|
outubro 1, 2010
Pichador da Bienal diz ser tão marginalizado quanto urubus da obra de Nuno Ramos por Márcia Abos, O Globo
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no Jornal O Globo em 29 de setembro de 2010
Djan Ivson, de 26 anos, assumiu a autoria da pichação 'liberte os urubu' (sic) na obra
"Bandeira branca" de Nuno Ramos na 29 Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Djan, conhecido nas
ruas como "Cripta", junto com Raphael Guedes Augustaitiz, o Rafael Pixobomb, de 26 anos, e Choque,
fotógrafo de 23 anos, formam o coletivo que criou a representação do 'pixo' (com 'x', para se diferenciar
da pichação política dos anos 60 e da pichação poética da década de 70) paulistano na própria Bienal.
Djan disse que pichar a obra de Nuno Ramos foi uma decisão individual, não do coletivo. E explicou que fez
uma analogia entre urubus e pichadores, ambos marginalizados.
- Não consegui terminar de escrever a frase, mas pretendia escrever "liberte os urubus e os pixadores de
BH" (cinco pichadores estão presos desde agosto na capital de Minas Gerais, indiciados por formação de
quadrilha). Fiz uma analogia entre os urubus presos na obra e nós, pichadores. Também somos demonizados, enxergamos a cidade do alto dos prédios e sobrevivemos de migalhas da sociedade, assim
como a população da periferia - disse Djan.
Nuno Ramos decidiu não prestar queixa contra Djan, portanto, o pichador está livre e não responderá a
processo. Mas para Djan, a escolha de Nuno é indiferente.
- Não adianta nada não dar queixa e dizer que foi um ato atrasado. Nos menosprezar como pessoas
atrasadas e ignorantes. Atrasado é ele que precisa de animais vivos para fazer uma obra de arte. Queria
entender o mundo dele - disse Djan.
O artista plástico Nuno Ramos afirmou que jamais deu declarações menosprezando os pichadores.
- Não pode pichar uma obra de arte. Não quero ofender ninguém e não acho que é uma questão de classe. Considerei um ato individual totalmente equivocado, tanto dele quando de entidades de ecologia que criaram com desinformação um clima violento ali, o que acabou cooptando o pichador. O ato em si é errado. Mas não estou julgando ninguém por isso, nem o grupo, nem a pessoa - diz Nuno.
Djan contou que foi agredido pelos seguranças da Bienal, que quase o mataram após estrangula-lo por cerca de 30 segundos. O pichador disse não ter morrido graças ao chefe da segurança, que ao perceber que as agressões estavam fora de controle, abriu a porta e ajudou o pichador a fugir. Ele pretende processar os seguranças por lesão corporal.
Para ele, a repressão violenta dos seguranças da Bienal estimulou outra pichação, desta vez na obra dos artistas Kboco e Roberto Loeb, que fica do lado de fora do pavilhão. Um jovem de 18 anos de Osasco, identificado pelo apelido "Invasor", foi o responsável pela pichação. Segundo Djan, Invasor foi ajudá-lo enquanto era agredido por seguranças no sábado e acabou apanhando também.
'Reações desproporcionais'
Os curadores-chefes da Bienal, Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, se reuniram com Djan e Rafael na
tarde de segunda-feira para falar sobre as pichações ocorridas no final de semana.
- O pichador [da obra de Nuno Ramos] foi muito agredido pelos seguranças, o que também foi um abuso.
Foram reações desproporcionais. Uma coisa não justifica a outra. Ele teve uma atitude que aos olhos de
todos foi extemporânea, agressiva. Mas a agressividade para cima dele foi terrível. É constrangedor -
lamentou Farias.
Para Farias, a ação dos pichadores na cidade deve ser discutida, por ser uma manifestação relevante.
- São pessoas que nunca encontraram espaço. Nossa sociedade é muito agressiva, a má distribuição de
renda, a desigualdade provocam ressentimento, ignorância, fomentam ódio. Djan e Rafael são muito talentosos, é preciso reconhecer e construir algo maior. A Bienal sempre foi coisa de elite. Mesmo que oferte seu fino produto para uma elite intelectual, não significa que não esteja aberta e comprometida em fazer chegar este fino produto a um contingente cada vez maior. O dinheiro é grandemente público, portanto a finalidade da Bienal é formadora. Temos que correr estes riscos. Estes gestos não podem servir de desestímulo. Não temos prática de democracia. Gentileza gera gentileza - conclui Farias, citando o Profeta Gentileza, que se tornou conhecido por perpetuar seus pensamentos escrevendo livremente em muros do Rio de Janeiro.
Sesc expõe Lygia Clark ausente da 29ª Bienal por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
"Caminhando" foi pivô de conflitos entre curadores e família da artista
Peça em que público recorta fita de papel é uma das principais de mostra que começa hoje no Sesc Vila Mariana
Grande ausência da atual Bienal de São Paulo, a obra "Caminhando", de Lygia Clark, é o trabalho central de uma exposição que começa hoje no Sesc Vila Mariana.
Clark estava na lista de artistas da 29ª Bienal com a reedição da performance de 1963 em que o público recorta uma fita de papel, desdobrando as formas da escultura "Unidade Tripartida", de Max Bill, num experimento tridimensional e efêmero.
Logo antes do lançamento oficial da lista de artistas, os curadores da mostra anunciaram a saída de Clark, alegando divergências com a família da autora, que cuida de seu espólio na associação O Mundo de Lygia Clark.
Segundo Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, os herdeiros da artista morta em 1988 cobraram R$ 45 mil, valor considerado "escandaloso e incompatível", para liberar a exposição do trabalho.
Também fizeram, segundo os curadores, exigências como determinar onde seria comprado o papel para a obra e escolher quem escreveria sobre ela no catálogo.
"Acho o fim da picada, o fim do mundo, uma traição à memória da artista", disse Farias antes da Bienal, comentando a ausência de Clark da mostra. "Essa obra tinha de estar lá, não é uma tristeza, é um escândalo."
Dos Anjos falou sobre o caso num dos debates antes da Bienal. "Havia um descompasso entre o que a obra exigia e exigências da família da artista", disse. "É evidente que isso faz falta, mas é uma ausência que pela própria ausência se faz presente."
PRESENÇA FÍSICA
No sentido físico, "Caminhando" poderá ser visto e experimentado por visitantes do Sesc Vila Mariana nos próximos dois meses, na mostra "Por Aqui, Formas Tornaram-se Atitudes", com curadoria de Josué Mattos.
"Cheguei antes da Bienal com esse projeto", conta Mattos à Folha. "Mas ele se realizou depois da Bienal."
Ele diz que pagou à família "o valor pedido por eles, um valor completamente normal". "Não foi pago nada de excessivo", afirma. "Não foi um problema pagar isso."
Embora não tenha revelado valores, Mattos diz que equivale ao que a família costuma exigir por exposições de médio porte e que foi menos de "metade da metade" do valor cobrado da Bienal.
Também disse que o papel usado na mostra é "um papel qualquer, bobina de caixa eletrônico", comprado no largo da Batata, em SP.
Mattos acrescentou que o projeto de sua mostra foi elaborado nos últimos dez anos. Ele estudava na Sorbonne e conheceu Álvaro Clark, filho da artista, em Paris, quando a família procurou um pesquisador para analisar obras da artista da época em que ela viveu na capital francesa.
Procurado pela Folha por telefone e por e-mail, Álvaro Clark, filho da artista, disse que não iria comentar o caso.
Clark, Pape e Oiticica são pontos de partida da mostra aberta hoje por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
São três as âncoras da mostra que começa agora no Sesc Vila Mariana. Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica encabeçam um time pautado por desdobramentos da obra de arte no espaço físico e a transformação da exposição em experiência.
Invertendo o nome da mostra de 1969 em que o curador suíço Harald Szeemann postulava que atitudes se tornaram formas, esse recorte tenta mostrar que naquela mesma década artistas brasileiros faziam o oposto -trocavam a tela pela vida.
Mas a força desta que se configura como uma das mostras mais potentes no circuito off-Bienal não está só no caráter museológico, mas no fato de identificar com precisão herdeiros das estripulias daquele momento.
Oiticica, que está na mostra com sua mesa de bilhar num ambiente colorido, inserção do jogo na cor expandida no espaço, encontra eco orgânico em Theo Craveiro.
Esse artista paulistano constrói um viveiro de formigas que levam nas costas pétalas de rosa -"Parangolés" orgânicos- para alimentar fungos que crescem nas formas dos "Metaesquemas".
No mesmo embalo orgânico, Lygia Pape propõe a irrupção da forma a partir de três cubos de plástico. De dentro deles, dançarinos rompem a casca e entram no ritmo da cuíca e do pandeiro.
Laura Lima retoma isso no baile que viu na tela de um anônimo no Louvre. Ela reproduz o quadro e oferece ao público réplicas das roupas que aparecem na tela, que serão vestidas numa dança.
Enquanto ela surrupia a forma sem dono e materializa o baile, Pedro Victor Brandão expõe cromos de obras de artistas conhecidos à luz ultravioleta, destruindo seu conteúdo diante do público.
É a mesma erosão da imagem na série de autorretratos de Albano Afonso, que mostra o próprio rosto atrás das caras de Modigliani e Van Gogh em réplicas perfuradas.
Num passo além, Caetano Dias dá verniz antropofágico à explosão das formas com um Cristo de rapadura, deitado na cruz e exposto como banquete açucarado.
Justiça libera obra de Krajcberg no Ibirapuera por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
Vizinhos do parque tentaram barrar ocupação da antiga serraria com esculturas do artista
Uma decisão da Justiça autorizou nesta semana a Prefeitura de São Paulo a seguir adiante com o projeto de instalar na antiga serraria do parque Ibirapuera esculturas do artista Frans Krajcberg.
Há dois anos, quando foi anunciado o projeto, a Sociedade dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia, bairro vizinho ao parque, entrou com uma ação civil pública para impedir a ocupação da estrutura do antigo galpão com obras de arte.
Alegaram no processo que a reforma do galpão para abrigar as obras causaria danos ao ambiente, oferecendo risco aos pássaros que vivem ali, e prejudicaria a rotina de visitantes do parque.
Numa decisão unânime tomada na última terça-feira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou improcedente essa ação.
"A turma julgadora entendeu que não há atentado contra o ambiente", disse à Folha o desembargador Márcio Franklin Nogueira. "Não há ilegalidade com a exposição naquele local."
Com o impasse, a prefeitura havia cogitado transferir o projeto de Krajcberg para o parque do Carmo, onde chegou a lançar uma pedra fundamental no ano passado, marcando o início das obras.
Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, há dois projetos agora -um para o Ibirapuera, outro para o parque na zona leste. Mas ainda não houve uma decisão.
Embora a associação de moradores possa recorrer da decisão, a prefeitura já tem permissão legal para ocupar a serraria com obras de arte.
"Foi uma coisa justa que fizeram", disse Krajcberg. "Era absurdo inventar coisas para não instalar uma exposição ecológica no parque."
Presidente da Sociedade dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia, Otávio Villares disse que estuda com seu advogado formas de evitar a ocupação do local.
Mexicano desenha o tempo dos presídios por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
Antonio Macotela mostra quatro anos de sua relação com detentos
Em troca de visitar a família ou se vingar de alguém, artista pedia que presos fizessem desenhos e escrevessem
Dentro ou fora de uma cela, o tempo vale o mesmo. Pelo menos é o que tenta provar a obra obsessiva do mexicano Antonio Vega Macotela.
Ele expõe agora na Bienal de São Paulo um registro de 365 trocas de favor entre ele e alguns dos 4.000 detentos do presídio de Santa Marta, na Cidade do México. Por quatro anos, Macotela se infiltrou entre os presos para entender o tempo subjetivo da prisão.
"Essa é uma microssociedade, em que cada um conta o tempo que falta da pena a cumprir", diz Macotela. "Eles sabem o que é duração."
Embora a ação refaça o ciclo de um ano, o fato de ter levado quatro deles para ser concluída também revela a distorção de escalas entre o tempo morto lá dentro e a vida que transcorre lá fora.
Macotela serviu de canal para cada preso, emprestando mãos, olhos e o próprio corpo a anseios de cada um.
"No começo, tudo parecia loucura", lembra. "Um deles queria que deitasse na cama dele em casa e escutasse Luis Miguel olhando para o teto."
Essa cena está num vídeo exposto no pavilhão. É a trilha sonora da vida lá fora que embala a contemplação de outra parede, uma que pode ser trocada pela liberdade a qualquer momento, numa duração dilatada e não ritmada por prazos judiciais.
Em troca, Macotela pediu ao detento que escrevesse seus sonhos no lençol que usava na cama de sua cela.
GEOGRAFIA ORGÂNICA
Cada ação lá fora, como ouvir Luis Miguel, ficar bêbado no batizado de um sobrinho, presenciar os primeiros passos de um filho, tinha seu equivalente formal, e um tanto obsessivo, lá dentro.
Um detento mapeou três trajetos no presídio sob efeito de três drogas diferentes, maconha, crack e cocaína. Outro juntou unhas cortadas de seus colegas de cela. Também há coleções de fios de cabelo e pontas de cigarro.
Desenhos toscos, de traços sôfregos, catalogam batidas cardíacas ou mesmo a respiração ao longo de uma hora. Um livro de mil páginas aparece atravessado com fúria pelos dedos de um preso.
Macotela documenta sopros de vida desesperados entre quatro paredes, uma geografia orgânica e pulsante que se debate contra os muros de concreto. O artista descobre nesse exercício um tempo latente, desvelando um potencial interrompido.
"São sistemas de representação do tempo, esse tempo como cartografias do movimento e de caprichos", diz o artista. "Eles sabem que enquanto fazem qualquer coisa que eu peça, estou com a família deles, bebendo por eles, fazendo o que fariam."
Enquanto não sai, um dos presos rouba tijolos para construir um fogão. Macotela pediu que escrevesse neles até completar um ciclo do desaparecimento, transformando sobrevivência em algo perto da arte.
setembro 30, 2010
Instituto Inhotim (MG) ganha novos pavilhões e obras por Mário Gióia, uol.com.br
Matéria de Mário Gióia originalmente publicada na seção Entretenimento do uol.com.br em 23 de setembro de 2010
A partir desta quinta-feira (23) o Instituto Inhotim, complexo museológico situado em Brumadinho (MG), ganha novos pavilhões e trabalhos criados especialmente para o local. A obra do fotógrafo Miguel Rio Branco, assim como cinco Cosmococas -- série de Hélio Oiticica (1937 - 1980) e Neville D´Almeida -- são novidades, ao lado de uma instalação da francesa Dominique Gonzalez-Foerster e do "Palm Pavillion" de Rirkrit Tiravanija, artista argentina residente em Nova York.
