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novembro 25, 2010
Antonio Dias abre mostra com pinturas recentes em SP, Estadão.com
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do Estadao.com em 25 de novembro de 2010
Nos últimos anos, Antonio Dias tem se dedicado à pintura. A pluralidade da trajetória do consagrado artista, que recentemente exibiu na Pinacoteca do Estado a mostra antológica "Anywhere Is My Land", centrada em sua produção dos anos 1960 e 1970, está apenas na aparência, como ele diz.
Se o artista já passou da figuração pop à não imagem em sua "luta antiestilo" consigo mesmo, refutando estagnar-se em uma "experiência visual" que poderia se tornar engessada, há uma raiz que sempre é única em sua obra - não importa a época, Antonio Dias geralmente delimita uma estrutura de grade para ser sua "área para grandes acontecimentos". Já foi assim em instalações, pinturas-objetos, fotografias.
Agora, na exposição que o artista inaugura na Galeria Nara Roesler, temos o impacto de estar diante de suas mais novas pinturas - apenas uma delas é datada de três anos atrás, as outras cinco são de 2010. Feitas a partir de jogos/composições entre telas horizontais e verticais, entre escalas macro e micro, Antonio Dias combina peças justapostas, texturas, pigmentos, cores, revelando uma espécie de paradoxo da liberdade estruturada. "É como um acidente controlado porque desfruto da caída dos pigmentos no plano. Os trabalhos não partem de um desenho, apesar da estrutura geométrica - é um método de trabalho de peça por peça em que tudo é feito por camadas", ele afirma.
"Nos últimos cinco anos tenho tentado me concentrar na pintura de uma maneira mais relaxada, numa relação mais explorativa entre o trabalho e eu", conta o artista, que há tempos se divide entre o Rio de Janeiro, Itália e Alemanha e também participa da 29.ª Bienal de São Paulo.
Suas obras, reunidas na exposição que marca sua entrada para a Galeria Nara Roesler, são composições realizadas a partir de processos que envolvem o uso de óxido de ferro, pigmentos, minerais como a malaquita e apenas uma cor pura, o vermelho de Antonio Dias, em tinta acrílica (usada em mesmo tom desde os anos 1970). É, como define a crítica Sonia Salzstein, uma pintura "por assim dizer, ready-made, que prescinde de pincéis e declara ostensivamente seu deslocamento do ambiente do ateliê; uma efervescência de técnicas (ou antitécnicas)". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
novembro 23, 2010
O bom anfitrião por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 19 de novembro de 2010
Museu do escultor russo Zadkine, em Paris, recebe a visita do artista brasileiro Julio Villani
O escultor russo Ossip Zadkine migrou para Paris em 1910 e, com tantos outros estrangeiros que se instalaram na França nas primeiras décadas do século 20, integrou a Escola de Paris. A casa e o ateliê do artista no bairro de Montparnasse, convertidos em museu em 1982, hoje expõem um acervo de 400 esculturas, 300 desenhos e fotos de arquivo. Hospitaleiro e bom anfitrião, o museu iniciou em 1995 uma política de diálogo com a arte contemporânea e já recebeu exposições individuais da fotógrafa francesa Sophie Ristelhueber (que está expondo na 29ª Bienal de São Paulo) e da dupla brasileira Detanico e Lain. Até janeiro de 2011, recebe a visita do artista brasileiro Julio Villani, que expõe esculturas, objetos, colagens e vídeos realizados nos últimos dez anos.
O jardim e as cinco salas do charmoso museu reverberam uma sonora conversa entre Villani e Zadkine. Na primeira sala, originalmente o ateliê do artista, Villani expõe “Bilboquets ou L’origine du Monde” (2002). Emblemático, esse brinquedo agigantado cujo título se refere à pintura de Courbet “A Origem do Mundo” – devido ao caráter sexual das peças – representa o entrelaçamento entre as duas infâncias do artista: a vida passada na fazenda do interior de São Paulo e a história da arte modernista.
Infância e modernismo pontuam toda a exposição e aqui Villani assume as suas origens: do construtivismo russo ao minimalismo poético, passando pela arte popular brasileira e a escultura pré-colombiana. Os trânsitos de Villani evidenciam o nomadismo de Zadkine, que também se move entre influências primitivistas de uma antiguidade greco-latina até migrar para as fases cubista e surrealista.
