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novembro 17, 2010
Simplesmente performance por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de novembro de 2010
Após experiência radical em Nova York, Marina Abramovic inicia novo ciclo na carreira
Depois de passar três meses sentada em uma sala da exposição “The Artist is Present” (A artista está presente), encarando o público de frente no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Marina Abramovic expõe em São Paulo vídeos, fotografias e objetos usados em performances.
A performance contemporânea mudou muito em relação ao seu surgimento nos anos 70?
Sim. Sofreu uma mudança cultural e tecnológica muito grande. Nos anos 1970, tínhamos uma forte influência da arte conceitual e nos anos 1980 esse tipo de arte sofreu um estresse por uma pressão do mercado da arte. Muitos a abandonaram para fazer uma arte mais “tradicional”. Eu sou uma das poucas da minha geração que continuaram atuando dentro dessa área. A performance, ao contrário da fotografia e do vídeo, só entrou para o circuito dos grandes museus recentemente. O MoMA e o Guggenheim são dois exemplos, ocorridos há pouco tempo, de espaços que tiveram mostras dedicadas à performance. A performance está se tornando uma arte “mainstream”.
Em que medida vivemos uma “sociedade da performance”?
Com o avanço das tecnologias, as pessoas têm um interesse pelo voyeurismo intensificado. É como se estivéssemos sempre olhando uns aos outros, e a televisão também teve um papel nisso. Sim, vivemos uma sociedade performativa nesse sentido.
Como foi sua relação direta com o grande público no MoMA?
Foi uma experiência que mudou a minha vida. Por causa desse trabalho cheguei à conclusão de que a simplicidade é um dos elementos mais importantes dentro da arte. Esse trabalho é um dos mais coesos e simples que fiz, são apenas duas cadeiras e eu. Foi um momento de reflexão muito grande. Além do mais, acho que foi uma das minhas performances que mais envolveram a participação do público.
A arte da performance sobreviverá ao corpo, através de reencenações e de documentações?
De certa forma isso já acontece. Temos, por exemplo, artistas performáticos que trabalham apenas em ambientes virtuais. Eu, inclusive, concedi permissão para esses artistas reencenarem minhas performances dentro do Second Life. Mas a experiência do corpo em sua essência vai continuar, apesar de ela ganhar novos elementos como, por exemplo, as novas tecnologias.
Feministas, sempre por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 12 de novembro de 2010
No Brasil, o coletivo Guerrilla Girls levanta a bandeira da presença feminina na arte
Com o intuito de conscientizar o público sobre o papel da mulher na história da arte, mas também de protestar contra outros setores da sociedade que possuem participação minoritária feminina, as Guerrilla Girls começaram seu ativismo feminista na década de 1980, de forma peculiar: vestindo máscaras de gorilas e usando pseudônimos referentes às grandes mulheres artistas como Gertrude Stein, Anaïs Nin, etc. No Brasil para palestras e performances, Frida Kahlo, um dos membros fundadores do grupo, diz que seu ativismo hoje circula no universo digital: “Temos milhares de seguidores no Twitter e no Facebook”.
Vocês encaram seu trabalho como performático?
Preferimos pensar nosso trabalho mais como encontro cultural do que como performance. Essa é uma forma de resistir às imposições de consumo do mercado de arte. Sempre nos vimos como artistas de rua, começamos fazendo cartazes políticos e espalhando-os pela cidade de Nova York. Mas o público começou a ficar curioso e tivemos que pensar em um disfarce. Começamos como guerrilheiras, os gorilas vieram depois. De início foi uma ação tática e depois descobrimos que estrategicamente isso funcionava porque era ultrajante. Uma máscara de gorila no corpo de uma mulher é algo assustador e muitas pessoas tinham uma visão muito negativa do feminismo. É como se o feminismo estivesse associado à bestialidade. A ironia e o humor foram maneiras de mudar a ideia das pessoas sobre um assunto difícil ou sério.
Como vocês avaliam a presença feminina no mundo da arte hoje?
