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janeiro 24, 2011
Modernidade e desordem por Paula Alzugaray, Istoé
Modernidade e desordem
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 24 de janeiro de 2011.
Sessenta anos de história política do Brasil são contados a partir do acervo de obras do MAM
“Brasília é artificial. Tão artificial como devia ser o mundo quando foi criado.” Assim escreveu Clarice Lispector em 1962, dois anos depois da inauguração da terceira capital do Brasil, símbolo máximo do modernismo brasileiro. O que para Clarice é artificialidade, para o arquiteto Oscar Niemeyer é “concisão e pureza”. No Brasil dos anos 50, essas eram as duas grandes metas da modernidade, as formas estéticas que melhor exprimiam a vontade construtiva que tomou conta do Brasil nos anos de Juscelino Kubitschek – anos de moeda forte e de industrialização promissora. Hoje, na esteira da posse da nova presidente do País e da recuperação econômica, a exposição “Ordem e progresso: Vontade Construtiva na Arte Brasileira” revisa as mudanças nos projetos de Brasil desde o pós-guerra até a era Lula.
O ponto de partida é o rigor geométrico modernista, aparente nas criações de artistas concretos como Anatol Wladyslaw, Lygia Pape, Lothar Charoux e Ivan Serpa. Mas se os anos dourados, com seu ideal de país do futuro, seriam metralhados pelo chumbo da ditadura militar, nas artes plásticas a natureza pura e concisa do projeto moderno também seria lentamente desconstruída. Isso está explícito nas três gerações que fotografam Brasília, com obras na exposição: Thomas Farkas, Orlando Brito e Mauro Restiffe.
“A oposição entre uma potência ordenadora e outra desagregadora alimenta a produção brasileira dos últimos 60 anos. Nossa modernidade se daria, assim, por avanços e recuos: não de modo linear, mas torto, tal como as veredas dos pedestres em Brasília”, pontua o curador Felipe Chaimovich no texto do catálogo. Transgridem o rigor formal construtivo as obras de protesto, produzidas nos anos 60 por Regina Silveira, Paulo Bruscky, Antonio Manuel, entre outros. Nos anos de abertura, surgiriam ainda outras visões de Brasil, para além dos ideais de ordem e do progresso. Como “A Noite”, de Iran do Espírito Santo, em que a bandeira brasileira se resume a um céu estrelado. Ou obras como “Camelô”, de Cildo Meireles, e “Do Universo do Baile”, de Dias & Riedweg, que hoje traduzem os processos construtivos nascidos da economia informal de um Brasil plural.
Se vende por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Se vende
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de janeiro de 2011.
Exposição em São Paulo explora a relação conturbada entre artistas e dinheiro
Na escadaria do lado de fora do Paço das Artes, enormes letras anunciam: "se vende". Dentro, começa amanhã uma exposição que tem um preço como título. No caso, os R$ 748.600 captados para financiar esse projeto.
Toda a mostra parece uma alegoria do que se propõe a discutir, a relação entre os artistas e o dinheiro que suas obras movimentam num mercado de cifras e valores cada vez mais hiperbólicos.
Logo na entrada do espaço, um trabalho de Deyson Gilbert força visitantes a olhar um sinal de adição gravado em lâmpadas de halogênio, deixando um rastro na retina de quem vai à mostra.
"Tudo é uma tentativa de exacerbar o capital dentro das artes plásticas", resume Renan Araújo, curador da exposição financiada pelo banco Santander. "Até o texto do catálogo foi revisado por economistas que tentaram mudar palavras para termos econômicos mais técnicos."
Mas nenhum jargão ofusca uma relação que está clara em boa parte dos casos. "Zero Dólar", em que Cildo Meireles altera uma cédula para que perca o valor, colares de notas feitos por Marcelo Cidade e até os rabiscos de Jac Leirner sobre cédulas de cruzeiro denotam a intimidade dos autores com os mandos e desmandos do capital.
Fora alguns clássicos, Lourival Cuquinha acaba de produzir "R$ 102", em que imprime uma nota falsa de R$ 100 sobre uma verdadeira de R$ 2, série vendida agora por esse novo valor de face.
São trabalhos com ressonância ainda maior num país como o Brasil, que já trocou oito vezes de moeda ao longo da história e registra agora expansão vertiginosa no mercado de arte, um aumento de sete vezes no volume negociado nos últimos quatro anos, segundo um levantamento recente do setor.
Em dezembro passado, "Sol sobre Paisagem", de Antônio Bandeira, foi leiloado por R$ 3,5 milhões em São Paulo, maior valor já pago pela obra de um brasileiro.
EBULIÇÃO GLOBAL
Enquanto isso, o mercado internacional dá sinais de recuperação. Uma feira de arte on-line, a primeira do tipo, põe gigantes como as galerias White Cube e Gagosian para negociar obras na esfera virtual até o fim da semana.
No mês que vem, a Sotheby's de Londres tenta voltar a patamares pré-crise vendendo uma obra de Pablo Picasso de 1932 com preço inicial de R$ 45 milhões.
Um retrato da mesma série e da mesma Marie-Therèse alcançou há dois anos a cifra de R$ 177 milhões, recorde absoluto na história dos leilões que, analistas esperam, será desbancado agora.
Paris acaba de montar a primeira bolsa de valores de arte no mundo, em que investidores compram ações de trabalhos negociados, como títulos de grandes empresas, e lucram com as oscilações repentinas do mercado.
Mas longe da algazarra de leilões e pregões, outras obras no Paço das Artes, enclave frondoso na Cidade Universitária paulistana, dão conta de outro aspecto dessa relação com o mercado.
Cartazes do grupo Pino anunciam produtos inúteis que se encaixariam bem em ambientes corporativos, espécie de arsenal de aspones.
Rodrigo Matheus replica esse habitat cinzento em sua obra: mesa e monitores para vigiar o vaivém das bolsas e das bolhas especulativas.
Livro enxerga arte na esfera do entretenimento
Não é de hoje que artistas se relacionam bem ou mal com dinheiro. Artesãos medievais guardavam segredos de produção e pintores das cortes trocavam telas por proteção e prestígio político.
Mas algumas coisas aconteceram entre os toques finais dos afrescos na capela Sistina e a mutação da arte contemporânea em commodity e forte ativo financeiro.
Um livro recém-lançado pela Zahar tenta dar conta desses fatos, ilustrando cada etapa com obras clássicas que juntam grana e estética, do "Zero Dólar" de Cildo Meireles a peças de Duchamp.
"Essa relação entre arte e dinheiro sempre foi central para o significado da arte", diz Paul Mattuck, um dos autores de "Arte & Dinheiro".
"Mas agora isso está mais claro: arte tem a ver com progresso, sucesso e poder, virou uma coisa glamourosa."
Na esteira do glamour, outros ensaios no livro vão direto ao ponto, enxergando a arte contemporânea num contexto semelhante às megaproduções de Hollywood.
"Esse fenômeno deslocou as artes visuais para a indústria do entretenimento", escreve o crítico Paulo Sérgio Duarte em seu ensaio. "Alguns museus viraram grifes e exportam sua marca usando métodos que o mercado conhece como "franchising"."
Num contexto mais histórico, Paul Ardenne compara a preocupação atual com dinheiro ao que foram nus e paisagens no neoclassicismo, um "tema ao gosto".(SM)
Antonio Grassi, o homem forte por trás de Ana de Hollanda, volta à Funarte por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Antonio Grassi, o homem forte por trás de Ana de Hollanda, volta à Funarte
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de janeiro de 2011.
Antonio Grassi ainda não foi empossado presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Mas anda pelo Palácio Capanema, no Rio, à vontade, como quem conhece cada canto do prédio traçado por Le Corbusier.
