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fevereiro 24, 2011
Duelo de compadres por Marcus Preto, Folha de S. Paulo
Duelo de compadres
Matérias de Marcus Preto originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2011.
Em polos opostos , Caetano Veloso e Gilberto Gil encabeçam discussão sobre direito autoral que dividiu a MPB desde que o selo das licenças Creative Commons foi retirado do site do MinC
Caetano Veloso de um lado, Gilberto Gil do outro.
Parceiros na criação do movimento tropicalista, em 1967, os dois acabaram se tornando, nas últimas semanas, símbolos da polarização de opiniões dos artistas da MPB na discussão em torno da lei de direito autoral.
Em 20 de janeiro, a ministra Ana de Hollanda retirou o selo Creative Commons do site do MinC, colocado na gestão de Gil (2003-2008).
As licenças Creative Commons tornam mais flexível o uso de obras artísticas (como liberação prévia para uso em blogs ou remixes), em contraposição ao "copyright" (no qual o artista precisa autorizar caso a caso).
De um lado do ringue, Gil entende que as flexibilidades das licenças CC estão mais de acordo com a era digital, com o mundo pós-internet.
Do outro lado, Caetano, apoiado pela maior parte dos compositores que entraram na discussão -Roberto Carlos, Joyce, Jorge Mautner e outros- se posicionou contra as CC, dizendo que "ninguém toca em um centavo dos meus direitos autorais".
Em seguida, Gil criticou os opositores às CC de não levarem o diálogo para "uma dimensão esclarecedora".
Procurado pela Folha no começo da semana passada, Caetano disse, por e-mail, que vestia a carapuça tecida pelo velho companheiro.
"Visto. Mas não me causa incômodo", disse. "Eu não teria tocado no tema se a discussão, que o ministério Gil trouxe para dentro da política oficial, não me parecesse atraente e inevitável."
STATUS QUO
"Pois está na hora de ele tirar a carapuça", rebateu Gil, na quarta-feira passada, depois de fazer um show para internet. "De encarapuçados não precisamos. Todos têm que estar com suas feições claras, nítidas, à mostra, dizendo o que acham."
E seguiu. "Foi sempre assim: os que defendem o novo têm que ter argumentos mais nítidos. Os que reagem, porque estão defendidos pelo status quo, não precisam disso, precisam apenas reagir."
A reportagem retomou o assunto com Caetano, no dia seguinte. O músico chamou a paixão de Gil pelos avanços tecnológicos de "um pouco fascinada demais, tendendo para deslumbrada".
"Gil escreveu [a canção] "Pela Internet", mas, diferentemente de mim, não é uma pessoa de internet. Não é muito familiarizado, não anda muito nem no e-mail. Ele gosta mais é da ideia."
MUDANÇA
Segundo Gil, "a vida anda, a fila anda"
A seguir, os principais trechos da entrevista com Gilberto Gil.
Folha - Os opositores a licenças mais flexíveis, como é o caso das Creative Commons, estão apenas adiando o inevitável?
Gilberto Gil - É assim. É natural. Quando [Johannes] Gutenberg inventou a imprensa, os copistas também se revoltaram. Mas não teve jeito. Era o imperativo tecnológico que veio e varreu as coisas.
Folha - Os anti-CC argumentam que as licenças enfraquecem os direitos deles sobre a própria obra. Concorda?
É mentira. Ao contrário, [as CC] vão dar autonomia aos criadores de determinar como, quando e quais usos serão feitos de suas canções, de seus textos, de sua dramaturgia. E que consequências esses usos podem ter para quem usa e para os próprios autores.
E, vale lembrar, ninguém precisa usá-las se não quiser. As CC não são monopólio. Não está interessado em que você mesmo dê controle a suas obras? Prefere que isso se dê através de uma editora ou de uma gestão coletiva? Então fique com elas.
O que é preciso fazer para iluminar essa discussão?
A discussão precisa subir de patamar. Os opositores precisam apresentar um set de argumentos válidos. Não podem vir com conversa fiada. Quem é contra tende a ter uma reação mais emocional, típica do reativo. Esse estágio precisa passar e todos devem convergir para uma discussão de o que significam essas coisas de fato. O que significa transformar, atualizar leis, hábitos e acessos a novas condições tecnológicas. A vida anda, a fila anda. (MP)
PERMANÊNCIA
"Ecad é mesmo um mal?", quer saber Caetano
A seguir, os principais trechos da entrevista com Caetano Veloso.
Folha - Você mesmo afirma que os argumentos dos pró-Creative Commons são mais claros. Por que não se comove com eles?
Caetano Veloso - Há questões que não estão resolvidas, a respeito das quais os dois lados ainda não se confrontaram. Algumas coisas podem ser perguntadas a todos.
Folha - Por exemplo...
O Ecad é mesmo um mal? Os próprios defensores de CC reconhecem que o Ecad passou a arrecadar muito mais nos últimos anos. Ou seja, está mais eficiente. Tenho medo de acontecerem coisas como quando o Collor e seu ministro Ipojuca Pontes -com todos os argumentos aparentemente racionais e corretos para uma sociedade liberal- fecharam a Embrafilme.
Milhões de pessoas podiam dizer com razão que a Embrafilme era um monstro criado pela esquerda do Cinema Novo com os militares da ditadura. Que era um negócio estadista, confuso e, talvez, até corrupto. Porém, aquele gesto de simplesmente fechar a Embrafilme matou o cinema brasileiro por anos.
Folha - Acha que esse mesmo raciocínio vale para o Ecad?
Não acho. Mas tenho esse caso da Embrafilme como pano de fundo que me serve, por exemplo, para o Pelourinho e para o Ecad. São coisas muito diferentes, eu sei. Mas sinto que, às vezes, há uma tendência que, em alguma medida, aos meus olhos, se parece um pouco com o que o Ipojuca fez. Digo isso como uma espécie de caricatura do que eu temo. (MP)
Creative Commons advoga cultura do autor sem direitos por Valério Bemfica, UMES
Creative Commons advoga cultura do autor sem direitos
Matéria de Valério Bemfica originalmente publicada no site da UMES em 24 de fevereiro de 2011.
