|
fevereiro 11, 2011
Domínio Público já reúne 187.533 obras digitalizadas, estadao.com
Domínio Público já reúne 187.533 obras digitalizadas
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do Estadão em 11 de fevereiro de 2011.
Durante as férias nas escolas, o site tem 500 mil visitas, e duplica a quantidade de acessos nas aulas
O portal Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br), biblioteca digital desenvolvida em software livre e mantida pelo Ministério da Educação (MEC), atingiu em janeiro um total de 187.533 obras registradas no acervo digital em forma de textos, imagens, áudio e vídeos. O conjunto de produções cadastradas amplia-se em cerca de 3 mil obras a cada mês, desde agosto.
Em janeiro, foram catalogadas 3.471 obras. De acordo com o MEC, a grande quantidade de novas mídias é consequência da parceria com outros ministérios e bibliotecas do Brasil. "A intenção é de que o Domínio Público deixe de ser apenas um portal do Ministério da Educação para ser um portal de conteúdo de todo o governo federal", diz o diretor de Infraestrutura em Tecnologia Educacional do ministério, José Guilherme Ribeiro. A página foi formada em 2004, com conjunto inicial de 500 produções, para favorecer o acesso grátis a literatura, artes e ciências.
Durante as férias nas escolas, o site tem 500 mil visitas, e duplica a quantidade de acessos nas aulas. "O MEC quebrou um paradigma ao começar a oferecer material de qualidade, gratuitamente, sejam filmes, partituras, obras literárias ou animações", afirma. Os materiais mais buscados são as obras escritas, que tiveram até hoje quase 24 milhões de downloads. A Divina Comédia, do escritor, poeta e político italiano Dante Alighieri, poemas do português Fernando Pessoa e clássicos do dramaturgo inglês William Shakespeare e do escritor brasileiro Machado de Assis estão entre os mais acessados.
Entre as 11.906 imagens, as notáveis pinturas do artista plástico, cientista e escritor italiano Leonardo da Vinci, como a Adoração dos Magos, A Última Ceia e La Gioconda, ocupam a liderança na relação das mais procuradas. Uma nova versão do portal tem início ainda neste semestre.
Resposta ao desleixo por Ana Magalhães, Cristina Freire e Helouise Costa
Resposta ao desleixo
Mensagem enviada à Folha de São Paulo e ao Canal Contemporâneo por Ana Magalhães, Cristina Freire e Helouise Costa em resposta a matéria Desleixo curatorial afeta mostra sobre acervo pioneiro do MAC na ditadura de Fábio Cypriano publicada pela Folha de São Paulo em 10 de Janeiro de 2011,
A iminente mudança do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo para a nova sede no Parque do Ibirapuera tem provocado um interesse crescente na mídia. O texto publicado pela Folha em 10/01/11 (“Desleixo curatorial afeta mostra sobre acervo pioneiro do MAC na ditadura”) nos incita a contribuir para que um debate crítico possa de fato ocorrer sem resvalar para julgamentos arbitrários de exposições pontuais.
“Um dia terá que ter terminado, 1969/74” é a segunda de uma série de três exposições que visa investigar a constituição do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, tendo como foco a arte brasileira produzida durante a ditadura militar (1964-1985). O protagonismo do MAC USP na cena artística contemporânea brasileira é apresentado em documentos e obras. O trabalho pioneiro de Walter Zanini, diretor do MAC USP no período, pode ser acompanhado pelo programa de exposições por ele implementado e que esta mostra busca reavaliar.
Antes de mais nada cabe observar que a falta de contexto reclamada pelo articulista está presente no seu próprio artigo. Sem citar que a mostra faz parte de uma série, monta o seu discurso valendo-se das informações disponibilizadas pela curadoria como se fossem já conhecidas. Além disso, parece que a história da arte contemporânea, que se pauta pela história das exposições, é desconhecida pelo jornalista. Tal abordagem coloca em questão a obra de arte na dinâmica, sempre renovada, de sua apresentação pública, para onde convergem todos os contextos de uma maneira complexa e não linear. Assim, não pensamos em contexto no sentido limitado de “pontuar o que se vivia naquele momento”, como foi reclamado.
O que se apresenta na mostra são traços da trajetória do primeiro museu de arte contemporânea brasileiro na busca de uma autocrítica institucional a partir da história de suas próprias exposições. Nessa medida não basta reafirmar a indiscutível excelência do acervo do MAC USP. É necessário ir além de uma abordagem patrimonialista e estática que reforça a autonomia da obra de arte a exemplo da visão modernista há décadas vigente em nosso meio.
“Um dia terá que ter terminado” não é apenas “uma sucessão de obras na parede”, mas o resultado de um pensamento mais amplo que vem sendo desenvolvido há anos e tornado acessível por meio de edições, livros, exposições, cursos, conferências e disciplinas acadêmicas. Por último, mas não menos importante, vale ressaltar que tal trabalho curatorial vem logrando conferir existência pública a muitas obras que nem mesmo constam no catálogo oficial do Museu.
O caráter opinativo da manchete do texto da Folha desdobra-se diretamente numa conclusão premeditada e autoritária. Sugerir que o MAC USP não terá condições de ocupar a contento a nova sede é no mínimo uma arbitrariedade. Se nas décadas abordadas pelas mostras o enfrentamento do MAC USP era com a truculência do regime ditatorial, hoje fica evidente, tomando como medida o artigo em questão, que os desafios para um museu público de arte e universitário são de outra ordem, mas não menos contundentes.
fevereiro 10, 2011
Embalagem de arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Embalagem de arte
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 9 de fevereiro de 2011.
Museus valorizam o design antes de ele ser design, com mostras de anúncios dos antigos bondes , rótulos de cachaça e papéis de bala
Nos carros sobre trilhos que cortavam São Paulo antes de ela ser metrópole, cartazes anunciavam de tudo, dos milagrosos rum Creosotado e colírio Lavolho ao forte café Paraventi, passando até pelas notícias da recém-lançada "Folha da Tarde".
Dos anos 1940 aos 1970, a Companhia de Annuncios em Bonds, grafada assim mesmo, inventou cerca de 9.000 anúncios em cartaz, num ateliê comandado pelo polonês Henrique Mirgalowski na rua do Carmo, atrás da praça da Sé.
