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janeiro 11, 2011
Desleixo curatorial afeta mostra sobre acervo pioneiro do MAC na ditadura por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 10 de janeiro de 2011
Em uma carta de 1974, o artista Sérgio Ferro pede a Walter Zanini, então diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), que receba a obra "São Sebastião (Marighella)", de 1970: "Como pagamento, o que te peço é bem cuidar dela".
Tanto a obra quanto a carta são as primeiras peças da mostra "Um Dia que Terá Terminado 1969/74", com curadoria de Cristina Freire, Heloisa Costa e Ana Magalhães, da equipe do museu.
Esse começo simbólico revela bem a importância que o MAC conquistou, durante a ditadura militar, enquanto espaço de experimentação artística, em grande parte graças à liderança de Zanini.
Ao longo da exposição, comprova-se como grande parte da produção de ponta daquela época entrou no acervo do MAC. Estão lá, por exemplo, "M 3X3", de Analivia Cordeiro, considerada a primeira obra de videoarte do país. Trata-se de um trabalho de videodança. Ou então "PlayFEUUllagem", de Regina Vater, uma série de seis fotografias, registros de uma ação do ator Antônio Pitanga, no Jardim de Luxemburgo, em 1974. O MAC abria as portas às novas mídias enquanto elas surgiam.
Assim, muitos nomes representativos do período ganham espaço na mostra: Cildo Meireles, Mira Schendel, Cláudia Andujar, Regina Silveira, Júlio Plaza e Ângelo de Aquino, entre outros.
O problema é que uma exposição não pode ser apenas a sucessão de obras na parede, mas precisa construir um pensamento, e isso, em "Um Dia que..." não existe. A exceção é o início da mostra, com a carta e a obra de Ferro.
Abordar o momento mais rígido da ditadura militar brasileira, sem contextualizá-lo, sem pontuar o que se vivia naquele momento, sem fazer com que as obras expostas sejam redimensionadas é, no mínimo, desleixo curatorial.
Apenas um ótimo acervo não faz uma boa exposição e, com a nova sede do MAC, que deve ser inaugurada ainda neste semestre, esse desafio precisa ser de fato encarado.
Debate sobre a função de um Ministério da Cultura por Guilherme Freitas e Miguel Conde, oglobo.com
Matéria de Guilherme Freitas e Miguel Conde originalmente publicada no caderno Prosa&Verso do jornal O Globo, em 8 de janeiro de 2011.
Ana de Hollanda assumiu na última segunda-feira o Ministério da Cultura (MinC) prometendo em seu discurso de posse “continuar e avançar” com o trabalho realizado por seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os oito anos de governo Lula. A declaração da ministra espelha o mote da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Assim como acontece com a presidente, porém, ainda é cedo para saber o que significa na prática a dupla promessa de continuidade e aprimoramento.
Os Pontos de Cultura, a recuperação de cidades históricas e o Vale Cultura foram alguns dos projetos de Gil e Ferreira elogiados pela ministra, que no entanto não mencionou em sua fala o tema mais controverso sob responsabilidade de sua pasta no momento — a nova Lei do Direito Autoral. A afirmação de que a criação deve estar “no centro de tudo”, pois “não existe arte sem artista”, foi interpretada em comentários publicados em sites e blogs como uma defesa indireta de uma política mais restritiva em relação à propriedade intelectual do que a proposta pelos ministros anteriores.
Com recursos que chegaram a R$ 2,2 bilhões em 2010, longe da verba dos maiores ministérios, o MinC ainda assim teve um aumento de repasses constante durante os governos Lula. Se o crescimento indica a valorização da pasta, levanta também a pergunta sobre o caminho que ela deve seguir em sua expansão.
Nesta edição do Prosa & Verso, dez artistas, críticos e produtores de diversas áreas deixam de lado por um momento as discussões que têm movimentado o setor para responder a uma questão mais básica: qual deve ser, hoje, a função de um Ministério da Cultura? Em que áreas ele deve atuar, e seguindo quais prioridades? Os dez breves textos podem ser lidos como um apanhado de sugestões para a nova ministra, mas também como um esforço para repensar a própria noção de política cultural a partir das transformações sociais de nossa época.