As coisas estão melhores para as mulheres e para os artistas de outras etnias nos Estados Unidos. Não se pode contar a história das artes visuais sem incluir as diferentes vozes que fazem parte dela. Mas nem sempre a prática corresponde à teoria. Se você olhar os museus e o mercado das artes, a presença das mulheres ainda é muito desigual. Elas não estão totalmente excluídas, mas não estão entre os artistas mais vendidos ou procurados. Suspeitamos que esse fato tem a ver com o mercado da arte ser controlado por uns poucos indivíduos.
E na arte brasileira?
Para nosso livro sobre a história da arte ocidental, pesquisamos a vida de Tarsila do Amaral. Mas ainda não sabemos o suficiente sobre a arte feita por mulheres brasileiras.
Sin perder la ternura por Juliana Dal Piva, Istoé
Matéria de Juliana Dal Piva originalmente publicada na Istoé em 5 de novembro de 2010
Após 30 anos de luta pelos direitos humanos na Argentina, Mães da Praça de Maio lançam memorial e participam da Bienal de São Paulo
Buscarita Roa, Vera Jarach, Estela Carlotto, Lita Boitano e Carmen Lapazo sabem o significado da palavra luta. Conhecidas como as Mães e Avós da Praça de Maio, estas senhoras representam as organizações de direitos humanos na Argentina que pedem, há mais de 30 anos, pela verdade sobre o desaparecimento de quase 30 mil pessoas durante o regime militar (1976-1983). Elas concorreram ao Prêmio Nobel da Paz de 2010, ganho pelo ativista chinês Liu Xiaobo. Aqui, as cinco guerreiras falam de sua mais recente conquista: o Parque da Memória – monumento às vítimas do terrorismo de Estado, localizado na costa norte do rio da Prata, em Buenos Aires. Este é o primeiro projeto do tipo realizado na América do Sul dedicado às vítimas de uma ditadura militar e dele participam inúmeros artistas de diferentes partes do mundo. Na 29ª Bienal de São Paulo, elas apresentam o parque ao público através de um documentário que está em exibição no Terreiro “A Pele do Invisível”.
Como surgiu o “Parque da Memória”?
Carmen Lapazo – Quando acabou a ditadura, começamos a nos dar conta de que nós, as mães, não íamos ficar para sempre, mas algo de nossos filhos desaparecidos tinha que ficar. Não pensávamos que o número chegaria a dez ou 15 mil desaparecidos.
Vera Jarach – Era preciso ter um lugar onde estivessem os nomes de todos os desaparecidos e que fosse associado à arte. E precisava ser próximo ao rio, porque muitos “desaparecidos” terminaram no rio da Prata.
Por que um parque?
Lita Boitano – Houve muita discussão, porque não queríamos a sensação de um cemitério ou de um lugar para onde levar flores. Tinha que ser um lugar para honrar a memória de todos e era importante que estivessem os nomes
de todos, de todo o país.
Estela Carlotto – Não queríamos algo como o Memorial do Holocausto. Tinha que ser uma coisa diferente, aberta e que demonstrasse o espírito de nossos filhos, que eram jovens, alegres e com projetos.
Como escolheram as obras do parque?
Estela Carlotto – Lançamos um concurso internacional em 1998 para buscar obras que significassem o que pensávamos. Foram mais de 600 inscrições de todo o mundo.
Há artistas brasileiros?
Estela Carlotto – Nuno Ramos, mas sua obra ainda não está lá.
Pessoas de diferentes lugares já estiveram lá?
Lita Boitano – Sim. Vieram personalidades de todo o mundo. Saramago chorou ao ver o parque.
Vera Jarach – E agora fomos convidadas pela Bienal de São Paulo. O curador foi e gostou.
As senhoras têm relações com organizações de direitos humanos do Brasil?
Estela Carlotto – Tivemos um contato com uma organização que há 15 anos fechou as portas dizendo que os objetivos pelos quais lutava já não existiam. Na Argentina, somos oito organizações históricas que nunca baixaram os braços. Nem quando chegou a democracia.
Casa tomada por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 5 de novembro de 2010
Bicho Geográfico - Caetano Dias/ Palácio Da Aclamação, Salvador/ Até 29/11
Quem entrar hoje no Salão Nobre do Palácio da Aclamação, local que durante 55 anos foi a residência oficial dos governantes do Estado da Bahia, será surpreendido pela presença fantasmagórica de um homem, de uma mulher e de um cão. Na verdade, estes são os velhos personagens de uma nova versão da história da colonização brasileira que o artista baiano Caetano Dias decidiu contar em três grandes videoprojeções nas paredes do lugar. Caramuru, o famoso náufrago português persegue a índia Catarina de Paraguaçu, acompanhado de um cachorro, animal doméstico trazido para a América pelos colonizadores. O ponto de partida para a narrativa imaginária são os cenários desse palácio histórico, que tem seu espaço arquitetônico penetrado por imagens de paisagens como lagos, bananais e ruínas, simbolizando a busca por um paraíso perdido. “Traço um paralelo entre a migração humana e a figura da larva migrans, que nos invade formando mapas e rastros pelo nosso corpo. Nós fazemos como elas: invadimos a terra, modificando-a, ou somos invadidos por outros povos”, afirma o artista, que realiza um diálogo irônico entre a história da Bahia e a história europeia.
Mais do que uma viagem histórica, o trabalho é também uma leitura das relações estereotipadas entre natureza e cultura. Catarina Paraguaçu, interpretada pela atriz Amanda Graciolli (foto), não é apenas a índia brasileira, que ao contrair matrimônio com o navegante português Diogo Álvares Correia (Caramuru) forma o primeiro casal católico da colônia, mas também a representação da natureza, da Virgem e, consequentemente, do poder e da terra cobiçados por esse homem invasor. Na Sala dos Banquetes, também ocupada pela instalação, pode-se perceber o resultado dessa invasão que Caetano Dias realiza no edifício: no chão estão espalhadas batatas-doces ao lado de inúmeras marretas. “As batatas são a terra conquistada e o alimento produzido, mas também uma figuração para as ações provocadas pelo bicho geográfico”, complementa. Essa exposição é a última de uma série que aconteceu dentro do Projeto Ocupa, que durante o ano de 2010 convidou artistas como Eder Santos, Carlito Carvalhosa e José Rufino a realizarem trabalhos de arte que dialogassem com a arquitetura do antigo palácio baiano.
Luxo não sai da moda por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 05 de novembro de 2010
Monumental e requintada, a exposição de Takashi Murakami no Palácio de Versailles faz jus à paixão que o rei Luís XIV tinha pelas artes
Às portas da Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes, onde o rei Luís XIV da França (1638-1715) recebia seus convidados para dançar entre 357 espelhos e esculturas folheadas a ouro, a sexy recepcionista Miss Ko2 recebe os visitantes. Personagem de mangá japonês, ela foi transformada numa escultura em fiberglass, de 1,74 m de altura, pelo artista japonês Takashi Murakami. “Miss Ko2” é, no entanto, apenas um aperitivo para o banquete de obras que o visitante encontra na exposição “Murakami Versailles” – todas elas feitas em materiais nobres como ouro, prata, cobre e pedras preciosas.
Se suportar a lamentação de um grupo de conservadores que acusam Murakami de intrusão em monumento histórico, a mostra ficará em cartaz até dezembro. Mas o fato é que o casamento entre a opulência ornamental do classicismo francês e o mangá de luxo japonês não poderia ser mais perfeito. Murakami sabe como aliar técnicas tradicionais e imagens contemporâneas e faz de cada escultura um troféu.
Sob os olhos dos Bourbon pintados por seus artistas favoritos, a escultura “Yume Lion”, em alumínio com folhas de ouro, rivaliza em luxo com as tochas douradas do Salão de Apolo. Adiante, na antessala dos aposentos de Maria Antonieta, Murakami dá a sua interpretação para as joias da rainha. “The Simple Things” é a escultura de uma criatura repugnante, que guarda entre afiadas arcadas dentárias um vidro de ketchup cravejado de rubis, uma loção Johnsons feita de safiras e uma lata de Pepsi de diamantes. Murakami não tem problemas em citar marcas. Sabe rimar marketing e arte contemporânea e é controverso por isso (leia bate-papo).