Ao contrário do que afirmou o deputado Paulo Teixeira (SP), líder do PT na Câmara dos Deputados, a licença Creative Commons não está, felizmente, dentro de uma política de governo
O deputado Paulo Teixeira (PT/SP) acaba de ser guindado ao posto de líder do PT na Câmara dos Deputados. Precisa dar-se conta de que, quando se chega a um posto tão importante, é preciso manter os olhos bem abertos. Vai aparecer muita casca de banana no caminho do nobre parlamentar. Causas que, abaixo de uma fina – e falsa – embalagem libertária, escondem interesses tão escusos quanto poderosos. Preste atenção, deputado, pois o senhor já deu a primeira escorregada.
Trata-se do episódio recente em que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, retirou do site do MinC a acintosa propaganda de uma ONG norte-americana abertamente financiada pelos monopólios da indústria da internet (Google, Yahoo!, Facebook, entre outros) e por fundações para lá de suspeitas (Ford, Rockefeller, Soros, etc.). Um ato de soberania e de respeito às leis do país.
Mas eis que o deputado deu uma entrevista à Agência Carta Maior questionando a atitude da ministra. Vamos rapidamente esclarecê-lo, pois não pega bem o líder do partido da presidenta afirmar coisas que não têm a mínima sintonia com a realidade.
Comecemos pela afirmação de que “A licença Creative Commons está dentro de uma política de governo”, que abre a entrevista. Não, deputado, felizmente não está. Aliás, se os ditames de uma ONG suspeita fossem inseridos em políticas de governo, não passaríamos de uma república de bananas. E muito menos tem respaldo na política do Itamaraty, que foi conduzida nos últimos oito anos por dois profundos conhecedores das questões culturais: o ministro Celso Amorim e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Pelo contrário, longe de criticar a Lei Brasileira de Direitos Autorais, nossa política externa, entre outras coisas, foi defensora intransigente da Convenção da Diversidade Cultural da UNESCO, que tem como um de seus pilares principais a proteção à criatividade dos povos e à figura dos criadores.
DIFERENÇAS
Em segundo lugar é importante salientar que embolar software livre com Direito Autoral e com Lei de Patentes apenas gera uma grande confusão que só beneficia os tipos que financiam ONG’s como a CC. A decisão do governo brasileiro em apostar no software livre é correta. Ao invés de depender de alguns grandes oligopólios estrangeiros, investe-se em formar profissionais brasileiros, criar tecnologia nacional. Em lugar de gastar milhões de dólares anualmente em licenças de enlatados gringos, investir no desenvolvimento, por parte do próprio governo, de programas de computador que atendam mais adequadamente as nossas necessidades. Até aí tudo bem.
Mas o deputado deveria dar-se conta de que a Lei que rege a “proteção de propriedade intelectual de programa de computador” é uma, a dos Direitos Autorais é outra. Ou seja, a Lei brasileira reconhece que o tipo de conhecimento plasmado em um programa de computador e a criação artística são coisas absolutamente distintas. É por isso que existe uma Lei do Software e outra de Direitos Autorais. No primeiro caso justamente o que some é a figura do criador – da mesma maneira que no caso das patentes, também citado pelo deputado. Tanto nos softwares quanto nos medicamentos quem detém direitos não são os autores, mas os encomendantes. Pouco interessa se trezentos técnicos estiveram envolvidos na criação do último produto da Microsoft ou da Apple: os donos do produto serão o Bill Gates e o Steve Jobs. Não importa se milhares de cientistas foram os responsáveis pelo desenvolvimento de um novo medicamento: a patente será do laboratório. Já no campo dos direitos autorais a conversa é outra: independente de produtores, o criador é quem deterá os direitos. Investir no Software Livre significa retirar receita de monopólios como a Microsoft e a IBM. Atentar contra os Direitos Autorais é retirar dos autores a justa remuneração por seu trabalho e permitir que gigantes como a Google, o Facebook, a Telefónica, o YouTube, entre outros, ganhem fortunas com o tráfego de conteúdo que não lhes pertence a custo zero.
EXEMPLO
Promover tal confusão só faz bem aos patrões do Sr. Lessig. É uma visão que rebaixa o artista criador. Será que o deputado precisa de um singelo exemplo para entender? Vamos lá.
O pacote para escritório da Microsoft lançado em 2007 – menos de quatro anos atrás, portanto – custava uma boa grana. Com todas as suas proteções, bloqueios e patentes, batia na casa dos R$ 1.200,00. Foram milhões de dólares gastos em seu desenvolvimento, centenas de técnicos trabalhando. Hoje não vale nada. Nem sequer é comercializado. O Copyright ainda existe, mas ninguém dá bola para ele, nem a própria companhia detentora. Existe, é claro, uma nova versão, custando cerca de R$ 1.400,00. Já “Garota de Ipanema” foi composta em 1962. Trabalharam nela apenas duas pessoas, e o investimento foi zero (salvo, talvez, o custo de algumas doses de “cão engarrafado”). Quase cinqüenta anos depois continua sendo uma das músicas mais tocadas do mundo, tem centenas de novas gravações a cada ano: artisticamente, não perdeu nada de seu valor em cinco décadas. Financeiramente, ganhou.
Tentar fazer com que as duas coisas se equivalham interessa a quem? Única e exclusivamente a quem não consegue enxergar Garota de Ipanema como uma obra de arte, como fruto da mais elevada forma de expressão humana. Só a quem quer transformá-la em uma mercadoria, quer considerá-la como bytes a serem transmitidos em alguma rede privada. A legislação brasileira – como a da maioria dos países – reconhece cada obra como singular, como “extensão da personalidade de seu autor”, para usar os termos da UNESCO. E é por isso que as licenças de uso são dadas caso a caso e exclusivamente pelo autor ou por quem ele determinar como procurador. Entre a propriedade industrial do Windows, a patente do Viagra e o Direito Autoral de Tom Jobim e Vinícius de Moraes não há nada em comum, a não ser a entrevista do deputado e os argumentos de alguns desqualificados.
E não adianta vir com a falsa argumentação de que a Lei brasileira criminaliza quem baixa uma música ou a copia para seu aparelho de MP3, ou ainda quem copia trechos de um livro para uso próprio. Sendo advogado, o deputado deveria ler a Lei, especialmente em seu Título VII – “Das Sanções às Violações ao Direito Autoral”. Verá, sem dificuldade, que há uma série de penalidades cabíveis a quem violar os Direitos Autorais na execução pública e com o intuito de lucro. Nem uma linha ou referência à punição de fãs que, domesticamente, copiam obras, ou a estudantes dedicados. Não bastasse isso, o Capítulo IV da Lei exclui da cobrança de direitos autorais as cópias em um só exemplar e para uso próprio e o uso de obras “no recesso familiar”. Para completar, o deputado poderia consultar a jurisprudência: não existe na história dos tribunais brasileiros um só caso de processo e muito menos de condenação por cópia privada. Se for um pouquinho mais curioso verá a profusão de empresas que ganham dinheiro transmitindo conteúdo alheio sem remunerá-lo entre os patrocinadores da ONG do Sr. Lessing. Empresas, aliás, que pelo volume de recursos que aportam ao CC tem inclusive o direito de indicar os membros da diretoria...
Aliás, para esclarecer o congressista em definitivo, precisamos dizer que a livre circulação de conteúdo na internet é possível sem alteração da lei e sem prejuízo dos autores. E que a “flexibilização à tucana” dos Direitos Autorais não significará maior acesso ao conhecimento. O deputado deve saber que para ouvir rádio ou para assistir à televisão ninguém paga Direitos Autorais. O responsável pelo pagamento (ainda que muitos dêem calote) é quem transmite. O consumidor final não paga nada. E assim deve ser também na internet. Dois terços do conteúdo “grátis” – e sem remuneração aos autores - disponível na internet (o que corresponde a 75% dos downloads) são colocados no ar por 100 usuários. Ou seja, 100 empresas que, através da cobrança de assinaturas ou da venda de publicidade vendem o que é dos outros e embolsam todo o lucro. O espírito de “livre circulação da cultura” na internet é uma falácia. Salvo raras exceções o que existe é um negócio – espúrio – que rouba o patrimônio dos autores para vendê-lo a terceiros. Por isso deve ser estabelecida no Brasil não a liberação dos direitos, mas a taxação dos provedores de acesso e conteúdo.
DIREITOS AUTORAIS
Mas é importante dizer que, por si só, a liberação das músicas mediante remuneração não garante a plena circulação de nossa cultura. Voltemos ao exemplo das rádios. Mesmo tendo o direito de – assumido o compromisso de remuneração – tocar qualquer uma das 1,75 milhões de obras registradas no ECAD, só tocam meia-dúzia. Ou, mais exatamente, cerca de 200 por mês. E qual o motivo? Pela criminosa associação entre os monopólios da indústria cultural e os radioteledifusores. Compram escancaradamente o espaço nas rádios e TV’s e colocam lá apenas o que lhes interessa. É por isso que o deputado Paulo Teixeira deveria dedicar seu precioso tempo a pensar no que é possível fazer para regular o monopólio das comunicações, ao invés de fazer-lhe o favor de atacar os Direitos Autorais.
Restam ainda algumas outras escorregadas do deputado em sua curta entrevista. Alega ele que o governo poderia, a partir da mudança da Lei, “contratar autores para produzirem obras didáticas e colocá-las à disposição de todos os professores brasileiros e da população em geral”. Poderia não, deputado, pode. Se o MEC não faz isso hoje em dia o senhor deveria perguntar ao ministro Haddad a razão. Não há nenhum impeditivo legal. Provavelmente os autores ficariam mais satisfeitos do que estão hoje, quando vivem submetidos ao tacão da Editora Abril, maior vendedora de livros didáticos do país. Aliás, fale com seu colega de Congresso, o senador Requião. Ele fez isso quando era governador do Paraná e não infringiu nenhuma lei.
Tampouco faz algum sentido dizer que o Estado está “atirando no próprio pé”, pois coloca dinheiro público em obras protegidas. O deputado deveria descobrir quanto de dinheiro público foi investido para que Vinícius de Moraes compusesse sua obra. Ou em Tom Jobim?
Quais recursos públicos alavancaram a produção teatral de Plínio Marcos? Que verbas do MinC transformaram João Cabral em poeta? Nem um só centavo. Ou que artista enriqueceu graças aos incentivos públicos. Isso é papo de quem acha que a cultura profissional deve ser entregue ao mercado e que só amadores merecem o subsídio público.
ECAD
Finalmente, comentemos a última das estultices repetidas à exaustão por alguns inimigos da cultura nacional e reproduzida pelo deputado: o papel do ECAD. Há tempos que o nome do escritório vem sendo transformado em palavrão. Qualquer notícia desfavorável é transformada em escândalo pela mídia – que não se conforma em ter de pagar o ECAD. E qualquer notícia favorável também é motivo de escarcéu. Ou seja, donos de meios de comunicação – principalmente rádios e TV’s – gostariam de não pagar pelo uso de músicas e fazem sistemática campanha contra o órgão encarregado pelos autores de fazer a cobrança. Mas vamos às afirmações do nobre congressista.
Em primeiro lugar ele considera que o ECAD é uma “instituição pública não estatal”. Não discutiremos aqui este conceito mais do que reacionário de “público não estatal”. Já foi diversas vezes espinafrado e desmascarado aqui no HP. Mas o fato é que o ECAD é uma instituição privada, assim definida por lei e estatuto. As relações por ele regidas – empresas majoritariamente privadas usuárias de obras produzidas por pessoas físicas – são de caráter absolutamente privado. Não há nenhum interesse difuso envolvido aí: há interesses econômicos concretos. Não há interferência do ECAD “na produção e na distribuição de bens culturais”. Só há cobrança por parte dele de obras já produzidas e distribuídas. Em momento algum o ECAD estabelece relação com os consumidores finais de alguma obra. A sua relação é com as empresas que se utilizam das músicas para ganhar dinheiro. O difícil papel de cobrar de quem acha que pode sustentar o seu banquete roubando o pão alheio.
O que o deputado no fundo ataca, mesmo que sem saber, é o conceito de Gestão Coletiva. Como o parlamentar conhece bem o movimento sindical, vamos propor um paralelo, para que ele entenda. Durante os anos do tucanato foi muito difundida a tese de que a regulação trabalhista era um entulho. Para que o trabalhador precisaria de uma série de leis e de entidades para protegê-lo? Muito melhor seria a “livre negociação”. Ou seja, um empregado do Bradesco, ao invés de juntar-se com todos os seus colegas e contar com a força do sindicato nas negociações, deveria é negociar sozinho com o seu patrão. Qualquer idiota é capaz de ver que, valendo a tese dos tucanos, férias, fundo de garantia, 13º salário e outras conquistas teriam virado coisa do passado.
Pois a tese do Creative Commons é a mesma. Ao invés de existir um único órgão de cobrança – o ECAD – onde todos os autores juntam sua força para negociar com os conglomerados de comunicação, o mais correto é registrar-se no site de uma ONG estrangeira. Se alguém quiser usar a música, pode negociar diretamente com o autor, sem passar por “intermediários”. Sem muito esforço é possível ver que, se cada autor for confrontado diretamente com os patrões da área, receberá muito menos. Não é à toa que em todos os países existem estruturas centrais de arrecadação e que elas nunca são controladas pelo Estado, mas pelos próprios autores. Na França, a Sacem; na Espanha, a Sgae; em Portugal, a SPA; na Alemanha, a Gema; nos EUA, a Ascap; na Inglaterra, a PRS; no Canadá, a Socan, etc.
Finalmente, algumas palavras sobre transparência. O deputado Paulo Teixeira deveria fazer uma pesquisa rápida na internet. Verá, no site do ECAD, todos os balanços da entidade desde 2004. Encontrará também todo o regulamento de Arrecadação e uma detalhada explicação dos mecanismos de distribuição. Também terá acesso ao ranking das músicas mais tocadas, dos autores mais executados, tudo isso dividido por região do Brasil. Terá também acesso ao banco de dados com todas as obras lá registradas e com os respectivos titulares. Anualmente o ECAD é auditado interna e externamente e precisa ter as suas contas aprovadas pelas dez associações autorais que o compõe. Pode também fazer uma visitinha rápida ao site do CC. Dá para encontrar os patrocinadores. Nenhum balanço ou auditoria. Dá para ver que os diretores são indicados pelos “supporters”, mas não para saber como a grana é gasta. A bem da verdade não dá nem para descobrir direito quem está registrado lá: a busca deve ser feita pelo Google, não por acaso um dos maiores benfeitores da ONG. Quem tem mais transparência? Quem esconde o jogo?
FISCALIZAÇÃO
O deputado deve lembrar que há pouco tempo o Congresso Nacional aprovou a lei que regulamentava as centrais sindicais. A direita mais reacionária incluiu um artigo que previa a fiscalização do dinheiro das entidades sindicais pelo Ministério Público. Foi preciso que o presidente Lula tivesse a coragem de vetar o esdrúxulo artigo. Quem deve fiscalizar o dinheiro dos sindicatos são os trabalhadores, disse ele. Aqui vale a mesma coisa: quem deve fiscalizar o dinheiro dos autores, decidir como ele será distribuído são eles mesmos.
A esta altura com certeza o líder do PT já compreendeu que existem dois lados na questão.
De um lado está a ministra Ana de Hollanda e os criadores da música que o mundo inteiro admira. Estão, entre outros, Hermínio Bello de Carvalho, Fernando Brant, Aldir Blanc, Carlos Lyra, Roberto Carlos, Antonio Adolfo, Marcus Vinícius, Nei Lopes e outros tantos que prestaram imediata solidariedade a ela. Do outro estão o Sr. Lessig, com seu séquito de twitteiros e blogueiros, que em sua imensa maioria não toca, não canta, não cria. De um lado estão organizações que há décadas lutam pelos direitos dos criadores e reúnem entre seus filiados centenas de milhares de compositores. Do outro está um tal de Ronaldo Lemos, defendendo a mesada que ganha da Fundação Ford para manter o CC no Brasil. De um lado está, enfim, a cultura brasileira. Do outro o Google, a Microsoft, o Yahoo!. Certamente um deputado que o partido da presidenta Dilma escolheu para ser seu líder saberá escolher o lado certo na batalha.
Pinacoteca do Estado fica sem seu anexo planejado por Roberto Kaz, Folha de S Paulo
Pinacoteca do Estado fica sem seu anexo planejado
Matéria de Roberto Kaz originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de fevereiro de 2011.
Concurso que elegeria projetos arquitetônicos para a criação de uma reserva técnica do museu foi cancelado
Participantes dizem que cancelamento foi "falta de respeito" e reclamam da falta de diálogo com a Associação Pinacoteca
No dia 9 de fevereiro, 12 escritórios de arquitetura receberam, por e-mail, um comunicado da Associação Pinacoteca Arte e Cultura, organização social responsável por gerir a Pinacoteca do Estado.
O texto, sucinto e sem assinatura, agradecia a participação no concurso para a reforma do Liceu de Artes e Ofícios -que serviria de reserva técnica à entidade- informando, no entanto, que "nenhuma das propostas endereçadas foi selecionada".
Os participantes haviam sido convidados em setembro de 2010, por meio de uma carta do diretor executivo da Pinacoteca, Marcelo Araújo. O documento, que exigia a apresentação de habilitações jurídicas, fiscais e técnicas, apontava que a Associação teria "o direito de julgar insatisfatórias todas as propostas, (...) sem que de tal ato decorra direito de reparação".
E assim se deu.
"Foi uma falta de respeito", diz Silvio Oksman, arquiteto que projetou o Instituto Criar de TV e Cinema, no bairro da Barra Funda. "Durante quinze dias trabalhamos como loucos."
Oksman reclama que o convite era vago. "Havia poucas especificações. Tanto que os projetos finais eram absolutamente diferentes. Acho difícil que nenhum deles atendesse às demandas."
Renato Dal Pan, que projetou o Sesc de Guarulhos, diz que a classe está "acostumada a ser mal tratada".
Ainda assim, decidiu participar: "Era um projeto estimulante, de magnitude, para criar um espaço expositivo e uma reserva técnica. Foi um mês de dedicação exclusiva no escritório."
Lua Nitsche, que assina casas de veraneio no litoral paulista, diz ter alocado "cinco arquitetos e três estagiários" no projeto: "Foi o primeiro convite que recebemos, por isso entramos."
Ela reclama da falta de diálogo com a Associação Pinacoteca. "Eles não se comunicavam por telefone.
Havia um endereço de e-mail para sanar dúvidas. Mas nunca recebíamos resposta de uma pessoa específica. Era sempre algo abstrato, em nome da Associação."
Em um e-mail, a arquiteta perguntou quem formava o júri responsável pela avaliação. "Não recebi resposta", reclama. (Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Cultura do Estado tampouco respondeu a esta mesma demanda, feita pela Folha).
"Fica parecendo que não houve análise, que a decisão foi política", aponta. "Falta de qualidade não pode ter sido. Havia gente gabaritada. O Mario Biselli, por exemplo, venceu o concurso para projetar o Aeroporto Internacional de Florianópolis."
Biselli, que também desenhou o Teatro de Londrina, diz ter sido acometido de uma "frustração absoluta" quando do comunicado. "Já vi a coroação de projetos ruins, mas nunca o cancelamento assim, do nada", diz.
CRITÉRIOS
Precavido, o arquiteto Marcelo Ferraz -que projetou a Prefeitura de São Paulo com Lina Bo Bardi (1914-1992)-, preferiu, desde o início, não participar. "Convidaram mais de 20 escritórios. Trabalha-se muito e, normalmente, 90% vai para o lixo", disse, para em seguida completar: "Nesse caso, 100%.
Ferraz figurou, em 2008, entre os finalistas do concurso que escolheria a nova sede do Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. "Então cancelaram tudo e recomeçaram do zero, com a presença do [escritório americano] Diller Scofidio, que acabou ganhando."
"Você nunca sabe quais são os critérios. Ainda bem que não participei desse último", conclui.
fevereiro 23, 2011
Minc perde R$ 237 milhões de fundo por Jotabê Medeiros, O Estado de S.Paulo
Minc perde R$ 237 milhões de fundo
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no jornal O Estado de S.Paulo em 23 de janeiro de 2011.
Corte foi nas emendas parlamentares para área artística, mecanismo que teve escândalo revelado no fim do ano
O Congresso Nacional cortou anteontem R$ 237 milhões em emendas parlamentares para o Ministério da Cultura, o que reduz drasticamente as verbas destinadas ao setor este ano no País (no total, as emendas vetadas em todo o governo federal somam R$ 1,86 bilhão).
Grande parte das emendas cortadas está agrupada em rubricas vagas, como "fomento a projetos de arte e cultura", sem a especificação de quais seriam esses projetos. Poucas tinham destino certo, mas essas devem comprometer planos de instituições e programas importantes pelo País. É o caso, por exemplo, de três emendas do deputado William Woo (PPS-SP), que destinariam R$ 900 mil para o Instituto Manabu Mabe, R$ 200 mil para o Instituto Tomie Ohtake e R$ 100 mil para o Museu Brasileiro de Escultura. Esse dinheiro não chegará mais.
O Ministério da Cultura esteve no centro de um escândalo no ano passado, quando o Estado revelou que diversas emendas parlamentares para a área artística, na verdade, foram destinadas a entidades fantasmas. O relator das emendas, Gim Argello, foi envolvido na destinação irregular de recursos e renunciou ao posto. A deputada Luciana Costa (PR-SP), que naquela ocasião também destinou recursos a entidade que os repassou a terceiros, tinha duas novas emendas sugeridas para o MinC, no total de R$ 1,5 milhão.
Os cortes atingiram situação e oposição indistintamente. O deputado Sarney Filho (PV-MA), filho do presidente do Senado, José Sarney, teve cortada uma emenda de R$ 2,7 milhões para "fomento a projetos de arte e cultura no Estado do Maranhão" .
O maior valor cortado foi de R$ 5 milhões, proposto para um plano de "preservação de bens culturais de natureza material" da Mitra Arquidiocesana de São Paulo, pelo deputado suplente José Carlos Stangarlini, do PSDB de São Paulo (autor do projeto que institui o Ensino Religioso como disciplina regular nas escolas públicas de São Paulo).
Outra instituição que vai sofrer um choque em seus projetos para o ano é a União Nacional de Estudantes (UNE). Caiu uma emenda de R$ 650 mil que tinha sido apresentada pelo deputado Osmar Júnior, do PC do B do Piauí. A Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas) viu cair uma emenda de R$ 100 mil de Jilmar Tato (PT-SP).
O ex-candidato a vice-presidente da República, deputado Índio da Costa (DEM-RJ) teve cortada emenda que destinaria R$ 850 mil para atividades audiovisuais do Instituto Cultural Cidade Viva, no Rio. Marisa Serrano (PSDB-MS) teve cortadas emendas para Corumbá, Eldorado e Porto Murtinho, um total de R$ 1,650 milhão.
Fernando Gabeira (PV-RJ), já sem mandato, propôs R$ 1 milhão para a recuperação do Cine Teatro Vitória (Resende, RJ), e R$ 200 mil para o Museu Casa do Pontal. Ricardo Berzoini (PT-SP), ex-presidente do PT, propôs quatro emendas para São Paulo e Distrito Federal, no total de R$ 1,3 milhão. Bancadas sem partido de Minas, Rio e Mato Grosso propuseram emendas de R$ 76 milhões.
O Ministério da Cultura informou que ainda aguarda decisão sobre novos cortes para saber qual será sua estratégia de ação em 2011. Segundo ponderou o MinC, só após o Ministério do Planejamento e a presidência editarem o decreto com o contingenciamento global do orçamento é que seria possível saber o que será feito. Por enquanto, o ministério está em compasso de espera. O ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) anunciaram a disposição de reduzir as despesas em R$ 50 bilhões. O decreto com a programação orçamentária, em que constaria o bloqueio, poderia ser anunciado ainda ontem.
PREJUDICADOS
Instrumentos
Aquisição de instrumentos mu-sicais em Santa Maria da Serra (SP), emenda do deputado
Lobbe Neto (PSDB-SP)
Coros
Encontro internacional de Coros em Alagoas e restauração do Palácio Floriano Peixoto, em Penedo (AL), de João Tenório (PSDB-AL)
Hip hop
Associação Ala Urso do Poço de Santana (RN), de Fábio Faria (PMN-RN)
8º Festival Amazônico e Internacional de Hip Hop (Amapá), de Dalva Figueiredo PT-AP)
Letras
Reforma da Academia Paraense de Letras, de Lira Maia (DEM-PA)
Alemão promete ser sensação no Brasil por Fabio Cypriano, Folha de S Paulo
Alemão promete ser sensação no Brasil
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 23 de fevereiro de 2011.
Hans-Peter Feldmann é um dos artistas que inspira Luis Pérez-Oramas, curador da 30ª Bienal de São Paulo
Com quase 70 anos, o artista é desconhecido no país e só agora se tornou reverenciado no continente europeu
Em 1975, então com 34 anos, o artista alemão Hans-Peter Feldmann enviou a 30 pessoas do circuito artístico de seu país fotos suas e de sua mulher com outra garota em cenas de sexo explícito.
"Eu tenho vergonha de mostrar minhas práticas sexuais em espaços públicos...
mas há muitas outras coisas feitas em público, que a maioria das pessoas não se envergonham", escreveu ele.
Anos depois, a mulher pediu o divórcio e as imagens foram usadas pelo advogado dela como evidências de "crueldade psicológica".
Feldmann faz parte de um grupo de artistas que, nos anos 60 e 70, levou as experiências artísticas ao limite. E o caso acima exemplifica como tal atitude não conseguia prever sequer seus possíveis desdobramentos.
Pois é justamente esse limiar entre arte e não arte que terá na 30ª Bienal de São Paulo um de seus motes centrais e Feldman um dos artistas inspiradores para o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas, responsável pela mostra intitulada "Retorno das Poéticas".
"Tanto o Arthur Bispo do Rosário como o Hans-Peter são artistas que me interessam porque trabalham com a invenção de um discurso e ambos têm como marca central a repetição e a serialização", disse Oramas à Folha, em Madri.
INSPIRAÇÃO
De fato, assim como Bispo do Rosário criou conjuntos impressionantes com placas de ruas, costuradas por ele mesmo, talheres ou barquinhos, Feldmann, em sua exposição no Reina Sofia, entitulada "Una exposición de arte", faz operações muito semelhantes.
Uma das mais impressionantes é "Capas de jornais, 12 de setembro de 2001", que reúne 161 capas de jornais de dezenas de países com as imagens dos ataques às Torres Gêmeas, inclusive a da Folha, único jornal brasileiro na seleção.
Grande parte da obra de Feldmann, segundo se percebe na mostra, tem uma relação de cunho biográfico, o que o aproxima novamente a Bispo do Rosário.
Há conjuntos de fotos de pratos de comida, retratos de uma mulher, tirados ao longo de 56 anos, entre 1943 e 1999, e as do livro "100 anos". Nesse conjunto, o artista apresenta fotos de cem pessoas, todas na mostra, cada uma com uma idade em sentido crescente.
Quase aos 70 anos, desconhecido no Brasil e possivelmente uma das sensações da Bienal, no próximo ano, Feldmann vem tornando-se só agora um nome reverenciado também na Europa.
"Estou realmente surpreso que, após 30 ou 40 anos de estar provocando confusões com fotografias, de repente as pessoas se tornam interessadas no que eu fiz no passado", conta Feldmann.
Com uma obra tão radical e em tempos tão mercadológicos, sua obra é mesmo uma forma de respiro.
fevereiro 22, 2011
Arte em novo endereço por Antonio Gonçalves Filho, O Estado de S.Paulo
Arte em novo endereço
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no jornal O Estado de S.Paulo em 22 de fevereiro de 2011.
Raquel Arnaud abre sua galeria em março, com a exposição da Série Negra, a obra mais radical de Waltercio Caldas
Há exatamente 40 anos ela estava trabalhando ao lado do professor Pietro Maria Bardi (1900 -1999), então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Foi lá que a marchande Raquel Arnaud, após a morte do pintor Lasar Segall (1891-1957), seu sogro, hoje representado por ela, aprendeu lições de colecionismo e noções do comércio de arte. No dia 29 do próximo mês, Raquel, que mantém há 30 anos seu Gabinete de Arte, abre uma nova galeria com seu nome, na Rua Fidalga, 125, elegante endereço da Vila Madalena, bairro onde já funcionam galerias como a Fortes Vilaça e a Millan. E escolheu para abrir o espaço, projetado pelo arquiteto Felippe Crescenti, o escultor Waltercio Caldas, um dos principais artistas de seu time - que tem nomes como o venezuelano Cruz-Diez, Arthur Luiz Piza e ainda o escultor Sergio Camargo (1930-1990). "Hoje são 21 artistas, alguns trabalhando com novas tecnologias, o que justificou a ampliação e a mudança de endereço da galeria", diz a marchande.
O carioca Waltercio Caldas é, hoje, um dos artistas de maior prestígio no circuito internacional de bienais, graças a seu trabalho provocativo e ao mesmo tempo de inegável importância histórica na arte contemporânea. No ano passado, por exemplo, ele expôs esculturas e desenhos na exclusiva galeria de Denise Renée, em Paris, que lançou os grandes nomes da op art e vende os trabalhos de Mondrian na Europa. Na nova galeria de Raquel Arnaud, Waltercio, que expõe atualmente em Madri, vai mostrar cinco trabalhos da Série Negra, iniciada há cinco anos. Dessa série, mostrada anteriormente na Christopher Grimes Gallery de Santa Monica, Califórnia, um dos trabalhos foi vendido para o Museu do Texas e outro para um colecionador paulista.
De Paris, onde prepara novos trabalhos - entre eles um livro de artista para a centenária editora espanhola Polígrafa -, Waltercio falou com o Estado sobre a nova série, cujas obras têm os simples títulos de O Som, O Mar, O Espelho, A Paisagem, O Rio. São nomes apenas evocativos, pois se trata de uma das mais complexas séries do escultor, uma síntese de seu trabalho anterior em que o granito, o aço inoxidável, o vidro e fios de lã se relacionam em obras de grande impacto.
"A relação entre os materiais, como eles interagem, é o que me interessa", resume Waltercio. Se existe outro escultor ao qual pode ser comparado, este é o romeno Brancusi (1876-1957), por causa do caráter elusivo da obra de ambos. As peças de Waltercio resistem à classificação justamente por estarem amalgamadas com a história da arte. Na Série Negra, o título é quase um comentário irônico da proposta do artista, que usa o polimento do mármore negro para transformá-lo num espelho.
Nesse aspecto, Brancusi deve ser de novo evocado por ter igualmente criado esculturas em que elementos contraditórios buscam certa harmonia e o mármore reflete a luz. Também na obra do romeno a pedra não deixa de ser pedra por buscar a função do espelho, nem a base pode ser considerada apenas um elemento formal. Ela representa, como a mesa da Série Negra, uma forma evanescente, metafísica, a "alma" da qual emerge a matéria.
"Desde as primeiras experiências que fiz, nos anos 1970, com veludo negro, busquei a introspecção, reivindicando, de certa forma, uma subjetividade, mas não por meio da expressão", diz Waltercio, que teve agora a chance de exercitar seu lado Goeldi - vale dizer, intimista - ao ilustrar o livro A Alma Encantadora das Ruas, de João do Rio. "Foi uma experiência que me deu muita alegria, especialmente por ser uma obra centenária tão atual." Ele também destaca a tridimensionalidade das ilustrações - o aspecto morandiano e principal da obra de Waltercio Caldas, dedicada à eliminação da fronteira entre o bidimensional e o tridimensional.
Waltercio foi escolhido entre 15 artistas internacionais para realizar uma instalação na Feira de Basel, em outubro e, a convite da família do compositor Tom Jobim, projeta uma escultura que será instalada no Rio. Na nova galeria de Raquel Arnaud, o andar térreo (300 metros quadrados) será ocupado pelo acervo do escultor Sergio Camargo, com quem a obra de Waltercio dialoga, e o primeiro andar (200 metros quadrados) será ocupado exclusivamente pelos cinco trabalhos da Série Negra. O próximo escultor a expor na galeria será José Resende, em agosto.
QUEM É
WALTERCIO CALDAS
ESCULTOR
Nascido há 65 anos, o artista carioca foi aluno de Ivan Serpa e começou sua carreira como cenógrafo, em 1968, numa peça de Ionesco. Expondo desde 1973, tem esculturas públicas no Uruguai e na Noruega. Sua obra se caracteriza pelo olhar erudito do autor sobre a história da arte, usada como matéria em esculturas alusivas a nomes como Mondrian e Morandi.
fevereiro 21, 2011
Passado e futuro em alguns cliques por Paula Alzugaray, Istoé
Passado e futuro em alguns cliques
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 18 de fevereiro de 2011
Tony Oursler inaugura museu de mídias digitais da Adobe e Google disponibiliza navegação por galerias de 17 grandes museus
VALLEY-TONY OURSLER/ www.adobemuseum.com
GOOGLE ART PROJECT/ www.googleartproject.com/
A visita virtual mostra um edifício de arquitetura arrojada, localizado em alguns dos maiores cartões-postais do planeta. Ele supera os arranha-céus de Nova York e contrasta com o casario renascentista veneziano.
Mas o recém-inagurado Adobe Museum of Digital Media (AMDM) é um espaço sem similar: existe apenas no ambiente digital e foi especialmente projetado para exibir obras artísticas realizadas em mídias digitais.
Bem-vindo ao museu online: ele tem entrada livre 24 horas por dia e expõe trabalhos que não poderiam estar em nenhum outro lugar além do seu computador.
Em cartaz desde o início de fevereiro, a mostra inaugural do AMDM conta com o projeto “Valley” do artista americano Tony Oursler especialmente concebido para o museu. O ambiente virtual é efetivamente o lugar ideal para entrar em contato com a obra desse artista que há 30 anos experimenta novas mídias para produzir seus seres fantasmáticos com indagações existencialistas. Em “Valley”, ele criou 17 áreas interativas. No segmento “Vídeo”, por exemplo, a Adobe pede permissão para ativar a webcâmera do usuário, que, ao aceitar, entra no trabalho de Oursler.
“Valley” é atualmente a única sala habitada desse museu que, se fosse construído no mundo real, teria 57.870 m2 de espaços expositivos. Mas o AMDM já conta com uma sala de discussão, na qual os visitantes podem deixar seus comentários. As redes sociais estão entre os maiores diferenciais dos museus online em relação aos espaços físicos. Com essa ferramenta, todo espectador é um crítico em potencial. A maior crítica que o AMDM já recebeu de seus usuários é em relação à sua falta de interatividade. O maravilhoso edifício do arquiteto Filippo Innocenti é uma construção que não pode ser navegada: é impossível escalar as torres que guardariam sua “coleção permanente”, por exemplo. Talvez porque o museu ainda não tenha um acervo? Ou porque ainda falte conteúdo ao site. “A maioria das pessoas esperava navegar com liberdade através do edifício, o que não é o caso”, postou o usuário PUSHINGUPPIXELS.
Ao contrário do AMDM, a navegação é o grande trunfo da galeria virtual Google Art Project. Desde o início de fevereiro, o site viabiliza passeios virtuais a galerias de 17 grandes instituições de todo o mundo. Ao alcance do internauta estão obras-primas da história da arte, como “O Nascimento da Vênus”, de Botticelli, na Galeria Uffizi, ou “The Night Watch”, de Rembrandt, no Rijksmuseum.
A escolha das obras expostas ficou a cargo das curadorias dos museus, que justificam a disponibilidade limitada devido aos direitos autorais dos artistas vivos (leia bate-papo). Em sua fase inicial, o projeto dispõe de 1.060 obras, com possibilidade de visualização em lentes de aumento que podem chegar à incrível resolução de 7 gigapixels. Mas a experiência do Google Art Project é puramente visual e não substitui o universo de possibilidades oferecidas por um museu online hoje: de vídeos com artistas a ferramentas de compartilhamento de dados. No entanto, o projeto pode aumentar consideravelmente a visita aos sites dos museus que estão participando. E isso é um grande feito.
Bienal vai homenagear Bispo do Rosário por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Bienal vai homenagear Bispo do Rosário
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 19 de fevereiro de 2011.
Luiz Pérez-Oramas, curador do evento de 2012 em SP, pretende evidenciar artista, que foi interno de hospital psiquiátrico
Venezuelano também quer diminuir número de participantes e ter mais trabalhos pensados para a mostra
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), marinheiro que foi interno de um hospital psiquiátrico e nunca produziu obras para o circuito das artes, será um dos artistas centrais da 30ª Bienal de São Paulo, em 2012, adiantou à Folha, anteontem, o curador Luis Pérez-Oramas.
"O que me interessa no Bispo do Rosário é que ele foi uma figura periférica, cuja obra está centrada na invenção da linguagem", disse Oramas, no café do Circullo de Bellas Artes, em Madri. Para ele, uma das questões centrais de sua Bienal será discutir os limites da arte.
"Retorno das poéticas" é o "motivo aglutinador" da Bienal paulista: "Eu sou poeta e gosto de poesia, mas por poética estou me referindo à capacidade retórica da arte".
Ao abordar o caráter discursivo da arte e seus limites, Oramas vai questionar uma das tendências importantes dos anos 1960 e 1970, liderados por Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980). "Se formos observar, a Lygia, com suas propostas, chegou de fato ao fim da arte. Agora, é preciso revisar a ideia da arte, que não é um instrumento de emancipação, apesar de poder ajudar", diz Oramas.
Segundo o curador, um dos problemas da produção atual é que, ao se aproximar da vida, a arte "tem se afirmado mais como comentário da realidade, da sociedade e por isso não se questiona mais como discurso".
Com isso, a Bienal entra num velho debate, que se renova permanentemente, sobre a autonomia da arte, no modernismo, e seus desdobramentos no contemporâneo, para alguns chamado de pós-moderno, outros hipermoderno e mesmo altermoderno. "É preciso tomar cuidado com conceitos messiânicos", alerta o curador.
Outros artistas importantes na conceituação da mostra são o alemão Hans-Peter Feldmann, que atualmente está em exposição no museu espanhol Reina Sofia, e o brasileiro Waldemar Cordeiro (1925-1973). "Ele é um bom exemplo para pensar limites, pois vai do meio artístico para a informática", afirma.
CAMPO EXPANDIDO
Entre seus planos, o curador pretende reduzir pela metade, em relação à última edição, o número de artistas no pavilhão, chegando a cerca de 80. "Mas queremos ter muitas obras feitas especialmente para a mostra", conta. Espacialmente, o curador planeja que entre 12 e 15 dessas novas obras sejam de grande porte.
Oramas também reserva à arte latino-americana papel importante na mostra: "Devemos dar lugar a artistas latinos importantes que não tiveram ainda a atenção merecida, mas não penso em termos quantitativos". O curador refere-se à última edição que, entre seus 159 artistas, tinha 45% de latinos.
Até setembro, Oramas pretende apresentar a lista de artistas. Assim como vem ocorrendo desde 2006, ele planeja estender a Bienal no tempo, com debates durante todo o ano de 2012.
"Como grande parte dos trabalhos será comissionado, poderemos organizar encontros com os artistas."
A 30ª Bienal também deve ocorrer de forma mais sistemática fora do pavilhão.
"Uma das perguntas que queremos fazer é qual a tensão da obra com seu entorno e, por isso, será muito importante que tenhamos trabalhos em museus da cidade, pois a Bienal, por seu caráter específico, pode muita coisa que eles não podem."
Agora, experiente, o curador sabe que tem pela frente um grande desafio: "Aqui no Bellas Artes tudo soa bonito", brinca.