Reconhecendo méritos no trabalho dos últimos anos, os autores ainda assim propõem ideias que muitas vezes implicariam numa reformulação das atribuições do MinC. O cineasta Cacá Diegues diz que a gestão da indústria criativa deve ser separada da criação artesanal. O crítico Paulo Sérgio Duarte defende uma reaproximação do MinC com o Ministério da Educação, ideia levantada também pelo artista plástico Cildo Meirelles e pelo músico Jorge Mautner. O poeta Armando Freitas Filho e o escritor Marcelino Freire pedem incremento das políticas de Gil e Ferreira. O editor Roberto Feith diz que o Estado não deve se intrometer na criação cultural. A produtora Mariza Leão pede um PAC de acesso à cultura. Os especialistas em políticas culturais Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e Albino Rubim, da UFBA, cobram investimentos em diversidade e a implantação de projetos elaborados no governo Lula, como o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.
Financiar a diversidade
Albino Rubim
Em uma circunstância republicana, a primeira atitude a esperar de um novo ministério é que dê continuidade às políticas em andamento, evitando algo muito comum e nefasto no Brasil: a descontinuidade administrativa. O campo da cultura é especialmente sensível às descontinuidades, pois, assim como a ciência e tecnologia e a educação, tem um tempo de maturação necessariamente longo. Tais campos devem ser contemplados por políticas de largo prazo e não apenas por políticas de governo. Nesta perspectiva, a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a implementação das deliberações das Conferências Nacionais de Cultura aparecem, dentre outros, como essenciais.
Igualmente imprescindível é a mudança da política nacional de financiamento à cultura, pois leis de incentivo não podem sustentar políticas de diversidade cultural, vitais para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A diversidade cultural exige uma complexa política de financiamento, que deve incluir leis de incentivo, mas não pode tê-las como eixo dominante.
Mas nenhum ministério novo pode apenas consolidar o existente. Deve avançar e inovar. A constituição de um programa nacional de formação e qualificação em cultura atenderia uma das reivindicações mais evocadas pela comunidade cultural brasileira e enfrentaria um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento cultural do país.
Albino Rubim é professor da Universidade Federal da Bahia e organizador de "Políticas Culturais no Brasil" (2007).
Cultura e educação
Paulo Sérgio Duarte
O maior problema atual das políticas culturais do governo federal é a distância entre os ministérios da Cultura e da Educação. Essas duas áreas têm que ser pensadas conjuntamente, como acontece em diversos países do mundo. Dizer que os currículos escolares devem ser pensados de um ponto de vista cultural não significa defender simplesmente aulas de educação artística, mas uma reformulação do ensino para que todas as disciplinas sejam ensinadas levando em conta o cotidiano dos alunos. É preciso mostrar como o conteúdo se relaciona à vida em sociedade. Isso se aplica tanto à matemática quanto à literatura, que hoje por exemplo é ensinada muito mais numa abordagem histórica, de sucessão de escolas literárias, do que de maneira que desperte interesse pela leitura.
Paulo Sérgio Duarte é crítico de arte.
Incrementar conquistas
Armando Freitas Filho
Para mim, não é exatamente o caso de mudar, mais de incrementar as políticas culturais implantadas pelo ministro Gilberto Gil. Os Pontos de Cultura, por exemplo, que incentivam a produção cultural com grande capilaridade por todo país devem propiciar maior visibilidade aos escritores e à literatura. Tenho certeza que a ministra Ana de Hollanda, com sua sensibilidade e experiência na área cultural, saberá escutar as vozes, geralmente esquivas ou esquecidas, dos escritores brasileiros.
Armando Freitas Filho é poeta.
Indústrias criativas
Cacá Diegues
As indústrias criativas hoje são um fator importante para os PIBs nacionais, o terceiro setor de exportação dos EUA, e tema de discussão no mundo todo. Esse setor industrial deveria ser do âmbito de um órgão distinto do que cuida de políticas voltadas para o folclore, os costumes regionais, até mesmo para a preservação de memória. Não faz sentido um filme de longa-metragem disputar verba com o maracatu rural de Pernambuco. É como botar num mesmo orçamento uma hidrelétrica e uma olaria. Ambos são importantes, mas têm que ser tratados em órgãos distintos, assim como existem ministérios do Agronegócio e da Agricultura. Quando o Ministério da Cultura saiu do Ministério da Educação, não se definiu muito quais eram as atribuições do MinC. Essa é uma discussão que ainda está por se definir. Temos que repensar para que serve o Ministério da Cultura.
Cacá Diegues é cineasta.
Estimular o desenvolvimento
Cildo Meirelles
A maior contribuição que o Ministério da Cultura pode dar, sempre, é não atrapalhar. A cultura, claro, é uma área com muitas questões a serem discutidas. Algo que ainda está por ser desenvolvido é uma imbricação maior entre cultura e educação. Não necessariamente aulas de arte, mas pelo menos uma ampliação no acesso à produção cultural. Se a arte por um lado se caracteriza pelo seu descompromisso com a função, com a aplicação imediata, por outro as sociedades que se distanciam da produção cultural entram em declínio. Arte não é algo que se possa ensinar, mas o Estado pode criar meios propícios para uma autoeducação, aquela que o indivíduo vai buscar para se desenvolver.
Cildo Meirelles é artista plástico.
Consolidar e aperfeiçoar
Lia Calabre
Nos último oito anos, o MinC vivenciou um processo de ampliação e diversificação de suas ações, passou a ter efetiva presença nacional, elevando o campo da cultura ao das políticas públicas. Os maiores desafios da nova administração são a consolidação e o aperfeiçoamento de uma série de processos iniciados na gestão anterior.
O Sistema Nacional de Cultura (SNC), que ainda é um projeto de lei em tramitação, é uma ferramenta fundamental para efetivar a ação nacional do MinC. Ele será composto por uma série de subsistemas (de museus, de patrimônio, do livro e da leitura, de bibliotecas, os dos campos das artes, entre outros), havendo ainda o incentivo à criação de conselhos e órgãos gestores de cultura nos outros níveis de governo. Uma das principais ações federais deve ser apoiar o fortalecimento do fazer cultural no nível local. O SNC permitirá maior agilidade na relação entre Ministério, estados, municípios e distrito federal.
O Plano Nacional de Cultura (PNC), sancionado em dezembro, estabelece alguns dos nortes a serem seguidos pelo MinC nos próximos dez anos. O PNC abrange um universo de diretrizes e, dentre elas, algumas deverão ser priorizadas para os próximos quatro anos. É hora de consolidar programas e ações que se mostraram eficazes, realizar acertos de rota, implementar projetos testados e aprovados, dotar o país de uma efetiva política pública de cultura, que siga sendo construída democrática e participativamente, como política de Estado.
Lia Calabre é chefe do setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa.
O Estado no lugar devido
Roberto Feith
Não acredito no Estado indutor da Cultura ou da produção cultural. Não creio que políticos e servidores públicos saibam melhor do que artistas e autores que tipo de cultura deve ser produzido, ou como fazê-lo.
Penso que a produção artística e cultural deve ser resguarda por leis que garantam a liberdade de expressão e os direitos dos criadores, para que ela se desenvolva sem interferência dos governos.
Mas existem áreas nas quais a atuação do Estado no campo cultural é não apenas apropriada, como necessária; áreas onde a sociedade civil não está presente, ou, se estiver, não atende às necessidades da sociedade.
Por exemplo: a defesa do nosso patrimônio histórico. O financiamento aos museus. A ampliação e qualificação de bibliotecas públicas.
Acredito que o grande desafio do Estado no campo cultural seja atuar com vigor e eficácia nos segmentos em que só ele pode agir.
Roberto Feith é diretor da editora Objetiva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
O espaço da literatura
Marcelino Freire
Verifiquei no discurso da Dilma que ela usou o termo “literatura”. Coisa rara. Sempre é citado o cinema, a música, o teatro... E, para a “literatura”, nenhuma palavra, nenhuma linha. Cobraremos esse compromisso. É preciso que o governo preste atenção em todos os movimentos literários que têm acontecido pelo Brasil — como os saraus que estão rolando na periferia de São Paulo. No ano em que o Brasil será o homenageado da Feira de Frankfurt (em 2013), durante a gestão da Dilma, é preciso que os novos/jovens escritores sejam lembrados, traduzidos. Um ponto positivo da gestão do Juca Ferreira era esse ouvido plural, geral. Claro que, muitas vezes, eu me sentia fazendo número — atendendo exatamente a essa cota mais representativa. Mas, de qualquer forma, vi que o setor criativo da literatura (o dos escritores) foi sendo igualmente ouvido, chamado, convocado. Nunca houve tantas bolsas de criação e prêmios literários sendo instituídos. Mas é preciso que aquilo que ocorre “ocasionalmente”, digamos, vire lei. É preciso que o escritor enquanto criador seja lembrado e protegido no Fundo Nacional de Cultura.
Marcelino Freire é escritor.
Revolução no consumo
Mariza Leão
A ascensão de quase 30 milhões de pessoas à classe C, saindo da pobreza, terá um peso monumental no consumo em toda a cadeia da economia, inclusive na cultural. Já existe hoje uma perspectiva de crescimento muito grande, que no entanto esbarra na falta de meios de acesso aos bens culturais. O Brasil precisa de algo como um PAC de infraestrutura cultural, com vias de escoamento para seus filmes, músicas, livros. Um dos projetos mais importantes do governo Lula foi o apoio à criação de salas populares de cinema, mas hoje ainda estamos bastante aquém do que seria o desejável. As classes populares sempre foram as que mais prestigiaram o cinema nacional. Com investimento, podemos passar por uma expansão revolucionária no acesso à cultura. É preciso que o MinC atue pensando em duas vertentes, a da indústria criativa, de um lado, e de outro as atividades mais artesanais, com menos viés comercial.
Mariza Leão é produtora de cinema e presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual do Rio de Janeiro.
Cultura do Amálgama
Jorge Mautner
Gostaria que, além de manter os Pontos de Cultura, o MinC continuasse a incentivar a sua multiplicação e a entrelaçá-los com os colégios e universidades.
Que se enfatizasse a História do Mundo e a História do Brasil como temas importantes de meditação e de reinterpretação.
Difundir e enfatizar as descobertas científicas e tecnológicas como discussão e temas artísticos.
Também introduzir o método filosófico de pensar e de examinar qualquer fenômeno através de quatro pontos de vista diferentes entre si, no mínimo.
Levar o MinC com teatro, literatura, música, circo, cinema, TV, para os presídios, para a Febem e orfanatos, para os hospitais e para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
Unir o MinC com as ações das UPPs, em todo o continente brasileiro!
Encontros com artistas do resto do mundo, para irradiar o nosso amálgama, amálgama esse que José Bonifácio em 1823 definiu como sendo a alma do Brasil, amálgama esse que é mais do que necessário.
Que a nossa seleção de futebol, quando fosse jogar no exterior, levasse uma plêiade de artistas brasileiros para civilizar o mundo.
E que o MinC realce o trabalho da mulher, sua presença nas artes, na vida, ao dar luz à outra vida, no mundo atual, em todas as profissões, liderando o século XXI!!!!
A Terra precisa da cultura do Amálgama, ou o mundo se Brasilifica ou vira nazista!!!! Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé!!!!
Jorge Mautner é músico.
Artistas, críticos e produtores discutem a relação do estado com o setor cultural por Guilherme Freitas e Miguel Conde, oglobo.com
Matéria de Guilherme Freitas e Miguel Conde originalmente publicada oglobo.com em 08 de janeiro de 2011
Ana de Hollanda assumiu na última segunda-feira o Ministério da Cultura (MinC) prometendo em seu discurso de posse “continuar e avançar” com o trabalho realizado por seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os oito anos de governo Lula. A declaração da ministra espelha o mote da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Assim como acontece com a presidente, porém, ainda é cedo para saber o que significa na prática a dupla promessa de continuidade e aprimoramento.
Os Pontos de Cultura, a recuperação de cidades históricas e o Vale Cultura foram alguns dos projetos de Gil e Ferreira elogiados pela ministra, que no entanto não mencionou em sua fala o tema mais controverso sob responsabilidade de sua pasta no momento — a nova Lei do Direito Autoral. A afirmação de que a criação deve estar “no centro de tudo”, pois “não existe arte sem artista”, foi interpretada em comentários publicados em sites e blogs como uma defesa indireta de uma política mais restritiva em relação à propriedade intelectual do que a proposta pelos ministros anteriores.
Com recursos que chegaram a R$2,2 bilhões em 2010, longe da verba dos maiores ministérios, o MinC ainda assim teve um aumento de repasses constante durante os governos Lula. Se o crescimento indica a valorização da pasta, levanta também a pergunta sobre o caminho que ela deve seguir em sua expansão.
Nesta edição do Prosa & Verso, dez artistas, críticos e produtores de diversas áreas deixam de lado por um momento as discussões que têm movimentado o setor para responder a uma questão mais básica: qual deve ser, hoje, a função de um Ministério da Cultura? Em que áreas ele deve atuar, e seguindo quais prioridades? Os dez breves textos podem ser lidos como um apanhado de sugestões para a nova ministra, mas também como um esforço para repensar a própria noção de política cultural a partir das transformações sociais de nossa época.
Reconhecendo méritos no trabalho dos últimos anos, os autores ainda assim propõem ideias que muitas vezes implicariam numa reformulação das atribuições do MinC. O cineasta Cacá Diegues diz que a gestão da indústria criativa deve ser separada da criação artesanal. O crítico Paulo Sérgio Duarte defende uma reaproximação do MinC com o Ministério da Educação, ideia levantada também pelo artista plástico Cildo Meirelles e pelo músico Jorge Mautner. O poeta Armando Freitas Filho e o escritor Marcelino Freire pedem incremento das políticas de Gil e Ferreira. O editor Roberto Feith diz que o Estado não deve se intrometer na criação cultural. A produtora Mariza Leão pede um PAC de acesso à cultura. Os especialistas em políticas culturais Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e Albino Rubim, da UFBA, cobram investimentos em diversidade e a implantação de projetos elaborados no governo Lula, como o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.
janeiro 10, 2011
Cultura deveria fazer infantis e comprar o resto, diz Secretário de Cultura por Ana Paula Souza, Folha de S. Paulo
Entrevista de Ana Paula Souza publicada originalmente na Folha S.Paulo em 8 de janeiro de 2011.
O empresário Andrea Matarazzo chegou à secretaria de Estado da Cultura, em maio do ano passado, para cumprir um final de mandato. Chegou como quem tateia em terreno pouco conhecido.
Oito meses passados e confirmada sua permanência no cargo, Matarazzo fala como quem, ao tomar pé de algumas coisas, não gostou muito do que viu. Na entrevista a seguir, ele revela alguns de seus alvos.
Folha - O senhor já declarou sua insatisfação com o MIS. Pretende mudar sua gestão?
Andrea Matarazzo - Não, mas pedi um novo plano para a atual gestão. O MIS deve manter a posição de vanguarda das novas mídias, mas precisa ampliar seu público. Não dá para receber 60 mil pessoas por ano. Ele precisa fazer um trabalho educativo e ampliar o acervo.
As obras do Teatro da Dança (projeto orçado em R$ 600 milhões) serão suspensas?
O projeto será analisado dentro do conjunto de investimentos do Estado. Como ele está modulado em três fases, vamos redefinir quando cada etapa vai começar.
A política cultural do PSDB, em SP, tem como marca a construção de grandes obras. Qual é, a seu ver, o principal papel do Estado na cultura?
Oferecer cultura de qualidade a quem não tem acesso. Estamos fazendo a infraestrutura. As oficinas culturais também são fundamentais.
Quando o senhor assumiu, houve uma crise nas Oficinas.
Mas elas foram reformuladas e estão indo em outra direção. O conteúdo dos cursos foi atualizado, com a inclusão, por exemplo, de atividades voltadas ao ensino de novas mídias e tecnologias.
O contrato com a OS que cuidava das oficinas foi desfeito?
Foi. E nós estamos criando, na Secretaria, uma controladoria para avaliar todas as Organizações Sociais que prestam serviço para o Estado. Quero que a prestação de contas seja mais precisa e que melhorem os indicadores de avaliação.
Ao assumir, o senhor não parecia muito certo de que a OS era o melhor meio para se administrar a cultura. Qual é agora sua posição?
A OS nos dá agilidade administrativa e a possibilidade de fiscalizar as políticas públicas. São irreversíveis.
Vindo de outras áreas da administração pública, o que mais o surpreendeu na cultura? Seu antecessor, João Sayad, ficou impressionado com a fragilidade financeira.
Não, acho que, nos últimos anos, houve uma grande mudança na visão dos governos sobre política cultural. Nosso orçamento é de R$ 1 bilhão, incluindo a Fundação Padre Anchieta (mantenedora da TV Cultura). Me surpreendi com a qualidade da produção cultural, a criatividade dos artistas. A quantidade de criatividade em São Paulo é muito grande.
É difícil atender às demandas dos artistas?
As demandas são muito razoáveis. E estou muito acostumado a conviver com esse meio porque eu praticamente morava com meu tio, o Ciccillo [Matarazzo, fundador da Bienal de SP]. Ele não tinha filhos e eu ia almoçar com ele todos os dias. Coisa de família italiana.
O que o senhor acha do projeto de reforma da Lei Rouanet?
Tenho que falar a verdade para você. Nunca olhei em detalhes o projeto.
A TV Cultura está passando por nova crise. O senhor pretende fazer alguma coisa?
Não. A Fundação Padre Anchieta é independente e quem delibera é o conselho. Só repasso o dinheiro.
Mas, em outros momentos, a secretaria fez pressões por mudanças na TV...
Não na minha gestão. Até porque quem está lá é o meu antecessor aqui [João Sayad].
O que o senhor acha da TV?
*Minha opinião pessoal é que, por ser uma TV pública, a Cultura deveria estimular a produção independente, comprando programas de terceiros. Também deveria comprar programas prontos de canais como o The History Chanel ou a Futura, para torná-los acessíveis a quem não tem TV a cabo. A Cultura é referência em produção infantil. Deveria se manter nisso e comprar o resto. Mas isso é uma opinião pessoal porque, como disse, não tenho ingerência nenhuma sobre a TV.