Seu reconhecimento internacional veio depois da primeira exposição fora do Japão, na Galerie Emmanuel Perrotin, em Paris, em 1995. Mas ele ganhou fama para além do circuito da arte quando o estilista Marc Jacobs convidou-o para reinterpretar a marca Louis Vuitton na primavera-verão de 2003. A parceria funcionou tão bem que em 2008 Murakami entrou na lista das 100 personalidades mais influentes do mundo feita pela revista “Time”. Para se ter uma ideia de quanto ele cresceu, sua “Miss Ko2”, vendida em 2003 por US$ 567 mil está estimada hoje entre US$ 4 milhões e US$ 6 milhões.
A irreverente homenagem que Murakami rende a Versalhes, “um dos maiores símbolos da história ocidental”, segundo palavras do próprio artista, se consagra na apoteótica Sala da Coroação. O local, um dos pontos turísticos máximos do castelo, reúne três pinturas históricas monumentais de Napoleão e ganhou de Murakami um pequeno Buda branco, feio e nu, intitulado “The Emperor’s New Clothes”. A associação que ele faz entre a realeza francesa e a fábula do rei que fica nu diante dos súditos é um dos nós da querela entre tradicionalistas e modernos franceses.
Ao convidar Murakami, a administração do museu foi fiel à tradição do monarca conhecido como “Rei Sol”, que construiu a imagem pública de patrono das artes. Ele é o terceiro artista contemporâneo convidado a expor em Versalhes. Jeff Koons levantou poeira por lá em 2008, e foi seguido pelo menos controvertido artista Frances Xavier Veilhan em 2009. “É notável que a reação contrária à entrada da arte contemporânea em Versalhes ecloda com a mostra de uma produção não ocidental no templo da civilização burbônica. Trata-se de mais uma evidência da necessidade de a França atual buscar representações de uma identidade cuja compreensão lhe escapa”, analisa o crítico, historiador e curador brasileiro Felipe Chaimovich.
Os bastidores da arte, em uma semana por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 29 de outubro de 2010
Bate-papo com Sarah Thornton
“Uma linha de montagem.” Assim a socióloga canadense Sarah Thornton (foto) define o estúdio do artista japonês Takashi Murakami, um de seus entrevistados no livro “Sete Dias no Mundo das Artes”, lançado no Brasil pela editora Agir. Para fazer o relato sobre uma semana no universo da arte mundial, a autora, que também é colunista sobre arte e mercado na revista “The Economist”, visitou os mais importantes museus e instituições, conversou com artistas e debruçou-se sobre as melhores revistas especializadas do planeta. O seu livro é sucesso nos EUA, no Chile e Japão. Narra, entre outras aventuras, os bastidores de um leilão na “Christie’s” de Nova York, no qual um especialista afirmou que o ato de comprar arte, nos dias atuais, é parecido com o de comprar roupas.
O que levou a sra. a entrevistar Murakami?
Quis mostrar a realidade da produção artística hoje. Visitei seu estúdio, que é um dos maiores e mais prolíficos do mundo, e vi como funciona. É uma situação extremamente complexa que me lembra uma linha de montagem. São diversos assistentes e ele monitora tudo de perto. É uma indústria: Murakami realiza vendas astronômicas, faz inúmeras parcerias, desenha bolsas para a Louis Vuitton. Só a visita ao estúdio renderia um livro. É uma pessoa extremamente competente, possui doutorado, mas é também um exímio negociante. Quero saber como esse lugar se transforma em uma zona de negociações financeiras. Ele é fascinado por Warhol e muito de seu estúdio se apropriou do modelo de negócios que esse artista implantou. O capítulo sobre Murakami está no fim do livro. É uma espécie de epítome sobre o mundo da arte contemporânea onde confluem a produção, a negociação, o aprendizado.
Após a imersão no mundo dos leilões, qual é a sua opinião sobre o mercado de arte?
Quero entender o que faz uma obra ser vendida ou não. É um mecanismo simples e misterioso. Não quero levantar um julgamento moral sobre isso, quero apenas entender. Estou interessada no mercado primário, que é o da entrada da obra no mercado, e no mercado secundário, que é como essa obra passará a circular e ser valorizada ou não. O mercado de leilões é algo extremamente lucrativo e movimenta o mercado secundário das artes. Se uma obra de um artista é bem vendida, o restante da produção é valorizado. Claro que existem flutuações. A vantagem de visitar os bastidores de um leilão é entender esse lado subjetivo, as tomadas de decisões e dos gostos que influenciam o mercado da arte.
Entrevista com Marina Abramovic por Fábio Cypriano, Folha.com
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Folha.com em 17 de novembro de 2010
Marina Abramovic possui uma energia contagiante. Após sua consagração na mostra "A artista está presente", no MoMA, ela segue cheia de projetos, como a nova mostra "Back to Simplicity", que é aberta hoje, na galeria Luciana Brito, a peça "The Life and Death of Marina Abramovic", com estreia prevista em junho do próximo ano, e o Instituto de Arte da Performance, que será aberto em 2012, perto de Nova York.
Ela ainda quer trazer a retrospectiva do MoMA para o Brasil, assim como a nova peça. Leia sobre tudo isso a seguir:
FOLHA - O que significa "Back to Simplicity", que é o título de sua mostra?
MARINA ABRAMOVIC - Porque isso foi simplesmente necessário! A exposição no MoMA foi uma retrospectiva de tudo que já fiz e, ao mesmo tempo, uma nova performance. No começo havia duas cadeiras e uma mesa e, no final, decidi tirar a mesa e ficaram só as cadeiras. A performance durou três meses e, após tanto tempo, ela criou vida própria. E eu comecei a pensar em tantas coisas da minha vida, e, você sabe, a gente faz tanta merda em nossa vida, estamos cercados por tantos conceitos, tantos projetos e coisas desnecessárias, coisas que a gente coleciona, coisas que a gente quer, que eu realmente senti uma imensa necessidade de voltar à natureza, isso é, retornar a uma certa ritualização do cotidiano, como aproveitar o ato de beber um copo de água, segurar uma ovelha. Sabe, eu sempre me senti como uma ovelha negra, que não pertencia a nenhum lugar. E quando segurei a ovelha negra foi ótimo, mas aí precisava de uma ovelha branca e acabei segurando também um bode. Aí eu quis dormir embaixo de uma árvore, ou então descascar cebolas ou batatas. Esse tipo de coisa que nós esquecemos, porque estamos tão envolvidos com consumo, uma sociedade que nos faz cada vez mais querer mais e mais, que agora eu quero menos.
Na abertura do catálogo de sua mostra em SP há um "Manifesto sobre a vida do artista" [Leia íntegra no final desta entrevista]. Ele é recente?
Ele é muito importante. Eu já o escrevi há uns três anos. Manifestos são muito importantes para mim. Muitos artistas já produziram manifestos: os futuristas, os dadaístas, os artistas do Fluxus. Mas, de certa forma, manifestos ficaram fora de moda. Eu realmente acho que manifestos de arte são importante, porque de certa forma eles apontam para as novas gerações condições e perspectivas de questões morais que a arte deve respeitar como não se tornar um ídolo, ou não superproduzir seu trabalho, ou não se comprometer, coisas que acredito.
Uma das facetas em sua carreira é que você não só produz obras, como se preocupa muito em refletir sobre a arte em geral.
Eu acredito que eu sempre estou pensando na função da arte, eu acredito que a arte é um serviço para a sociedade, com uma função muito mais ampla que apenas produzir trabalhos de arte. Eu vejo isso como uma responsabilidade e, nesse século, mais que nunca. E uma dessas responsabilidades é com as novas gerações de artistas. Quando se alcança um certo grau de conhecimento e experiência é importante transmitir esse conhecimento e essa experiência. Ser egoísta não é uma forma de atuar, é preciso,
incondicionalmente, pensar nas novas gerações.
Essa é uma das razões porque agora penso em meu legado e quero criar esse Instituto de Arte da Performance. Mas ele não será uma fundação, porque senão seria para glorificar meu próprio trabalho e esse instituto não é sobre meu trabalho, mas sobre artistas produzindo seus trabalhos. Ele só terá meu nome porque eu creio que sou uma marca, como jeans ou coca-cola, e pelo meu nome, Marina Abramovic, as pessoas vão saber qual ele é sobre a performance, em geral, seja vídeo, música, teatro ou dança...
É verdade que lá você só vai apresentar trabalhos com mais de seis horas de duração?
Sim! Existem muitos centros de performance no mundo e a especificidade do meu serão trabalhos de longa duração, porque eu realmente acredito que apenas esse trabalhos têm a capacidade de mudar o artista ou quem o observa. Se você faz uma ação de uma hora, você ainda está atuando, mas depois de seis horas, tudo desmorona, torna-se verdade essencial. E para mim, esse tipo de verdade é muito importante. Posso dar um exemplo muito simples: pegue uma porta e abra ela constantemente, sem entrar ou sair. Se você faz isso por três, cinco minutos, isso não é nada. Mas se você faz isso por três horas, essa porta não é mais uma porta, ela é um espaço, o Cosmos, se transforma em outra coisa, é transcendente. Em todas as culturas arcaicas, rituais e cerimônias eram repetidas sempre da mesma forma e existe um tipo de energia que fica alocada nessa repetição que afeta também o público. Isso só se consegue em performances de longa duração.
Esse seu raciocínio me faz lembras que muitos dos artefatos usados por essas antigas civilizações eram apenas utensílios ritualísticos, religiosos, mas agora são denominados artísticos...
Acho que isso é um grande equívoco, porque acredito que o grande princípio da arte é que ela é uma ferramenta. Se arte é algo que só trata de um objeto, ela perde sua função. A arte tem que ser uma ferramenta para conectar ou questionar ou criar consciência no público, como qualquer outra coisa. Há uma ótima entrevista de André Malraux, quando ele era ministro da Cultura, na França, com Picasso, acho que nos anos 1950. Ele perguntou a Picasso porque ele tinha tantas máscaras africanas e ele respondeu que as máscaras eram muito importantes porque elas eram a chave, a ferramenta para os humanos se comunicarem com as forças divinas, com os espíritos, o desconhecido; e ele queria aprender a fazer o mesmo com suaspinturas.
Eu acredito que a performance também é uma ferramenta, e por isso os objetos, eles mesmos, não tenham valor. Quem tem valor é o processo e quando você passa por uma experiência, existe a transformação. Então a arte está completa. Mas para mim, arte fora de contexto e sem propósito, arte pela arte não alcança ninguém.
Em sua exposição em São Paulo há registros de trabalhos feitos nos anos 1970, reconstruídos agora. Como você os classifica?
Eu não os reconstruí, na verdade eu simplesmente nunca havia revelado esses negativos e eu tenho um imenso arquivo. Nos anos 1970, quando fizemos nossas performances, nós a registramos como documentação, memórias. Mas nunca os vendi. Eu realmente acredito que a memória do público precisa ser ativada, porque pouca gente viu aqueles trabalhos e agora eu os estou mostrando.
Na biografia que foi publicada recentemente, consta que você comprou todo esse arquivo do Ulay, é verdade?
Sim, é verdade. Quando nos separamos, ele ficou com tudo e isso foi um inferno! Então foram necessários seis anos para eu conseguir tudo de volta e ainda não foi um bom acordo, porque de tudo que eu vendo, ele fica com 20%, e como as galerias ficam com 50%, eu só fico com 10% a mais. Só que eu é quem trabalho um monte, em revelar, moldurar, organizar mostras...
No próximo ano você prepara uma peça com Robert Wilson, "The Life and Death of Marina Abramovic", certo?
Ela é a continuação de uma única peça que tenho feito e que é sobre minha vida, "Biografia". Comecei em 1989, com Charles Atlas, e a cada cinco ou seis anos, eu a refaço com um novo diretor, e eu cedo todo meu material, sem nenhuma condição. Eles têm a liberdade de fazerem o que quiser com minha história, alterar a cronologia, o que quiser. Eu não posso vetar nada. E uma coisa que estou exercitando muito em minha vida é abrir mão do controle.
Isso faz parte, inclusive, de minha idéia de reperformance, que é dar a possibilidade a jovens artistas de refazerem minhas performances, como eu refiz sete performances em "7 Easy Pieces", no Guggenheim, em 2005. Essa é a única forma da performance ter vida longa, senão elas são apenas matéria morta nos livros. E abrir mão de controle não é algo fácil para um artista, porque sempre dizemos meu trabalho, minha obra.