Para além dos paralelismos entre os artistas, norte e sul se encontram nas duas cartas celestes da escultura “L’Arpenteur” (O esquadrinhador – 2010), instalada no jardim. Também entre as folhagens, “Partie de Cash Cash” (uma espécie de brincadeira de esconde-esconde) apresenta dois coelhos de alumínio, em branco e preto. Entre as coleções de pássaros e as cabeças de bichos que compõem a mostra, o coelho é a mais reincidente das figuras. Aparece inclusive em retratos e autorretratos nas paredes, talvez para representar o humor e a desenvoltura com que Villani salta entre uma influência e outra, relacionando-se seja com a máscara africana fotografada por Man Ray, seja com as fantasmagorias de Ismael Nery.
Todas as origens se encontram na última sala da exposição na “Vênus Antropofágica” (1988). Ao lado das vênus surrealistas de Zadkine, a boneca dadaísta de Villani tem o pescoço muito comprido, formado por dezenas de bonequinhos de plástico. “Esse pescoço é um engasgo antropofágico. Nós comemos, comemos de tudo, indiscriminadamente, e não conseguimos digerir tanta coisa”, diz Julio Villani.
Tomie Ohtake completa 97 anos com exposição de obras inéditas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 23 de novembro de 2010
Em menos de 2 anos, criou 25 telas para mostra que abre hoje no instituto que leva seu nome
Artista diz que foi um desafio trabalhar com o círculo, "o primeiro desenho que os bebês fazem com dedinhos"
"Faz tempo que não nos vemos. Você envelheceu, né?", disse Tomie Ohtake, às vésperas de comemorar seus 97 anos, completados anteontem, a este repórter, durante a entrevista sobre sua nova mostra, em seu ateliê.
"Acho que o Ricardo [Ohtake, seu filho] não vai gostar do que eu falei, mas eu não sei guardar as coisas, coloco tudo para fora", sorri.
A pintora costuma ser direta, mesmo que para tanto desagrade um pouco.
Desde pequena, ela queria ser artista e chegou a estudar aquarela na escola, mas o meio conservador em que cresceu no Japão, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, não favorecia suas vontades.
A forma que ela encontrou para escapar foi convencer a mãe, em 1936, que vinha visitar o irmão no Brasil. "Eu tinha de dar um jeito de sair do Japão e prometi a ela que vinha para ficar um ano", conta. Três meses depois de desembarcar, Tomie Nakakubo se casava com o engenheiro agrônomo Ushio Ohtake, morto em 1977.
BIFE A CAVALO
Apesar da identidade japonesa, Tomie nunca foi de ficar em gueto. Ela vivia na Mooca, "onde era tudo italiano", relembra-se. Seus filhos estudaram em escola católica e sua dieta vai bem além de sushi e sashimi. "Nunca me esqueço do bife a cavalo que comi, quando desembarquei no Brasil. É uma das minhas comidas favoritas."
Persistência também é outra marca de Tomie. Teve dois filhos e, só após criá-los, quando já estava próxima dos 40 anos, começou de fato sua carreira artística, como autodidata. Então o que estava guardado por tanto tempo começou a aflorar.
E sem parar. Só para a mostra "Pinturas Recentes", que inaugura hoje, ela realizou, em menos de dois anos, 25 telas, todas de grandes dimensões, tendo o círculo como tema central.
Por que o círculo? "É uma forma muito sintética. Trabalhar só com ele é um grande desafio. E ele é também o primeiro desenho que os bebês fazem com os dedinhos", conta, repetindo o gesto.
Em um texto de 1961, o crítico Mário Pedrosa (1901-1981) escreveu que Tomie era "uma pintora que ainda está se formando, numa personalidade já desabrochada", portanto, nela, "a obra corre atrás da personalidade".
Agora, quase 50 anos depois, "Pinturas Recentes" revela como obra e personalidade estão afinadas.
Novos trabalhos sintetizam a geometria e o informalismo
As 25 obras que têm o círculo como tema, em "Pinturas Recentes", reforçam uma das principais marcas de Tomie Ohtake: a síntese entre a geometria e o informalismo.
Racionalismo e irracionalismo não são contrários em sua obra.
Na maioria dessas novas obras, ela trabalha com duas cores, como preto e branco ou azul e rosa.
E, mesmo ao se utilizar de cores contrastantes, seu poder de equilíbrio, de síntese ou mesmo de completude são impressionantes.
Essa situação de estabilidade é alcançada porque faz parte de um mundo cósmico: por mais diferente que seja cada planeta, todos pertencem ao mesmo universo.
novembro 22, 2010
Mais verbas, mais ações, mais polêmicas por Carolina Santos, Diario de Pernambuco
Matéria de Carolina Santos originalmente publicada no caderno Viver do Diário de Pernambuco de S. Paulo em 21 de novembro de 2010
No dia 3 de outubro, o governador Eduardo Campos garantiu a reeleição com uma aceitação expressiva de 82% dos votos. Com isso vem a continuação da política cultural implantada na sua gestão e coordenada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Durante o primeiro mandato, municípios do Litoral ao Sertão receberam ações e investimentos do programa Pernambuco Nação Cultural. O nome megalomaníaco deu o tom dos projetos da gestão. ´Quando fui apresentar o Nação Cultural ao então ministro Gilberto Gil, achei que era pretensioso. Mas é um nome que revela a diversidade existente no estado`, explica Luciana Azevedo, que ocupa a presidência e deve permanecer no cargo. Com o fim do primeiro mandato do governo, um balanço se faz necessário.
Para muitos, o principal trunfo da Fundarpe nesses quatro anos foi a interiorização das ações de cultura. Ao todo foram 34 festivais com shows, oficinas, exposições e espetáculos de dança e teatro. Paraoutros, a ampliação das verbas na área de fomento foi o mais decisivo. O Funcultura, o principal edital na área de cultura do estado, passou de R$ 4 milhões por ano para R$ 22 milhões em 2010. Na área do audiovisual, as verbas por meio de edital saíram de R$ 560 mil, incorporadas no Funcultura, para um edital próprio de R$ 8 milhões. Isso se refletiu rapidamente na produção pernambucana que hoje produz seis longas-metragens por ano. Outra vitória na área foi a recuperação do Cinema São Luiz.
Empregos
A política da cultura como um incentivador de geração de emprego também rendeu frutos nesses quatro anos com a criação de 175 mil postos de trabalho diretos temporários. Mas, claro, ainda há muito a ser feito. No interior, são poucas as cidades com teatros. Salas de cinema foram erguidas e não há programação para o público - funcionam apenas durante festivais do Nação Cultural. ´Reformamos o cinema com dinheiro da Fundarpe. Mas, desde então, tivemos pouco contato com o órgão. Nem vieram aqui ver se a obra tinhaficado pronta`, reclama o gerente de uma sala no Sertão do estado, que não quis se identificar. De acordo com Luciana Azevedo, isso é trabalho para os próximos quatro anos. ´Nós construímos e amplimos a estrutura. Agora vamos trabalhar nos detalhes e na qualidade dos serviços`, promete.
Paço das Artes completa 40 anos com exposições e livro, Estadão.com
Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de novembro de 2010
Criado com o objetivo de promover exposições, conferências, cursos e palestras relacionadas ao mundo artístico, o Paço das Artes comemora 40 anos de atividades. Para celebrar a data, a instituição realiza hoje aberturas de mostras, performances e o lançamento de um livro. A programação, que deve ocupar os espaços do local a partir das 19h, é gratuita e aberta ao público.
Um dos destaques do evento é o lançamento de "Livro_Acervo". A obra reúne uma enciclopédia com verbetes sobre os quase 200 artistas que passaram pela Temporada de Projetos (1997-2009) - carro-chefe das exposições da casa -, 30 obras em papel criadas especialmente para a publicação por artistas plásticos que já participaram da Temporada e, ainda, um DVD com trabalhos sonoros feitos para compor a caixa. Idealizado por Priscila Arantes, diretora técnica do Paço das Artes, o "Livro_Acervo" tem a curadoria de Artur Lescher e Lenora de Barros. O conjunto será distribuído gratuitamente para quem visitar o Paço.
Para Priscila, o material resgata a memória da arte no período. "Além de mostrar a produção dos artistas que já passaram pelo Paço, o livro apresenta um panorama da produção artística nacional dos últimos dez anos", diz.
A última edição da Temporada de Projetos 2010, que abre hoje, oferece as individuais dos artistas plásticos Estela Sokol, Rodrigo Bivar e Tiago Judas. Estela traz "Claraboia", relevos e pinturas que discutem a relação de espaço e obra, utilizando experimentação da cor e da luz. Judas apresenta "O Mistério Líquido e a Fatalidade Sólida", que reúne objetos utilizados em pesquisas para roteiros de histórias em quadrinhos. Por fim, inspirada numa viagem ao Japão, "Turista Azul", de Bivar, traz sete pinturas e um vídeo. Bivar conta que uma de suas inspirações foi um texto de Ítalo Calvino. "Não é uma ilustração para A Velha Senhora de Quimono Violeta, mas a ideia veio da experiência do livro".