O pavilhão dedicado à obra de Miguel Rio Branco se destaca entre as novidades. O projeto do escritório mineiro Arquitetos Associados tira partido do terreno íngreme e cria bela estrutura feita em aço corten, o mesmo usado por Amilcar de Castro em suas esculturas, e tem uma estrutura labiríntica em seu interior. “Ele meio se esconde, meio que força sua visibilidade”, resume o alemão Jochen Volz, um dos curadores de Inhotim e cocurador da mais recente edição da Bienal de Veneza, transcorrida no ano passado.
Para Volz, o centro mineiro tem como objetivo criar projetos específicos para o diálogo entre o grande jardim botânico presente e a escala generosa de obras de arte contemporânea do acervo local. "Sempre pensamos: o que os outros não podem fazer?", afirma ele. "Temos de refletir bem sobre o contexto de arte e natureza tão próprio daqui, além de dar visibilidade e recortes a obras representativas dentro do nosso acervo, caso bem claro de Rio Branco."
O pavilhão dedicado ao artista nascido em Las Palmas e radicado no Rio coroa bom momento de sua trajetória. Ele tem exposição em cartaz atualmente no MIS (Museu da Imagem e do Som de São Paulo) e é um dos participantes da 29ª Bienal de São Paulo, com o filme "Nada Levarei Qundo Morrer Aqueles que Mim Deve Cobrarei no Inferno", realizado nos anos 70 no Pelourinho, Salvador, antes da reforma. O pavilhão privilegia filme e videoinstalações, como "Diálogos com Amaú", de 1983, e "Entre os Olhos", algumas delas menos conhecidas na carreira do artista.
Outro projeto dos Arquitetos Associados é o pavilhão dedicado às cinco Cosmococas, de Hélio Oiticica e Neville D´Almeida. Também labiríntica em seu interior, está planejada para ser um espaço tal qual os artistas imaginaram, onde o público pode entrar numa piscina e "participar" da obra de arte, descansar em redes e fazer outras atividades propostas pelos trabalhos ambientais.
A francesa Dominique Gonzalez-Foerster concebeu uma obra, "Desert Park", especificamente para Inhotim, onde fica localizada atrás do pavilhão de Adriana Varejão. Decorrência de experiências anteriores da artista na Documenta e em Münster, compila variados tipos de ponto de ônibus em uma grande área de areia branca. O ambiente quase lunar ajuda a compor uma paisagem de um certo modernismo, presente na arquitetura dos pontos, típico das áreas urbanas brasileiras. "Promenade", obra presente anteriormente em Inhotim, continua a ser exibido na galeria Mata, no centro do complexo. Rirkrit Tiravanija remonta próximo à "Beam Drop", obra de Chris Burden, seu "Palm Pavillion", peça que foi exibida na 27ª Bienal de São Paulo, em 2006.
Nas galerias, com exceção do cubano Diango Hernández, artistas brasileiros são os contemplados com obras novas em exibição. Alexandre da Cunha, Laura Vinci, Marcius Galan e Marcellvs L têm trabalhos expostos. O carioca Ernesto Neto também ganha espaço com um remontagem histórica de "Copulônia", de 1989, primeira peça na qual lida com materiais têxteis junto de outros mais rígidos, expandindo o conceito de escultura e criando uma tensão entre as diferenças do que foi construído. "Inhotim também tem a preocupação de exibir obras que foram pouco vistas ou montadas e que são importantes no desenvolvimento da arte contemporânea do país", diz Rodrigo Moura, um dos curadores do centro. "Copulônia" somente foi exposta no Espaço Macunaíma, no Rio, no ano de sua criação.
Acervo de ponta
A abertura das novas obras consolida Inhotim como um dos centros de arte contemporânea mais importantes do Brasil, ratificando o bom momento da arte brasileira em âmbito externo. Nomes prestigiados do circuito estiveram recentemente ou irão especialmente para o centro, como as curadoras das próximas edições da mostra alemã Documenta, Carolyn Christov-Bakargiev, e da Bienal de Veneza, Bice Curiger, entre outros.
Inaugurado em 2004, Inhotim é referência em arte contemporânea no Brasil por dar a chance de o público ver obras de nomes centrais na cena atual, como Steve McQueen, Matthew Barney, Doug Aitken, Janet Cardiff, Doris Salcedo e Olafur Eliasson, entre vários outros, lado a lado de artistas brasileiros de trajetória estabelecida, como Cildo Meireles, Tunga, Varejão e Valeska Soares.
O centro planeja novas expansões, como pavilhões e obras específicas de Pipilotti Rist, Cristina Iglesias e Eliasson, além de um grande edifício destinado a expor obras do acervo. "Vai ser quase como um museu. Precisamos de um espaço maior para exibir o que adquirimos, as galerias que temos já não dão conta disso", conta Volz.
"Meu sonho é poder ver no Rio uma favela inteira pintada" por Juliana Vaz, Folha de S. Paulo
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 30 de setembro de 2010
Artista holandês que coloriu as fachadas de comunidades cariocas participa hoje da Bienal
Em parceria com os próprios moradores das favelas, Dre Urhahn já pintou na Vila Cruzeiro e no morro Dona Marta
Embora não tenha sido escalado para participar da Bienal, o holandês Dre Urhahn é um artista que destoa entre os outros do pavilhão.
Primeiro porque, pintor, foi convidado para falar em uma mostra de arte que privilegia o vídeo e as instalações multimídia.
Segundo porque o seu suporte não são as telas, mas os tijolos das favelas cariocas.
Vindo de Amsterdã, ele desembarcou às pressas, anteontem, em São Paulo. Reclamou do "jet lag" e disse que foi chamado de última hora, para integrar, hoje, uma série de apresentações no Ibirapuera organizada pelo consulado da Holanda (leia programação ao lado).
Ele sabe apenas que o bate-papo deve girar em torno do "Favela Painting", um projeto "um pouco artístico, um pouco político e um pouco social", que vem remodelando as habitações pobres do Rio de Janeiro.
CHUVA E TIROS
Ao lado do conterrâneo Jeroen Koolhaas, 33 -que resolveu ficar em casa depois de quebrar o pé pintando um mural- Dre, 36, já jogou cor nas comunidades cariocas em três ocasiões.
A primeira vez foi em 2007, na Vila Cruzeiro, uma das favelas que integram o Complexo do Alemão (zona norte), onde morou por oito meses. "Nossas principais dificuldades foram a chuva e os tiros", lembra.
Depois de testemunhar três ações do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e sete passagens do "caveirão", o duo deixou estampada sobre um muro a imagem de um garoto soltando pipa. Agradou aos moradores, enquanto os traficantes diziam que ali era "o lugar errado" para a arte.
Um ano mais tarde, na mesma Vila Cruzeiro onde se sentem "em casa", Dre e Jeroen deixaram sua marca em uma escadaria que leva ao topo do morro.
MORADORES
Mas o maior feito do duo, e certamente o mais visado por turistas, foi terminado neste ano, no morro Dona Marta, em Botafogo (zona sul).
Ali, os holandeses imprimiram listras coloridas a 34 casas da comunidade, que em 2008 recebeu a primeira UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Rio.
Além do patrocínio de uma marca de tintas, tiveram o apoio dos moradores da favela, que receberam instrução para pintar. "A carreira de pintor é um início", afirma Dre, que diz só haver sentido no projeto se acompanhado de melhorias sociais.
A dupla está agora levantando fundos para realizar sua obra-prima: "Eu quero ver uma favela inteira pintada, eu quero ver".
Urubus da Bienal passarão por perícia por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 29 de setembro de 2010
Delegacia do Meio Ambiente pede laudo para verificar condições das aves e do viveiro expostos em instalação
Resultado deve sair num prazo de 30 dias; artista Nuno Ramos tem autorização do Ibama para expor os animais
Foi instaurado um inquérito para apurar se os três urubus mantidos na instalação de Nuno Ramos exposta na Bienal de São Paulo estão sofrendo maus tratos.
Embora o artista tenha autorização do Ibama para expor e manter as aves em cativeiro, a Delegacia do Meio Ambiente pediu ao Instituto de Criminalística que fizesse uma perícia dos animais e das condições do viveiro.
"Foi por meio de ONGs ambientalistas que soubemos da exposição", disse à Folha o delegado Roberto Carvalho Naves, da 1ª Delegacia do Meio Ambiente.
O exame do IC só deve emitir um laudo num prazo de 30 dias. Nada foi concluído do caso até agora.
O artista e um responsável pela mostra deverão ser ouvidos. "Recebi uma solicitação, mas não vou agora", disse Nuno Ramos. Segundo o artista, advogados da Bienal estão cuidando do caso.
"São absolutamente normais esses processos", disse o produtor-executivo da mostra no Ibirapuera, Emilio Kalil. "Tudo isso terá de ser explicado."
Ataques reacendem debate na Bienal por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 29 de setembro de 2010
Pichador de "liberte os urubu" diz que é "indiferente rabiscar obra" e que ética da rua não é a mesma do pavilhão
Artistas defendem ideia dos curadores de convidar pichadores para a exposição, mas repudiam os ataques
Na rua, uma regra não escrita entre pichadores é que um não pode passar por cima do trabalho do outro, "atropelar", no jargão do asfalto.
Mas o comportamento mudou dentro do pavilhão da Bienal, onde um dos integrantes do grupo Pixação SP, que integra a mostra, pichou no último sábado a instalação do artista Nuno Ramos.
"Todo "pixo" é feito de forma ilegal, todo mundo se arrisca e por isso tem respeito", disse Djan Ivson, autor da ação. "Mas a gente não tem nada a ver com esses artistas, não tem relevância nenhuma o trabalho deles. Para nós, é indiferente rabiscar a obra."
Desde a abertura da exposição, ataques às peças de Ramos e da dupla Kboco e Roberto Loeb têm reacendido o debate em torno da pichação, levantando dúvidas sobre a tentativa de inclusão do estilo pelos curadores dessa 29ª edição da mostra.
Depois dos ataques à Bienal há dois anos, que resultaram na prisão de Caroline Pivetta, os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias decidiram fazer um convite a representantes do gênero.
"São códigos diferentes, na rua eles estão entre eles e o respeito é mútuo ali", diz Dos Anjos. "Mas é essa diferença de regras que a gente está testando nessa Bienal, a gente assume o conflito."
Loeb, que teve seu trabalho pichado, vê no episódio um reflexo da desigualdade.
"Manifestações extremas desse tipo carregam a cor social do que está ocorrendo, a gente não está num país certinho", afirma. "Quem se alça a outros espaços é visto como um cara que diverge da comunidade, que saiu da turma, é uma briga de classes."
Sua análise parece valer tanto para pichadores quanto para seu parceiro na Bienal, o artista Kboco, que também começou na arte de rua. "Não faço arte para ganhar dinheiro", diz Kboco. "Já comprei briga com a elite."
Num gesto comedido, Nuno Ramos decidiu não prestar queixas contra Ivson, reforçando o que chama de "espaço para o diálogo" que deveria ser a Bienal. Ele também discorda da visão de luta de classes e de fricção entre os códigos de conduta.
"Não é possível fazer uma generalização, nem acho que isso tem a ver com a origem dele", afirma Ramos. "A classe alta também pode atacar."
Cildo Meireles, outro artista da Bienal, defendeu a atitude dos curadores, mas criticou os ataques. "Não compreenderam o espírito da coisa", diz o artista. "Isso é uma raiva mal resolvida, um ato de desespero que não podemos confundir com arte."
Há oito anos, uma obra de Lenora de Barros no Maria Antonia também foi pichada. Autores da ação mostraram até um projeto da intervenção à artista. Mas no caso da Bienal, ela diz não ver "nenhuma intenção artística".
"Eles vivem da transgressão", diz. "Mas ao mesmo tempo a situação acaba gerando figuras isoladas, que não respondem pelo grupo."
"Não acho que foi vacilo a Bienal ter chamado pichadores", opina a artista Adriana Varejão. "Mas a Bienal está virando uma plataforma de heróis da pichação, algo meio marqueiteiro. Estão querendo virar celebridade."
Artista reclama de abandono em instalação pichada por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadão.com em 28 de setembro de 2010
Kboco diz que falta segurança, iluminação e verba da Bienal para atividades no espaço, no qual diz ter investido R$ 100 mil
Instalada do lado de fora do prédio no qual ocorre a 29.ª Bienal de São Paulo, a obra do artista Kboco e do arquiteto Roberto Loeb ainda está com as pichações feitas no sábado à noite ou no domingo por um desconhecido e que trazem, por duas vezes, a inscrição "Invasor". "Para mim não tem diferença entre apagar ou não. Sou vítima não por causa da pichação, mas da produção do evento, que não deixa minha obra acontecer", diz o artista. "Quando fui convidado, esse seria um espaço com uma programação para o povo, com teatro, happening, música."
Kboco reclama da falta de segurança por parte da organização do evento, de iluminação e de verba para as atividades.
É o segundo caso de pichação da 29.ª Bienal, inaugurada no sábado. No dia da abertura, Djan Ivson invadiu a instalação Bandeira Branca de Nuno Ramos, e escreveu a frase "Liberte os urubu" (sic) numa das esculturas da obra. Djan afirma ser o autor da pichação de sábado e nega ser o da obra de Kboco. Ele faz parte do grupo que pichou o prédio da Bienal em 2008, na edição anterior do evento, e que desta vez está representado na mostra no segmento "Pixação SP", com fotografias e vídeos sobre a ação de pichadores.
Kboco, que é grafiteiro e usa a técnica em sua criação, diz ter comunicado no domingo aos curadores da Bienal sobre a pichação em sua obra e que até ontem não havia tido uma conversa com os responsáveis pelo evento. Sua obra, o "terreiro" da Bienal Dito, Não Dito, Interdito é um dos seis espaços criados por artistas e arquitetos e que vão abrigar, até 12 de dezembro, atividades diversas para o público da mostra. Segundo Kboco, gastou-se R$ 100 mil para a construção de seu trabalho com Loeb (o espaço, pelo projeto inicial, poderia ser um local para skatistas).
"A obra de Kboco não está abandonada", afirmou o curador da Bienal, Moacir dos Anjos. "Estamos estudando entre hoje e amanhã que forma o trabalho dele pode ser melhor integrado à exposição. Não existe uma programação tão intensa como outros terreiros, até por ser um espaço em lado externo."
"Lamentamos que sua obra tenha sido pichada e é uma decisão que vai caber ao artista se seu trabalho vai ser restaurado", disse o curador. Kboco afirma que sua posição é apagar as pichações de seu trabalho, mas que pretende esperar uma postura dos organizadores da 29.ª Bienal.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Djan Ivson, PICHADOR E PARTICIPANTE DA BIENAL
1. Por que fez a pichação na obra de Nuno Ramos?
Fiz o ataque por questão da liberdade, contra o aprisionamento dos bichos e pela liberdade de expressão. A frase (pichada na obra, "Liberte os urubu (sic)") não foi completa.
2. Qual seria?
Liberte os urubus e os pichadores de BH. Foi a questão da polêmica da obra e dos nossos amigos. Quis fazer uma reclamação sobre esses assuntos (segundo ele, "Os Piores de Belô" foram presos em agosto).
3. Sua pichação foi uma manifestação contra a forma de a Bienal expor o gênero, com fotos e vídeos?
Escolhemos expor a pichação na Bienal dessa forma. Não tinha nada a ver alguém dar uma parede para a gente pichar. [ ]
Bienal começa com obra pichada e tumulto, Estadão.com
Matéria originalmente publicada no Estadão.com em 26 de setembro de 2010
Um tumulto marcou a abertura, ontem, da 29.ª Bienal, no Parque do Ibirapuera, e provocou seu fechamento antes do horário previsto, às 19 horas. Por volta das 18h20, um rapaz invadiu a instalação Bandeira Branca, do artista Nuno Ramos, e pichou a frase "liberte os urubu (sic)". Houve confronto e troca de agressões entre os seguranças, grupos de defesa dos animais e pichadores. A polícia foi à Bienal.
No meio do tumulto, um casal foi levado para o 36.º DP, acusado da pichação. Eles negaram. O rapaz detido pela polícia entregou à reportagem do jornal O Estado de S.Paulo um cartão com a inscrição "Rafael Pixobomb", nome de integrante do grupo que fez pichações na Bienal de 2008. O casal não foi preso, segundo a polícia. Os dois e mais 10 integrantes de associações de defesa dos animais registraram boletim de ocorrência alegando ter sido agredidos pelos seguranças que, por sua vez, diziam ter sido as vítimas e agredidos. As pessoas que prestaram queixa diziam que o pichador Djan Ivson havia feito a inscrição na obra. Ele não foi localizado.
Nuno Ramos não quis dar queixa e não será aberto inquérito para investigar crime ambiental.Ontem, Nuno Ramos ainda decidiu que sua obra seria restaurada para, a partir de hoje, já ser vista sem a pichação.
"A palavra, para mim, é triste. Nesse lugar que é a Bienal, o outro aparece numa condição de agressão. Não estou chocado, não estou com raiva, vejo como algo atrasado", afirmou.
A confusão em torno da obra ocorreu durante manifestação ambientalista ao lado da polêmica instalação do artista, que abriga três urubus em seu interior.
Mas segundo alguns manifestantes durante o tumulto, a invasão ocorreu em protesto à seção "Pichação", que reúne vídeos e fotos de pichadores e seus trabalhos. Para eles, a Bienal quer "domesticar" o gênero. "Discordâncias devem ser expostas, mas dentro do respeito", afirmou o curador Moacir dos Anjos. "Foi o ato de uma pessoa do mesmo grupo que participa da 29.ª Bienal", disse ainda o curador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
A língua das ruas no templo da arte por Pablo Pereira, Estadão.com
Matéria de Pablo Pereira originalmente publicada no Estadão.com em 26 de setembro de 2010
Eles já foram perseguidos, acuados e presos, mas agora tiveram representantes convidados para uma presença "documental" em uma das mais importantes manifestações culturais do País, a Bienal de Artes de São Paulo. São os pichadores, jovens que usam tinta spray para deixar suas marcas em paredes, portas e janelas.
Uma rápida olhada na internet já revela diversos vídeos sobre a ação dessa tribo paulistana. Alguns deles admitem que o barato da coisa está na transgressão, no culto à ilegalidade. A prática é proibida por lei, mas pode ser avistada na paisagem de São Paulo há muitos anos. Em 2008, em caso rumoroso, uma ativista foi presa por ter pichado na 28.ª Bienal. Na versão deste ano, "colegas" da moça mostram sua escrita marginal oficialmente em espaços do pavilhão no Ibirapuera.
Essa gana por escrever nas paredes é registrada na cidade há bastante tempo. O estudo "As Marcas da Comunicação Urbana", de Alexandre Barbosa Pereira, mestre em Antropologia Social pela USP, do livro São Paulo, Metrópole em Mosaico (CIEE, 2010), lembra que as pichações eram vistas em São Paulo já nos anos 30, com protestos contra Getúlio Vargas. Eram as expressões que décadas depois virariam bordão de esquerda: "Abaixo a ditadura".
E foi essa palavra de ordem de protesto que a jovem pichadora tentou reproduzir na 28.ª Bienal e lhe rendeu uma cadeia de mais de 50 dias.
Pichador que se preze diz que a essência da ação está no desafio e não gosta de grafiteiro, um outro usuário de parede e muro alheios. O grafiteiro carrega uma certa tolerância social. É uma aceitação que o coloca mais próximo das artes plásticas, como aparece na ligação das Avenidas Paulista e Rebouças, que tem desenhos e cores. Mas, como mostra o documentário Pixo (2008), de João Wainer, há quem veja nessas pinturas mais uma ferramenta de combate aos pichadores - à medida que tenta atrair o pichador para o mundo da atitude legal.
Na pesquisa de Pereira, aparece um episódio curioso: uma pichação que intrigou paulistanos na década de 60. Lia-se: Cão Fila KM 26. Parecia ser uma enigmática mensagem, em pleno governo militar. Mas, conta Pereira, não passava de um criador de cachorros da raça querendo fazer negócios com filhotes numa chácara a 26 quilômetros da capital.
Polêmica é o chamariz na abertura por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadão.com em 26 de setembro de 2010
A polêmica rondava a 29.ª Bienal de São Paulo quando ela foi aberta ao público às 10 horas de ontem. O falatório em torno da obra do pernambucano Gil Vicente, que aparece em seus desenhos executando personalidades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atiçava a curiosidade. "Quis ver as obras antes que corresse o risco de tirá-las", disse o médico Renato Barbosa, de 63 anos. Ao observá-las, afirmou que "infelizmente as obras retratam o dia a dia de São Paulo".
O que ninguém viu foram os retratos dos candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), criados pelo argentino Roberto Jacoby, que vão ficar encobertos até as eleições. Nos discursos do presidente da Bienal, Heitor Martins, e dos políticos houve menção de que esta edição marcaria a retomada da instituição no cenário cultural.
As primeiras atividades do dia foram apresentação do Balé da Cidade de São Paulo e a reencenação da obra Divisor, da artista Lygia Pape, na Marquise do Ibirapuera, que teve mais de 100 participantes. O dia acabou com a pichação. A mostra ficará em cartaz até 12 de dezembro.
Bienal por um inglês respeitado por Antonio Gonçalves Filho, Estadão.com
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no Estadão.com em 26 de setembro de 2010
O crítico Guy Brett, que promoveu a obra de Hélio Oiticica, fala da mostra
Em 1965, um ano e meio após o golpe militar, ele entrou na 8.ª Bienal de São Paulo e, depois de circular entre os maiores nomes do minimalismo americano, descobriu que existia vida inteligente também abaixo do Equador. Na sala vizinha ao nicho minimalista de Donald Judd e Frank Stella, um artista carioca ainda pouco conhecido, Hélio Oiticica exibia seus bólides que, a essa altura, isto é, durante a ditadura, já haviam evoluído de simples caixas cromáticas para caixas políticas, feitas em homenagem a marginais executados nas ruas pela polícia. O crítico, impressionado, levou consigo a imagem daquele bólide-manifesto para a Inglaterra, seu país natal, determinado a divulgar a obra de Oititica na Europa. No mesmo ano, incentivado pelo crítico brasileiro Mário Pedrosa, organizou uma exposição sua em Londres. Hoje, 45 anos depois, Guy Brett volta à mesma bienal para rever duas obras históricas de Hélio Oititica, a bandeira Seja Marginal, Seja Herói e um "Ninho", instalação que o artista mostrou pela primeira vez em 1970, no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Brett tem sido, desde então, o grande embaixador da arte brasileira na Europa, apresentando ao continente artistas do porte de Lygia Clark, Sergio Camargo e outros, que ajudou a promover graças ao prestígio que goza junto à comunidade artística e diretores de museus. Prova desse respeito foi o convite feito pelo Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, de Madri, para assinar a curadoria da retrospectiva do pintor, escultor e arquiteto belga Georges Vantongerloo (1886-1965), pioneiro da escultura abstrata e um dos integrantes do histórico grupo de abstracionistas De Stijl, ao qual pertenceu Mondrian. A mostra, encerrada em fevereiro, foi um dos grandes eventos desta temporada no Reina Sofia.
Na última quarta-feira, Brett fez uma palestra sobre o discípulo brasileiro de Vantongerloo, o escultor carioca Sergio Camargo (1930-1990), homenageado com uma retrospectiva no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), onde o crítico inglês concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno 2, fazendo um primeiro balanço do que viu na 29.ª Bienal de São Paulo, aberta na terça para convidados e ontem ao público. Desta vez, Brett volta à Inglaterra desapontado com o que viu. Incomodou-o a "cacofonia" de sons amplificados das obras expostas, particularmente a instalação Bandeira Branca, do artista paulistano Nuno Ramos, formada por três esculturas de taipa de pilão em areia-preta e caixas de vidro sonoras. Demarcada por uma tela de proteção, a instalação confina três urubus ao som de canções populares como Carcará. Brett usou apenas uma palavra para definir a obra: "sinistra".
Brett admite não conhecer como deveria a obra de Nuno, mas só identifica um artista brasileiro presente na Bienal como herdeiro do espírito revolucionário de Oiticica, Cildo Meireles, cuja obra não estava montada quando o crítico visitou a mostra. Ele considera outra instalação de Cildo, Como Construir Catedrais (ou Missão/Missões, 1987), uma obra fundamental na história da arte contemporânea e que incorpora sem grandes danos o conceito desta edição da bienal - o amálgama política/arte.
Não é o caso do recifense Gil Vicente, segundo ele. Brett não se deixou impressionar pela polêmica provocada pela série de autorretratos do artista matando presidentes da República brasileira e a rainha da Inglaterra. Ele, que adora desenho, considerou o trabalho rudimentar. "Um pintor como o americano Leon Golub , morto há seis anos, já fez melhor, provando que estar sintonizado com o mundo real não significa condenar pessoas em particular."
Em sua rápida visita à mostra, Brett dedicou um pouco mais de tempo a um artista já septuagenário que trabalha em registro semelhante ao de Cildo, o norte-americano Jimmie Durham - ele se apropria de objetos banais e confere aos mesmos um caráter político. "A sala dele pode parecer pouco confortável ao público, mas sugiro que o espectador não se deixe levar pela primeira impressão, porque Durham é, de fato, um dos grandes da bienal."
setembro 29, 2010
A utopia silenciosa da arte na paralela 2010 por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadão.com em 23 de setembro de 2010
Desde 2004, as principais galerias paulistanas se reúnem para fazer uma mostra especial com seus artistas para coincidir com o período da Bienal de São Paulo - tanto que a exposição tem como título Paralela. Na edição que é inaugurada hoje para o público nos galpões do Liceu de Artes e Ofícios, estão reunidas obras (maioria, inéditas) de 82 criadores selecionados pelo curador Paulo Reis. Sob o título A Contemplação do Mundo, a Paralela 2010 dá bastante espaço para a produção jovem (muitos deles, curiosamente, só fazendo pintura) - "no elenco, interessava-me mostrar novos artistas", diz Reis - e ainda abertura para um olhar em que prevalece o silêncio.
aulo Reis, que atualmente é diretor do centro cultural Carpe Diem em Lisboa (Portugal) e co-editor da revista Dardo Magazine, acredita, por sua formação humanista, como diz, que é por meio de arte, de cultura, que "a juventude constroi um novo mundo". Tanto que um de seus pedidos quando convidado a fazer a curadoria da mostra foi de que não houvesse separação entre os galpões do Liceu e as salas de aula dos alunos que frequentam a instituição. A exclusão de fronteira entre a arte e o mundo está, assim, no cerne de seu projeto, que coloca obras já recebendo o público desde o lado externo dos galpões: a pintora Regina Parra instalou no teto da fachada do local letreiro que começa dizendo "Nada de mau se perdeu/nada de bom foi em vão...", citação à obra do cineasta russo Andrei Tarkovski; e Daniel Acosta criou a escultura Estação de Desintoxicação Urbana, um "espaço de convivência", para ser usado pelos visitantes.
Poético. De uma forma direta, é o signo da utopia que vai levando toda a exposição. "A arte foi das ciências sociais a menos abalada porque esteve sempre ligada à ética", defende Paulo Reis. A artista Sandra Cinto, que começou há alguns anos a fazer obras relacionadas aos mares e águas com barquinhos de papel, encerra esse ciclo na Paralela com uma impactante instalação que remete à proa de um barco ao ser formada por uma plataforma de toras de madeira, vidros com desenhos em preto, livros e cordas - um convite à deriva. Dialogando com esta obra está uma referência ao processo lento de transformações em A Rocky Mist, de Thiago Rocha Pitta, em que vidros com sal vão se cristalizando aos poucos e formando uma paisagem. É, este, o espaço que fala do sublime.
O tom mais rebaixado e poético continua depois nos núcleos seguintes da mostra pelos galpões do Liceu, incluindo ainda outros pontos como a referência à história da arte como base para os artistas; a questão da "economia da forma"; equilíbrio e desequilíbrio; o contraste opulência/decadência - há leveza no conjunto, o que não quer dizer que artistas falam de tantas questões nos interstícios de suas criações, como a obra Menos Uma, de Milton Marques, é direta e singela sobre o armamento ilegal . "Não queria discurso sociológico estreito", afirma Paulo Reis.
Espaços em crise por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 10 de setembro de 2010
Desde os anos 70, as artes visuais se empenham em um movimento de expansão para fora do “cubo branco”, isto é, para além da neutralidade dos espaços dos museus e galerias. A arte contemporânea se conectou ao cotidiano e, em seu escape, ganhou diferentes termos para denotar essa sua relação revoltosa com o seu ambiente institucional. A land art, a arte urbana e o cinema expandido são algumas dessas modalidades. Se a “expansão” foi a principal força motriz neste processo de ocupação do cotidiano, pouco se pensou e questionou sobre as múltiplas subjetividades ali encontradas. O evento “Novas Espacialidades: Relações Contemporâneas”, que acontece em Belo Horizonte, apresenta trabalhos artísticos em diferentes suportes e reúne um time de especialistas brasileiros e estrangeiros que debatem o espaço ocupado pela arte e também sua posição de crise na atualidade.
Exemplo é o trabalho da série “Reação Natural”, de Pedro Motta (foto), que representa em uma imagem fotográfica “a noção de civilização e a noção de natureza como coisas opostas e que brigam por um mesmo espaço”, comenta o curador Eduardo de Jesus, que gerou o projeto a partir de um texto de Michel Foucault. Neste artigo de 1967, o autor francês afirma que a “era do tempo” já passou e que agora estamos vivendo a “era do espaço”, em que os territórios e as subjetividades estão sobrepostos. Segundo o curador, “a intenção do evento é pensar o espaço em múltiplos sentidos, como a questão das cidades e seus fluxos, a questão da cultura digital, as noções de território e como suas mudanças afetam a sociedade”.
Além da participação de artistas brasileiros como Detanico e Lain, Gaio Matos, Leandro Araújo, Roberto Andrés e Grupo Poro, a artista alemã Ulla von Brandenburg exibe sua instalação inédita no Brasil, “Singspiel”, destaque na última Bienal de Veneza, em 2009.
Arte revolucionária por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 10 de setembro de 2010
Pela primeira vez para o público brasileiro, a obra pacifista de Joseph Beuys, artista que não separava arte, política e cotidiano
Muito se discute sobre a veracidade dos fatos que envolvem o acidente de avião sofrido pelo alemão Joseph Beuys – na época, piloto da Luftwaffe –, durante a Segunda Guerra Mundial. É verdade, porém, que o surgimento de um mito potencializa a realidade e, boato ou não, as histórias que cercam o episódio foram providenciais na formação de um dos maiores artistas do século XX. O avião caiu na região da Crimeia, próxima à Sibéria, em fevereiro de 1943. Beuys teria ficado soterrado na neve por dias e seria salvo por um pequeno grupo de origem mongol, os tártaros. Eles teriam cuidado dos ferimentos de sua perna com gordura animal e envolvido seu corpo com um tipo de feltro, que o teria mantido aquecido e protegido do rígido inverno. Beuys levaria estes elementos e o contato com esta etnia para o resto de sua vida, introduzindo-os em diversos trabalhos futuros. Mas o que pouca gente sabe é que a presença dos tártaros na obra do artista não é apenas mera referência plástica ou cultural, mas uma forma de protesto contra um dos maiores extermínios étnicos da história. Após o fim da Segunda Guerra, os tártaros foram acusados de traição e perseguidos pelo governo de Stalin. Segundo estimativas, cerca de 200 mil pessoas morreram durante o duro processo de exílio ao qual foram submetidas.
“A Revolução Somos Nós” apresenta, pela primeira vez ao público brasileiro, os ideais pacifistas de Beuys. Ao contrário de uma retrospectiva convencional, na qual se apresentaria um recorte cronológico da produção do artista, nesta exposição será possível conhecer o Beuys revolucionário, através da totalidade de sua produção panfletária, composta de cerca de 250 obras produzidas a partir de uma concepção de “arte antropológica”. “Beuys repensou o humanismo, mas para além do sentido das crenças e ideologias. A sua frase ‘todo homem é um artista’ ficou muito conhecida, mas nem sempre foi compreendida. Ele entendia a vida e o universo humano como uma ‘obra’ em que todos atuam e a função da arte é a de conscientizar-nos sobre esse processo”, diz Antonio D’Avossa, curador da exposição.
Em 1972, quando foi demitido da Universidade de Dusseldorf, Beuys fundou a Universidade Livre, uma iniciativa pedagógica que ia muito além do ensino da arte como disciplina isolada. Para o artista, não havia separação entre arte e cotidiano e isso implicava que política e arte também eram indissociáveis. “Os pôsteres, primeiros materiais de propaganda da Universidade Livre, nunca foram apresentados dessa maneira. Essa produção se dá em três níveis de conhecimento: a comunicação, a política e a ecologia”, diz o curador. Com os pôsteres, estão expostos os múltiplos, objetos em série, e 20 vídeos que apresentam suas performances. Mas, muito mais do que apresentar as obras, a exposição se dedica a intensas atividades educativase com isso se volta para aquilo que era mais importante a Beuys: o uso da arte como forma de transformação da realidade.
Tunga: a alquimia como arte por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 17 de setembro de 2010
Tunga se autodeclara um velho leitor de textos sobre alquimia. Para ele, essa antiga tradição, na qual se encontram a ciência e a magia, também dá origem aos conhecimentos da arte. “Obviamente não pretendo achar o ouro no meio de meu trabalho. A alquimia é apenas uma metáfora”, diz o artista pernambucano, que este mês expõe concomitantemente em São Paulo e Salvador. A palavra “cooking” (cozinhar, em inglês) no título da exposição na Galeria Milan é uma de suas inúmeras referências ao forno – instrumento amplamente usado em laboratórios por alquimistas, em seus estratagemas para transformações. “Aliás, o olhar é uma espécie de cozinhar, onde digerimos aquilo que olhamos”, declara Tunga.
A exposição “Cooking Crystals Expanded” apresenta novos trabalhos em que a matéria do cristal aparece como referência conceitual à continuidade entre corpo humano e mundo exterior. As instalações estão arranjadas como emaranhados de cristais e frascos de urina suspensos por redes e fios. Como as tranças e os ímãs de ferro, o cristal e a urina são símbolos comuns ao seu trabalho e se integram ao que o artista chama de uma “estrutura cristalográfica” ou “nebulosa escatológica”.
“Tanto a terra quanto o nosso corpo produzem cristais, essa é uma constelação lógica, uma zona metabólica. A urina em nosso corpo também se apresenta como uma forma cristaloide”, diz ele. A alquimia, que torna possível transformar corpo em cristal e cristal em arte, é aquilo que mais interessou o artista ao longo de sua carreira. As duas instalações da mostra, “Cristalinos” e “Cooking Crystals”, exibida na 3ª Bienal de Arte Contemporânea de Moscou, em 2009, têm, portanto, um caráter de síntese de sua produção.
Outro vetor importante da obra de Tunga é a instalação “À Luz de Dois Mundos”, atualmente exposta no Palacete das Artes Rodin, em Salvador. Criada em 2005, a obra é inspirada nas pinturas de Frans Post, realizadas durante a sua viagem à América, no século XIX. Antes de ser exibida no Brasil, esteve exposta no museu do Louvre, para onde foi feita especialmente, e no espaço PS1, do MoMA de Nova York. Composta por crânios e esqueletos metálicos, tranças e redes, a instalação faz uma referência às possíveis dificuldades que o pintor teria encontrado ao lidar com uma luminosidade totalmente diferente no continente sul-americano. Tunga imaginou que este pintor tenha criado uma técnica de pintura diversa da que usava até então. “Fazer arte é fazer uma ficção deixando aparente o processo de fantasia”, explica.
Tempo instável por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 17 de setembro de 2010
Exposição conta a história das relações entre arte e técnica no Brasil e situa a instabilidade como qualidade comum entre arte digital e interativa
Quando Julio Le Parc deixou as tintas para trabalhar fundamentalmente com a luz, o movimento e a participação do público, ele tinha uma preocupação em mente: a instabilidade da vida cotidiana. Membro do grupo de artistas sul-americanos que se estabeleceu em Paris na década de 1950 e desempenhou papel importante no lançamento da arte cinética na Europa, Le Parc esteve em São Paulo para a montagem da mostra “Téckne”. “Chamam minha obra de cinética, mas as definições limitam a obra de arte. A técnica nunca foi meu motor. A tecnologia que uso sempre foi muito elementar. Minha preocupação era criar uma obra instável e para isso fui buscar a luz”, diz o artista.
O duplo mérito dessa curadoria compartilhada entre Denise Mattar e Christine Mello é, por um lado, realizar um trabalho arqueológico, arquivístico e histórico – ela revisita as cinco principais mostras de arte e tecnologia realizadas pelo MAB-Faap entre 1964 e 1986 –, mas também atualizar as questões do passado em um significativo conjunto de obras contemporâneas. Trata-se, portanto, de seis mostras em uma.
“Lumière en Mouvement”, concebida por Le Parc em 1964 para a mostra “A Instabilidade”, funciona como um farol ou fio condutor da exposição. Remontada sob formas diversas nas últimas décadas, a instalação é a mais pura expressão do conceito da primeira mostra revisitada. A segunda a ser lembrada, “Arteônica”, de 1971, teve curadoria de Waldemar Cordeiro e é considerada uma das primeiras exposições de arte computacional de São Paulo. Logo vem “O Objeto na Arte – Brasil Anos 60”, de 1978. “A assimilação do objeto como nova categoria artística sinalizou uma abertura de caminho para as novas mídias que começaram a surgir”, explica Denise.
Essas novas mídias são o carimbo, o xerox, a arte postal e o vídeo, contemplados na mostra “Arte Novos Meios – Multimeios: Brasil 70/80”, de 1985, que empreendeu um primeiro esforço de historiografar a videoarte brasileira, apresentando desde o antológico vídeo “Passagens”, de Annabella Geiger, ao raro “Olinda”, de Regina Vater e Paulo Bruscky.
A segunda metade da mostra é formada por um expressivo núcleo contemporâneo, com obras de artistas como Ana Maria Tavares, Anaisa Franco, Lucas Bambozzi e a dupla Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti. Seus trabalhos efetivamente se enquadram no grande conceito regente da mostra, criando situações tão instáveis, desconcertantes e radicais quanto uma tempestade meteorológica provocada por ondas sonoras, caso de “Tormenta Azul Brilhante”, de Luis Duva, e a desconstrução do eixo histórico e arquitetônico de Brasília, no vídeo “Eixo X”, de Alexandre Rangel e Rodrigo Paglieri.
Bienal sob nova luz por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 29 de setembro de 2010
A 29ª Bienal de São Paulo é inaugurada com as contas saneadas, recupera o prestígio mundial e mobiliza a sociedade ao eleger a política como tema
Quarenta anos se passaram desde que Artur Barrio espalhou suas “Trouxas Ensanguentadas” em um rio de Belo Horizonte. Esse comentário cifrado sobre a vida controlada pelo regime militar foi a forma encontrada pelo artista para romper um silêncio imposto. Hoje os registros fotográficos dos atos de “terrorismo poético” de Barrio estão expostos na 29ª Bienal de São Paulo, ao lado de outras 850 obras que expressam diferentes maneiras de atuar politicamente por meio da arte. Com um orçamento três vezes maior que o da edição anterior, a Bienal renasce sob o signo do binômio “arte e política”. “Queremos mostrar como a arte nos ajuda a repensar as convenções que orientam nossas vidas”, diz o cocurador Moacir dos Anjos.
Ao abrir seus microfones para as vozes de 159 artistas, a Bienal apresenta discursos com variados graus de politização. Há desde o posicionamento explícito do pernambucano Gil Vicente, que na série de desenhos “Inimigos” se autorrepresenta como assassino de líderes políticos brasileiros e mundiais, até a explosão de luz e sons do “Inferninho”, de Luiz Zerbini, instalação de caráter dionisíaco que também expressa, em sua evocação à festa, um componente revolucionário. Zerbini convida o público à participação fazendo uso de um altíssimo volume de decibéis. Mas os desenhos de Gil Vicente também gritam. Antes mesmo da inauguração, evocaram a ira da Ordem dos Advogados do Brasil, que pediu a sua retirada da mostra. “É desalentador que a censura parta da OAB, instituição que se destacou pela liberdade de expressão”, diz o cocurador Agnaldo Farias, em posição respaldada pelo Ministério da Cultura. “A autonomia da obra de arte é um patrimônio fundamental. Não é preciso voltar a Magritte para entender o que é ‘Ceci N’est Pas une Pipe’”, afirma José Luiz Herência, secretário de políticas culturais do MinC, citando a tela do pintor surrealista René Magritte, que afirma a diferença entre a realidade e sua representação.
A atual direção do evento, ao negar a retirada das obras, assume uma posição substancialmente diferenciada de mostras anteriores, marcadas por casos de repressão e censura.
Na 27ª edição, a Fundação Bienal vetou a obra “Guaraná Power”, do coletivo dinamarquês Superflex, que fazia crítica ao monopólio do mercado do guaraná. Já a repressão assumida pela curadoria em relação à invasão de pichadores na edição passada é hoje questionada.
“Ao reduzir o que houve a um caso de polícia, a fundação perdeu uma oportunidade de reflexão”, afirma Moacir dos Anjos, que incluiu o grupo Pixação SP na atual mostra. “Não poderíamos desconsiderar a existência de um grupo que usa a cidade de São Paulo como um caderno em branco para manifestar um ponto de vista sobre o mundo.”
Pichadores ganham voz e o microfone é um símbolo reincidente nesta edição. Está presente no palanque performático que o argentino Roberto Jacoby montou a favor da campanha de Dilma para a Presidência e também na instalação sonora “Gabinete do Dr. Estranho”, de Livio Tragtenberg, que edita seu trabalho a partir de arquivos digitais de áudio e vídeo recebidos do público, convidando-o também a usar um microfone. Outro símbolo político evidente é a bandeira, descolorida e reduzida ao branco e ao preto em “Apolítico”, do cubano Wilfredo Prieto, e em “Bandeira Branca”, de Nuno Ramos, uma obra sonora monumental instalada no coração do Pavilhão que é também um viveiro de urubus. Luto, litania e redenção são alguns dos conceitos que se sobrepõem nesse trabalho que parece representar um retrato do Brasil contemporâneo.
setembro 28, 2010
"Toda arte flutua num mar de palavras" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 28 de setembro de 2010
Joseph Kosuth, norte-americano que inventou a arte conceitual, repudia forma e mercado em nome das ideias
Artista está na Bienal de São Paulo com painéis que ampliam definições dos pontos cardeais, trabalho feito em 1967
Joseph Kosuth tira uma caneta preta do bolso e pinta por cima de manchas brancas, falhas na impressão de seus quatro painéis expostos na Bienal de São Paulo. Um segurança corre para impedir, e Kosuth reage brandindo sua credencial de artista.
São dois lados da figura estranha que é Kosuth. Aquele homem que repudiou a forma, de rosto desconhecido mesmo para quem conhece sua obra, tentava ali corrigir justo a forma de seu trabalho.
No café do Museu de Arte Moderna, até os curadores da Bienal perguntavam quem era o senhor todo de preto, de chapéu, óculos e bolsa também negros, que olhava pela janela as esculturas no jardim do parque Ibirapuera.
Kosuth é o americano que no auge do expressionismo abstrato dos anos 50, aquele dos respingos alucinados de Jackson Pollock e campos de cor de Mark Rothko, rompeu com a pintura, a escultura e com tudo que veio antes.
Do nada, queria uma arte calcada na linguagem, na exploração semântica. Tentava rever a secura asfáltica da vida em forma de obra de arte.
Isso quer dizer que Kosuth opera no intervalo -também semântico- entre ver e olhar. "Arte se baseia em falácias", resume. "Sabemos que ver não é o mesmo que olhar, que alguém pode nunca olhar de verdade para algo que está vendo há dez anos."
Ou ouvindo. Seus primeiros trabalhos, que inventou quando pensava que tudo já tinha sido feito, eram ampliações de definições de palavras extraídas do dicionário em letreiros preto e branco.
Transformavam a palavra escrita e ouvida em objeto visual escancarado como revelação, enunciados com a pretensão de anular nuances e distorções dos significados.
"Acreditava que um artista devesse fugir à tradição", lembra. "Ser artista é fazer perguntas sobre o significado da arte e estar engajado na produção de significados, isso deve ser a tarefa sempre."
Kosuth então se desvencilhou da forma. Na busca por esses significados, consultou primeiro os dicionários, depois os livros de filosofia. Quase toda sua obra são palavras, em painéis monocromáticos, como os da Bienal, ou escritas em néon, mas nunca figura, paisagem, cor.
"Quando alguém faz um trabalho figurativo, arrisca ter a obra abraçada pelo público, acolhida demais", diz Kosuth. "Perde a potência, a capacidade de fazer perguntas, despreza o dever primordial de levantar questões."
Sem usar as próprias palavras, Kosuth avança sobre o discurso dos outros, de Nietzsche e Wittgenstein a Hitler e Kafka, para sublinhar também o trabalho dos outros, esculturas renascentistas, Picasso, Duchamp.
MAR DE PALAVRAS
"Toda a arte flutua num mar de palavras", afirma. "Artistas formais parecem não entender às vezes que mesmo a forma pura tem um significado, que não operam num vácuo, e por isso um trabalho formal acaba virando só decoração muito cara."
Nas palavras ácidas de Kosuth, é um "rabicho adiposo da modernidade achar que arte é esforço decorativo". E no encalço dessa gordura formal, ele viu surgir formas distintas de olhar para a arte.
"Emergiram histórias paralelas da arte, a história da arte tradicional e a história do mercado da arte", resume. "Damien Hirst e Jeff Koons são figuras emblemáticas dessa história do mercado, mas não contribuíram para um corpo de ideias."
Kosuth acredita que erraram a mão quando quiseram ser sexy demais, do mesmo jeito que Andy Warhol e Roy Liechtenstein, que começaram no preto e branco e então caíram na tentação da cor.
"Artistas não devem ser amados pelas formas, mas pela ideia por trás do trabalho", resmunga Kosuth, que ainda se veste todo de preto.
A construção do corpo coletivo: A dimensão política da obra de Lygia Clark por Carlos Alberto Dias, Panorama Crítico
Matéria de Carlos Alberto Dias originalmente publicada na Revista Panorama Crítico em agosto/setembro de 2010
A sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona.
Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos.
O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser impedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994).
A sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona.
Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos.
O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser impedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994).
Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social?
Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis políticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienação de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano.
Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo.
Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais.
A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização.
Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social?
Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis políticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienação de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano.
Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo.
Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais.
A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização.
Mesmo as primeiras obras focadas na ressensibilização individual, como é o caso da “Luva Sensorial” ou da “Máscara Sensorial” , obras realizadas em 1968, apontam na direção da construção de vivências sensoriais coletivas, pois o indivíduo é ressensibilizado para reaprender a viver coletivamente, isto é para reaprender a compartilhar coletivamente suas percepções e sentimentos do mundo. As obras realizadas na França entre 1970 e 1976 são denominadas significativamente de “Espaço do Corpo Coletivo” demonstra com eloqüência o movimento de suas obras em direção ao aprendizado coletivo das vivências coletivas.
“Seu corpo desbloqueado, diz Ligia Clark, funda um novo campo antropológico: o espaço da infância, do carnaval do rito, das inversões sociais, da terapia; subtraíndo-se à agressão infamante ou à adoração narcísica, revive com intensidade a riqueza de suas faculdades perceptivas. Lygia, com sua arqueologia (inclinada para o fetichismo das origens que reenvia a história à natureza), criou o espaço para a “realização” da “geografia das utopias” (FABBRINI, 1994).
Ao construir esta “geografia das utopias”, Ligia Clark construiu e legou para a cultura humana os meios concretos para uma ação política transformadora e conseqüente que visa mais do que a superação do círculo de fogo da individuação alienada para apontar na direção da construção do corpo coletivo como espaço e tempo da construção da liberdade individual e coletiva, superando assim o dilema político do século XX que nos colocou a obrigação da escolha entre a liberdade individual ou a paz coletiva.
Referências Bibliográficas
FABBRINNI, Ricardo Nascimento; O espaço de Lígia Clark: São Paulo, 1994; Editora Atlas.
MERLEAU-PONTY, Maurice; Fenomenologia da Percepção: São Paulo, 1994; Ed. Martins Fontes.
http://www.lygiaclark.org.br/associacaoPT.asp - acessado em março e maio 2010.
setembro 27, 2010
Artista tailandês abre pavilhão das palmeiras por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de setembro de 2010
Uma tempestade no Caribe forçou Rirkrit Tiravanija a se refugiar num hotel. Lá de dentro, gravou imagens das palmeiras arrasadas pela ventania.
"Via da janela essas árvores balançando", lembra o artista tailandês. "Pensei como essas plantas sobreviveram ao pior que há na humanidade."
No caso, a palmeira, símbolo tropical por excelência num mundo dominado pelo eurocentrismo, serve aqui de metonímia para toda uma situação de cartografias emergentes na era pós-colonial.
Tiravanija acaba de montar no Instituto Inhotim, em Brumadinho, arredores de Belo Horizonte, sua casa tropical, uma construção suspensa de alumínio, toda vazada.
"Palm Pavilion" é a obra que estava no pavilhão da Bienal há quatro anos, agora transplantada para o meio do verde que brota da terra roxa mineira.
"É a natureza testemunhando a ascensão e a derrocada da humanidade", diz Tiravanija. "A planta está no fundo de muitos momentos históricos."
Sua casa no meio da floresta remete, de fato, a outros tempos. É uma "cópia malfeita" da "Maison Tropicale", de Jean Prouvé, arquiteto francês que inventou construções pré-fabricadas para as colônias francesas na África.
Do mesmo jeito, seu pavilhão foi feito na Tailândia e pensado para estar no Brasil, transportado da Ásia para a América do Sul. Sublinha uma crítica à globalização e, ao mesmo tempo, à noção de modernidade que embalou Prouvé e outros arquitetos.
"Sempre nos adaptamos a algum tipo de modernismo em busca de algum tipo de progresso", diz o artista.
"Nesse sentido, até Niemeyer foi um pós-modernista, trabalhando fora do centro." Na visão de Tiravanija, só Lina Bo Bardi conseguiu aliar o moderno à experiência tropical. "Ela fez um modernismo com alma", resume. "Tinha uma alma livre do sentido de ordem, aberta e natural."
Longe disso, sua casa no meio do mato alude à coerção de movimentos imposta na globalização. "Não estamos livres para nos movimentar", diz Tiravanija. "Esse idealismo do movimento é importante para que as sociedades possam mudar."
Inhotim apresenta curadoria eficaz por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de setembro de 2010
Com espaços para Miguel Rio Branco e Cosmococas, centro mostra arte brasileira de forma correta
Na última quinta, mais duas galerias abriram em Inhotim - Centro de Arte Contemporânea, do colecionador mineiro Bernardo Paz, ambas fora do núcleo inicial.
Os novos pavilhões foram projetados por Alexandre Brasil Garcia e Carlos Alberto Maciel, do escritório Arquitetos Associados, e configuram-se como inserções monumentais em meio à paisagem, mas distintos.
A galeria do artista Miguel Rio Branco é caracterizada pelo contraste: uma imensa caixa de aço em meio à floresta. O edifício, com dois pavimentos, reúne 12 obras do fotógrafo, de um extenso período: 1976 a 2004.
Polípticos (fotos apresentadas em conjuntos), instalações e filmes dão conta da complexidade de Rio Branco na criação de imagens.
Algumas obras são documentais, caso da radical "Nada Levarei Quando Morrer, Aqueles que Me Devem Cobrarei no Inferno" (1985), que também está em exibição na 29ª Bienal de São Paulo, enquanto outras são exercícios mais livres e poéticos, como "Entre os Olhos o Deserto" (1997), que mescla os gêneros retrato e paisagem.
Ao apresentar de forma extensiva a obra de Rio Branco, Inhotim, assim como fez com Cildo Meireles, cumpre um papel que instituições de arte brasileiras não conseguem dar conta: apresentar a produção nacional contemporânea de forma adequada.
Essa missão também é vista na outra galeria nova, com as cinco Cosmococas de Hélio Oiticica e Neville d'Almeida, de 1973. A construção elegante é coberta com uma pedra mineira escura, que mimetiza seu entorno. Por dentro, todas as obras convergem para um mesmo espaço, o que não hierarquiza a visita.
ESPAÇOS GENEROSOS
As Cosmococas, que foram vistas na Pinacoteca em 2003, são uma das obras fundamentais de Oiticica e parecia absurdo que elas podiam estar em mostras permanentes de museus estrangeiros e só temporariamente no país.
A apresentação de todas elas -Trashiscapes, Onobject, Maileryn, Nocagions e Hendrix-War- em espaços generosos reforça ainda mais o caráter de Inhotim como local único para se conhecer a produção nacional.
Outras duas obras foram ainda inauguradas em espaços abertos de Inhotim: "Desert Park", de Dominique Gonzalez-Foerster, e "Palm Pavilion", de Rirkrit Tiravanija. Ambos, com projeção internacional, apresentam trabalhos que lidam com questões brasileiras.
O primeiro insere na paisagem simulações de proteções em pontos de ônibus, em debate sobre o modernismo nacional, enquanto o segundo, presente na 27ª Bienal (2006), é outra simulação, agora das casas projetadas pelo arquiteto Jean Prouvé para as colônias francesas.
São ótimas escolhas curatoriais, pois atestam que Inhotim pode apresentar certa originalidade em relação aos demais centros internacionais de arte.
Urubu da Bienal está na lista de "vulneráveis", diz estudioso por Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo
Matéria de Reinaldo José Lopes originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de setembro de 2010
Animal faz parte de instalação de Nuno Ramos invadida no sábado
A estrela mais improvável da Bienal de 2010 integra a lista de animais ameaçados no Estado de São Paulo.
Os urubus-de-cabeça-amarela que fazem parte da instalação "Bandeira Branca", de Nuno Ramos, motivaram abaixo-assinado na internet e ato de vandalismo no último sábado, quando um pichador inscreveu na instalação "liberte os urubu" (sic).
O bicho é um soberbo localizador de carniça que nem sempre aproveita a presa. A culpa é das outras espécies de urubu, diz o ornitólogo Guilherme Renzo Rocha Brito, pós-doutorando do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio.
"Ele é o menor dos urubus, com olfato aguçado. Tende a voar baixo para localizar carcaças pelo cheiro. Por isso, chega primeiro ao alimento, mas come uma porção menor porque acaba enxotado por espécies maiores."
Fiel ao nome, o urubu-rei, com bico potente, acaba se banqueteando com vantagens em relação aos demais.
Em São Paulo, há poucos registros do bicho, em geral encontrado mais perto da fronteira com o Mato Grosso do Sul. Na lista de ameaçados do Estado, ocupa a categoria de "vulnerável", situação que inspira cuidados.
No resto do Brasil, a espécie só não está presente na Amazônia. O bicho prefere regiões alagadiças e não se dá tão bem em ambientes urbanos, "embora possa ser encontrado em lixões de cidades pequenas", diz Brito.
SEM CLIMA
A espécie não é tão gregária quanto seus primos. "Sabe-se pouco sobre os hábitos reprodutivos da espécie. Os ovos podem ser colocados em ocos de pau, embaixo de arbustos ou cavidades de pedra", diz o especialista.
Para Brito, é improvável que os bichos se arrisquem a constituir família em meio ao bafafá. "Numa situação estressante, é a última coisa na qual vão pensar", brinca.
Segundo o ornitólogo, é difícil mensurar impactos negativos do contexto artístico no comportamento das aves.
"Barulho e movimento de gente são estressantes, mas pode ser que estejam acostumados, já que nasceram em cativeiro. Também por isso, podem não estar acostumados a voar, então o confinamento não seria problema."
"O que talvez seria mais preocupante é o ciclo de luz. Seria importante saber se as luzes são apagadas quanto a Bienal fecha", diz Brito.
"Quanto à comida, provavelmente estão recebendo coisa melhor do que teriam na natureza", diz Brito em tom de brincadeira, lembrando que os urubus não têm rejeição à carne fresca.
URUBU BIENAL
Tudo o que você sempre quis saber sobre o urubu da Bienal
Nome da espécie:
urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus)
Tamanho: 60 cm de comprimento, envergadura de asa de 1,60 m. É o menor dos urubus nativos
Habitat natural:
em geral, gosta de ficar perto de áreas alagadas ou abertas mais secas, pode aparecer ocasionalmente em áreas urbanas
Vida social: aparece com mais frequência em grupos de poucos indivíduos
Comportamento:
graças ao bom faro, costuma voar baixo e chegar primeiro às carniças, alimentando-se rápido enquanto carniceiros maiores não aparecem
Reprodução:
pouco conhecida, mas sabe-se que há uma preferência por colocar ovos em ocos de pau
Distribuição geográfica:
em todo o Brasil; é bastante comum no Nordeste; em SP, faz parte da lista de animais ameaçados
O confinamento pode ser ruim para o animal?
Os principais problemas são o barulho e a falta de luz natural, que podem estressá-lo. Por outro lado, como são animais de cativeiro, já podem estar acostumados com isso.
"Uma Bienal precisa ser mais ousada" por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de setembro de 2010
Curador espanhol Agustín Pérez Rubio e brasileira Solange Farkas elogiam, no entanto, a montagem e os terreiros
Dupla cita artistas como Cinthia Marcelle e Jonathas de Andrade como alguns dos mais interessantes da mostra
A retomada institucional da Bienal revela-se mais importante do que o próprio conteúdo da 29ª Bienal de São Paulo, segundo os curadores Solange Farkas, diretora do Videobrasil e do Museu de Arte Moderna da Bahia, e Agustín Pérez Rubio, diretor do Museu de Arte Contemporánea de Castilla y León.
Por quatro horas, no dia de abertura para convidados, na última terça-feira (portanto, antes da ação de pichador anteontem), os curadores visitaram a mostra acompanhados da reportagem da Folha e, ao final, fizeram um balanço.
A conclusão: essa é uma Bienal sem risco. "Uma Bienal precisa ser mais ousada, funcionar como laboratório de experimentação, e isso não se vê aqui", disse Rubio.
Farkas, mais contida, concorda que "risco a Bienal não tem", mas justifica no contexto histórico: "Entendo os curadores, pois trabalharam após o trauma da Bienal organizada pelo Ivo Mesquita", disse referindo-se à Bienal do Vazio, que teve projeto ousado, mas fracassado.
Ambos, no entanto, elogiaram a concretização da mostra: "Após as crises, essa Bienal é muito importante e nota-se que a estrutura da Fundação agora é forte e o circuito internacional está presente", disse Rubio.
O curador contou quantos dos 159 artistas da Bienal estiveram na Documenta 11, de 2002, e chegou ao número de 20: "Isso mostra que há pouca pesquisa".
Farkas contemporiza: "Os curadores tiveram menos de um ano para organizar a Bienal; está acima da média".
O eixo da exposição -a relação entre arte e política- também não foi consenso. "Eles o abordaram de forma mais poética, não tão literal. Há obras muito boas, apesar de eu não entender como alguns trabalhos estão aqui", diz Farkas.
"Os curadores abriram tanto esse espectro que ele se tornou um poço sem fundo. Como tema, essa Bienal não traz nenhuma nova contribuição", disse Rubio.
TERREIROS ELOGIADOS
Contudo, a dupla elogiou a montagem e os terreiros: "É a primeira vez que se tem uma expografia tão feliz, que consegue dialogar com a arquitetura de Niemeyer", afirma Farkas. Segundo ela, "os terreiros são onde de fato se cria uma questão política".
Para o espanhol, um dos principais problemas é a distinção da produção dos anos 1960 e 1970 e da atual.
Apesar das críticas, ele elogia alguns momentos da mostra: "Há eixos mais claros, como quando Sue Tompkins é vista próxima de Mira Schendel, ou Leonilson, próximo de Miguel Angel Rojas e Nan Goldin.
Essas contextualizações são importantes".
Se dependesse dos dois curadores, não haveria polêmicas na 29ª Bienal, pois tanto o trabalho do argentino Roberto Jacoby como o do pernambucano Gil Vicente, foram questionados: "São obras óbvias demais, não parecem políticas e nem bem realizadas", conclui Rubio.
Segundo dia da Bienal tem nova obra pichada por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Folha.com em 27 de setembro de 2010
No dia seguinte ao ataque de um pichador à instalação do artista Nuno Ramos no sábado, a Bienal de São Paulo amanheceu, ontem, com outra obra pichada.
Do lado de fora do pavilhão, a estrutura construída pelo artista Kboco, feita em parceria com o arquiteto Roberto Loeb, teve duas faces vandalizadas.
A inscrição "invasor" apareceu pichada sobre a pintura de Kboco, artista que começou sua carreira como grafiteiro e depois migrou para as galerias e os museus.
"Não estou conseguindo assimilar o que aconteceu", disse o artista à Folha. "A Bienal é muita adrenalina."
Kboco reclamou que sua obra, que fica do lado de fora do pavilhão, não teve nenhum tipo de vigilância e que permaneceu isolada do resto da mostra até agora.
Ele ainda não decidiu se vai restaurar a obra ou se deixará visíveis as marcas da intervenção urbana.
"Se eu for arrumar, é algo rápido, mas não sei se vou querer arrumar. Não sei ainda quantificar os danos."
"Não deu para fazer uma avaliação exata", acrescentou um dos curadores-gerais da mostra, Agnaldo Farias, que visitou ontem o trabalho.
"A obra é mais vulnerável porque está do lado de fora, mas não contávamos com isso. Estávamos tão preocupados com o que aconteceu do lado de dentro que nos descuidamos do lado de fora."
TUMULTO NA ABERTURA
Na noite de sábado, dia em que a Bienal foi aberta ao público, houve protestos de ambientalistas e pancadaria entre seguranças, policiais e visitantes em torno da obra de Nuno Ramos, que mantém três urubus vivos no vão central do prédio.
A polícia invadiu o pavilhão para conter o tumulto.
Não se sabe se Djan Ivson, autor do ataque à instalação de Nuno Ramos, que pichou "libertem os urubu" numa das estruturas de areia socada da obra, é o mesmo que está por trás da ação que causou danos ao trabalho de Kboco e Roberto Loeb.
"Não entendi por que não puseram responsáveis para guardar a obra", disse Loeb. "Isso é responsabilidade da Bienal, não faz sentido deixar o trabalho isolado."
Um dos seis terreiros construídos por artistas e arquitetos na Bienal, chamado de "Dito, Não Dito, Interdito", fica do lado de fora do prédio, inacessível aos visitantes.
Ontem, na entrada da Bienal, houve revistas mais minuciosas dos visitantes. Mas, mesmo com os ataques, responsáveis pela segurança disseram não ter alterado procedimentos na entrada.
"Temos um detector de metais que está nas mãos das pessoas desde a abertura para convidados", afirmou Emilio Kalil, produtor-executivo da mostra. "É a mesma segurança desde o início."
Curadores e diretores da Bienal devem se reunir hoje, num encontro de emergência, para decidir o que fazer com relação à obra de Kboco.
Convite revela medo da Bienal, diz pichadora presa em 2008 por Diógenes Muniz, Folha de S. Paulo
Matéria de Diógenes Muniz originalmente publicada na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2010
Para Caroline Pivetta, 25, presa em flagrante em 2008 por pintar com spray as paredes do pavilhão projetado por Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera, a Bienal tem medo dos pichadores e por isso aceitou a participação do grupo nesta edição. "Mesmo porque a gente é muito mais forte do que eles", afirma.
Carol Susto's, como assinava seus autos de prisão, foi condenada por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei. Recorre em liberdade. Desde agosto deste ano vive em Alvorada (periferia da Grande Porto Alegre) com a filha Virgínia, de menos de 1 ano.
O pai da criança morreu aos 22 anos, ao tentar pichar um prédio da av. Rebouças (zona sul de SP).
"Ele foi, mas foi feliz por ter representado a cena paulistana da pichação tão bem", diz a jovem. Caroline planeja ir ao vernissage da Bienal, que acontece na terça-feira (21). Se não fosse mãe, "chutaria o balde novamente" na abertura do evento, explica.
Procurado pela reportagem, o curador-chefe Moacir dos Anjos disse que o objetivo da Bienal não é "se redimir". "Seria muito pequeno da nossa e da parte dos pichadores, não é essa a questão. Foi um erro a Bienal de 2008 ter reduzido aquele episódio a um caso de polícia." O evento começa no dia 25 deste mês.
Leia abaixo trechos da entrevista de Caroline Pivetta à Folha por telefone.
Folha - Você vem para a Bienal?
Caroline - Não tenho certeza ainda. Minha situação financeira não está legal. Estou esperando a resposta dos meninos [pichadores]. O Djan [Ivson] diz que vai bancar minha passagem. Mas também estou esperando uma resposta de um serviço para trabalhar como atendente de telemarketing, não queria perder essa oportunidade. De qualquer forma, estamos vendo passagem para a próxima segunda-feira [20], um dia antes da vernissage.
Folha - Por que você não está nesse coletivo "Pixação SP" que vai integrar a Bienal deste ano?
Caroline - Eu pensei muitas vezes --em ir, em não ir-- e algo me diz que não é para eu estar lá dessa forma. Pode ser um pingo de mágoa, não sei explicar.
Folha - Quando você estava na cadeia, me disse o seguinte: "Tanto grafite, quanto pixo são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que eu faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual". Isso explica?
Caroline - Olha, nem tanto por essa parada de ser corrompido ou não. Hoje em dia eu já cheguei à conclusão de que não há nada de mal em um cara ganhar dinheiro com isso, se ele for um cara que representou, que teve uma caminhada legal e se ele puder levantar a voz a respeito, entende? Mesmo porque, por mais que ele vá para dentro de uma galeria e ganhe dinheiro com isso, não é todo mundo que vai aceitar, não tem como isso ser domesticado. Por mais que algumas pessoas aceitem, por mais que se ganhe dinheiro, por mais que seja legalizado, ainda vai incomodar. Tenho certeza que nunca vai ser domesticado.
Folha - Tem muito pichador que não compartilha dessa opinião sobre ganhar dinheiro com o "pixo".
Caroline - Sim, o pessoal da antiga. Não é que eles batem de frente com a gente, mas não concordam. Eles estão sempre fazendo críticas, não entenderam e não vão entender. Na época deles pichar era bem mais difícil também.
Folha - Voltando à Bienal, parece que nem pichadores, nem curadoria sabem bem o que vai acontecer e...
Caroline - E pode ser que tenha alguma surpresa no dia, né?
Folha - Sim, vários pichadores estão sendo convidados. Qual vai ser, na sua opinião, a reação deles neste retorno ao pavilhão do Ibirapuera?
Caroline - A gente não pode falar para eles faz ou não faz, entende? Quem vai tomar essa partida são eles mesmos. Só sei que, por tudo que passei... hoje em dia, se eu fosse eu sozinha, se eu não tivesse minha filha, talvez chutasse o balde novamente. Mas, hoje, eu tenho que pensar não só em mim, mas também na minha filha. Mesmo porque ela só tem eu, o pai dela morreu, então é complicado.
Folha - O que você acha da Bienal abrigar pichadores nesta edição, após o conflito que houve em 2008?
Caroline - Acho que eles tiveram um pouco de medo, sei lá, de receio, sabe? Do tipo, "vamos se juntar a eles, né". Mesmo porque eu acho que a gente [pichadores] é muito mais forte que eles [Bienal].
Folha - Você tem pichado?
Caroline - Não. Não tem como agora. Minha filha é muito pequena. Não vou sair varando a noite e deixar minha filha em casa para pichar. O mais importante para mim é ela. Antes, era a pichação. E neste mês fez um ano que eu não picho mais. Mas, mesmo assim, continuei colando nos "points" e frequentando as festas. Agora, eu tô parada, mas não posso dizer que larguei para sempre.
Depois bota lá no YouTube "Grilo 13 - Pixar É Humano" e ouve a letra da música. Ela diz exatamente o que é a pichação. É isso: a gente nunca vai ser valorizado, a gente faz porque a gente gosta. O pai da minha filha morreu fazendo o que gostava. E eu tenho certeza que ele foi, mas foi feliz por ter representado a cena paulistana da pichação tão bem.
Folha - Você colocou no seu fotolog imagens de pichações e disse que são dos "herdeiros". O que isso significa?
Caroline- Esses "pixos" são os nomes da minha filha e dos filhos de duas pessoas que faziam [pichação] comigo. Como forma de demonstrar amor por mim e pela minha filha eles jogam o nome dela também nos prédios.
Folha - Quando sua filha crescer, ela vai pichar também?
Caroline - Acho que a criação dela vai ser bem diferente da minha [Caroline não foi criada pelo pai]. Vou saber explicar melhor as coisas para ela.
Às portas da Bienal, "pixo" busca modelo de negócio no mercado de arte por Diógenes Muniz, Folha de S. Paulo
Matéria de Diógenes Muniz originalmente publicada na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2010
Qual é o preço do "pixo"? Para quem tenta afastá-lo da fachada da sua empresa ou residência, a lata de verniz antirabisco sai por R$ 170. Para quem quer comprá-lo, há duas opções de formato, bem mais caras: as fotografias dos ataques a prédios ou as "tags" --folhas com signos idênticos aos que os pichadores espalham pela cidade, famosas entre quem pratica a modalidade, mas que não foram assimiladas por colecionadores de arte. Ainda.
Enquanto a sociedade debatia se pichadores são artistas marginalizados ou só criminosos em busca de atenção, ou ambos, um grupo em São Paulo entrou no circuito das artes.
Quem visitar a Bienal deste ano perceberá que aumentou o espaço da pichação no maior palco das artes visuais da América Latina. Em 2008, os invasores não tiveram tempo de rabiscar muito mais que um andar do pavilhão do Ibirapuera e quebrar uma vidraça do térreo para escapar da polícia.
Desta vez, os três andares da 29ª Bienal, que abre no fim do mês com o tema "arte e política", receberão materiais organizados pelo trio intitulado "Pixação SP" (composto pelo fotógrafo Adriano "Choque", 23, e pelos pichadores Djan Ivson, 26, e Rafael Guedes Augustaitiz, 26).
Augustaitiz e Ivson lideraram o ataque com spray ocorrido em 2008 ao Pavilhão Ciccillo Matarazzo, que terminou na prisão em flagrante de Caroline Pivetta, enquanto Choque registrava a performance com sua câmera Canon Rebel. Caroline ficou encarcerada na Penitenciária Feminina de Santana por 50 dias. Foi condenada a quatro anos de prisão, em regime semiaberto, por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei --recorre em liberdade.
Oficialmente, a Bienal 2010 deve expor convites de festas, "tags", vídeos e fotos. Haverá também uma mesa de debates sobre o tema. Um dos nomes cogitados para mediação é o da filósofa Márcia Tiburi, para quem a pichação "é a única lírica que nos resta". CEUs (Centro Educacionais Unificados) pela cidade exibirão o DVD "100 Comédia 3", que mostra bastidores e estratégias de invasões a prédios e demarcações de parapeitos pela capital paulista (veja trailer).
A organização do evento descarta a possibilidade de pichação no pavilhão, alegando que isso "esvaziaria" a potência do que é visto nas ruas. "A pichação ocorre lá fora", diz Moacir dos Anjos, co-curador da Bienal. A questão é tratada com ambiguidade e certa provocação pelos pichadores.
"Vamos convidar o movimento e eu não tenho domínio sobre nenhum pichador. Não posso garantir nada. Se alguém vai pichar ou não, se algum quadro vai ser riscado ou não, isso aí a gente só vai saber no dia. E aí vamos ver mesmo se eles [Bienal] estão prezando mesmo pela pichação. A gente não precisa do aval de ninguém para fazer [pichar]. Se a gente quiser pichar lá tudo, desde o chão até uma obra de Antonio Dias, a gente vai, picha e foda-se", diz Ivson.
Segundo ele, a Bienal arcou com os custos da montagem do que será exposto pelo grupo (R$ 20 mil) e não houve cachê. A curadoria não comenta valores, mas afirma que pichadores receberam as mesmas condições dos outros artistas. Informa ainda que não haverá esquema especial de segurança por conta da presença de pichadores.
Elite do "pixo"
Famoso no circuito do "pixo" pelos serviços prestados entre os anos de 1996 e 2004, quando esteve no auge (literalmente) dos rabiscos em prédios de São Paulo, Ivson se define como "general" do movimento. Hoje, seu empenho é de militante.
"Estou me dedicando mais a divulgar a pichação em outras esferas. Por tudo que já fiz, para mim [a pichação comum] já deu, já tá bom. O que eu quero agora é revolução", diz.
Ivson ganha a vida como ajudante de pintor de prédios residenciais e é pai de duas crianças. "Minha carteira de trabalho é limpa, nunca fui registrado." No ano passado, viajou para a França a convite da Fundação Cartier, um pretigioso centro de arte ao sul de Paris. O cachê? Três mil euros para uma mostra retrospectiva sobre arte de rua. Atualmente, ele estuda a sondagem de uma galeria para vender as "tags" em Berlim, em uma viagem prevista para outubro.
Nas conversas com a reportagem, nos pontos de encontro da pichação em Osasco (Grande SP) e no Paissandu (centro), as entrevistas precisaram ser interrompidas mais de dez vezes. Ivson era saudado por colegas a todo instante, alguns deles dispostos a servir cerveja "na faixa" para o pichador e para a Folha.
As interrupções eram seguidas de recados como "O Djan representa!", enquanto Ivson descrevia quem chegava ("Esse moleque é pichador, quer dizer, ele tem feito mais furto que 'pixo', né..." ou "O monstrão aqui tá arregaçando os prédios lá do centro, sem massagem"). Em certo momento da entrevista, quando um grupo conversava em voz alta ao lado da reportagem, Ivson interveio: "Dá pra falar mais baixo aí? A gente tá gravando!" Silêncio imediato.
"Não sou líder. O líder intelectual é o Rafael [Augustaitiz]", diz, referindo-se ao ex-bolsista de artes visuais do Centro Universitário Belas Artes que apresentou como trabalho de conclusão de curso um ataque de "pixo" à instituição de ensino, em 2008.
O ato na Belas Artes rendeu a Augustaitiz uma visita ao 36º Distrito Policial, no Paraíso, e notoriedade como "Rafael Pixobomb". O "bomb" é um meio-caminho entre a pichação e o grafite. Em vez de traços pontudos e finos, a assinatura sai em letras mais arredondadas e ilustradas.
"Abandonei o [apelido] Pixobomb", conta Rafael. Agora, ele usa a assinatura "Opus666", e risca prédios com letras de "pixo". "Eu só somo no movimento, não tenho nenhuma pretensão de liderar. Eu gosto do barato, gosto de rabiscar mesmo", diz.
No começo de sua trajetória no "pixo", frequentadores dos "points" o achavam excêntrico. "O Rafael é um gênio, um profeta dos nossos tempos. Às vezes eu preciso traduzir o que ele diz até para a mãe dele", diz Ivson.
Augustaitiz evita entrevistas presenciais o quanto pode. Prefere mandar "salves" por e-mail do pequeno apartamento onde mora numa Cohab do Jardim Maria Cristina, em Barueri. Quando a reportagem pediu para que escrevesse alguma coisa sobre sua participação na Bienal, redigiu: "O bom da Bienal 'internacional' é a concentração da nata de adorno-charlatões, arquitetada curatorialmente para assim podermos doutorar."
Foi Rafael quem propôs a ruptura entre pichação e a "street art" em geral. A avaliação dos pichadores era que o grafite estava sendo usado como antídoto do "pixo" --ou seja, ao pagar por um mural com grafites, os comerciantes afastavam os "garranchos". "A galera acha que a gente é Pokémon: nasce pichador e evolui para grafiteiro", diz Ivson.
Performances
Dessa ruptura saíram os "atravessos" à galeria Choque Cultural e ao painéis de grafiteiros (entre eles, o mais famoso da cidade, com traços d'OsGêmeos e bancado pela Associação Comercial de São Paulo no valor de R$ 200 mil). Aos poucos, as performances com cunho politizado e alvos grandiosos ganharam mais atenção do que a corriqueira disputa por espaços na cidade, até então razão de ser da pichação paulistana. Chegou-se inclusive a planejar um ataque de tinta e spray à Prefeitura de São Paulo, abortado em cima da hora por falta de quorum.
"É muito mais pacífico o cara sair com a tinta pra contestar do que pichar só por ego, só para dizer que é melhor do que o outro pichador. Isso ficou para trás", diz Ivson.
Todos os ataques e performances dos pichadores são registrados pelo convidado mais jovem do coletivo, o fotógrafo Adriano Choque. Apesar da relação estreita com o movimento, Choque pede para não ser denominado como pichador ou "fotógrafo de pichadores". Ele admite vir de "um universo oposto" ao dos rapazes que saem das periferias para se debruçar nos parapeitos da capital.
"Não gosto deste rótulo", afirma. "Não compartilho de todos os pontos de vista dos pichadores."
Choque já expôs em Miami e na Cidade do México e suas fotos estão na edição de agosto da revista "Piauí". Em 2011, planeja levar os registros para a Europa. Os colegas dizem que o fotógrafo tem um histórico de pichação pela cidade. Ele nega.
"Nunca fui pichador. Desconheço o motivo do Djan ter afirmado isto", diz. Questionado se já vendeu alguma foto de pichação, responde, sem revelar o preço: "Eu estou expondo, não estou?"
Por enquanto, seus retratos das ações são o material mais "lógico" para comercialização do "pixo" (ou de suas representações). Mas não os únicos. Há planos, por parte dos pichadores, de viabilizar também as folhinhas assinadas no mercado de arte. O preço?
"Estamos tirando uma base pelo que a gente se arrisca, é o preço do nosso seguro de vida. A gente nunca pensou nessa possibilidade de vender a assinatura e agora que tá surgindo não vamos facilitar", diz Ivson, para logo em seguida dizer que cada "tag" --folha tamanho A4 com a "assinatura" do pichador-- valeria R$ 1 milhão.
A reportagem argumenta ser um valor fora de cogitação para estreantes.
"Quer um chute menor do que R$ 1 milhão? R$ 500 mil, no mínimo. A [artista] Beatriz Milhazes vendeu um crochezinho dela por R$ 1 milhão [o nome da tela é "O Mágico"]. A gente quer um milhão também, pô! Vamos ter advogado bom, vamos até tirar nossos manos da cadeia", diz, rindo.
"Acho que o mercado de arte é capaz de absorver muitas coisas. Do mesmo jeito que absorveu o grafite e absorveu, décadas atrás, materiais da arte contemporânea", avalia o curador Moacir Dos Anjos.
Para Márcia Tiburi, o que acontece nas galerias "é mera estética", e a adesão de pichadores ao mercado traz a possibilidade de "perda da revolta". "Isto não quer dizer que a garotada, os artistas, não possam exercitar a contradição --entre a rua e a galeria", explica. De qualquer forma, prossegue, "não acho que o 'pixo' ganhe com a Bienal, acho que como ação radical ele perde; mas, se os pichadores ganharem [dinheiro], quem vai poder dizer algo?"
Anarquizando no Iguatemi
Mesmo sem participar da elaboração da exposição em si, Caroline Pivetta, 25, personagem principal da "Bienal do Vazio", teve contato com curadoria e artistas da 29ª edição do evento. Seu encontro, aliás, foi marcante e ilustra bem como se dá a relação entre os pichadores e a instituição.
No meio deste ano, os curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos promoveram um banquete de luxo para 300 pessoas no shopping Iguatemi (zona sul). Na lista de convidados estavam artistas e curadores estrangeiros, o presidente da Fundação Bienal, Heitor Martins, e os pichadores, que insistiram em levar Caroline.
A organização serviu os presentes com vinho Montes Alpha Cabernet Sauvignon e espumante Chandon, num jantar elaborado pelo banqueteiro Toninho Mariutti e descrito pelos presentes como algo entre o tenso e o desconfortável.
"Nossa presença estava incomodando na festa, isso ficou claro para nós. A gente lá, conversando com os curadores, e a Carol quebrando copo, xingando geral. No final, ela saiu bêbada, desmaiada. Anarquizou total", relata Ivson.
Questionado sobre a noite, Dos Anjos diz ser "evidente um certo desconforto". "Primeiro, por conta de toda a situação da última Bienal e, depois, porque são mesmo dois mundos à parte."
"Não lembro direito o que aconteceu, só lembro de chegar no coquetel e, depois, de o Rafael me carregar no colo na saída", relata Caroline.
É difícil achar algum artista disposto a entrar na linha de fogo de jovens da periferia com discurso agressivo, disposição declarada de "atropelar" obras alheias e que, de uma Bienal para outra, foram alçados da penitenciária à última novidade do circuito das artes.
"A maioria dos caras que estão lá dentro [da Bienal], a maioria do trabalho deles é conversa para boi dormir", dispara Ivson. Para justificar sua afirmação, cita a instalação de Nuno Ramos com urubus, "Bandeira Branca" ("Quem é ele para querer abordar o 'lado sombrio' do Brasil? Com que propriedade ele fala disso, sendo que ele é um burguês formado em faculdade?").
Procurado pela reportagem, Nuno pondera: "Prefiro quem não gosta [do meu trabalho] a quem é neutro".
Acima desse estranhamento entre artistas e pichadores, paira um medo não declarado de um novo ataque. O caso é que ninguém --nem pichadores, nem curadoria, nem artistas-- parece saber o que vai acontecer de fato na abertura desta Bienal e, se acontecer, que papel cada um deve desempenhar.
"Sinceramente? Pode ser que sim, pode ser que não. Pode ser que o pessoal cole, pode ser que ninguém vá. Tem uns caras ali do 'point' do centro que, dependendo do dia, ficam 'virado no capeta'. E tem dias que estão tudo de boa. Eu já fiz aquilo lá [ataque à Bienal], não teria muita lógica para mim", afirma Augustaitiz.
Entre os pichadores, a presença mais aguardada é a de Caroline, que está morando na região metropolitana de Porto Alegre. Mesmo depois de presa e condenada em primeira instância, ela mantém na internet uma espécie de diário da pichação (fotolog.com.br/carolsustos/), frequentado por dezenas de admiradores.
Seu advogado tem divulgado que ela não virá --o que não é confirmado pela própria. "Estamos vendo passagem para a próxima segunda-feira", diz Caroline. "Se eu não tivesse minha filha, talvez chutasse o balde novamente [na Bienal]", afirma.
Além de evitar um novo entrevero como o de 2008, a pichadora perdeu o pai de sua filha há pouco tempo. Conhecido como "Guigo", o integrante do grupo "Néticos" conheceu o preço mais alto do "pixo": aos 22 anos, despencou do oitavo andar quando tentava deixar sua marca em um prédio residencial na av. Rebouças.
Urubus na Bienal: bom e mau agouro na obra-prima de Niemeyer por Bernardo Carvalho, Folha de S. Paulo
Matéria de Bernardo Carvalho originalmente publicada na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 19 de setembro de 2010
Debaixo de um sol escaldante, do lado de fora do prédio da Bienal, onde está construindo uma estrutura de madeira pintada que lembra o altar de um templo do Vale do Amanhecer, o artista Kboco desabafa: "Isso aqui é o deserto do Saara. Essa luz aí em cima", diz, apontando para uma lâmpada no alto da fachada, "fica acesa o dia inteiro. À noite, eles apagam. E não tem ninguém pra acender". E de onde você tirou essas formas? "Do inconsciente", ele responde.
Falta uma semana para a abertura da 29ª Bienal de Arte de São Paulo e Kboco está construindo, com o arquiteto Roberto Loeb, um dos seis "espaços de convivência" idealizados pelos curadores, e nomeados "terreiros", que ficarão espalhados pela exposição.
O dele é o único do lado de fora do prédio. É reservado às "manifestações e reivindicações públicas". Mas não é contraditório delimitar um espaço para manifestações espontâneas?
"Essa é a grande polêmica. Meu foco vem dos skatistas. Mas skatista é feio e sujo. Pediram pra eu mudar o projeto inicial, porque skatista podia se acidentar. A Prefeitura está num processo de criminalização do skate. Como é que uma Bienal que quer tratar de política não quer que eu toque nessa questão? Botar skate no espaço da arte é a anarquia total. Os caras aqui ainda estão no Hélio Oiticica. Skate é contemporâneo."
E vão cercar o espaço? "Não sei. Também não sei se essa porta vai ficar aberta. Ninguém falou comigo. Os curadores estão fugindo de mim. Contestei tudo. Mas na Bienal não pode contestar. Vou defender a instituição? Eu não. Defendo o povo. Cada um defende o seu", diz.
RECONSTRUÇÃO Kboco pode não estar entendendo um monte de coisas, mas pelo menos uma ele já compreendeu: a Bienal da "arte e política" (tema da mostra deste ano) é, no fundo, a da reconstrução da instituição.
"As instituições foram destruídas pela Lei Rouanet. Sobraram as instituições que a lei criou: o CCBB, o Santander, a Caixa Cultural. Essas vão muito bem. Mas não têm acervo, não têm história, a maioria não tem prédio", diz Nuno Ramos, cuja obra "Bandeira Branca" ocupa o centro desta Bienal. "Devo muito a elas, mas é uma pena que instituições como o Masp e a Bienal tenham ficado à míngua. Estão um pouco melhor agora. O único modo de as obras aparecerem é tornando fortes as instituições. No Brasil, você prova que o Sarney é corrupto e ele sai ileso. Há um descolamento entre a consciência pública e a realidade institucional, que é nova. Talvez a política mais rica hoje seja mesmo a reconstituição das instituições."
Quem entrar no prédio da Bienal no próximo sábado, quando a mostra será aberta ao público, vai deparar com uma imensa estrutura cenográfica que, em sua monumentalidade, é capaz de ofuscar tudo em volta: três enormes esculturas negras -a maior com oito metros de altura-, terminando em capitéis sobre os quais estarão pousados três urubus -se não estiverem voando pelo vão central, cercado ao longo dos três andares por uma tela de proteção preta.
As formas das esculturas têm a ver com a arquitetura de Oscar Niemeyer, que desenhou o prédio, só que pretas, como gigantescos mausoléus cobertos de areia queimada e, no alto, lápides de mármore. "Acho que a gente está vivendo um tipo de desenvolvimentismo. Todo mundo eufórico, mas todo mundo muito cego. Quis romper isso com uma espécie de mau agouro que os urubus vão dar para o vão central, que é uma das coisas mais bonitas que o Niemeyer já fez", diz Ramos.
MOTE ESVAZIADO A referência a um novo desenvolvimentismo define essa edição da Bienal. Muito mais do que o mote multifuncional -e por isso mesmo esvaziado- de "arte e política". Uma crise administrativa, para dizer o mínimo, deixou a Bienal à morte nos últimos anos. As duas últimas edições -essas, sim, "políticas", no sentido de questionar (como Kboco entende que deve ser) o papel da instituição (a 27ª, ao decretar a obsolescência da autoria artística individual; a 28ª, ao propor uma autorreflexão no lugar das obras)- de certo modo reforçaram a ideia da crise. A despeito das boas intenções, foram bienais "negativas", de confronto. E uma instituição negativa é uma contradição em termos.
Ao insistir que a arte diz o que não pode ser dito de outra forma, o curador Moacir dos Anjos marca um corte definitivo em relação às duas bienais anteriores. E, ao trazer o foco de volta para a arte (o maior mérito e a verdadeira ação política desta Bienal), tenta recuperar o papel tradicional da instituição, mostrando as obras. É o que garante a volta do financiamento (cerca de R$ 30 milhões, pela Lei Rouanet).
Dos Anjos chegou a citar em entrevistas a frase seminal de Jean-Luc Godard, um dos artistas convidados, para justificar sua ideia de "arte e política": "A cultura é a regra; a arte é a exceção". Mas, enquanto forem eixos fundamentais da cultura, as instituições terão de ser necessariamente regra.
O que justifica a instituição é a noção de bem público, não a de fissura. Política mesmo seria uma Bienal cujo mote fosse "arte e mercado" (que é hoje a questão de fundo das artes -e sua maior contradição), mas dessa, provavelmente, nenhum artista ia querer participar. O poder contestatório da política é "negativo".
REFRÃO CONSENSUAL O guarda-chuva da "arte e política", embora contraditório e retórico, serve como refrão consensual, reconciliador (quem não quer ser identificado a arte e política hoje? -política bem entendida como exceção à regra) e "positivo" para a reconstrução da instituição num momento em que o país sonha com um novo lugar no mundo, como potência alternativa, já com um mercado desenvolvido, que clama pelas garantias de estabilidade de instituições igualmente sólidas para continuar a se expandir.
A ambiguidade do trabalho de Nuno Ramos permite sintetizar essa vocação e essa vontade ao exaltar, ainda que pelo aparente "negativo", uma brasilidade mais complexa, uma nova identidade nacional, mais séria e de peso -o que também ocorre na reapropriação da obra de Hélio Oiticica.
Nuno Ramos é um artista de exceção, em torno do qual vem se construindo um consenso nacional. É um artista que se reapropria positivamente de ícones da identidade popular do país (o futebol, o samba), não mais pela óptica da naturalidade tropical, mas no resgate da seriedade de uma tradição crítica.
"Ele fala de um sentimento que a gente deixa de lado quando fala de Brasil. Um lado mais sombrio, mais Goeldi", diz Dos Anjos, que o convidou a ocupar o vão central da exposição.
NÃO PENETRÁVEL Ao lado dos urubus, no alto das imensas estruturas negras, três caixas de som, feitas de vidro, emitem os acordes de canções populares brasileiras: "Carcará", "Bandeira Branca" e "Boi da Cara Preta". O urubu é, ainda que ironicamente, a ave nacional. É a natureza (embora Ramos insista em se referir ao bicho como uma citação de Goeldi) convertida em identidade cultural.
"Nas minhas obras, cultura e natureza viram um sabão", diz o artista. "A areia que cobre as peças é natureza queimada. A natureza está preta. É um não penetrável. O penetrável é a tradição forte que veio do Hélio. O meu é o avesso. O público não entra. Tem uma coisa de litania, um incômodo, uma coisa de sono, de luto."
Há, porém, mais de uma maneira de ler a obra. A grandiosidade parece mais vocacionada à reconstrução da nação do que à sua desconstrução crítica, trágica ou fúnebre. Mausoléu não é ruína. E urubu é uma ave que "limpa" o terreno da morte. "Acredito na nação. A informação do país é muito forte. É importante você saber que o Pollock ou o Warhol eram americanos. O que a gente precisa é singularizar. O nacional, nesse sentido, é uma arma", diz Ramos.
O discurso do artista mostra uma reviravolta no pensamento da arte no país, que a 29ª Bienal quer encampar. Não é à toa que o curador tenha declarado à imprensa o desejo de reavaliar a arte brasileira. A questão principal dessa edição é a refundação da arte nacional (e com ela, da instituição) sobre uma imagem da qual o novo Brasil possa se servir na sua projeção internacional como potência alternativa. Tampouco é à toa que Nuno Ramos mencione Pollock e Warhol. E que seu trabalho seja o coração desta Bienal.
Pichador ataca obra com urubus na Bienal por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2010
Frase "libertem os urubu" foi pichada em obra do artista Nuno Ramos
Houve pancadaria entre seguranças e visitantes que apoiavam o pichador, que foi detido e levado a delegacia
Um pichador invadiu o viveiro de urubus montado no pavilhão da Bienal ontem à noite e pichou a frase "libertem os urubu" (sic) numa das estruturas de areia socada que sustentam as aves.
Aberta ontem para o público, a 29ª Bienal traz a instalação do artista Nuno Ramos, com três urubus vivos. Os animais não foram afetados.
O tumulto ontem no pavilhão começou por volta das 18h, quando uma dezena de ativistas da ONG Animais da Aldeia começou a circular pelo prédio gritando palavras como: "Bienal, cadê você? Os urubu vão morrer!".
O autor da ação, Djan Ivson, foi detido e levado à 36ª DP, na Vila Mariana. Com a invasão, houve pancadaria entre seguranças e visitantes que apoiavam o pichador. A Polícia Militar entrou no prédio numa ação com dez homens e uma viatura.
Visitantes reclamaram da truculência dos seguranças. Uma garota diz ter levado um tapa no rosto. "Quase me mataram e me enforcaram, e depois me jogaram para fora [da Bienal]", disse Ivson.
"Não vi nada disso", disse o produtor executivo da mostra, Emilio Kalil. "Houve um ato de vandalismo e estamos tomando as providências."
"Não vou prestar queixa. Quero esse cara solto", disse o artista Nuno Ramos após o incidente. "O mundo da cultura é o do diálogo, não estou revoltado, estou triste."
A Bienal diz que não fará mudanças na segurança. Ivson não passou pelo detector de metais, já que tem crachá de artista -ele faz parte do grupo Pixação SP, convidado pela própria Bienal.
"Não me arrependo de jeito nenhum de ter convidado eles", disse o curador Agnaldo Farias. Há dois anos, um grupo pichou as paredes do andar que havia sido deixado vazio pela curadoria.
Surto político por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2010
Caso de censura de obra a favor do PT e acusação da OAB de apologia ao terrorismo turbinam início, hoje, da 29ª Bienal
Quando armar uma fogueira com barras de gelo no gramado do Ibirapuera hoje de manhã, o artista Paulo Bruscky vai resumir de forma sutil um debate que incendeia esta Bienal de São Paulo, aberta agora ao público.
São labaredas congeladas que desaparecem com o tempo, marcando sem gritos a forte tensão entre estética e suas dimensões políticas.
Em situação mais nervosa, a 29ª Bienal, que discute a natureza política da arte, teve uma obra censurada após um alerta da Justiça Eleitoral e um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil para a remoção de outra peça.
Roberto Jacoby, artista argentino que fez em pleno pavilhão uma espécie de campanha por Dilma Rousseff, candidata petista à Presidência, teve o trabalho tapado.
Segundo a Procuradoria Regional Eleitoral, é proibido fazer campanha em prédios públicos e em eventos que recebem dinheiro do governo, caso da Bienal de São Paulo.
"Não se pode fazer política na Bienal de política", disse Jacoby no dia em que cobriram seu trabalho. "Talvez a Bienal devesse falar de decoração, seria mais sincero."
Outro artista, Gil Vicente, mostra uma série de autorretratos em que aparece assassinando líderes políticos e religiosos, entre eles o presidente Lula e George Bush.
"Minha questão era muito direta, era expurgar a raiva que tinha", diz Vicente. "Não entendo de arte e também não leio nada sobre arte."
No caso, a OAB de São Paulo acusou o artista de fazer apologia ao terrorismo.
É uma discussão que ronda até agora só a casca polêmica dessas obras, mas turbinou o debate sobre o que significa arte política hoje.
Passada essa barreira do óbvio, outros artistas, que por enquanto chamaram menos a atenção, mostram que política se traduz em estética de outros modos.
"É óbvio para qualquer débil mental que um desenho numa Bienal não incita o terrorismo", diz Nuno Ramos, artista que montou um viveiro de urubus no vão central do pavilhão de Niemeyer.
"Mas há obras políticas explícitas que preservam a ambiguidade", afirma. "A questão é um pouco o quanto a obra consegue e quanto uma obra deve ser ambígua."
Seus urubus enjaulados, que voam ao som de "Bandeira Branca" e "Carcará", não apontam armas nem enfiam a faca na garganta do presidente, mas parecem fazer críticas numa frequência um tanto mais discreta.
"Uma grande obra é política em si" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2010
Na Bienal, Cildo Meireles, Nuno Ramos, Paulo Bruscky, Joseph Kosuth e Zé Celso defendem obras mais sutis
Obras desses artistas não ignoram críticas a figuras e estruturas de poder, mas trilham rotas mais simbólicas
É impossível ver a distância, mas a paisagem idílica num cilindro gigantesco, obra de Cildo Meireles na Bienal, gira movida por homens de verdade num engenho às avessas debaixo dela.
Meireles passa longe da campanha política para revelar e ao mesmo tempo esconder as engrenagens do poder e da construção da imagem.
Não é território estranho para quem já circulou mensagens contra a ditadura em cédulas de dinheiro e garrafas de Coca-Cola nos anos 60.
"Arte política não pode ser imediatista, o trabalho tem que estar inserido na história da arte", resume Meireles. "Não adianta fazer denúncia de pernas curtas, que não sobrevive às circunstâncias."
Pernas curtas, no caso, teriam a pseudocampanha de Roberto Jacoby a favor de Dilma Rousseff, ou mesmo os assassinatos do papa, Lula e George Bush por Gil Vicente.
Sem violência, Paulo Bruscky parou o trânsito numa ponte em Recife durante a ditadura, amarrando uma fita vermelha de ponta e ponta. Está na Bienal um filme das pessoas que param, olham e decidem passar por baixo ou por cima da linha.
"Eram obras que expunham o clima de uma época", lembra Bruscky. "Trabalhei até com termômetros, mostrando o clima político como poesia e como tensão."
Nessa tensão, o artista foi preso duas vezes nos anos 70 e diz ter sido ameaçado de morte pelo regime militar. "Passei seis meses com medo de ser morto", conta. "Diziam que eu seria assassinado, ou melhor, acidentado."
MÍSSIL DO DISCURSO
Nos Estados Unidos, o artista Joseph Kosuth enfrentou ameaças de outra ordem. Pioneiro da arte conceitual, ele está na Bienal com quatro painéis que reproduzem as definições de "norte", "sul", "leste" e "oeste", pontos cardeais de uma ação estética e ao mesmo tempo política.
Quando decidiu ser mais explícito, fez, nas eleições de 1992, uma obra a favor de Bill Clinton e contra George Bush. Foi seu primeiro e último trabalho panfletário. Chegou a ser ameaçado de censura pelo museu, que era público, mas a instalação ficou lá até a vitória de Clinton.
"É perigoso afirmar uma mensagem, uma ordem", diz Kosuth à Folha. "O problema da arte política é que ela tem o mesmo conservadorismo que a publicidade, reduz tudo a um momento, e arte é importante demais para ser só o míssil de um discurso."
Fugindo desse míssil, Kosuth depois seguiu um caminho também explícito, mas do ponto de vista semântico.
Amplia as definições de palavras do dicionário ou prega citações de filósofos ou líderes totalitários ao lado de obras de outros artistas em museu. Está lá um discurso seu e ao mesmo tempo anônimo, que deixa as associações a cargo do espectador.
"Política está ligada ao poder humano de interferência nas estruturas", resume José Celso Martinez Corrêa, que encena amanhã, na Bienal, a peça "Bailado do Deus Morto", de Flávio de Carvalho.
"Uma grande obra de arte é política em si", afirma. "A rampa da Bienal é política."
Mais realistas do que o rei, curadores decidem censurar instalação "eleitoral" por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de São Paulo
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no caderno Opinião da Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2010
Depois de anunciar que a 29ª Bienal valorizaria as relações entre arte e política (o que se tornou um clichê no circuito das grandes exposições), a curadoria da mostra revelou-se perfeitamente pusilânime nessa matéria ao reagir ao incômodo causado pelo trabalho do argentino Roberto Jacoby.
O artista montou em seu espaço uma espécie de oficina eleitoral, na qual um grupo de pessoas produzia peças que propagandeavam a candidata Dilma Rousseff.
Aviso logo: não pretendo votar na postulante petista; gosto de arte, gosto até certo ponto de política, mas muito raramente gosto dos dois juntos. Considero a proposta de Jacoby um equívoco entre outros do gênero "político" presentes nessa Bienal.
Posto isso, é chocante que os responsáveis pela mostra tenham censurado a obra escudando-se num parecer preliminar de um tribunal secundário, que manifestava a possibilidade, a meu ver estapafúrdia, de se enquadrar o trabalho de Jacoby na legislação eleitoral.
O mínimo que se poderia esperar é que os curadores assumissem a defesa radical do espaço artístico como território de ampla liberdade. Nesse contexto, o intencional caráter político-partidário da intervenção do artista tem que ser avaliado por critérios culturais e estéticos, jamais por dispositivos de uma lei eleitoral -em muitos aspectos, aliás, discutível.
Mas não. A curadoria, talvez atendendo a pressões típicas desses períodos, apressou-se em ser mais realista do que o rei. Depois de fazer uma consulta ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidiu se antecipar a uma decisão que talvez a obrigasse a suprimir a obra por infringir a lei eleitoral.
PERPLEXIDADE
Que política é essa que a Bienal e os curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos estão propondo? Alguém com um pouco mais de espinha sustentaria até as últimas consequências o direito do artista de prosseguir com seu trabalho.
A Justiça que se pronunciasse e a polícia que fosse fazer o serviço que os curadores decidiram diligentemente prestar ao obscurantismo. Alegaram que poderiam ser presos... Ora, que enfrentassem a investida, que defendessem uma causa, que criassem um fato verdadeiramente político!
Para piorar a situação, querem culpar a vítima. Voltam-se contra o artista. Seja na petição que fizeram ao TRE, seja nas declarações à imprensa, acusam Jacoby de tê-los ludibriado. A dupla Anjos e Farias (que convidou Jacoby) adotou o famoso bordão "eu não sabia" ao referir-se ao conteúdo da instalação -o que, na hipótese mais benévola, é um atestado de incompetência.
Farias declarou à Folha que os curadores ficaram "perplexos" diante da instalação do argentino. Estranho. De minha parte, fiquei perplexo diante de tanta frouxidão de princípios.