"Ele era mãe de todos lá", lembra Wilson Limongelli, último cartazista sobrevivente da velha companhia. "Todos os meninos começavam pequenos, não tinha escola de desenho nem de publicidade, tinha que ter o dom."
E, com esse dom, não seguiam a estratégia agressiva do marketing atual, nem pesquisas de comportamento.
Eram desenhos de influência soviética, art déco e futurista, com textos um tanto singelos. Quase tudo estava à venda nas "boas casas do ramo", e clientes eram chamados de "ilustre passageiro".
Mas tudo isso se perdeu quando os bondes deram lugar aos ônibus e o ateliê foi despejado de seu endereço.
Cartazes que sobreviveram foram passando de mão em mão até serem expostos agora pela primeira vez, numa mostra que o Instituto Tomie Ohtake abre hoje à noite.
No mesmo museu, outra exposição reúne rótulos de cachaça feitos no pais entre as décadas de 1950 e 1960.
"É um retrato arqueológico de uma época que mudou", resume Milton Cipis, designer que organiza as mostras. "Nunca se juntou tanto material, e a gente começa a valorizar o que houve. Fica claro que a gente não é só filho do modernismo."
Ou seja, houve design no Brasil antes da escola construtiva de desenho, que surgiu nos anos 1950 e dominou os traços de tudo no país -do mobiliário à publicidade.
Passada a febre concreta, é esse pré-design que ganha espaço nos museus agora. Talvez na esteira do estardalhaço provocado por mudanças recentes nos clássicos.
Casou certa choradeira entre designers a aposentadoria das embalagens concretistas que a artista Lygia Pape fez para os biscoitos Piraquê.
No plano internacional, a Campbell's demorou mas também reformou a lata da sopa celebrizada pelas serigrafias de Andy Warhol.
GLICOSE
Prevendo o mesmo destino para esse design popular, museus estão entrando numa onda de preservação.
Junto do Instituto Tomie Ohtake, o Museu Paulista tem agora uma exposição de papéis de bala, com embalagens e rótulos de chicletes e doces mais e menos clássicos -estão lá Ping Pong, balas Chita, entre outras guloseimas com alto teor de glicose.
"Tem um acervo iconográfico muito grande que ainda não foi descoberto", diz o designer Egeu Laus, que levou seus rótulos de pinga ao Tomie. "Isso mostra que há design antes do concretismo; é possível contar uma parte da história com esses rótulos."
Entre as pin-ups, tema mais tradicional das garrafas de caninha, bichos e nomes estranhos, havia também homenagens a grandes sambistas, jogadores de futebol e acontecimentos históricos.
Não fosse um pedido do próprio astro, Pelé seria até hoje nome de aguardente. Pixinguinha não se acanhou e seguiu firme nas garrafas.
Designers dizem que, com o resgate dessa memória gráfica, muitas releituras já estão em curso, basta olhar a cerveja que estampa no rótulo pin-ups turbinadas, designadas pela cor dos cabelos.
Artista egípcio vê "história sendo reescrita" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artista egípcio vê "história sendo reescrita"
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 5 de fevereiro de 2011.
Khaled Hafez, que participa de mostra em SP, desiste de vir ao Brasil para participar de protestos contra ditador
Para ele, levante contra os 30 anos de poder de Hosni Mubarak provoca também revolução cultural no Egito
Miragens, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, de 10/02 a 03/04/2011
Desde que viu e filmou o assassinato do presidente egípcio Anwar El Sadat há 30 anos, o artista Khaled Hafez, 47, perdeu o interesse por líderes de qualquer tipo. Fez disso mote central de sua obra, interrompida pela fúria que abala o Egito há dez dias.
Ele transformou seu ateliê nos arredores da praça Tahrir, no Cairo, epicentro do levante contra o ditador Hosni Mubarak, numa espécie de barricada contra a violência, já que ruas e avenidas estão bloqueadas por tanques. Agora, lidera uma campanha por doações de sangue.
Também trocou o dia pela noite, passando o tempo todo acordado, ao lado de vizinhos, na tentativa de proteger suas casas e famílias.
Mas parte do esforço foi em vão. Anteontem, Hafez enterrou o corpo de Ahmed Bassiouny, videoartista e professor da Universidade Helwan, morto no confronto.
"Ele foi sufocado na multidão pelo gás lacrimogêneo", contou Hafez à Folha, por telefone, do Cairo. "Depois acabou sendo atropelado por um carro de polícia."
Hafez acredita, como uma série de analistas políticos e mesmo a ONG Repórteres sem Fronteiras, que o recrudescimento da violência nos últimos dias, com manifestantes pró-Mubarak invadindo a praça a cavalo e camelo, está sendo coordenada por agentes do próprio governo.
É com essa sombra de dúvida que enxerga o poder no Egito desde que viu ruir uma série de promessas oficiais, culminando no ataque fatal a Sadat, de quem o atual ditador era vice-presidente.
EXPOSIÇÃO
Ele esquadrinha parte dessa história nas obras que expõe no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, a partir de quarta-feira. Hafez viria para a abertura da mostra, mas desistiu de viajar.
"Não é um bom momento para deixar o país", diz o artista. "Por motivos ideológicos e porque estamos vendo a história ser reescrita."
Em "Revolution", vídeo que estará na mostra paulistana, Hafez ironiza as promessas do golpe militar de 1952, que tentou erradicar a presença britânica no país. Também prometiam maior igualdade social e distribuição de riqueza, liberdade e respeito a crenças e etnias.
Na tela dividida em três, um mesmo ator encarna os três pilares da velha revolução. Em trajes militares, empunha uma arma, sublinhando uma vontade bélica por trás da nova ordem.
Depois, vestido como muçulmano, bolina bonecas e decepa suas cabeças com o facão usado por egípcios para cortar carne, em alusão ao fundamentalismo religioso.
De terno e gravata, remete à abertura econômica do país. Ele martela pregos na superfície de uma mesa, ação rítmica que tenta ilustrar a estafa dos trabalhadores.
Mas agora, diante da revolução em curso, Hafez diminui a própria obra. "Isso tudo é só um vídeo", diz ele. "Tenho inveja desses jovens que lideraram o levante por não ter pensado nisso há 15 anos. Essa batalha é chocante e inesperada, faz tudo que a minha geração fez no plano político parecer uma piada."
REVOLUÇÃO DIGITAL
Muitos desses jovens, alguns alunos de Hafez, articularam manifestações contra o governo usando Facebook, Twitter e outras redes sociais, no que ele chama de uma "total revolução digital".
"Minha geração nunca foi tão organizada, venho de um momento em que artistas egípcios só lutavam pelo reconhecimento internacional", lembra Hafez. "Agora esses artistas estão lutando por algo que é muito maior."
E quase toda essa luta foi documentada pelas câmeras de seus telefones celulares, por bem ou por mal.
"Vamos ver muitas obras em vídeo e fotografia registrando o que ocorreu nos últimos dias", diz Hafez. "A arte no Egito nesses próximos anos vai ser tão surpreendente quanto a revolução, nunca mais será a mesma. Essa também é a primeira revolução cultural na história do país."
fevereiro 9, 2011
MinC: a parte que nos cabe desse latifúndio, Quadrado dos Loucos
MinC: a parte que nos cabe desse latifúndio
Artigo originalmente publicado no blog Quadrado dos Loucos em 5 de fevereiro de 2011.
No governo Lula, o ministério da cultura (MinC) ocupou uma posição central. Com os ministros Gilberto Gil (2003-08) e Juca Ferreira (2009-10), contribuiu incisivamente para o aprofundamento da democracia do país. Com políticas públicas inovadoras, não governou apenas para uns, mas para todos os cidadãos, ampliando o escopo da indústria e da "classe artística" para o vasto espectro de trabalhadores culturais do Brasil, em todas as regiões, até os rincões mais afastados. Nos últimos oito anos, a cultura deixou de ser assunto secundário, acessório, "perfurmaria", para se instalar no cerne de um projeto global de democracia, que produz renda no processo mesmo em que a dissemina.
O coração programático do MinC foram os Pontos de Cultura. Hoje, já são cerca de 4.000 pontos em mais de 1.100 municípios. Cada Ponto recebe R$ 180 mil, em parcelas semestrais, para remunerar as pessoas, comprar equipamento, divulgar a arte e a cultura.
O investimento gira na ordem das centenas de milhões de reais e contempla diversos âmbitos: audiovisual, música, literatura, grafite, circo, teatro, dança etc. Num processo dinâmico, a partir dos Pontos, coordenam-se as demais ações do Programa Nacional de Cultura (Cultura Viva), tais como a Cultura Digital (redes na internet, software livre, multimídia etc) e vários editais públicos de fomento.
Pela primeira vez, o foco do MinC passou a ser quem genuinamente precisa de incentivo. Os Pontos atendem principalmente à população de baixa renda, nas periferias das metrópoles e no interior pobre. Assiste minorias indígenas e quilombolas, o artista e o produtor iniciantes, os midialivristas e jornalistas-internautas. Alcança também os pesquisadores e formuladores político-culturais, nas universidades e institutos. Num cenário cultural dominado pela grande indústria de entretenimento, os Pontos qualificam socialmente o investimento cultural.
Tome-se o exemplo do cinema. As majors, grandes produtoras e distribuidoras norte-americanas, abocanham quase 90% dos lucros, graças a duas dezenas de blockbusters anuais. Dos outros 10%, a Globo Filmes --- que também é grande indústria --- engole a maior fatia, com suas produções de linguagem televisiva.
Enquanto isso, segundo o relatório Cultura em Números (MinC, 2010), somente 8% dos municípios brasileiros têm salas de cinema, e risíveis 13% dos cidadãos costumam freqüentá-las. Produções pequenas e novas, fora do cinemão (americano ou "global"), dificilmente ultrapassam um ou dois mil espectadores. Isso quando tem a rara felicidade de chegar ao circuito comercial (em poucas salas). Além disso, as grandes linhas de crédito não se abrem à cauda longa de pequenos produtores, ficando justamente com quem já dispõe de bons dividendos.
Os Pontos de Cultura deslizam dessa lógica verticalizada e desigual. Abrem a arte e cultura para um estamento até então segregado dos meios de produção e difusão. Se a indústria cultural tem dono e divide os lucros entre acionistas, empresários e (quando muito) um punhado de medalhões, os Pontos remuneram direta ou indiretamente 8,4 milhões de pessoas (dados do IPEA).
A vida cultural não se faz somente com grandes produtoras, empresários empreendedores e artistas consolidados. Este grupo não responde sequer por 1% do universo de trabalhadores da cultura. Refiro-me aos inúmeros técnicos, fotógrafos, maquiadores, roteiristas, blogueiros, designers, músicos, dançarinos, assistentes, montadores, sonoplastas, atores e tantos outros que (sobre)vivem de bicos e contratos temporários. Não recebem um tostão em direitos autorais e são obrigados a se submeter a um regime exploratório e injusto de remuneração, como subempregados das majors. Quantos jovens talentos não abandonam a atividade por falta de renda e condição humilhante?
Esse precariado produtivo só começou a ser efetivamente contemplado no governo Lula, graças principalmente aos Pontos e editais transversais (democráticos) da Cultura Viva.
Além da renda, há outros fatores importantes. Os Pontos abraçam uma organização política não-hierárquica e colaborativa. Funcionam em rede, na base da articulação, da remixagem, do mash-up. O jovem produtor não tem que se submeter a empregos ou subempregos. Ele é livre, autônomo, constituinte de sua produtividade.
Mas o sistema não é anárquico. Para coordenar (e não comandar) a rede, foram implantados mais de 100 Pontões. Atuam como rótulas do sistema e são granjeados com infraestrutura mais robusta e repasse mais generoso (R$ 500 mil cada). Os nós equipotenciais reúnem-se em fóruns, teias (encontros) e numa Comissão Nacional. Vibram em conjunto, difundindo a produção horizontalmente e retroalimentando a cadeia criativa.
Na sociedade pós-industrial, a circulação por si só agrega valor aos conteúdos. Quanto mais "viral" a produção, mais interage, captura a atenção e constitui públicos. Tudo isso valoriza o processo mesmo da comunicação. Com efeito, a cultura livre se dá na partilha de mundos, onde cada um pode afirmar seus sentidos, desejos, modos de olhar e sentir. E não no esquema monológico da indústria nacional. A esquerda hoje é pelo compartilhamento, enquanto a direita quer tirar da circulação, botar preço, vedar, criminalizar.