Outras duas exposições serão abertas hoje. Para inaugurar o ateliê do Paço, o grupo de pesquisa em pós-graduação Reflexões Sobre a Cor, coordenado pelo artista e professor Marco Giannotti, apresenta seus trabalhos. Em parceria com a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o Paço também recebe as obras dos graduandos do curso de artes plásticas. O evento abre espaço para as performances de Sheila Mann Hara, que discute a convivência pacífica entre os povos, Dudu Tsuda e Marcus Bastos, que fazem intervenções Visuais com música. As informações são do Jornal da Tarde.
Círculos de Tomie por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadao.com em 22 de novembro de 2010
Aos 97 anos, completados ontem, Tomie Ohtake mostra que está em plena atividade e faz reverência à forma circular em união com a cor na exposição com novas pinturas que inaugura amanhã
Em Kyoto, no Japão, a mãe de Tomie Ohtake colocava no aparador de sua casa apenas uma pequena flor e um objeto. "Tudo bem simples desde pequena", conta a artista, que, naturalizada brasileira desde 1940, completou justamente ontem 97 anos. Com a recordação da infância em seu país natal, Tomie, a seu modo, sintetiza o caminho que ela persistiu, naturalmente, em sua trajetória artística - a ida ao abstrato, ao "cada vez mais simplificado", ao essencial.
Assim como no haikai se condensa a poesia em pouquíssimas sílabas, Tomie Ohtake fala pouco (sorrindo) e elege o círculo - que na caligrafia japonesa simboliza o universo e o vazio - para ser o protagonista de suas mais novas pinturas. "Desde pequena gosto muito do redondo", recorda mais uma vez. "É uma forma sintética, tem amor e energia", completa ainda a artista, que amanhã inaugura no instituto que leva o seu nome, em São Paulo, mostra com 25 telas criadas entre 2009 e 2010. A exposição é um "passeio pelos círculos" de Tomie, em plena atividade.
"Trabalhei muito agora, como trabalhei!", brinca a artista, sempre de uma espontaneidade cativante. No ateliê abrigado na casa em que ela vive há 42 anos no bairro do Campo Belo - e projetada pelo seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake -, Tomie recebeu a reportagem do Estado. A luminosidade em seu ambiente de trabalho é, por causa de uma claraboia e das portas de vidro que dão para o jardim, por vezes mais clara que no lado exterior. Lá, com a ajuda de Futoshi, artista plástico de Saitama - província de Tóquio -, seu assistente desde 1997, Tomie expressa em suas obras formas e cores de maneiras diferentes, entretanto, sempre abstratas. "Só quando o quadro fica pronto, vejo se a expressão ficou mais calma, ou mais violenta", diz ainda Tomie. "Arte contemporânea, não penso nada. Não tem tempo, tem meu estilo."
Zen. Já afirmou o crítico Paulo Herkenhoff que Tomie Ohtake é simplesmente zen pois "naturalmente abdica de qualquer intelectualização, verbalização e conceituação a respeito". A artista já disse que o círculo ou o redondo - como tantas vezes ela fala - não é o sol a simbolizar a terra do sol nascente, seu Japão, mas a forma em que condensa, expressa, expande com liberdade o tempo de seu "abstrato". É, assim, o motivo que revela o gesto. "Pequeno, parece ser só força do braço; grande, força do corpo inteiro", afirma Tomie. No caso de sua atual exposição, as obras são de formato expansivo, em torno de 2 m x 2 m.
Mas quase pouco seria do gesto se não houvessem as cores de Tomie. São muitas, variadas, nunca puras, misturadas - e, às vezes, levadas ao limite da transparência. Na atual mostra da artista, na primeira sala do Instituto Tomie Ohtake - numa felicidade, a sala circular do prédio, no primeiro andar - vê-se amarelo, vermelho, verde, preto, rosa, azul, marrom, branco, cinza. "Cada cor é um pensamento; não sei qual é a mais bonita", diz Tomie. "A cor do ar é bonita também porque ela é só para se sentir", continua a artista. Entretanto, o vermelho - que para tantos artistas é uma ameaça, assim como o amarelo - é a mais usada por ela em sua trajetória.
Na mostra, assim, está a série de todos os 25 círculos coloridos que Tomie criou em 1 ano e meio. Curiosamente, há uma força dupla na exposição - as pinturas são de impacto pelo conjunto, num movimento dos mais variados redondos, e ainda, de forma autônoma, cada quadro revela uma vida. Tomie gostaria apenas que o público sentisse suas obras.
Arte sem arte por Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo
Matéria de Ferreira Gullar originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de novembro de 2010
Considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Da Vinci e de Van Gogh
Não tenho, a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.
Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.
Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte. Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte.
Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas. Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.
Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.
Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.
Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.
Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.
Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?
Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.
Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.
De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.
Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.
Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.
Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades.