leitor tem em mãos um “livro-obra”. Realizada a quatro mãos entre o curador e a artista Brígida Baltar, a publicação tem de fato conceituação e projeto gráfico que escapam aos padrões e vêm propor uma qualidade diferente de leitura e contemplação. Além de cumprir seu papel de realizar uma monografia da obra artística de Brígida – com textos selecionados de nove críticos de arte brasileiros e estrangeiros e uma longa conversa entre artista e curador –, o livro traz dois ensaios visuais inéditos, criados durante o processo de produção editorial. Como resultado, esse livro-obra ganha a dimensão de uma gravura, uma obra gráfica, talhada à mão.
O primeiro aspecto que chama a atenção é o corpo da fonte escolhida para os textos: mínimo. Especialmente para os textos que se infiltram entre imagens, às vezes como notas subjetivas, às vezes contando historietas relativas à elaboração do trabalho, mas sempre acrescentando nova camada de informação à leitura da imagem.
A concentração exigida para a leitura inspira silêncio e remete ao mesmo estado curioso no qual mergulhamos quando somos impelidos a olhar pelo buraco da fechadura. Ou ao estado de torpor sugerido nas imagens em que a artista afunda o rosto em uma casa de abelha feita de tecido, se debruça sobre os buracos das paredes de sua casa, ou simula o movimento arredio das marias-farinhas que se escondem nos buracos da areia (foto).
Outro aspecto diferenciado do livro é a riqueza de diagramação das fotografias, que se movimentam página a página sem nenhuma monotonia, exigindo do leitor atenção total a cada detalhe. Toda essa organização minuciosa confabula a favor de uma entrada sutil e respeitosa na obra de Brígida. Como se entrássemos em sua casa.
A arte da ilusão por Nina Gazire, Istoé
A arte da ilusão
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
A íntima relação entre a arte e o teatro na obra da jovem Tatiana Blass
Tudo na natureza está em constante mudança, tudo é ilusão. A sentença do filósofo Heráclito se aplica perfeitamente ao trabalho de Tatiana Blass. Suas esculturas, de metal e parafina, não são feitas para durar. Elas derretem sob o calor de holofotes e o que resta, ao fim, é a obra incompleta, porém não inacabada. Nessas esculturas, que se comportam como performers, a parafina silencia a música quando é vertida sobre instrumentos em execução. Segundo Tatiana, tudo isso é “lembrança de que o que vale, na arte, é engano dos sentidos ou do pensamento”. Nesse jogo, o que acaba por ser revelado é a própria verdade da arte.
Quem não conhece o trabalho dessa jovem artista que, aos 31 anos, já participou da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, e foi indicada ao Nam June Paik Awards, em 2008, terá a oportunidade de conhecer trabalhos significativos dos últimos cinco anos, em exposição em São Paulo e depois em Brasília e Salvador. Entre 14 obras – pinturas, esculturas e um trabalho inédito em vídeo – destacam-se as telas “Teatro para Cachorros” e “Tapete Movediço – o Cachorro e o Padre”. Conhecida por invocar a imagem do cão em instalações, fazendo um misto de taxidermia e escultura, a artista aqui transfere a imagem do animal para a pintura.
Posicionados como silhuetas sombrias, os cães aparecem em planos translúcidos criados pela sobreposição de camadas de tinta. “Sempre refleti sobre o teatro; aqui o cão aparece como a figura de um ator impossível”, diz ela. O palco e o espetáculo são panos de fundo recorrentes em produções da artista, como a série “Metade da Fala ao Chão”, um trompete incapaz de emitir sons. Disso é feita a arte de Tatiana: as falhas e os erros como revelação de uma outra possibilidade para se apreender o real.
Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver por Rubens Fernandes Junior, Folha de S. Paulo
Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver
Análise de Rubens Fernandes Junior originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 28 de março de 2011
Na última sexta-feira, a fotografia brasileira perdeu o seu maior entusiasta: Thomaz Farkas (1924-2011)..
Também o cinema perdeu a inteligência e a sensibilidade de um dos nomes mais emblemáticos da imagem criativa da segunda metade do século 20. Trabalhamos juntos na Coleção Pirelli-Masp por 20 anos e em muitas outras oportunidades.
Desde o início dos anos 1940, quando participa do Foto Clube Bandeirante, sua vida foi pautada pela criação e propagação da fotografia brasileira. Em 1949, realiza a primeira exposição de fotografia do Masp.
No começo dos anos 1970 publica uma revista mensal que durante anos foi referência para toda uma geração de fotógrafos brasileiros. Em outubro de 1979, concretiza a Galeria Fotóptica, especializada em fotografia.
Tornou-se um empreendedor cultural muito antes da era dos patrocínios e dos burocratas da cultura.
Também foi professor da USP, presidente da Cinemateca Brasileira e membro do Conselho da Bienal Internacional de São Paulo.
Ele sempre explicitou sua preferência pela fotografia documental e pelo fotojornalismo. Com sabedoria, defendia a fotografia como uma possibilidade de expressar as emoções humanas.
Sua simplicidade de análise significava que, independentemente dos procedimentos utilizados, a imagem jamais deveria estar associada a justificativas e explicações, pois qualquer tipo de verbalização retira da fotografia o seu mistério. "A fotografia emociona ou não emociona", dizia.
Sabemos hoje que Farkas foi um dos mais criativos fotógrafos da chamada Escola Paulista, mas, ao assumir a direção da Fotóptica, centrou sua energia num arrojado projeto de fortalecimento da marca durante décadas.
Imerso neste mundo do trabalho, sem nunca se desvincular do cinema e da fotografia, seu trabalho fotográfico reaparece somente nos anos 1990 e se insere definitivamente na cronologia da fotografia brasileira.
AMADOR
Após exibir, valorizar e publicar centenas de fotógrafos é que, timidamente, resolveu mostrar sua produção. Aparentemente um paradoxo, mas na realidade isso evidencia sua personalidade generosa e seu caráter ético. Sempre se assumiu como um fotógrafo amador. Amador na essência etimológica mais expressiva -aquele que ama o que faz.
Valorizava a fotografia instintiva, intuitiva, consciente de que "enquadrar é eliminar tudo aquilo que está atrapalhando". Basta ver seus trabalhos em exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, para entender com mais clareza suas ideias.
Quando há um formalismo construtivo dominando a imagem, ela é pontuada por geometria e beleza, equilíbrio e leveza, ou seja, aquilo que ele defendia como sendo uma "visão essencial". Sua fotografia transita pelas linhas diagonais, que geram assimetrias e ordenações rítmicas vertiginosas. A obra fotográfica de Thomaz Farkas tem uma surpreendente coerência interna, porque articula uma ordem formal na desordem dos signos cotidianos.
Ele produz uma fotografia direta que provoca uma nova maneira de ver, capaz de desorientar os sentidos e nos conduzir a estranhos silêncios. A renovação é a tônica do seu trabalho porque, além de situar a fotografia no terreno da expressão artística, interroga-a permanentemente.
Um diferenciado conjunto visual, carregado de emoção, que se transformou numa das experiências mais criativas da fotografia brasileira.
Perdemos Thomaz Farkas, um amigo carinhoso que vivia sob o signo intenso da paixão, mas suas lições e suas fotografias estarão presentes para todo o sempre em nossas memórias. Viva! Viva a fotografia!
Rubens Fernandes Junior é pesquisador e crítico de fotografia