Com a direção do Robert Wilson, o Willem Defoe será o narrador e o Antony, do Antony & The Johnsons, está fazendo a música.
Você quer mostrar essa peça no Brasil?
Sim. Se alguém me convidar, eu venho correndo! Meu maior sonho se divide em dois: trazer a retrospectiva do MoMA para cá e também essa peça. Eu tenho a sensação que a jovem geração de artistas aqui realmente admira meu trabalho e eu adoro o Brasil, já vim muitas vezes, me sinto muito emocionada e até já fiz muitos trabalhos aqui.
Como você avalia sua retrospectiva no MoMA? Houve algumas críticas por conta das reperformances. Você viu os vídeos delas com seus estudantes, o que achou?
Sabe, eles não eram meus alunos. Meus estudantes europeus não puderam ir porque não conseguiram visto de trabalho para os EUA, lá eles são muito rigorosos com isso. Tive que fazer um novo casting lá!
Mas eu sou totalmente contra às críticas à reperformance, porque é muito fácil criticar. As pessoas precisam ter uma nova visão sobre isso porque afinal é algo novo mesmo e diferente do que eu fiz nos anos 1970. As pessoas são diferentes, as circunstâncias são diferentes. Muito gente tem nostalgia ou apreço pelo vintage. Eu estou de saco-cheio do vintage! Eu quero fazer performance honestamente e ter sempre uma nova vida! E por isso estou abrindo mão do controle.
Manifesto sobre a vida do artista
Marina Abramovic
1 a conduta de vida do artista:
- o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros
- o artista não deve roubar idéias de outros artistas
- os artistas não devem comprometer seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte
- o artista não deve matar outros seres humanos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
2 a relação entre o artista e sua vida amorosa:
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
3 a relação entre o artista e o erotismo:
- o artista deve ter uma visão erótica do mundo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
4 a relação entre o artista e o sofrimento:
- o artista deve sofrer
- o sofrimento cria as melhores obras
- o sofrimento traz transformação
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
5 a relação entre o artista e a depressão:
- o artista nunca deve estar deprimido
- a depressão é uma doença e deve ser curada
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
6 a relação entre o artista e o suicídio:
- o suicídio é um crime contra a vida
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
7 a relação entre o artista e a inspiração:
- os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago
- Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão
- o artista é um universo
- o artista é um universo
- o artista é um universo
8 a relação entre o artista e o autocontrole:
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
9 a relação entre o artista e a transparência:
- o artista deve doar e receber ao mesmo tempo
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
10 a relação entre o artista e os símbolos:
- o artista cria seus próprios símbolos
- os símbolos são a língua do artista
- e a língua tem que ser traduzida
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
11 a relação entre o artista e o silêncio:
- o artista deve compreender o silêncio
- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
12 a relação entre o artista e a solidão:
- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão
- a solidão é extremamente importante
- Longe de casa
- Longe do ateliê
- Longe da família
- Longe dos amigos
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de cachoeiras
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de vulcões em erupção
- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as corredeiras dos rios
- o artista deve passar longos períodos de tempo contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se encontram
- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as estrelas
no céu da noite
13 a conduta do artista com relação ao trabalho:
- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias
- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o de funcionário de um banco
- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma visão que irrompe como uma surpresa
- o artista não deve se repetir
- o artista não deve produzir em demasia
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
14 as posses do artista:
- os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir nove objetos:
1 roupão para o verão
1 roupão para o inverno
1 par de sapatos
1 pequena tigela para pedir alimentos
1 tela de proteção contra insetos
1 livro de orações
1 guarda-chuva
1 colchonete para dormir
1 par de óculos se necessário
- o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos pessoais que deve ter
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
15 a lista de amigos do artista:
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
16 os inimigos do artista:
- os inimigos são muito importantes
- o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos; porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
17 a morte e seus diferentes contextos:
- o artista deve ter consciência de sua mortalidade
- Para o artista, como viver é tão importante quanto como morrer
- o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais dos diferentes contextos da morte
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
18 o funeral e seus diferentes contextos:
- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para que tudo seja feito segundo sua vontade
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida