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março 25, 2011
Exposição em São Paulo apresenta obra de 15 artistas do Ceará, Estadão.com.br
Exposição em São Paulo apresenta obra de 15 artistas do Ceará
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 24 de março de 2011.
Mostra fica em cartaz até dia 27 de maio em galeria da Vila Madalena, na zona oeste da capital
O trabalho de quinze artistas cearenses estará reunido na exposição A 4 graus do equador, a partir do dia 26, no Ateliê397, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. A mostra, cujo nome faz referência à localização do estado nordestino, terá abertura com participação dos DJs Jackson Araujo, AD Ferrera e Tiago Guiness, além da apresentação dos músicos Fernando Catatau (da banda Cidadão Instigado) e Jonnata Doll, que tocarão juntos. Todas as peças estarão à venda e a exposição fica em cartaz até 27 de maio.
"A escolha por reunir artistas cearenses não é por acaso. Diante da profusão de discursos sobre o acelerado processo de institucionalização da arte, a voracidade com que o mercado atua e sua crescente internacionalização se torna necessário para o Ateliê397 investigar o cenário artístico de Fortaleza", afirma Carolina Soares, uma das sócias do Ateliê397. "Nesta mostra entram em cena debates sobre a produção artística que não é pautada por um circuito protolocado ou sobre a ausência de instituições de arte capazes de fomentar a reflexão crítica e agenciar sua circulação", acrescenta.
Ao longo da exposição, o Ateliê397 realiza duas Sessões Corredor, uma programação já regular, em que são projetados trabalhos de vídeoarte no corredor central do espaço. Uma acontece no dia 02 de abril (às 20h), com a apresentação de três vídeos que integram a Trilogia da Deriva, realizados por Alexandre Veras. São eles: Marahope 14/07 (2006), Partida (2007) e O Regresso de Ulisses (2008). Após a apresentação dos vídeos haverá conversa com o artista.
A outra acontecerá no dia 07 de maio (também às 20h), com a apresentação do filme Sábado à noite, realizado por Ivo Lopes. São imagens noturnas sobre a cidade de Fortaleza que resultam de uma percepção do indivíduo a partir da relação estabelecida com o lugar.
Possibilidades acústicas por André Valença, Diario de Pernambuco
Possibilidades acústicas
Matéria de André Valença originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diario de Pernambuco em 25 de março de 2011.
Foi de um verso de Fernando Pessoa que o artista multimídia Lucas Bambozzi (SP) tirou a razão de ser da sua instalação sonora na exposição ECO, que estreia amanhã, às 15h, e segue até o dia 29, abrindo das 13h às 17h. ´O essencial é saber ver`, diz o verso, de forma alguma contrariando essa amostra de sons, que reúne quatro obras de três estados.
Disposta a abrir os olhos do espectador para os conceitos de sonoridade, espaço-temporalidade e imagem, a ECO traz, além de Bambozzi, as obras de Ricardo Carioba (SP), Thelmo Cristovam (PE) e do grupo Chelpa Ferro (RJ), composto por Barrão, Luiz Zerbini e Sérgio Mekler.
Os trabalhos estarão expostos na Estação Cultural Senador José Ermírio de Moraes, um casarão moderno, dos anos 1950, na beira-mar de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. ´O modernismo é indigesto`, define Bambozzi, ´o aconchego vem pela acústica também e, no modernismo, ela não é uma prioridade`. Desta forma, o antigo casarão torna-se não apenas um desafio para as instalações, mas uma tela em brancode possibilidades acústicas.
´Meu trabalho é criado em cima da arquitetura da casa`, afirma Carioba, que criou um ambiente iluminado de azul, com sons intensos e dominadores que dão a impressão de submersão. ´Os sons são como uma representação sonora do mar, como se você estivesse dentro da dinâmica da onda`, explica.
Já o Chelpa Ferro se preocupou mais com o objeto do trabalho. Eles construíram dois dispositivos: um munido de altofalantes, e o outro, de lâmpadas. Cada caixa do primeiro aparelho emite um som que tem uma correspondência luminosa no segundo. ´O nosso trabalho tem a ver com comunicação. Dentre os sons, têm vozes perdidas, código morse, pulsação, sonares, transmissões...`, diz Sérgio Mekler.
Bambozzi também se utiliza da dinâmica da comunicação, quando cria uma sala com uma projeção audiovisual e microfones. Quanto mais barulho faz o espectador, mais ruidosa fica a imagem. O falante também escuta o que diz vindo de fora da sala, onde tem um amplificador reproduzindo tudo.
O pernambucano Thelmo Cristovam fez um pouco diferente de todos. Em vez do som ser aberto, está contido em fones de ouvido, que captam as minúncias sonoras e quase impeceptíveis, como a do laguinho da casa, e as maximiza e faz remixes. O trabalho é sugestivamente instalado na cozinha, como se os sons fossem partículas pequenas, uma analogia com os microrganismos que habitam aquele espaço.
Para Carioba, as instalações artísticas, como é o caso do que está sendo exposto na ECO, são muito importantes, visto que põem em xeque conceitos clássicos de arte.
Paulo Pasta e a moradia da cor por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Paulo Pasta e a moradia da cor
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 25 de março de 2011.
Pintor expõe no Centro Maria Antônia, que ainda exibe as obras de Anri Sala, Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Zocchio
Casa de ferreiro, espeto de pau. Com esse ditado popular o pintor Paulo Pasta sintetiza uma recente descoberta em sua trajetória, iniciada na década de 1980 - a cor é a "praia" de sua pintura, o desafio prazeroso. "Antes o buraco do meu trabalho era pensar: ‘O que pintar?’ Entendi que não é o tema, mas que meu negócio é a cor, ela é minha casa", diz o artista, que exibe no Centro Universitário Maria Antônia a mostra Sobrevisíveis, com série de novas pinturas. Nelas, as cores têm uma passagem por vezes mais silenciosa, por outras, surpreendentemente, são como "um forte sussurro" - expressão do pintor Eduardo Sued - em composições feitas a partir de uma estrutura similar e simples, a de três regiões formadas na tela a partir da criação de ‘cruzes’.
Certa vez, o escultor Amilcar de Castro escreveu uma dedicatória a Paulo Pasta dizendo que "o silêncio é a moradia da cor" - e ainda depois, afirmou que a pintura do artista era "uma reza". Outro mestre, Sued, garantiu que "Paulo é o sobrevisível de coisas não visíveis". O título da exposição, Sobrevisíveis, vem daí, da afirmação que aparece no documentário de Pedro Paulo Mendes sobre Pasta e em exibição também no Maria Antônia. No caminho trilhado pelo pintor para nos apresentar essas "coisas não visíveis", Paulo Pasta já se valeu, pela "necessidade de dar ordem", de esquemas de "formas singelas, nem abstratas, nem figurativas", afirma o crítico Ronaldo Brito, feitos a partir de ogivas, "lápis apontados", peões, cálices, até chegar à mais pura e complexa estrutura das cruzes, iniciada em 2007.
Deu-se conta, afinal, que é a cor que confere a "indeterminação, a instabilidade" - a marca contemporânea - em sua obra clássica e sóbria. "Só com a forma não daria para fazer a indeterminação", diz o artista. Cores mais tonais vão convivendo, assim, com cores fortes - há duas telas, A Ilusão das 10 Horas e Outra Lenda, nas quais, respectivamente, prevalecem o amarelo e o vermelho. Mas, de todas as obras, a preferida de Pasta é O Descanso do Pintor - com uma superfície quase branca sobre planos de rosas e outros matizes leves.
Ciclo. Além de Sobrevisíveis, o Centro Maria Antônia exibe as mostras do albanês Anri Sala - um dos maiores destaques do cenário contemporâneo e que participou da 29.ª Bienal de São Paulo -, de Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Marcelo Zocchio. A exposição de Sala, com curadoria de Moacir dos Anjos, "aproxima" os vídeos Intervista (1998) e Dammi I Colori (2003). Segundo o curador, Sala ao colocar em "confronto e em tensão palavras e imagens" faz sugerir em seus filmes "um mundo que busca um entendimento entre partes que com frequência não se pode obter". Gelpi apresenta pinturas e as "duplica", escreve Tania Rivitti, nas paredes e pilastras do prédio. Suci exibe desenhos em Necessidade do Objeto e Zocchio, obras no "meio termo" entre fotografia e escultura.
Curador da Bienal anuncia projetos para 2012 por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Curador da Bienal anuncia projetos para 2012
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 25 de março de 2011.
Luis Pérez-Oramas apresenta hoje seus assistentes e defende foco latino para a mostra
O curador da 30ª Bienal de São Paulo, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, encontra-se hoje com diretores de museus e instituições de arte paulistas para apresentar o projeto inicial da mostra, programada para 2012.
Ele também irá apresentar seus assistentes, o gaúcho André Severo, 37, e o alemão Tobi Maier, 35.
Ontem, Oramas disse que, quando foi convidado para ser o curador, pensou "em ambos na mesma hora". "Conheci Tobi por seu trabalho no espaço Ludlow 38, que dirige em Nova York, e André, em Porto Alegre, como montador e por seu projeto Areal".
O alemão Maier cuida do Ludlow 38, um projeto do Instituto Goethe, em Nova York, desde 2008.
Antes, trabalhou no Kunsthalle de Frankfurt (Alemanha) por dois anos, após ser assistente de Lisette Lagnado na 27ª Bienal de SP (2006).
Já Severo terá na 30ª Bienal sua segundo experiência como curador, após ter realizado, no ano passado, a mostra "Horizonte Expandido", no Santander Cultural de Porto Alegre.
Há dez anos ele organiza o Areal, um espaço independente que viabiliza ações artísticas. O time curatorial ainda é composto pela venezuelana Isabela Villanueva, curadora-assistente da Americas Society, de Nova York, que não está em São Paulo.
Entre as propostas para a 30ª Bienal, Oramas destaca que pretende usar um filtro brasileiro e latino-americano para olhar para "a produção contemporânea".
"O mundo global só pode ser percebido de uma perspectiva local", afirma.
Aos diretores de museus os curadores também vão explicar que a mostra deverá ser descentralizada do pavilhão da Bienal.
"Estamos pensando em vários artistas que criam obras públicas", disse Maier.
Outro aspecto diz respeito ao tempo: "Pensamos num projeto reverso, iniciar a Bienal muito antes da mostra em si, programada para setembro", conta Oramas.
Defendendo que está ainda falando de "ideias em processo", Oramas salientou que a Bienal pretende ter menos artistas que a edição passada (com 159 nomes) e mais obras criadas especialmente para a mostra.
março 24, 2011
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações por André Miranda e Natanael Damasceno, O Globo
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações
Matéria de André Miranda e Natanael Damasceno originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 24 de março de 2011.
RIO - Após quase três meses de especulações vindas de todos os cantos da classe artística, o Ministério da Cultura (MinC) divulgou, em seu site, o projeto da nova Lei do Direito Autoral. A versão atual do texto foi elaborada pelo governo Lula depois de dois meses de consulta pública, em julho e agosto de 2010, e foi retirada da Casa Civil em janeiro, num dos primeiros atos da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, para quem o projeto deveria ser revisto. (Leia também: MinC torna público texto da reforma do direito autoral)
São muitas as alterações nos 115 artigos da proposta em comparação ao texto que foi colocado em consulta pública. Uma das mais significativas está no artigo 52-B, que trata de licenças não voluntárias. Antes, a proposta, se aprovada, daria poder ao presidente da República para conceder licença para reprodução de obras em determinadas situações mesmo contra a vontade do titular do direito. Na nova versão, a figura do presidente foi substituída pela Justiça.
Já no capítulo sobre as associações, a nova redação do projeto inclui um parágrafo que permite aos autores receber uma prestação de contas do órgão de gestão coletiva de seus direitos, inclusive por intermédio do Ministério da Cultura. Na lei em vigor atualmente, instituições como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não podem sofrer interferência alguma do governo.
- Eles escutaram as pessoas. O projeto que foi para a Casa Civil foi até mesmo melhorado em pontos pedidos por setores mais conservadores da sociedade - diz o advogado Daniel Campello Queiroz, da empresa UP-RIGHTS. - O projeto está pronto para ir para o Congresso. Estão aí todas as alterações possíveis de se fazer num projeto que atenda ao mesmo tempo os interesses de autores e da indústria.
O texto também agradou ao vice-presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), Carlos Mills. Há duas semanas, ele foi um dos signatários de um documento chamado "Terceira via do direito autoral", em que um grupo de artistas pedia uma nova proposta para a lei.
- A proposta amadureceu muito. Foram retiradas questões que suscitaram polêmica e que preconizavam uma excessiva flexibilização dos direitos autorais - diz Mills. - Mas é claro que um assunto dessa complexidade sempre comporta debate. Por isso, acho saudável que se discuta um pouco mais. No entanto, não quero dizer que este debate deva se prolongar excessivamente.
Doutor em direito e advogado especializado no tema, Bruno Lewicki corrobora os elogios à versão apresentada. Segundo ele, o texto está ponderado e mostra um esforço do MinC para adequar a primeira versão aos pontos levantados nas audiências públicas.
-- Ainda pode-se fazer um ou outro ajuste, mas, pelo que vi, é um projeto corajoso, bastante técnico. O mais importante é que ele traz consigo a ideia de equilíbrio, ampliando os direitos dos autores, especificamente na parte contratual. Além disso, não esquece os investidores da industria cultural. - diz Lewicki.- A partir de hoje, passamos a discutir um texto concreto. Agora, o que a gente espera é que essa discussão seja breve e objetiva, e que o projeto não seja alterado na essência.
A reforma da Lei 9.610, de 1998, foi uma das principais bandeiras das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do MinC. Por isso, de 2007 a 2010, o governo realizou congressos e reuniões com o setor, até chegar à versão do texto que foi enviada para consulta pública. Durante o processo, o MinC recebeu oito mil sugestões de alterações.
Mas, ao assumir a pasta, Ana de Hollanda afirmou que reveria o processo, intenção que é reiterada hoje pela responsável pela Diretoria de Direitos Autorais do MinC, Marcia Regina Barbosa. Ela não confirma, mas fala-se dentro do ministério que o texto pode, inclusive, ser posto mais uma vez em consulta pública.
- A posição atual é a de que o projeto pode ser aperfeiçoado e que, por isso, ele deve ser revisado - diz Marcia. - Nós vamos disponibilizar um cronograma indicando as ações a serem realizadas para a conclusão do processo de revisão.
março 23, 2011
Dilma busca aproximação com artistas por Ana Flor, Folha de S. Paulo
Dilma busca aproximação com artistas
Matéria de Ana Flor originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Na próxima sexta, a presidente dará início a uma série de encontros culturais mensais no Palácio da Alvorada
Primeiro evento irá reunir 30 cineastas; segundo assessores, a presidente quer ter nos artistas a base da gestão
A presidente Dilma Rousseff dá início, na sexta-feira, a uma série de encontros culturais no Palácio da Alvorada, em que pretende se aproximar da classe artística.
A partir de março, ela organizará um evento artístico por mês, com convidados de diferentes áreas.
A estreia será com cerca de 30 cineastas mulheres, que estão sendo convidadas para um jantar com a presidente.
Dilma pretende fazer uma sessão fechada de "É Proibido Fumar", filme de Anna Muylaert estrelado por Glória Pires, na sala de cinema do Alvorada.
A escolha de mulheres ligadas ao cinema ainda faz parte das comemorações do mês da mulher -na quarta-feira (23), Dilma abre a exposição de mulheres artistas no Palácio do Planalto.
Nos próximos meses, entretanto, o público não ficará restrito ao gênero feminino. O governo já programa eventos no Alvorada que celebram a música, a literatura e o teatro.
APOIO
O plano é trazer grandes nomes da cultura brasileira para dentro "da casa da presidente"-o Alvorada é a residência oficial de Dilma.
Ao aproximá-la de artistas, o Planalto ao mesmo tempo agrada à presidente, entusiasta das artes, como também tenta carimbar Dilma como "a presidente da cultura".
E, se Lula teve nos movimentos sociais um de seus principais apoios, assessores gostariam de ver o mesmo efeito na proximidade entre Dilma e a classe artística.
No círculo próximo à presidente, há quem cite o encontro com artistas no Rio, no início do segundo turno das eleições, como um dos momentos de maior impulso da campanha.
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, é uma das principais entusiastas da ideia. Ela deverá ajudar na escolha dos temas e convidados.
GOSTO
Entusiastas do projeto afirmam que, por ser grande apreciadora das artes, Dilma tem a chance de criar "um relacionamento único com a classe artística" e também de ajudar a impulsionar a cultura no país.
O interesse de Dilma pelas artes fez com que ela, por exemplo, negociasse pessoalmente a vinda do "Abaporu", da artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), para a exposição que se inicia na quarta.
A pintura pertence a um colecionador argentino desde 2001 e está exposta em Buenos Aires, no Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).
Dilma pretende abrir o Alvorada também para visitas de estudantes. O palácio já recebe visitas guiadas nas quartas-feiras.
A presidente deseja ampliar os horários das visitas e demonstrou interesse de, ela mesma, conduzir alguns grupos de jovens estudantes.
Na lista de convidadas para o jantar de sexta estão, além de Anna Muylaert, nomes como Carla Camurati, Lucélia Santos, Bia Lessa, Norma Bengell, Lucia Murat, Tizuka Yamasaki e Monique Gardenberg.
O choque do novo por Paula Alzugaray, Istoé
O choque do novo
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 18 de março de 2011.
MoMA expõe guitarras de Picasso, a série com a qual o mestre inventou a colagem cubista, ancestral do "cut and paste"
Picasso: Guitars 1912-1914/ MoMA, NY/ até 6/6
“O que é isso? Pintura ou escultura?” Essa era a pergunta mais frequente entre os visitantes do ateliê de Pablo Picasso, em Paris, no verão de 1914, quando se deparavam com um violão montado em folha de ferro. “Não é nada disso. É uma guitarra”, resumia Picasso. De fato, sua “Guitarra” (1914) não era nem uma escultura sem pedestal nem uma pintura que escapava da parede. Mas poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esses eram os anos do “choque do novo”.
Enquanto o mestre catalão rompia as fronteiras entre categorias artísticas, escritores como Apollinaire e Mallarmé quebravam os limites entre a poesia e o jornalismo. A ordem do dia era promover a ascensão da cultura popular sobre as artes eruditas. E o melhor ícone desse levante são as guitarras de Picasso, em exposição no Museum of Modern Art de Nova York até junho.
A exposição reúne duas guitarras – em folha de ferro e papelão – doadas pelo artista ao MoMA e uma série de 65 colagens, desenhos, pinturas e fotografias relacionadas ao tema, garimpadas de 35 coleções públicas e privadas de todo o mundo. A maioria das colagens é de dezembro de 1912, data que Picasso começa a introduzir matérias não convencionais ao seu trabalho. Jornal, papel de parede, pauta musical, rótulo de garrafa de vinho, cartolina, papelão, arame e até mesmo pedaços de desenhos antigos são usados para dar forma a composições de naturezas-mortas com violões e violinos.
Cavalheiros com chapéus e cigarros, ou guitarras sobre a mesa, qualquer que seja a imagem sugerida nas colagens, o que Picasso faz aqui é desafiar um sistema de representação baseado na figuração. Além de declarar seu amor à boemia e à música flamenca, com suas “Guitarras”, ele dá continuidade ao “cubismo analítico”, pesquisa iniciada em 1911, através da qual Picasso e Georges Braque começaram a enxergar a realidade com planos simples, abandonando a busca de volume propiciado pela perspectiva renascentista. Fazem 100 anos que Picasso começou a desconstruir copos, garrafas, faces, torsos e guitarras flamencas. Mas esse impulso desconstrutivista é a origem de toda a fragmentação que vivemos hoje.
O que o artista tem a dizer sobre as cidades por Paula Alzugaray, Istoé
O que o artista tem a dizer sobre as cidades
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 11 de março de 2011.
CONTAMINACIONES CONTEMPORÁNEAS/ MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP, SP/ até 27/3
Uma das grandes mazelas globais é a falta de estrutura para o excesso populacional em aglomerados urbanos. Mas, longe de pensar apenas nas consequências negativas desse crescimento desregrado, 12 jovens artistas chilenos realizam uma reflexão sobre o espaço da cidade na exposição “Contaminaciones Contemporáneas”. A mostra, que também apresenta um pequeno panorama da produção artística do Chile atual, oferece diferentes perspectivas e olhares sobre os cenários urbanos do país e de outros lugares do mundo. Um exemplo é a série de fotografias de Francisca Benitez, denominada “Próteses do Novo Êxodo”. Essas fotos foram tiradas em comunidades judias da cidade de Nova York, onde, durante o outono, são construídas estruturas nas áreas externas das moradias e prédios. As sucás, como são chamadas essas construções, integram um ritual no qual as famílias judias relembram a história da passagem do povo hebreu pelo deserto.
Ao escolher o termo “contaminação” para traçar a linha curatorial evoca-se a vivência do urbano como fenômeno global de inspiração artística. “As ideias sobre a contaminação aqui são reais e ao mesmo tempo abstratas. É por ela que podemos perceber como o homem intervém nas diferentes paisagens, ainda que seja um bairro, como no caso da obra de Benitez, em que uma zona da cidade é alterada durante uma semana por causa de um rito religioso”, diz o arquiteto chileno Paul Birke, um dos idealizadores da exposição.
A interseção entre a cidade e a criação perpassa indiretamente toda a produção de arte desde o Renascimento até os tempos de hoje. Por isso, nesta exposição estão presentes desde estruturas arquitetônicas universais, como encanamentos espalhados pela galeria feitos pela artista Johanna Unzueta, até elementos típicos de culturas urbanas específicas, como, por exemplo, as maquetes e projetos futuristas feitos para a cidade de Santiago e apresentados pelo artista Ales Villegas, que funcionam como um registro dessa paisagem artística atual do Chile e de suas cidades.
Eu tenho mais de 20 anos por Paula Alzugaray, Istoé
Eu tenho mais de 20 anos
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 10 de março de 2011.
Retrospectiva de Leonilson apresenta a obra confessional do artista que pintava como se escrevesse cartas de amor
Sob o peso dos meus amores/ Itaú Cultural, SP/ de 17/3 a 29/5
Leonilson foi e será sempre o jovem poeta da arte brasileira. Certa vez, confessou à amiga Lisette Lagnado, crítica de arte, que a palavra entrou em seus desenhos em 1989, quando estava muito apaixonado. “Pensei em escrever nos desenhos, em vez de ficar escrevendo em cadernos.” Foi um desejo forte, que não podia calar, que inaugurou sua livre escrita sobre as imagens. O conjunto dessa obra povoada de textos íntimos e pensamentos em voz alta pode ser comparado, então, a um livro poético. Livro que às vezes se confunde com um caderno de notas, um diário, ou mesmo uma coleção de cartas de amor. “Sob o Peso dos Meus Amores” apresenta uma retrospectiva de 318 obras-poemas de Leonilson, artista que em 36 anos de vida produziu um dos conjuntos mais significativos da arte brasileira, hoje distribuído nas maiores coleções públicas e privadas do planeta.
Bonito, traidor, tímido, egoísta, mentiroso. Os adjetivos que pontuam seus desenhos, bordados, pinturas e cadernos poderiam muito bem ser autorreferentes. Mas sabe-se que Leonilson dedica sua atividade artística ao outro, ao parceiro anônimo e distante, ao amigo ideal. Seus textos são portanto declarações. Embora quase sempre incógnitos, dessa vez um deles vem à tona. Trata-se do amigo, colecionador e artista alemão Albert Hien, que emprestou para a exposição do Itaú Cultural 66 obras de sua coleção, entre elas a instalação inédita “How to rebuild at least one eight part of the world” (1986), feita a quatro mãos pelos dois amigos.
Além das raras e inéditas obras da coleção baseada em Munique, a mostra apresenta uma sequência coerente de obras antológicas, como a pintura “São Tantas as Verdades” (1988), a aquarela “Leo não Consegue Mudar o Mundo” (1989), o bordado “Voilà Mon Coeur” (1990), a pintura “Os Pensamentos do Coração” (1988) e o vestido bordado com a frase “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo” (1990).
Leonilson já ganhou homenagens sinceras: na Bienal de 1998 teve uma sala especial dedicada ao seu trabalho e, em 2003, no décimo aniversário de sua morte, a Galeria Vermelho, do amigo Eduardo Brandão, promoveu a exposição “Vizinhos”, que se propôs a traçar as relações bastardas entre o pintor poeta e a nova geração da arte contemporânea. Leonilson suscita sempre novas amizades e a atual exposição se inscreve como mais uma importante declaração de afeto ao artista.
Eterno retorno por Nina Gazire, Istoé
Eterno retorno
Matéri de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 18 de março de 2011.
Mil e um dias e outros enigmas - Regina Silveira/ Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre/ até 29/5
Ao longo das últimas quatro décadas a artista plástica Regina Silveira não esqueceu Porto Alegre. Foi na capital gaúcha que ela nasceu e ali fez parte da turma de alunos do pintor Iberê Camargo. Desde que deixou a cidade, em 1967, retornou a sua terra natal diversas vezes com trabalhos e exposições, porém não realizou uma mostra que abarcasse tão completamente sua carreira, como a que acontece agora na Fundação Iberê Camargo. “Mil e um dias e outros enigmas” tem a curadoria do colombiano José Roca, que também é o curador da Bienal do Mercosul 2011. A exposição revisita a produção de Regina a partir da década de 1980 e apresenta trabalhos realizados especialmente para a mostra.
Um dos pontos de partida é a antológica “Anamorfas”, série de figuras distorcidas a partir de um estudo das anamorfoses, efeito visual utilizado na pintura por artistas que se dedicaram ao estudo da perspectiva. A artista aborda, em específico, as anamorfoses do pintor italiano Giorgio De Chirico, nome de fundamental importância para o entendimento do seu percurso, proposto pela exposição. Seu quadro “Enigma de Um Dia” (1914) é referenciado na série “Enigmas”, em que, assim como De Chirico, Regina elege a sombra como tema. “Mesmo que eu não trabalhe com a pintura diretamente, ela ainda permanece indiretamente nas minhas criações”, comenta a artista sobre De Chirico, que foi professor de Iberê Camargo na década de 40. A artista faz menção ao seu passado de pintora com a peça escultórica “Dobra Cavalete”, que apresenta a sombra de dois cavaletes distorcidos.
Mais recente, “Mundo Admirablis” (foto) faz menção às pragas bíblicas, espalhando pelo espaço interno do prédio figuras gigantes de insetos retirados de livros especializados. A obra “Atractor” (foto), grande orgulho da artista, é uma intervenção na fachada do prédio da instituição, onde a palavra “Luz” não apenas atrai e reflete a luminosidade do dia, mas também toda a paisagem do rio Guaíba. “Já utilizei a palavra luz em mais de 14 intervenções. Pensei ter esgotado todas as formas, mas aqui ela reaparece. Na minha imaginação, ela não se esgotou”, diz Regina, que neste trabalho homenageia o que há de mais belo em sua cidade natal.
março 22, 2011
Luz de Olafur por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Luz de Olafur
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal o Estado de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Artista dinamarquês cria obras e um filme com Karim Aïnouz para sua mostra no Brasil
Uma série de surpresas está guardada para a grande mostra do dinamarquês Olafur Eliasson, a partir de setembro, em três espaços de São Paulo. Convidado para ser a estrela principal do 17.º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc-Videobrasil, sua mostra, com curadoria de Jochen Volz, vai se espalhar pelo Sesc Belenzinho, Sesc Pompeia e Pinacoteca do Estado. Olafur está criando obras novas para a exposição, sua maior exibição na América Latina. Mais ainda, a ocasião permitiu ao artista realizar agora seu primeiro trabalho em colaboração com um criador brasileiro: ele e o cineasta Karim Aïnouz começam a rodar em abril um filme baseado em São Paulo.
Percepção é o campo de excelência das criações de Olafur Eliasson, que em 2003 colocou um enorme sol artificial feito de lâmpadas, espelhos e fumaça no Turbine Hall da Tate Modern, em Londres - The Weather Projetc - , já uma das imagens mais impactantes da arte contemporânea dos anos 2000. Mais ainda, em 2008, ele criou cachoeiras - Waterfalls - em uma extensão do Rio Hudson, em Nova York.
Com o uso de luzes, cores, espelhos, mecanismos tecnológicos e ópticos, suas obras, em casos, referindo-se a fenômenos da natureza, incitam camadas para sensações de beleza. Clamam, mais que tudo, pela necessidade de uma observação mais sensível nos dias de hoje. Nesse sentido, seus trabalhos ganham mais força ainda quando criam um espaço entre a experiência individual e o espetacular. "Trabalho com sentimentos e emoções e me interessa como artista colocar como questão se você se sente parte de uma sociedade ou de um grupo de pessoas", diz Olafur ao Estado.
Ele tem voltado seu olhar especialmente para São Paulo nos últimos meses. Está produzindo um grande labirinto de luzes, cores (talvez as primárias) e "um pouco de névoa" para ser experimentado pelo público no Pompeia como parte do 17.º Videobrasil, o festival que, realizado pelo Sesc, este ano abre sua mostra competitiva a todas as linguagens artísticas contemporâneas, para além do vídeo. "Meu trabalho é muito efêmero e assim a experiência, proação, é parte central da obra", afirma o arista, que se diz inspirado por criadores brasileiros como Hélio Oiticica e Cildo Meireles. "Experimentar é também criar algo e no espaço público é uma responsabilidade maior", continua Olafur.
O labirinto, ele conta, é o "símbolo da sociedade": coloca, ao mesmo tempo, sobre estar dentro e estar fora. "Quero ser muito cuidadoso com a luz para que ela desperte lembranças e sentimentos de questões abertas nas pessoas." De 1998, quando participou da 24.ª Bienal de São Paulo, para cá, sua percepção sobre a cidade paulistana mudou muito, tornou-se "menos naïf", afirma ele.
Cinema. Além de criar obras novas como o labirinto e apresentar versões de trabalhos como a instalação I Only See Things When They Move (2004) no Videobrasil dirigido por Solange Farkas, o artista - nascido em Copenhagen, com passagem na Islândia e hoje residente em Berlim - vai realizar com o cineasta Karim Aïnouz um filme que tem sua estreia marcada para a abertura do festival em setembro, no Sesc Belenzinho. A ideia inicial era a de que Aïnouz fizesse, a convite da Associação Cultural Videobrasil, um documentário sobre Olafur, mas o projeto tomou novos rumos. "Estamos ainda discutindo se será um filme ou uma instalação em que a superfície da projeção será um concreto translúcido belga de fibra ótica", conta o cineasta, frisando que a obra está centrada no "espectador de cinema".
O primeiro encontro dos dois ocorreu em novembro, em Berlim. "Karim é muito sensível e trabalhar com ele será ter a capacidade de desdobrar uma intensidade", diz o artista. Ele afirma ainda que gostou, especialmente, do filme experimental Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, dirigido por Aïnouz e Marcelo Gomes. "Falamos muito de São Paulo, enquanto experiência urbana, seus espaços públicos, híbridos. Sugeri que tratássemos da transparência e opacidade da cidade", conta Aïnouz.
A princípio, para abordar a questão da percepção por meio do cinema, Olafur e Aïnouz pensam em criar imagens de São Paulo, "algumas abstratas, outras figurativas", tendo como desafio trabalhar a "ausência de cor" da metrópole. "Ela é tão gigantesca e cinética que as cores viram cinza", conclui o cineasta.
Brasileiras são confirmadas em Veneza por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Brasileiras são confirmadas em Veneza
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2011.
Artistas expõem em mostras paralelas; Brasil não tem representação oficial garantida
Cinthia Marcelle e Rivane Neuenschwander são as brasileiras confirmadas em mostras paralelas à 54ª Bienal de Veneza, que começa em 4 de junho. Marcelle irá expor em mostra organizada pelo Pinchuk Art Centre.
Neuenschwander participa de mostra com curadoria de Rosa Martinez. Não há brasileiros na mostra principal, "ILLUMInations".
Além disso, a representação do país corre o risco de não ocorrer devido a dificuldades burocráticas na liberação de verba pela Funarte.
Artur Barrio, por exemplo, tem sua participação orçada em R$ 400 mil. Segundo Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal, se o valor não for liberado até a próxima semana, a presença pode ser cancelada.
Ontem, a Funarte divulgou que "encontrou junto à sua assessoria jurídica uma solução possível para viabilizar o apoio à participação brasileira na Bienal de Veneza. Estamos em contato com a Fundação Bienal e iremos apresentar a solução até o fim desta semana".
Em exposições paralelas, além de Marcelle, o cineasta Neville d'Almeida também pode estar presente, na mostra "Entre Siempre y Jamás", organizada por Alfons Hug, no pavilhão latino-americano do Instituto Italo-Latinoamericano (Iila).
Artistas denunciam censura e intervenção policial por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artistas denunciam censura e intervenção policial
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março em 2011.
Enquanto os curadores anunciavam a abertura oficial da Bienal de Charjah, há uma semana, circulava um e-mail do artista Caveh Zahedi acusando de censura a fundação que organiza a mostra.
Na inauguração da mostra para autoridades, momento em que os xeques cruzam o tapete vermelho para entrar no museu, artistas que protestavam contra a morte de manifestantes no Bahrein foram parados pela polícia.
Um deles, o paquistanês Ibrahim Quraishi, chegou a ser preso e foi interrogado por cinco horas por segurar cartazes com os nomes dos sete mortos na ação que envolveu soldados dos Emirados Árabes Unidos.
"Eles me perguntaram por que eu estava querendo perturbar a ordem", disse Quraishi à Folha. "Também insinuaram que eu tinha ligações com planos terroristas."
Mesmo que essa décima edição da Bienal de Charjah tenha sido dedicada pelos curadores aos "ventos de mudança" que sopram na região, permanece hostil o ambiente para a liberdade de expressão no país.
No caso de Zahedi, nome que foi cortado de última hora do programa de filmes da mostra, a direção da Fundação de Arte de Charjah disse que o artista não havia respeitado o contrato firmado.
Segundo Jack Persekian, diretor da fundação, Zahedi retratou funcionários da Bienal de forma negativa em seu filme, de forma que os que aparecem não autorizaram o uso da imagem.
"Ele sugeriu reeditar o vídeo, mas isso foi há alguns dias, já não era possível", disse Persekian.
Haig Aivazian, curador-adjunto da Bienal, disse que o filme fazia um retrato raso de questões locais. "Fiquei na posição incômoda de censor", disse Aivazian. "Mas essa era uma obra limitada e desrespeitosa."
Também houve problemas com uma obra do artista marroquino Mounir Fatmi, num dos estandes da feira Art Dubai, que acontece em paralelo à Bienal de Charjah.
Numa instalação com bandeiras dos 22 países da Liga Árabe, ele pôs vassouras sob os símbolos nacionais da Líbia e do Egito. Por ordem dos xeques, elas foram retiradas da peça por simbolizarem uma mensagem indesejável ao governo.
Terra em transe por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Terra em transe
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Maior mostra de arte contemporânea do Oriente Médio, a Bienal de Charjah , aberta há uma semana nos Emirados Árabes Unidos, assume tom político ao apresentar obras que ecoam onda de revoltas populares em curso em países do mundo árabe
Está coberto de manchas vermelhas, como rastros sangrentos de uma batalha, o pátio de um prédio no centro antigo de Charjah, emirado vizinho a Dubai.
Trabalho do artista indiano Imran Qureshi, a intervenção tem uma leitura ainda mais aguçada na semana em que tropas estrangeiras avançam sobre a Líbia em guerra e revoltas se acentuam no Oriente Médio.
Não espanta que seja uma das peças centrais da décima Bienal de Charjah, maior mostra de arte contemporânea na região, que começou há uma semana, no dia em que soldados dos Emirados Árabes Unidos invadiram o Bahrein para conter revoltas.
"Essas obras têm certa urgência", diz Suzanne Cotter, uma das curadoras da mostra. "É possível ler ameaças e tensões nesses trabalhos", completa Rasha Salti, que também assina a curadoria.
Toda a exposição parece oscilar entre testemunhos mais e menos realistas de revoltas passadas, da Argélia ao Líbano, e tentativas de reescrever a história do Oriente Médio pelas lentes subjetivas dos artistas.
"Essa subjetividade da arte pode ser uma forma de resistência em alguns contextos", resume Cotter. "Queria que a Bienal refletisse essa parte do mundo, os paradoxos reais entre devoção, traição e ameaças."
OBRAS NA RUA
Em tempos de manifestações que ocupam praças e ruas, a Bienal de Charjah espalhou obras pela cidade, mergulhadas no ruído das mesquitas e do trânsito.
Um foguete branco apontado para o céu na esplanada em frente ao Museu de Arte de Charjah, obra dos libaneses Khalil Joreige e Joana Hadjithomas, parece um míssil armado para combate.
Mas é, na verdade, homenagem ambígua ao fracassado projeto que tentou colocar o Líbano nas disputas científicas da era espacial.
"Deslocamos esse olhar", diz Hadjithomas. "Também porque as pessoas que se dedicaram a esse projeto estavam sonhando, como esses que tomam as ruas agora."
Distante algumas quadras dali, a norte-americana Trisha Donnely, que estará na próxima Bienal de Veneza, fez uma escultura num pátio vazio ao som de graves que ecoam pela construção.
Cria um espaço de grande tensão, opondo a abstração de suas formas lapidadas ao preâmbulo sonoro de uma guerra, ruídos sublinhados ali pelos chamados à reza que ecoam dos minaretes.
São resíduos de imagem e som costurados num plano plástico, da mesma forma que um vídeo reconstitui a rota dos assassinos de um líder do Hamas morto há um ano num hotel em Dubai.
Sem personagens em cena, uma câmera subjetiva passeia por corredores e quartos anônimos. Enxerga uma perversidade latente nesses espaços, como se reenquadrasse a memória em chave de ameaça.
MEMÓRIAS REESCRITAS
É um ensaio visual potente numa mostra que, em grande parte, subverte a história e articula seus fragmentos na tentativa de avançar rumo ao futuro -preparar o terreno para mudanças em curso.
Nesse ponto, o indiano Amar Kanwar, que esteve na última Bienal de São Paulo, repete num vídeo o momento em que o ditador de Burma, em visita oficial à Índia, joga flores sobre o lugar onde foi cremado Mahatma Gandhi.
"Levaram o homem mais brutal do mundo a oferecer flores a Gandhi", diz Kanwar. "Quis repetir esse gesto à exaustão, até que as flores parecessem uma corrente de sangue derramado."
Também abusa da estridência das cores o tributo da libanesa Rania Stephan à diva do cinema egípcio Soad Hosni, morta ao cair -ou se jogar- do alto de um prédio em Londres, há dez anos. Imagens distorcidas de velhas fitas magnéticas, cenas de mais de 60 filmes estrelados por Hosni, são editadas numa longa sequência de cortes, idas e vindas, colagem que destrincha a construção de um ícone popular.
Karim Aïnouz, único brasileiro na mostra, desloca o olhar fixo sobre um personagem para um lugar. No caso, uma rua por onde passava o Muro de Berlim e que é hoje ocupada por imigrantes.
Gravado em super-8, suporte obsoleto que parece envelhecer a imagem e embaralhar os tempos da narrativa, é um filme que trabalha seu objeto com forte ênfase na textura da imagem.
"Fala da impossibilidade de avançar uma fronteira, um lugar que já não existe", diz Aïnouz. "E tem muito a ver com essa parte do mundo que passa agora por uma transformação radical."
março 21, 2011
Blog de poesia de Maria Bethânia inspira debate sobre projetos brasileiros na web por André Miranda e Mauro Ventura, O Globo
Blog de poesia de Maria Bethânia inspira debate sobre projetos brasileiros na web
Matéria de André Miranda e Mauro Ventura originalmente publicada no caderno cultura do jornal O Globo em 21 de março de 2011.
RIO - Nos últimos dias, uma discussão se espalhou como vírus pela internet: até que ponto um projeto na web deve ter um alto custo e receber apoio público, já que a rede é caracterizada por seu espírito independente e colaborativo? O debate foi levantado na última quarta-feira, após a divulgação, pelo jornal "Folha de S. Paulo", de que o governo autorizou o projeto O Mundo Precisa de Poesia a captar R$ 1,3 milhão em recursos via incentivo fiscal. A proposta, de acordo com sua própria sinopse, tem como objetivo a criação de "um blog inteiramente dedicado à poesia", em que um vídeo diferente será postado diariamente durante um ano. Os 365 vídeos trariam a cantora Maria Bethânia declamando poemas de grandes autores.
O valor foi considerado alto por muitos internautas. Os comentários criticavam desde o fato de o MinC aprovar um projeto para um blog até a destinação de um cachê de R$ 600 mil para o que seria a direção artística do projeto, a cargo de Bethânia.
- Existe uma ideia equivocada de que só se pode ter coisas toscas na internet. Quando o (antropólogo) Hermano Vianna me procurou para falar do projeto, a ideia era que qualquer um pudesse ter acesso a um material de qualidade - diz Andrucha Waddington, diretor dos vídeos. - Uma coisa é você postar uma poesia em seu blog. Outra é você fazer um vídeo conceitual por dia com uma artista como a Bethânia. Nossa proposta é que cada filmete tenha relação com o dia da semana, do mês ou do ano em que vá ao ar. E tudo isso será colocado na rede de forma gratuita e para uso de domínio público.
Os orçamentos para projetos de internet inscritos no MinC variam muito. De acordo com a assessoria técnica da pasta, muitos chegam a ultrapassar R$ 1 milhão, como o de Bethânia. Um desses é o do site Porta Curtas, de divulgação de curtas-metragens nacionais. A última proposta do Porta Curtas na Lei Rouanet foi autorizada a captar recursos em 31 de janeiro deste ano, no valor de quase R$ 1,5 milhão.
A maioria dos proponentes, porém, requisita verbas inferiores a R$ 1 milhão. Em 15 de fevereiro, o Portal Tela Brasil, site de divulgação audiovisual, recebeu autorização para captar R$ 434 mil. Em 25 de fevereiro, o projeto Fluxus - Festival Internacional de Cinema na Internet, de exibição de curtas nacionais e internacionais, teve aprovada uma proposta de R$ 252 mil. Pouco depois, em 16 de março, o projeto Artedigital.br, um banco de dados sobre a arte digital brasileira, recebeu um parecer favorável de R$ 303 mil.
- O problema é que o debate é distorcido. As pessoas não olham para o conteúdo produzido, não olham para o que aquele dinheiro está de fato remunerando. As pessoas só olham para o fato de ser na web e para o valor - diz Oona Castro, diretora-executiva do Instituto Overmundo, que tem como missão a promoção do "acesso ao conhecimento e à diversidade cultural no Brasil".
Hoje, a Lei Rouanet prevê sete áreas para incentivo fiscal: artes cênicas, artes integradas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Nenhuma delas é sobre internet, tanto que o projeto O Mundo Precisa de Poesia foi inscrito na rubrica do audiovisual.
- Disso tudo, vejo duas discussões salutares. A primeira é a supervalorização de projetos para outros meios e a desvalorização de projetos na internet. A outra são algumas distorções da Lei Rouanet, que levam as empresas a buscar projetos com artistas famosos para valorizar sua marca e ainda se beneficiarem do incentivo fiscal - afirma Oona.
Para o ensaísta e pesquisador Frederico Coelho, são dois os universos que estão em impasse. De um lado, a geração que está há dez anos na internet, pensando formas colaboracionistas e que não precisa de orçamento milionário. É uma geração em que a própria pessoa é o autor, o editor e o distribuidor. Do outro, os produtores de conteúdo que estão descobrindo que vão ficar para trás se não dialogarem com a web.
- Eles trazem os formatos de produção de suas áreas, com equipes caras, grandes orçamentos. Nesse momento, dizer para aquela geração da internet que é preciso R$ 1,3 milhão para fazer um projeto de vídeo na web é inaceitável. São universos ainda um pouco inconciliáveis, e por isso o diálogo é tão truncado - diz Coelho.
O editor Sergio Cohn, da Azougue, que tem aprovado no Fundo Nacional de Cultura - um mecanismo de apoio direto do governo a projetos culturais - investimentos para o portal Poesia.br, acha que o incentivo ao conteúdo brasileiro na web deveria ser maior.
- A língua portuguesa tem perdido espaço na internet. O Brasil tem que tomar seu espaço na web a partir de políticas que levem conteúdo para a rede. É importante, por exemplo, a digitalização de arquivos, que ficam acessíveis a qualquer pessoa - explica ele.
Sobre o custo de um projeto na rede, Cohn lembra que é preciso levar em conta a distribuição: não basta ele chegar à internet, tem que ganhar visibilidade.
- Há todo um trabalho de torná-lo visível, de permitir localizá-lo na web. E, para isso, são necessárias inteligências caras. Quanto mais o projeto trouxer soluções originais e eficientes, mais elas poderão ser replicadas e maior será o retorno cultural - acredita.
Festival Nova Cultura Contemporânea ocupa Casa França-Brasil e EAV por seis semanas por Carlos Albuquerque, O Globo
Festival Nova Cultura Contemporânea ocupa Casa França-Brasil e EAV por seis semanas
Matéria de Carlos Albuquerque originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 21 de março de 2011.
RIO - Arte e progresso. Com essa bandeira em movimento, 130 artistas do Brasil e do mundo vão se espalhar pela Casa França-Brasil e pela Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage a partir de hoje e durante as próximas seis semanas, num frenético processo de criação coletiva. É primeira edição carioca da nada estática mostra Nova Cultura Contemporânea.
Combinando trabalhos entre instalações e performances musicais, o evento, de inspiração catalã e que teve sua primeira edição ano passado, em Los Angeles e São Paulo, pretende oferecer ao público - convidado não apenas a visitá-lo, mas a participar - um novo sentido da expressão "obra em progresso".
- A ideia central da mostra é exibir o processo de criação desse grupo de artistas, novos em sua maioria, e aproximá-los do público de uma maneira radical - explica o espanhol David Quiles Guilló, diretor e curador da mostra. - Dentro desse conceito, todos vão trabalhar de forma menos egocêntrica e mais coletiva, em função de algo maior. E o público vai poder estar bem perto dos artistas, para conversar e até cutucar.
Na mostra, nomes como a pintora americana Maya Hayuk, o fotógrafo italiano Filippo Minelli, o produtor sueco de techno Dungeon Acid, a dupla italiana de "jazz visual" Abstrac Birds e o artista multimídia carioca Heleno Bernardi - todos representando a vanguarda das artes visuais digitais - vão se juntar, como se estivessem numa escola, em grupos de até dez integrantes para criar obras colaborativas, "em camadas", como diz Guilló.
Site acompanha os trabalhos
Ao longo de cada semana, o processo será filmado e poderá ser acompanhado pelo site do evento (rojo-nova. com /2011/rio). Aos sábados, os resultados poderão ser vistos na Casa França-Brasil, na Sala de Projetos.
- É o nosso quarto do pânico - brinca o curador, que há dois anos se divide entre Barcelona e São Paulo.
A mostra vai gerar também dois filmes, um documentário e uma ficção, sobre os artistas e o evento em si.
- O documentário vai tratar os artistas como personagens centrais, explorando suas vidas enquanto criam no meio dessa loucura toda - conta o curador. - E a ficção vai absorver as obras com parte do roteiro. Os dois filmes serão distribuídos comercialmente e vão entrar em festivais internacionais.
No Parque Lage, segundo o curador, vão acontecer debates e também serão instaladas "obras-surpresa" em torno do prédio da EAV.
A seleção dos artistas também passa por Guilló. A mostra é uma parceria com a "Rojo", mistura de revista (distribuída em mais de 40 países) e centro cultural, fundada por ele em 2001 com o objetivo de divulgar o trabalho de novos artistas. A "Rojo" hoje está associada a mais de mil nomes, além de ter 28 salas de exposições pelo mundo.
- Em dez anos, fizemos mais de 900 eventos, de diversos formatos, em várias parte do mundo - conta ele.
Um brasileiro em Veneza por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Um brasileiro em Veneza
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 21 de março de 2011.
Por crises de orçamento, Neville d’Almeida poderá ser o único artista nacional na Bienal italiana
O cineasta Neville d’Almeida é, até agora, o único artista brasileiro confirmado para a 54.ª Bienal de Veneza, a mostra mais tradicional do mundo, que será aberta em 4 de junho. Ele vai integrar a exposição Entre Siempre y Jamás, com curadoria de Alfons Hug, no Pavilhão América Latina, no Arsenale da cidade italiana. Foi escolhido para exibir a instalação TabAmazônica, "mergulho na cultura indígena", como diz, numa construção de taba em que imagens são projetadas em seu interior ao som de música.
Na semana passada, a curadora-geral da 54.ª Bienal de Veneza, a suíça Bice Curiger, anunciou os 82 artistas selecionados para a mostra principal do evento e no time não há nenhum brasileiro. Ao mesmo tempo, a Fundação Bienal de São Paulo e a Funarte não conseguiram ainda encontrar uma solução para viabilizar a verba de R$ 400 mil necessária para a produção do catálogo e da instalação do artista Artur Barrio para ser apresentada no Pavilhão Brasil nos Giardini de Veneza, o espaço brasileiro do segmento das representações nacionais no evento.
Uma portaria de dezembro proíbe convênios do Ministério da Cultura com instituições privadas - e a Funarte, órgão ligado ao MinC, não pode repassar os recursos para a Fundação Bienal de São Paulo, responsável por selecionar a representação nacional na mostra italiana, produzir a obra de Artur Barrio, escolhido pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias. "É uma pena que essa burocracia comece a comprometer coisas importantes como essa", diz o empresário Heitor Martins, presidente da instituição paulistana. "Estamos a menos de 70 dias da mostra e quanto mais tempo passa, menos o artista terá para produzir sua obra, o que começa a comprometer a qualidade dela." Segundo Martins, os contatos com os técnicos da Funarte têm sido "praticamente diários" para se achar uma solução. "Quando o Estado não consegue se organizar, o setor privado tem que assumir esse papel?", ele indaga.
Ano atípico. Falta de recursos também é um problema para o cineasta e artista Neville d’Almeida para sua participação na 54.ª Bienal de Veneza. Ele mesmo está batalhando por R$ 290 mil para produzir sua grande instalação TabAmazônica no Arsenale da cidade. "Já pedi ao MinC, à Funarte, ao Instituto Inhotim e até a colecionadores. É um ano atípico, de troca de governo, de ministros", diz Neville. "Sou artista sem galeria", completa. A obra, criada em 2003, foi exibida em 2009 nos espaços do Oi Futuro do Rio e de Belo Horizonte.
O alemão Alfons Hug, diretor do Instituto Goethe do Rio e que foi curador, em 2002 e 2004, de duas edições seguidas da Bienal de São Paulo, viu a TabAmazônica na cidade carioca. "Era uma versão maior da instalação e gostei muito da incursão na cultura indígena brasileira", afirma Hug. Convidado pelo Instituto Ítalo-Latino Americano de Roma, instituição que desde 1972 organiza o Pavilhão Latino-Americano na Bienal de Veneza, para fazer uma curadoria para esta edição do evento, Alfons Hug selecionou Neville d’Almeida para representar o Brasil na exposição Entre Siempre y Jamás.
A mostra, que ficará abrigada num dos espaços privilegiados de Veneza, vai reunir obras de 20 artistas da América Latina, cada um representando um país da região. Entre Siempre y Jamás, verso de poema do escritor uruguaio Mario Benedetti, será dedicada aos 200 anos da independência latino-americana.
O Instituto Ítalo-Latino Americano aluga o espaço no Arsenale para a exposição - orçada, segundo Hug, em cerca de R$ 500 mil - e há também patrocínios para a realização da mostra, mas, como diz o curador, "no caso da TabAmazônica pedimos ao Neville que ajudasse a conseguir os recursos."
Entretanto, o cineasta e artista brasileiro não corre o risco de ficar de fora da 54.ª Bienal de Arte de Veneza. "Se a Tab não for, temos o vídeo Verde Moreno do Neville, que vai de qualquer jeito", afirma Hug. O filme, com 4,5 minutos, foi realizado no Pará, na região de Carajás.
Latinos
O Pavilhão América Latina, em Veneza, terá ainda, entre outras, obras de Regina Galindo (Guatemala), Alexander Apóstol (Venezuela), Narda Alvarado (Bolívia) e esculturas vodu do Haiti.
QUEM É
NEVILLE D’ALMEIDA
CINEASTA E ARTISTA
O diretor de filmes como A Dama do Lotação (1978) e Navalha na Carne (1997) é conhecido no campo das artes visuais por sua parceria com o artista Hélio Oiticica, em Nova York, na década de 1970, na criação das instalações da série Cosmococa, chamadas de "quasi-cinemas".
Artistas boicotam novo Guggenheim em Abu Dhabi por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artistas boicotam novo Guggenheim em Abu Dhabi
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de março de 2011.
Denúncias sobre violação de direitos de operários ganham ressonância; museu e governo não comentam
Todo o silêncio na ilha de Saadiyat, em Abu Dhabi, contrasta com o ruído em torno da construção da filial árabe do Guggenheim que começa a tomar forma ali.
Orçado em R$ 1,3 bilhão, o megaprojeto do arquiteto Frank Gehry enfrenta uma onda de denúncias de violações de direitos dos operários na construção, muitos deles impedidos de deixar a obra.
Nos últimos dias, essas queixas foram além do canteiro de obras, com um manifesto encabeçado pelo artista libanês Walid Raad, um dos maiores nomes no circuito global, que está liderando um boicote por parte dos artistas ao novo Guggenheim.
"Essas violações, que ameaçam manchar a reputação do Guggenheim, são um desafio moral para qualquer artista que trabalha com o museu", escreveu Raad. "Nenhum artista deve expor num prédio construído por trabalhadores explorados."
Seu abaixo-assinado já teve mais de 130 adesões, entre elas as de artistas de peso, como a iraniana Shirin Neshat, a libanesa Mona Hatoum, o alemão Harun Farocki, a palestina Emily Jacir e o indiano Amar Kanwar.
Tem ressonância ainda maior o protesto nesta semana em que o mundo da arte se reúne nos Emirados Árabes para a Art Dubai, maior feira na região, e a Bienal de Charjah, no emirado vizinho.
Raad é um dos artistas dessa bienal, que tem curadoria de Suzanne Cotter, atual chefe do projeto do Guggenheim em Abu Dhabi. Procurada pela Folha, ela não quis comentar o teor do manifesto.
Em Dubai, o diretor do Guggenheim disse ao jornal "The New York Times" que visitou o alojamento dos operários e que não via problemas com as condições deles.
Segundo um estudo da ONG Human Rights Watch, os operários, em grande parte imigrantes de países como Índia e Paquistão, têm os passaportes confiscados até que paguem taxas ilegais cobradas pelos recrutadores.
Procurados para comentar as denúncias, representantes do Guggenheim, em Nova York, e porta-vozes do governo de Abu Dhabi não quiseram se manifestar.
Estiveram anteontem na ilha onde será construído o museu o artista indiano Amar Kanwar e a curadora espanhola Chus Martínez. Tentaram, como a Folha, visitar as obras, mas foram barrados por funcionários da agência do governo responsável pelo projeto.
Isolado num canto da ilha de Saadiyat, o novo Guggenheim não passou das fundações e já teve a data de inauguração adiada de 2013 para 2015, depois que obras foram quase paralisadas com a recente crise econômica.
DESCAMPADO
Feito de cones gigantes, o museu de Gehry dividirá a ilha com uma filial do Louvre -desenho de Jean Nouvel-, outro museu projetado por Norman Foster, um teatro de Zaha Hadid e um aquário do japonês Tadao Ando.
Também está nos planos a construção de complexos imobiliários, hotéis e campos de golfe. No total, são obras de R$ 170 bilhões que devem sair do papel só em 2020.
Mas, por enquanto, o projeto de Saadiyat, alardeado em anúncios por toda a capital dos Emirados Árabes Uni dos, não passa de um descampado estorricado, rodeado de um mar azul que deve virar balneário de luxo.
Atrás de grades de arame farpado, operários trabalham em ritmo desacelerado desde a pior fase da crise. Projetos como o teatro e o aquário já não têm data de abertura e alguns planos foram mesmo descartados.