Os Pontos e as políticas associadas não consistem, portanto, tão somente em modo de remunerar a "massa" de precários da cultura, como técnica de governo. Mas sobretudo empoderar o cidadão e concitar um ciclo microeconômico com valor democrático. Reconhecer que todos podemos gerar e divulgar conteúdo, que podemos participar ativamente da democracia como sujeitos, como elos da vida cultural, como mídia.
Está em jogo uma concepção de cultura muito além do entretenimento ou do negócio, como na visão da indústria --- nacional ou estrangeira. No século 21, cultura e conhecimento situam-se no cerne da produção de valor. E implicam a cidadania: o produtor cultural é imediatamente sujeito político.
Por tudo isso, o sociólogo Giuseppe Cocco, da UFRJ, em artigo a jornal paulista, pôde concluir que "o Bolsa Família é a maior política cultural do governo Lula, e os Pontos de Cultura são a melhor distribuição de renda deste governo."
uer dizer, assim como o programa Bolsa Família excita microeconomicamente as regiões contempladas, e gera excedentes para o acesso a bens culturais; os Pontos remuneram os trabalhadores e potencializam a produção de valores, sentidos, afetos... de riqueza --- o que, no pós-industrial, tem automaticamente efeito econômico. Daí, o intelectual ítalo-brasileiro defende a integração do Bolsa Família aos Pontos de Cultura, pois juntos acionam todo um círculo virtuoso de renda, cidadania e liberdade.
Isto posto, preocupam as primeiras movimentações da ministra Ana de Hollanda e de sua equipe. Decerto, uma tentativa de desmantelar as realizações do governo Lula, com Gil e Juca, seria a mais deslavada traição do voto. A eleição de Dilma significou a vitória do projeto de continuação e aprofundamento do governo anterior. Ao que parece, conquanto não haja sinais de ruptura frontal, o "acerto de contas" com a ousadia lulista pode ocorrer de maneira mais discreta e traiçoeira.
Duas expressões estão em voga na boca do ministério: "economia criativa" e "indústrias criativas". Já divulgada na grande imprensa, a idéia da economia criativa se institucionaliza com uma nova secretaria. A bem da verdade, parece uma iniciativa oportuna, que reconhece o caráter imaterial da new economy, da dita "economia da cultura e do conhecimento".
Assim, em vez de preocupar-se apenas com a venda de CD, livros e filmes, a economia criativa engloba outras atividades: a moda, o marketing, a gastronomia, o videogame, a cosmética etc. Explode o esquema "duro" de arte-de-artista, como alfa e ômega da cultura, e abarca a constituição de mundos: afetos, valores, modos de sentir.
Até aí tudo bem. Preocupa o que pode vir junto no pacote da economia criativa. Qual o sentido que será conferido a esse discurso aparentemente interessante. Para isso, valem analisar declarações da nova equipe e estudos-chave desse programa (como o e-book Economia Criativa como Estratégia de Desenvolvimento).
O primeiro problema pode surgir com o discurso técnico de otimização e eficiência. Essa linha argumentativa pode ser manejada (e já está sendo), para subtilmente atribuir aos Pontos de Cultura a pecha de desorganizado, precário, "ingênuo". Isso significaria a retração de editais e redes colaborativas, em proveito do mais "organizado" esquemão, o empreendedorismo "sustentável" da indústria cultural e dos players dominantes do mercado. O velho conto do vigário: por razões tecnocráticas, muda-se uma política de esquerda.
O segundo problema surge na forma como as indústrias criativas serão viabilizadas. Porque "sustentabilidade" nem sempre significa democracia. O social (os Pontos?) não pode matar a cultura, porque a cultura é social em primeiro lugar (diverso o pensamento de uma das secretárias do MinC). Por exemplo, a Globo Filmes está perfeitamente sustentável, mas mantém a lógica concentrada, hierárquica, vertical, monotônica (televisiva). O MinC, um órgão público, promotor da justiça social e da democracia cultural, não pode servir para apascentar ainda mais as poucas e grandes empresas do setor. Com muito menos razão, num governo de esquerda, com seu devir anti-histórico. Se, de alguma forma, a economia criativa privilegiar o modelo velho, onde o cidadão é só consumidor e o grosso da renda vai para as majors, se torna golpe camuflado de desenvolvimento.
O terceiro problema reside num nacionalismo mal-disfarçado e totalmente anacrônico (do tipo que a Microsoft ama). Quando se fala em indústrias criativas, há o risco disso traduzir indústria criativa... nacional, numa reedição obsoleta de nacional-desenvolvimentismo (progresso e soberania prioridades, democracia e justiça efeitos). Isto significa, mais uma vez, a idéia de cultura como parque formal de geração de empregos brasileiros e valores brasileiros. Volta-se à passeata contra a guitarra elétrica de 1967.
O caso não é se proteger da cultura americana ou européia. É pegar tudo, não pagar nada, usar à vontade e remixar. Eis a antropofagia. A história da agitação cultural brasileira do século 20, --- desde os modernistas nas décadas de 1920 e 1930, e dos tropicalistas em 1960 (tendo Gilberto Gil como expoente), --- foi a luta simultânea contra nacionalistas-integralistas e colonizados-modernizantes. Foi sair pela tangente desse falso problema.
Porque o problema não está em ser estrangeiro, mas em ser indústria, no trabalho explorado e na desigualdade social. Paramount ou Globo Filmes são igualmente expropriantes, antidemocráticas e monopolistas. Enquanto um filme independente de Seattle ou um CD gravado pelos índios sioux da América do Norte podem vibrar produtivamente com as redes daqui.
Em suma, os Pontos de Cultura foram tão transformadores, --- e tão sintonizados na verve democrática no governo Lula, --- por começar uma ruptura com a divisão técnica e social do trabalho cultural, com a concentração de renda em empresas monopolistas, com o viés mercadológico e privatista do investimento público, descolado das demandas sociais e políticas. Se a economia criativa e o novo MinC que a propugna vierem para sabotar as mudanças, será uma guinada menos do que conservadora. Será ardilosamente reacionária.
Portanto, ao movimento compete articular-se para que não aconteça. Lutar desde já pelos direitos constituídos em conjunto, ao longo de oito vibrantes anos, com Lula, Gil e Juca. Cabe-nos, cidadãos mobilizados política e culturalmente, recusar a parte que nos cabe desse latifúndio.
Post Scripta:
Vale a pena conferir também o excelente estudo de Andréa Saraiva, Economia Viva e Solidária..., com opção de download em pdf.
Também recomendo, como exemplo de como pode ser traiçoeira a indústria criativa, o artigo de Bárbara Szaniecki e Gerardo Silva ao Outras Palavras, sobre política aplicada recentemente ao Rio de Janeiro.
Finalmente, para a conceituação mais rigorosa da nova economia, sugiro o livro Capitalismo Cognitivo: trabalho, redes e inovação (vários autores, DP&A ed., 2003).
fevereiro 8, 2011
Cocurador da mostra que é uma das mais inovadoras do mundo, o brasileiro Adriano Pedrosa critica o espetáculo das exposições por Suzana Velasco, globo.com
Cocurador da mostra que é uma das mais inovadoras do mundo, o brasileiro Adriano Pedrosa critica o espetáculo das exposições
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do O Globo em 6 de fevereiro de 2011
Há um ano, o curador Adriano Pedrosa passa uma semana por mês em Istambul, na Turquia. De lá, ele ruma para Ramallah, Jerusalém, Beirute, Cairo, Buenos Aires, Chile, Peru e às vezes para em São Paulo, onde mora. Nas voltas pelo mundo, Pedrosa trabalha na curadoria da 12ª Bienal de Istambul — que será realizada entre 17 de setembro e 13 de novembro deste ano —, reforçando seu vínculo com a arte latino-americana e descobrindo artistas do Oriente Médio. Não há, porém, qualquer cota regional na exposição. Pelo contrário. A Bienal de Istambul foi, em 1997, uma das primeiras a abolir as representações nacionais — extintas pela Bienal de São Paulo em 2006, e ainda mantidas pela de Veneza —, firmando-se como uma das mais críticas e experimentais bienais do mundo. Foi também a primeira entre as grandes a convidar um não europeu para seu comando — a japonesa Yuko Hasegawa, em 2001. E, pela primeira vez, terá latino-americanos como curadores: Pedrosa e o costa-riquenho Jens Hoffmann.
Participantes não serão anunciados
Nomeada “Untitled (12ª Bienal de Istambul), 2011”, a exposição será inspirada no artista plástico Félix González-Torres, que nomeava suas obras de “Sem título”. O objetivo dos curadores é manter a tradição política da mostra. Mas, contrapondo-se ao ativismo do coletivo croata WHW — What, How & for Whom —, que advogava pelo comunismo na bienal de 2009, Pedrosa e Hoffmann buscam resgatar os aspectos conceitual e formal da arte política, e o artista cubano-americano é emblemático nesse sentido. Serão cinco seções inspiradas em obras de González-Torres (que não estarão fisicamente presentes), com cinco pequenas mostras coletivas e espaços para 45 artistas individualmente, numa disposição pensada pelo arquiteto japonês Ryue Nishizawa, vencedor do Prêmio Pritzker de 2010 junto com sua sócia Kazuyo Sejima.
Mas “Untitled” tem um duplo sentido. O nome serve ainda à vontade que os curadores têm de apagar o vínculo com um tema ou tipo de mostra determinado. A lista de participantes, por exemplo, não será anunciada. Só se conhecerão de fato todos os artistas incluídos quando a bienal começar.
— Há um número perverso de bienais circulando, e a maneira de consumi-las é ver o título, o nome dos artistas, os curadores. No circuito curatorial, a Bienal de Istambul tem uma atenção excepcional, e a gente quer que ela seja vista, e não consumida — diz Pedrosa, que, numa coletiva de imprensa, em 2010, apresentou um cartaz com os nomes das centenas de bienais que existem hoje.
Apesar de não divulgar uma lista, Pedrosa não faz segredo. Entre os brasileiros, estarão na Bienal de Istambul trabalhos de Leonilson, Jonathas de Andrade, Rosângela Rennó e Renata Lucas, cuja obra “Falha” certamente ficará na seção “Untitled (Abstraction)”, que deve ter ainda um ou mais “Bichos” de Lygia Clark. Em suas viagens pela América Latina, o curador vem buscando fundos para financiar a participação de alguns artistas na bienal, que tem um orçamento de 2,5 milhões (o investimento da última Bienal de São Paulo foi de R$30 milhões), para uma exposição num espaço entre oito e dez mil metros quadrados (no Pavilhão do Ibirapuera são 30 mil). Sua próxima parada de negociações será Brasília, no Ministério das Relações Exteriores.
— É uma exposição importante que nunca tem financiamento de sul-americanos. No Peru, o governo nunca apoiou seus artistas, esperamos que apoie agora a Flavia Gandolfo, que participará de uma das coletivas — diz o carioca radicado em São Paulo, que causou polêmica em 2009, quando organizou a tradicional mostra “Panorama da arte brasileira”, no MAM-SP, apenas com artistas estrangeiros.
Por sugestão de Pedrosa, seu nome foi submetido ao conselho da Fundação para Cultura e Artes de Istambul junto com o de Hoffmann, que ele já convidara para trabalhar junto na Trienal de San Juan, da qual o brasileiro foi diretor artístico. No ano passado, Hoffmann lançou a revista “The exhibitionist” (“O exibicionista”), nome que indica, mais uma vez, uma crítica à espetacularização da arte mundo afora. Numa de suas edições, Pedrosa escreveu o artigo “Sinking Venice” (“Afundando Veneza”), uma crítica feroz à Bienal de Veneza, a mais famosa exposição de artes visuais do mundo.
— A Bienal de Veneza é a bienal mais importante, que dá mais visibilidade. Mas não tem cunho crítico nenhum, não tem experimentação. Eu vou a todas, mas virou um espetáculo — diz ele, que foi curador adjunto e editor de publicações das bienais de São Paulo de 1998 e 2006. — São Paulo se mantém entre uma coisa e outra, porque tem uma história muito errática. A gente ficou quatro anos sem bienais e depois teve o mesmo curador duas vezes seguidas. Isso já é ruim, ainda mais com o Alfons Hug (alemão radicado no Brasil, curador das bienais de SP de 2002 e 2004).
Trabalho com tempo e liberdade
Em novembro de 2010, Pedrosa e Hoffmann organizaram a conferência “Lembrando Istambul”, em que falaram artistas turcos e os curadores de quase todas as bienais. Para o brasileiro, foi importante ouvir as experiências passadas e questionar padrões estabelecidos, como, por exemplo, a ausência de curadores turcos desde a quarta edição da bienal.
— A memória das exposições é importante para a gente. O catálogo, por exemplo, só vai ficar pronto depois da abertura. Não vou trabalhar com o arquiteto do Pritzker e depois não ter imagens da montagem — diz. — A bienal não tem tanto dinheiro, mas está nos dando tempo e liberdade. A gente está selecionando a moldura do trabalho, pegando o artista pelas mãos.
Oiticica lidera lista dos artistas mais expostos da década por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Oiticica lidera lista dos artistas mais expostos da década
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 08 de fevereiro de 2011
Depois dele, nomes que se contrapõem ao neoconcreto foram os mais vistos de 2001 a 2010, segundo estudo do Itaú Cultural
Cildo Meireles e Regina Silveira são segundo e terceiro lugares em levantamento de 7.010 exposições compiladas
Na primeira década do século 21, artistas que se contrapõem aos neoconcretos Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988) foram os que tiveram maior visibilidade no Brasil.
A conclusão é de Tadeu Chiarelli, diretor do Museu do Museu de Arte Contemporânea da USP, a partir de um levantamento de 7.010 exposições compiladas pelo Itaú Cultural entre 2001 e 2010.
A partir de seu banco de dados, o Itaú Cultural gerou listas dos artistas mais vistos na última década e das instituições e dos curadores que mais organizaram mostras.
"Esse banco de dados existe há 24 anos e nós mesmos vamos atrás das informações das mostras, seja em jornais, catálogos ou por correspondência", diz Selma Cristina da Silva, gerente do Centro de Documentação e Referência do Itaú.
É a primeira vez que a instituição faz tal compilação. "Essa é uma forma de contribuir para uma reflexão sobre a cena das artes visuais. No fim do ano, vamos organizar uma mostra em sentido inverso, que pense o que deve vir na próxima década", conta Eduardo Saron, superintendente da instituição.
No total, o Itaú tem registradas cerca de 30 mil exposições de arte brasileira ou ligada ao Brasil, desde algumas realizadas no século 18, em Paris. Esses dados alimentam a Enciclopédia de Artes Visuais na internet.
"Nossa pretensão é ter registro de todas as mostras, mas, quanto mais distante, mais difícil é a compilação", explica Tânia Rodrigues, gerente das enciclopédias virtuais do Itaú.
A instituição ainda reúne dados de arte e tecnologia, literatura, teatro e super-8. "Em breve, todas estarão reunidas", diz Saron.
IRÔNICOS
A pedido da Folha, Chiarelli, que ficou na quarta posição como curador que mais organizou exposições, analisou os dados.
"Primeiro, acho importante dizer que, com essas informações, podemos entender melhor o que se passa aqui e muitos pesquisadores vão ter material importante para análise", diz o diretor do museu universitário, que neste ano deve inaugurar sua nova sede no Ibirapuera.
Ter Oiticica como artista que obteve mais visibilidade na década passada significa, segundo Chiarelli, "um esforço coletivo para mostrar suas obras a partir do reconhecimento delas no exterior". Já a sétima posição de Clark "talvez reflita as dificuldades em expor suas obras", diz o curador.
A enciclopédia virtual do Itaú não apresenta obras de Clark ou Oiticica por dificuldades com os herdeiros. O mesmo não acontece com os demais artistas mais vistos.
São esses outros artistas, aliás, que, segundo Chiarelli, indicam a superação das propostas de Oiticica e Clark -exceção feita a Amilcar de Castro (1920-2002).
"Ambos tinham uma visão romântica e libertária do artista, como se não existisse o circuito da arte. Já nomes como Cildo Meireles, Nelson Leirner e Regina Silveira são mais irônicos e geram suas poéticas sem negar as instituições." Mesmo assim, não deixa de ser notável que os dez mais vistos sejam artistas vinculados à arte conceitual.
fevereiro 7, 2011
Obras de Guignard se deterioram em BH por Marcelo Bortoloti, Folha de S. Paulo
Obras de Guignard se deterioram em BH
Matéria de Marcelo Bortoloti originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 06 de fevereiro de 2011
Painéis feitos pelo artista em paredes e tetos de amigos sofrem com rachaduras e infiltrações e não podem ser movidos
Pintor realizava obras para agradecer quem o hospedava nas fases em que ele não tinha renda suficiente para moradia
Entre os anos 1940 e 1960, o pintor fluminense Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) morou de favor em casas de amigos.
Sem família, alcoólatra e com uma fissura congênita no palato que o impedia de se alimentar e falar corretamente, ele usava o expediente não só por falta de dinheiro, mas em busca de convívio.
Como retribuição à hospedagem, Guignard pintou portas, janelas, biombos e armários com motivos florais ou paisagens. Deixou também em tetos e paredes ao menos uma dezena de painéis, mais representativos de sua obra.
As pinturas, hoje extremamente valiosas, podem ser encontradas no Rio, em Belo Horizonte e em Ouro Preto e enfrentam problemas.
Nenhuma pode ser transportada. Algumas foram destruídas e outras estão se perdendo por causa de infiltrações ou rachaduras.
"Uma infiltração do vizinho está prejudicando terrivelmente o mural. Já fizemos várias restaurações caríssimas", diz Clara de Andrade Alvim, filha de Rodrigo Melo Franco, criador do Iphan.
A pintura tem cerca de dois metros de altura e foi feita em 1946 na casa de seu pai, em Ouro Preto. Hoje, a residência está alugada.
Guignard não utilizava a técnica do afresco, que permitiu, por exemplo, que o teto da Capela Sistina, pintado por Michelangelo no século 16, chegasse aos dias de hoje. Ele pintava com tinta a óleo sobre a parede, o que tornou as obras vulneráveis.
O mural "Paisagem Colonial Mineira", com quatro metros de largura, da década de 1940, no apartamento de Redelvim Andrade, em Belo Horizonte, está com vários trechos descolando.
Um antigo morador, incomodado com os visitantes, pintou por cima da obra, mas, em 1985, especialistas removeram a tinta.
O empresário Mário Dantés, atual proprietário, diz que pretende alugar o apartamento. "Gostaria de levar a pintura para o meu sítio, mas fico com medo de retirá-la."
Há 25 anos, ele pagou US$ 60 mil (R$ 100 mil) pelo imóvel. Segundo o diretor da Bolsa de Arte, Jones Bergamin, se pudesse ser vendida, a pintura valeria R$ 2 milhões.
Para retirá-la, contudo, seria preciso arrancar toda a parede. "É muito arriscado. Ninguém com critério profissional faria isso", diz o restaurador Edson Motta.
Já a obra "Visão de Minas", com 11 m2, está num local em Belo Horizonte onde hoje funciona uma loja. Um livro já foi escrito a seu respeito, mas quem entra ali mal vê o painel, coberto por cabides de roupas.
Existe uma única obra do gênero em prédio público, da prefeitura do Rio, mas está fechada à visitação. É uma paisagem imaginária de Olinda feita no teto de uma residência que pertenceu ao senador Barros de Carvalho.
Guignard nunca foi a Pernambuco, mas pintou a partir de descrições feitas pelo senador, pernambucano.
A casa foi cedida pela prefeitura para que a ONU Habitat montasse uma representação no Brasil. O cômodo em que o teto foi pintado funciona como sala de reunião.
Um bom exemplo de preservação é a pintura de 1946 no teto da casa em que morou a artista plástica Leda Gontijo, em Belo Horizonte.
"Ele se ofereceu para fazê-la e, uma semana depois, chegou com malas lá em casa. Acabou morando conosco quatro meses", diz Leda.
Quando ela vendeu a residência, estipulou em contrato que o painel não poderia ser destruído. Um edifício foi erguido no local mantendo apenas o teto, que hoje é a cobertura do salão de festas do prédio.
Mostra reúne artistas do mundo árabe em conflito por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Mostra reúne artistas do mundo árabe em conflito
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 5 de fevereiro de 2011.
Miragens, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, de 10/02 a 03/04/2011
Enquanto manifestações de revolta se alastram pelo mundo árabe, da Tunísia ao Iêmen, passando pelo Egito em convulsão, uma coletiva no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, reúne obras de artistas da zona conflagrada.
No calor dos confrontos na praça Tahrir, a obra de outra artista egípcia ganha uma leitura mais forte na exposição. Susan Hefuna incorpora as venezianas tradicionais das janelas do Cairo, que deixam ver o lado de fora sem deixar o olhar da rua penetrar nos ambientes, para construir suas mensagens.
Escreve, no caso, "art" e "Cairo", coisas que neste momento não parecem andar juntas, com saques ao Museu Egípcio e violência nas ruas, embora seu conterrâneo Khaled Hafez veja ali uma possível revolução cultural.
Nesse jogo de ver sem ser visto, ou dizer o não dito, Hefuna parece ecoar anos de eleições duvidosas e promessas não cumpridas na história recente de seu país.
É o mesmo silêncio violento que a iraniana Shirin Neshat vem denunciando em sua obra. Vencedora do Leão de Ouro na Bienal de Veneza e depois também premiada com o troféu no festival de cinema da cidade, ela está na mostra que será aberta na quarta com cinco fotografias.
Uma delas mostra um revólver com inscrições árabes, outra tem uma espingarda entre os pés de uma mulher, enquanto uma terceira traz o cano de uma arma como se fosse um brinco. É uma violência calada que está ali, algo que só se deixa entrever.
Talvez daí o título da mostra, "Miragens", que tenta reunir a produção contemporânea de um lugar marcado por uma realidade às vezes só insinuada, de camadas do que só parece ser e não é.
Daí também a máquina de escrever do argelino Kamel Yahioui, com balas de revólver no lugar das letras.
Google põe acervo dos maiores museus do mundo na web por Ana Vaz, Folha de S. Paulo
Google põe acervo dos maiores museus do mundo na web
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 07 de fevereiro de 2011
Projeto digitaliza galerias de 17 instituições de arte e torna pinturas mais acessíveis
Está bem guardada na National Gallery de Londres a tela "Os Embaixadores" (1533), de Hans Holbein, o Jovem. Mas não é mais preciso tomar um avião à Inglaterra para vê-la em detalhes.
Desde a semana passada, um novo site (www.googleartproject.com) do Google disponibiliza imagens em altíssima resolução dessa e de outras obras dos principais museus do mundo.
O projeto, denominado Google Art Project, foi lançado com cerimônia na Tate, uma das 17 galerias participantes, e se assemelha ao Google Street View.
O visitante pode navegar pelos corredores virtuais, "passear" pelas salas, aproximar as pinturas e saber mais sobre elas. A qualidade hiperreal das mais de mil reproduções impressiona, deixa identificar minúcias nas pinceladas, marcas da ação do tempo sobre a matéria.
Mas nem todas as salas estão lá, e muito menos, todas as obras. A parceria com as megainstituições se deu de tal modo que cada museu escolheu exatamente o que de seu acervo mostrar.
Entre as galerias participantes estão, até agora, quatro americanas (MoMA, Metropolitan, Frick Collection e Freer Gallery of Art), duas britânicas (National Gallery e Tate), uma tcheca (Kampa), as berlinenses Alte Nationalgalerie e Gemäldegalerie, as espanholas Reina Sofía e Thyssen-Bornemisza, a italiana Uffizi, o Palácio de Versalhes, duas holandesas (Rijksmuseum e Van Gogh) e duas russas (Museu Hermitage e Tretyakov).
Mostra sugere discussão sobre poder do colecionador por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Mostra sugere discussão sobre poder do colecionador
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 07 de fevereiro de 2011
"Das Coisas em Geral" está em cartaz no espaço Coleção Particular, em SP
Aberto há quase um ano, o espaço Coleção Particular, que guarda o acervo do colecionador Oswaldo Costa, apresenta sua terceira mostra, a mais arrojada e provocadora até aqui.
"Das Coisas em Geral", organizada por Costa, reúne obras de 30 artistas de sua coleção, como Andy Warhol e Sherrie Levine, e objetos de sua própria história. Estão lá guitarras em que ele tocou, placas de taekwondo monocromáticas, como as que utilizou quando praticou o esporte, selos com a estampa de seu avô, o ministro e embaixador Oswaldo Aranha (1894-1960), e uma foto de seu pai, o embaixador Sergio Corrêa da Costa, feita pelo fotógrafo Cecil Beaton.
Com isso, Costa fixa um outro patamar para discutir o colecionismo: em vez de tender para o acervo, colocando as obras em primeiro lugar, privilegia a afetividade.
Essa discussão é cabível, ética e esteticamente, num espaço particular como esse, que não usa leis de incentivo.
No entanto, a mostra, que parte da problematização das fronteiras entre arte e não arte, chega a outra questão: o poder do colecionador.
Afinal, a exposição não ocorre em sua casa, mas num espaço com função pública.
Sendo assim, seria correto colocar um tapete com listas ao lado de desenhos similares de Cássio Michalany? Não seria rebaixar o valor de um trabalho com temática construtiva de Geraldo de Barros postá-lo ao lado de mesas de centro com motivos geométricos pregadas na parede? Essas aproximações formais seguem ao longo da exposição, como igualar as garrafas de Coca-Cola da série "Inserções em Circuitos Ideológicos", de Cildo Meireles, a vasos em vidro de Murano.
Mesmo assim, "Das Coisas em Geral" revela-se uma ótima reflexão sobre os limites e a responsabilidade do colecionador sobre as obras que estão sob sua guarda.
Mestres pirotécnicos por Paula Alzugaray, Istoé
Mestres pirotécnicos
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 4 de fevereiro de 2011
Da engenharia popular brasileira à arte cinética de Abraham Palatnik, exposição promove encontro de tecnologias
Máquinas poéticas, Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro de 05/02 a 05/06/2011
Artistas populares costumam se apresentar como mestres, donos de uma inteligência e de uma arte cultivadas sem estudo e sem leitura. O artista contemporâneo, ao contrário, é letrado até em teoria estética. Hoje, grande parte faz pós-graduação. Com o abismo cultural que se costuma cavar entre esses dois mundos, é surpreendente a relação que a antropóloga Angela Mascelani tece entre Abraham Palatnik e os artistas populares Adalton Lopes, Laurentino, Nhô Caboclo e Saúba. Eles foram pipoqueiros, pescadores, motoristas, soldados, engenheiros. Em comum, o gosto por roldanas, motores elétricos, engrenagens, arames, alavancas. “A principal diferença talvez esteja nas histórias mirabolantes que uns aprendem nas escolas e outros no cotidiano. Palatnik e os artistas populares tiveram formações distintas, mas deram um salto para o desconhecido. Eles criaram algo que não existia antes”, afirma Angela.
Em cartaz na Casa do Pontal, “Máquinas poéticas” aproxima as composições abstratas de Palatnik e as encenações animadas de escolas de samba, lutas de Lampião, rodas de ciranda, casas de farinha, jongo, procissões, presépios e circos com os quais os artistas populares costumavam viajar o Brasil, contando histórias para plateias admiradas. Com esse inusitado encontro, os curadores afirmam que Palatnik, além de precursor da arte cinética, é também um mestre dos autômatos. Por que não? Os títeres de Palatnik são, no entanto, composições construídas segundo os padrões da abstração geométrica que vigoraram nos circuitos da arte brasileira nos anos 50.
De Palatnik, cinco “objetos cinéticos”, realizados entre 1951 e 1991, e um “cinecromático”, de 1960, obras que causaram estupor por onde passaram e acabaram por fazer a história da arte brasileira, dividem a cena com objetos tão surpreendentes quanto “Extração de Ouro no Garimpo de Serra Pelada”, de Adalton Fernandes Lopes (1938-2005), que reproduz o cenário da mineração com homens carregando cascalhos. O mítico Nhô Caboclo, falecido em 1976, tem duas peças antológicas na mostra, “Guerreiro Equilibrista” e “Equilibrista com Duas Cabeças”. Laurentino (1937-2009), natural do Paraná, que instalava seus bonecos como “sinaleiros de vento” em seu carrinho de pipoca, terá seu “Índio do Futuro” apresentado após delicado restauro. O único artista popular ainda vivo e em atividade, o pernambucano Saúba, mostra “A Volta do Cangaço”, cujo motor reproduz o tropel de cavalos. As peças de arte popular, todas pertencentes ao acervo do Museu do Pontal, são mostradas após nove anos de restauro.
O concorrente anônimo de Vik Muniz por Nina Gazire, Istoé
O concorrente anônimo de Vik Muniz
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 4 de fevereiro de 2011
Exit through the gift shop / Diretor: Banksy /sem data de estreia no Brasil
É possível disputar o Oscar quando sua identidade é desconhecida? Autor de “Exit Through the Gift Shop”, indicado ao Oscar de melhor documentário, o notório artista britânico Banksy, cuja verdadeira identidade é um mistério, foi um dos poucos a cruzar a ponte entre a arte de rua e a das galerias. Ele é conhecido por seus stencils, (técnica de ilustração com aerossol, aplicada em superfície através de uma máscara recortada em papel ou acetato), mas também realizou diversos objetos artísticos. Banksy é acima de tudo um pregador de peças e isso pode ser visto tanto em seus trabalhos de temática pacifista e iconoclasta quanto no uso de símbolos de consumo capitalista. Após atuar como um justiceiro das artes, ele consegue ser o primeiro diretor anônimo indicado a um Oscar.
Mas Banksy não protagoniza esse seu primeiro trabalho como diretor, produtor e distribuidor. Seu foco de interesse não está nem mesmo em outros artistas de rua, mas na figura peculiar de Thierry Guetta, francês, ex-proprietário de uma lojinha de presentes baratos em Los Angeles. Durante anos a fio, Guetta documentou exaustivamente a atividade de artistas de rua, reunindo um material precioso para uma possível história da street art. Seu sonho era registrar em vídeo o Santo Graal da arte de rua em ação: o próprio Banksy. De fato, o francês se tornou o primeiro cinegrafista a realizar imagens do artista anônimo trabalhando.
O filme poderia ser entendido como um documentário sobre as proezas de Thierry Guetta como cinegrafista oficial da arte de rua. Mas é mais imprevisível que isso. Após declarar que a figura do francês “acabou tornando-se mais interessante” do que fazer um filme sobre si mesmo, Banksy pede que Guetta edite o documentário. O resultado é desastroso e então o britânico aconselha Guetta a se tornar um artista. Da noite para o dia, o francês se transforma em Mr. Brainwash, um artista amador que metralha sua arte em Los Angeles. O filme é um forte concorrente do documentário “Lixo Extraordinário”, sobre a obra de Vik Muniz. Poderia, no entanto, ter sido indicado ao Oscar de melhor filme, já que tudo nesse documentário parece tratar-se de ficção – a serviço de uma ácida crítica aos sistemas de consumo culturais.