O edifício que Gustavo Capanema, o ministro da Educação de Getúlio Vargas, idealizou para abrigar "o ministério destinado a preparar, compor e afeiçoar o homem do Brasil", será, pela segunda vez, o local de trabalho do mineiro que virou ator porque queria fazer política.
"Você já viu esse jardim?", pergunta, feito cicerone. Grassi sabe até o nome das espécies das árvores escolhidas por Burle Marx. E sabe também que o sonho de Capanema há muito se perdeu.
"A cultura precisa, de uma vez por todas, fortalecer o trabalho com a educação", diz. A depender de Grassi, a nova gestão do Ministério da Cultura (MinC) carregará essa bandeira. "E não podemos pensar só nos alunos. Temos que pensar também nos professores, que pouco leem, que não vão ao teatro", diz.
"O desmembramento dos dois ministérios [da Cultura e da Educação, em 1985] não levou em conta que o divórcio pudesse ser tão litigioso."
VOZ FORTE
Grassi recebeu a Folha, anteontem, depois de ter acompanhado a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, em seu primeiro compromisso público: um visita ao Complexo do Alemão. Hollanda, nestes primeiros dias no cargo, tem preferido o silêncio. Seus assessores dizem que ela ainda precisa tomar pé da situação.
Prosador seguro, o novo presidente da Funarte, instituição que administra um orçamento de R$ 140 milhões, parece, por sua vez, saber muito bem o que encontrará pela frente e o que pretende fazer --não só na Funarte.
"A Funarte não pode ser separada do Ministério", afirma. A Funarte é o braço do MinC destinado a cuidar "das artes". Tão vaga quanto a definição parecem ter se tornado suas atribuições.
"Você não entende por que tem um edital de teatro na Funarte e outro no MinC? Pois é, eu também não", diz.
As atribuições ficaram ainda mais embaralhadas quando, em 2010, o MinC anunciou prêmios para artistas no valor de R$ 350 milhões. Agora, circula a informação de que esse dinheiro não está disponível. "Estamos verificando. Mas os editais serão pagos", diz, com a habilidade para convencer o interlocutor de que a política lapida.
TEATRO E POLÍTICA
O flerte de Grassi com a política remonta aos anos de 1970, quando entrou no Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, por onde passou também Dilma Rousseff.
Não demorou para que o então secundarista aderisse ao grêmio estudantil e ao grupo de teatro. "A gente tinha aquela ideia do teatro como uma tribuna livre", conta. "Fui fazer teatro porque adorava política e porque achava que, assim, poderia viajar muito."
Grassi continuou com um pé em cada canoa ao entrar na Faculdade de Ciências Sociais na Federal de Minas Gerais. Mas o teatro acabou por sequestrá-lo.
No auge do teatro de grupo, Buza Ferraz convidou-o para integrar o grupo Pessoal do Cabaré, no Rio. "Eu era ator, mas, como todo mundo, cuidava de tudo: figurino, bilheteria, borderô. Não havia nada da economia da peça que nos escapasse. E as discussões terminavam sempre em política cultural."
Foi assim que se deu a aproximação com o PT. "Era o partido mais aberto para essas discussões", diz.
De tanto discutir políticas públicas para a cultura foi convidado, em 1989, para elaborar, ao lado de gente como Lucélia Santos, Paulo Betti, Wagner Tiso, Sergio Mamberti e Marilena Chauí, o programa de Lula.
Coordenou também o programa da primeira eleição vitoriosa, em 2002.
Foi, portanto, com um travo de decepção que Grassi e seus companheiros da cultura receberam a indicação de Gilberto Gil, do PV, para a pasta. "A primeira reação foi de surpresa, mas logo em seguida tivemos uma atitude de respeito. O desenlace é que foi complicado", diz, referindo-se a sua demissão da Funarte, por Gil.
Três anos depois, Grassi ouve a inevitável pergunta sobre o conflito, mas não se desnorteia. "Prefiro citar Shakespeare: 'Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra'. Aceitei o convite para a Funarte porque acho que o apoio aos artistas tem que ser encarado de maneira mais séria."